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sábado, 1 de agosto de 2015

Sala de Aulas - Capítulo 3 - O Início de uma Nova Fase nessa Função - Por Luiz Domingues

Então começou uma nova "Era" na minha vida como professor. Com as aulas alojadas em minha residência, a comodidade por não ter que deslocar-me para um outro local de trabalho, deu-me horas a mais de sono, menos cansaço e consequentemente, maior qualidade de vida. 

Isso sem contar a economia significativa com a despesa da locomoção e eventuais gastos com alimentação que eu tinha anteriormente. Além do fato concreto de que ao disponibilizar um endereço mais centralizado, aumentou em muito o número de alunos no meu quadro.

Rapidamente eu aumentei a quantidade, para atingir uma média entre vinte e cinco a trinta alunos e assim passei a ocupar todos os dias da semana, de terça a sábado. 

Deixava apenas a segunda livre para realizar tarefas pessoais e para manter viagens regulares ao Rio de Janeiro, em uma fase em que frequentei bastante aquela cidade. 

Claro, houveram aspectos negativos também. Apesar de contar com um quarto específico para tal atividade, a entrada e saída de alunos transformou-se em um transtorno para a minha família.

Com a campainha a não deixar ninguém em paz, eu tive todo o cuidado em ser o mais ágil possível nessas operações, para minimizar o incômodo à minha família. 

A questão do volume do amplificador também foi controlada, visto ter sido um prédio de apartamentos. E também houve o aspecto das ondas de euforia ali geradas, quando acumulavam-se muitos alunos no ambiente e as risadas extrapolavam. 

Claro que foi difícil conter essa euforia juvenil, mas de uma maneira geral, eu acredito ter conseguido manter uma ordem mínima, pois nunca tive problemas com os vizinhos, com o síndico ou zelador.

Por um ano e meio em que morei naquele apartamento, nunca tive problemas com a vizinhança. 

A frequência de minhas aulas continuava a ser formada predominantemente por entusiastas do Heavy-Metal oitentista, um ou outro admirador das correntes do Pós-Punk e raros interessados em outras vertentes. Mas em 1989, começou a aparecer fãs de uma tendência típica do final da década de oitenta: os admiradores do "Guns n' Roses".

Aquele riff da canção: "Sweet Child O' Mine" tocava ad nauseam nas estações de Rádio e uma nova garotada parecia estar a entusiasmar-se com esse Hard-Rock ainda com trejeitos oitentistas, mas a insinuar-se retrô em alguns aspectos. 

Particularmente, mesmo por eu não ser nenhum entusiasta do "Guns" e muito pelo contrário, achava positiva essa moda "mezzo retrô" que vinha a reboque no trabalho deles e interpretava isso na época como um alento, em meio a tantas contrariedades sofridas na década de oitenta inteira e aliás, desde os últimos anos da década de setenta. 

Só fui saber da existência do "Black Crowes" e de "Lenny Kravitz", algum tempo depois, aí sim, artistas empenhados no "religare" do Rock. E a cena do "Brit-Pop" só explodiria na metade dos anos 1990. E assim foram os primeiros meses dessa mudança total na minha relação com as aulas. 

No próximo segmento, começarei a relatar sobre o segundo semestre de 1989.

Eu tive pouquíssimos alunos que apreciavam a cena Punk-Rock ou demais derivados do Pós-Punk. Pelo que recordo-me, só tive um aluno declaradamente entusiasta do Pós-Punk. Isso ocorreu em 1991, mas eu expliquei-lhe que minha metodologia era calcada 100% no Rock 1960 & 1970 e ele não sentiu-se incomodado em princípio. Mas também não ficou muito tempo no meu quadro e o engraçado foi que ele tinha um visual típico de uma tribo oitentista, ao estilo "Dark" e vivia com aquele semblante a estampar uma depressão forçada, talvez de cunho existencialista. 

De volta à cronologia da narrativa, logo no início do segundo semestre, uma ação feita por um aluno meu, resultou em um dos últimos suspiros d'A Chave "sem" Sol. 

Um ótimo aluno meu, chamado: Marcelo Dias (popularmente conhecido como "Marcelinho Carioca" e do qual eu já mencionei anteriormente), tocava em uma banda de Hard-Rock chamada: "Êxito". 

Como tal grupo era oriundo da região do grande ABC, os garotos do Êxito detinham contatos interessantes naquelas cidades do ABC e assim, em uma determinada aula, o Marcelo disse-me que tinha uma data para ser usada no Teatro Elis Regina, localizado em São Bernardo do Campo-SP. 

Não vou alongar-me nessa descrição, pois a história desse show é objeto de análise no capítulo d'A Chave/The Key ("sem" Sol), e ali está com detalhes, mais adequadamente.

Aqui, eu comento apenas que os esforços dos rapazes do Êxito foram notáveis. Eles mesmo imprimiram cartazes e filipetas e os distribuíram em pelo menos quatro, das sete cidades que formam a região do ABC. 

O show foi um sucesso de público e claro, o "Êxito" fez um bom show de abertura. Eu sabia que os rapazes da banda eram bons, mas no show, surpreendi-me, pois eram melhores ainda do que eu supunha. 

Um ano depois, essa banda estaria a atuar com um outro nome e a apresentar um repertório bem mais calcado no Prog-Rock setentista. Dali em diante, ao passar a chamar-se: "Aura", convidar-me-iam para produzir em um estúdio de Santo André-SP, uma fita demo, ao final de 1990, mas essa história eu já contei oportunamente no capítulo, "Trabalhos Avulsos". 

Nesta foto, o Êxito já como "Aura" e que posteriormente transformar-se-ia no "Via Lumini". O meu aluno, Marcelo "Carioca" Dias, é o primeiro à direita, a usar blusa preta

Foi nessa época que eu dei uma arrancada para estabelecer um número máximo de alunos. Do segundo semestre de 1989, até a metade de 1996, mantive essa constante e foi o meu apogeu como professor. 

Os contatos com bandas novas de alunos eram constantes, fora a quantidade de pessoas que abordavam-me, a pedir-me indicações de baixistas para bandas que estavam a precisar de tais instrumentistas.

Com os horários tomados, certamente foi uma época em que a minha dedicação esteve centrada nas aulas, pois as minhas atividades com "A Chave/The Key", resumiram-se às sessões de gravação do LP "A New Revolution", que comprometi-me a participar, mas meu foco já estava praticamente fora dessa banda. 

E de fato, fizemos pouquíssimos shows em 1989 e assim que a minha participação encerrou-se no estúdio, eu comuniquei ao Beto que não desejava mais continuar (mas ele já sabia dessa intenção, antes mesmo de eu gravar). 

Então, a partir daí eu só fui envolver-me com outros projetos de música, no ano de 1990 e no capítulo: "Trabalhos Avulsos", já contei todas as experiências que tive nesse sentido.

De volta ao assunto das aulas, o que esquentou no segundo semestre, depois de agosto, foi o clima em torno das eleições presidenciais.
Como eu sempre acompanhei a política, certamente tornou-se um assunto acalorado na minha sala de aula e a seguir eu falarei sobre como quase fui a voluntariar-me na campanha.

As eleições presidenciais começaram a esquentar as discussões em toda parte e na minha sala de aulas, por incrível que pareça, isso não foi diferente. Constatei com certa surpresa, pois a minha clientela básica era composta por adolescentes e/ou recém-saídos da adolescência, portanto, seria natural que falassem o tempo todo sobre música e nas raras ocasiões diferentes, qualquer coisa, menos política. 

Mas eu empolguei-me com o interesse que senti em vários deles e sendo assim, entre um riff e um exercício extenuante no baixo, as conversas sobre a sucessão presidencial acaloraram-se. A imensa maioria ali se mostrava simpática à Lula, Brizola ou Covas. Talvez alguém tenha citado, Ulysses Guimarães, mas absolutamente ninguém nutrira simpatia pelo Collor.

Em um determinado ponto da campanha, decidi-me pelo Mário Covas, do outrora simpático PSDB e muitos alunos cobraram-me um posicionamento mais incisivo. Queriam que eu fosse ao diretório central desse partido e oferecesse-me para prestar um depoimento de apoio público. Muitos artistas estavam a aderir à campanha do Lula e de outros candidatos progressistas e no caso do Covas, também houve esse tipo de adesão ao se imaginar que a social democracia mantivesse vínculo de fato com a visão social. 

Em princípio, eu achei que deveria fazê-lo em respeito à minha consciência e para contribuir com um futuro melhor para o Brasil, ao também manter uma ingênua imagem desse partido ser o que declarava em seu pomposo nome, mas ponderei e achei melhor manifestar-me apenas como cidadão, na urna. De fato, a política é volátil.

O Covas era um político de fibra, que eu admirava, mas o seu partido perdeu-se tempos depois e nos dias atuais desfigurou-se em meio a apoios e apoiadores escusos, ao tornar-se fisiológico e pragmático ao ponto de compactuar com ideais vindos da parte de elementos dispares, ou seja, a fazer com que homens com dignidade como Covas e Montoro, fundadores do partido, tivessem asco. Ainda bem que eu não fui expor-me publicamente, sob o risco de ficar estigmatizado posteriormente.

E houve mais um fator que pesou em minha decisão para não envolver-me diretamente na campanha: apesar de ser reconhecido publicamente no meio Rocker brasileiro, aos olhos do grande público, eu não era ninguém.  

Se precisasse explicar aos atendentes do comitê quem eu era e o que desejava, realmente o meu apoio não fazia sentido à candidatura, Covas. A minha namorada na época (Sandra Regina), incentivou-me também bastante a tomar essa atitude, mas eu ponderei os prós e os contras e limitei-me a uma militância reservada e claro, o meu frágil voto isolado e insignificante na urna, foi esmagado pelos "colloridos", sob maioria abduzida. 

Ao falar especificamente das aulas, o final de 1989 confirmou o que eu já disse anteriormente, ou seja, uma forte tendência de mudança no perfil de meus alunos. Antes majoritária, a clientela "metaleira" começou a diminuir, acintosamente. A frequência de garotos a usarem camisetas pretas com estampas de caveiras, insinuações sobre a escatologia e morbidez em geral, pôs-se a minguar.

Foram os ecos da nova década que chegava, a varrer do mapa, ou pelo menos para confinar em nichos específicos, as tendências oitentistas em geral. Houveram lampejos de ordem "retrô" na proposta sonora do "Guns n' Roses", o nome mais proeminente nessa virada do ano de 1989 para 1990. Mas também o movimento "grunge" mostrara a face nessa virada, certamente. 

Enfim, ao fechar o ano de 1989, o encanto generalizado pela vitória do candidato presidencial arrogante e certamente coadunado com o continuísmo da velha mentalidade feudal, foi rapidamente quebrado, assim que ele tomou posse a seguir, a gerar frustração para a maioria, mas paciência.  

E as minhas aulas começariam uma nova Era, com uma aproximação muito forte com as ideias retrô, que esquentaria demais após 1992 e trazer-me-ia bons frutos, aliás ótimos, conforme eu relatarei na sequência.  

Ao virar do ano de 1989 para 1990, entramos enfim em uma fase de mais esperança em torno de possíveis resgates estéticos e sonoros. Deu para sentir no ar uma atmosfera diferente em relação aos anos anteriores. Ainda era, cronologicamente a falar, o último ano da década de 1980, mas foi nítido o sinal de abrandamento daquelas trevas oitentistas, pintadas de preto e cinza. 

Nesse início de ano, lembro-me que eu arrumei um aluno no Rio de Janeiro, também. E como costumava ir lá quinzenalmente, fazia uma aula dupla nessa dinâmica.

E assim, ajudava-me a custear a despesa da viagem. Tratava-se de um adolescente fanático pelo "Iron Maiden" e que possuía um baixo Fender Precision, azul, só para acompanhar o seu ídolo, daquela banda britânica. Ele achava que eu gostava do Steve Harris e a sua Donzela de Ferro, mas tal artista nunca interessou-me e muito pelo contrário. 

Nessa altura, o meu sábado transformara-se no dia mais pesado, pois começava às 8:00 horas da manhã e só encerrava-se às 20:00 horas, sem interrupções para almoço, café e lanche. Era "um dia de cão", como diria o Al Pacino!

Foi no início de 1990 que um aluno novo foi indicado-me pelo meu amigo, José Fazano, chamado: José Reis Gonçalves de Oliveira.

Momento de descontração no camarim de um show do Pitbulls on Crack, em 1993. José Reis é o rapaz com óculos, e nessa ocasião, ele era roadie da banda

O Zé Reis, como passei a chamá-lo, tornou-se um dos meus melhores amigos, por ser testemunha ocular de toda a trajetória do Pitbulls on Crack, a partir de 1992, além de diversas outras jornadas musicais minhas. 

A sua primeira atuação ao ajudar-me como roadie, foi logo em 1990, mesmo, na banda: "Electric Funeral", tributo ao Black Sabbath, em que eu faria algumas participações e logo depois no "Pinha's Band", pois foi ele mesmo que indicou-me como baixista, ao baterista, Paolo Girardello (as duas histórias já devidamente narradas nos capítulos dos "Trabalhos Avulsos").

O meu aluno, Nelson Binatti, em foto um pouco depois do ponto em que estou a narrar, 1990
 

Um outro aluno dessa época, início de 1990, foi o Nelson Binatti, que assim que o conheci, descobri que era amigo do Osvaldo "Galinha", ex-baixista do Salário Mínimo e este por muitos anos, roadie do Roberto de Carvalho, marido/guitarrista da Rita Lee.

Marcos Martines, um dos melhores alunos que eu tive, em foto bem posterior ao período em que foi meu aluno
 

Outro que também tornar-se-ia amigo e testemunha de muitas jornadas, foi o Marcos Martines. Ele era um rapaz extremamente determinado. Nessa fase, ele permaneceu por pouco tempo. Martines saiu e voltaria a procurar-me em 1992, quando aí sim, engatou uma sequência firme com aulas e enturmar-se-ia fortemente com diversos outros alunos meus. 

E por falar sobre resgates, o que eu comecei a vislumbrar muito sutilmente a partir de 1988, foi quando vi o clip da música: "When We Was Fab", do George Harrison na TV, e tal sentimento, pôs-se a crescer a partir de 1989. 

Via com bons olhos o sucesso meteórico do "Guns n' Roses", embora não achasse a banda grande coisa, muito por conta de seu vocalista de voz esganiçada e presença de palco espalhafatosa. 

Mas também estava atento a uma certa cena de resgate da Soul Music, em que artistas como: "Terence Trent D'Arby", "Seal" e "Simply Red" pareciam estarem a resgatar a velha sonoridade da gravadora "Motown" em suas respectivas obras, ainda que a produção de estúdio dos três, detivesse ranços do Pop oitentista, ainda muito delineados. 

Não demoraria muito e eu conheceria enfim artistas realmente coadunados com essa questão do resgate, tais como: "The Black Crowes" e "Lenny Kravitz". Foram sinais alentadores, sem dúvida e nessa altura, 1990, eu já alimentava fortemente essa vontade de querer buscar as minhas raízes, processo que só aumentou com o decorrer dos anos noventa e assunto esse já detalhado nos capítulos sobre três bandas onde toquei: Pitbulls on Crack, Sidharta e Patrulha do Espaço.

Logo no início de 1990, as minhas aulas ganharam certamente um ar diferente, ao demarcar a sua segunda fase. Eu costumo dividir a minha relação como professor em quatro fases, da seguinte forma:

1) 1987/1989 -  A Estrela que Apagou-se (decadência e fim d'A Chave do Sol e A Chave "Sem Sol" The Key)

2) 1990/1991 -  A Tatear no Escuro (em busca de um trabalho)

3) 1992/1997 - Sob o Luar (anos Pitbulls on Crack)

4) 1997/1999 -  A Embarcar na Nave Lisérgica (anos Sidharta/Patrulha do Espaço) 


Portanto, esteve encerrada a fase 1, na qual eu tivera uma banda e deixei de tê-la, para entrar em uma obscura fase onde relacionei-me com novos trabalhos, e pior ainda, por não achar efetivamente um espaço confortável e que desse-me reais perspectivas. 

Contudo, apesar de ser uma época sombria por esse aspecto, foi também marcada pela estabilidade financeira, por conta do suporte que as aulas davam-me. 

Nos cinco primeiros meses de 1990, não ocorreram grandes novidades em minhas aulas a não ser a partir de maio, quando eu tive que mudar-me de endereço nova e repentinamente e esse transtorno sempre fora invasivo no andamento da minha rotina, não só pelos preparativos de antes e depois da mudança de residência, mas principalmente pelo fato de ir morar em outro apartamento e este, ao contrário do que eu estava a residir, muito menos estratégico em termos de localização e transporte público. 

Com isso, temi sobre perder alunos, talvez desmotivados pelo fato do meu novo local de aulas ficar localizado cerca de oito quarteirões da estação de Metrô mais próxima e com muito menos linhas de ônibus disponíveis. Isso foi um fato, mas não houve uma outra alternativa. 

E assim foi, não teve jeito. Eu precisei mudar-me com a família e a partir de maio de 1990, deixei a Vila Mariana, onde tivera uma efêmera estadia e fui para a Aclimação, um bairro vizinho. 

O ambiente era o melhor possível, pois fui morar em um pedaço do bairro, super residencial, arborizado e muito perto do seu famoso parque (Parque da Aclimação). Mas tratou-se de um apartamento menor e pelo fato de estar localizado a cerca de oito quarteirões da estação de metrô mais próxima, poderia desanimar alguns alunos. 

Todavia, para a minha surpresa, eu não tive prejuízo algum. Em uma "Era" pré-Google Maps, eis que eu elaborei um arcaico mapa manuscrito, que xeroquei e distribuí para todos os meus alunos e a vida seguiu na rotina, assim que chegou a primeira terça-feira, após a minha mudança de endereço. 

O que eu não poderia prever é que estava a iniciar-se uma fase decisiva em minhas aulas, onde naquele preciso instante, eu estava prestes a conhecer uma série de pessoas que seriam importantes na minha trajetória musical, dali em diante. Fiquei pouco nesse apartamento da Aclimação, também e quando mudei-me a seguir (em 1991), para um sobrado muito próximo dali, foi aí sim, que muitas mudanças ocorreriam. 

Mas o assunto, por enquanto, é maio de 1990. Mesmo a contar com o meu quadro normal de alunos, eu aceitei um convite para lecionar em um espaço alternativo. Julguei que seria uma oportunidade boa para expandir-me como professor e coincidiu com uma época da vida onde eu estive sem banda autoral naquele momento e por ter sido convidado para diversos trabalhos e projetos. Essa história dos projetos dessa época, está toda escrita no capítulo, "Trabalhos Avulsos".

                 André Pomba" Cagni, em foto bem mais atual

O espaço em que aceitei ministrar aulas foi o "Dynamite", mediante convite de meu amigo, André "Pomba" Cagni, que em sociedade com o fotógrafo holandês, Eric De Haas, abrira desde o fim dos anos oitenta, um espaço próximo ao Sesc Vila Nova (na Vila Buarque, próximo ao centro de São Paulo). 

Tratava-se de um misto de redação da revista, com loja de instrumentos, acessórios e discos, mais espaço para shows e salas de ensaios para bandas. Ao diversificar ao máximo o empreendimento, o André quis também colocar à disposição de sua clientela, aulas de todos os instrumentos. 

Para ministrar aulas de baixo, ele convidou-me, pois como gerente geral do negócio, não tinha tempo algum para ele mesmo fazê-lo, visto ser baixista e professor, também. Aceitei o convite e passei a visitar o espaço, uma vez por semana. 

Em princípio, só havia uma aluna matriculada. Era uma adolescente chamada, Gisele. Menina muito novinha, mas aplicada aluna. Como o tempo passou e não apareceram outros candidatos, ficou inviável continuar, pois eu perdia tempo em deslocar-me para ir e voltar ao centro da cidade para dar uma única aula e se ficasse em casa, poderia ter mais três alunos tranquilamente com esse tempo gasto e sem precisar pagar uma taxa à escola. 

Foi com o uso de um "trólebus (ônibus elétrico"), que eu ia e voltava à sede da revista Dynamite, a utilizar a clássica linha, "Machado de Assis/Cardoso de Almeida", a utilizar a mais velha linha de trólebus de São Paulo, que ligava (liga) o bairro da Aclimação, na zona sul, ao bairro das Perdizes, na zona oeste da cidade

O André entendeu tranquilamente as minhas razões e por ser gentil, falou para a minha aluna ficar a vontade para acompanhar-me, ao deixar a escola da Dynamite, pois ele mesmo sentiu que o negócio das aulas não estava a transcorrer do jeito que ele gostaria e as outras atividades da casa, em contraste, prosperavam muito melhor. 

Mas a garota que era a minha única aluna ali, morava lá para os lados da Vila Leopoldina, no extremo da Zona Oeste de São Paulo e para ela ir à Aclimação ficaria inviável também. 

Dessa forma, deixei o espaço e foi a minha única incursão como professor em um espaço alternativo, fora de meu esquema normal. 

Claro, o fato de ter usado a casa do Beto por quase dois anos e eventuais aulas ministradas em domicílio, não caracterizavam algo fora do meu sistema tradicional. 

Ao firmar o meu novo apartamento como local de aulas, iniciei então uma fase próspera, com a manutenção de uma média alta de alunos. 

Nessa época, segundo semestre de 1990, entraram diversos alunos novos. Uma nova safra com objetivos já a diferenciar-se do perfil do meu início, como professor. Ficara cada vez mais rara a presença de aficionados do Heavy-Metal oitentista, e começou a surgir, ainda que timidamente em princípio, garotos interessados espontaneamente em Rock retrô, 1960 & 1970.

Muitos anos depois, sob uma coincidência incrível, a minha aluna, Alcione Sana, formar-se-ia radialista e seria uma componente fixa da "Rádio Matraca" dos meus amigos, Laert Sarrumor e Ayrton Mugnaini Jr. Nessa foto acima, promocional do programa, ela "devora" um LP de vinil, na companhia de ambos.

Lembro-me da entrada de alunos como Alcione Sana, que anos depois formar-se-ia radialista, sendo parceira de Laert Sarrumor & Ayrton Mugnaini Junior, no programa radiofônico: "Rádio Matraca".

Cito dessa mesma época o Carlos Antonio Keller Rodrigues, o popular "Cali", que tornar-se-ia um grande amigo e este por ser dono de um posto de gasolina, motivou que eu passasse a ser cliente dele sistematicamente também, quando conheci toda a sua família. A sua irmã, Claudia Keller, namorava o baterista, Paulo Zinner (Golpe de Estado, Rita Lee), nessa época, o que uniu-nos ainda mais com conexões sociais amigas, no métier do Rock paulistano.

                     Simone Zerbinato, em foto bem mais atual

Lembro-me também de Simone Zerbinato, que era muito amiga dos membros do "Golpe de Estado" e trabalhava como assessora de uma vereadora na Câmara Municipal de São Paulo. Bem politizada, ela enveredou-se pela política e hoje vive em Brasília. 

Outro caso que eu nutrira grande admiração, foi o de um garoto chamado: Marcelo Gonzalez e um outro, com um sobrenome italiano e que infelizmente não anotei e não recordo-me com precisão, mas que dizia-se corintiano (para compensar, nessa mesma época, havia outro aluno cujo sobrenome era: Claudio Sanches, sobrenome típico espanhol, mas ele vinha estudar com a camiseta do Palmeiras por baixo da camisa, em todas as aulas).

Futebol e colônias a parte, digo que eu admirava a força de vontade de Marcelo Gonzalez, por que ele vinha de muito longe. 

Ele morava em Embu das Artes-SP, um município na Grande São Paulo, mas a se colocar longe da capital. E para agravar, ele não morava na cidade em si, mas sim na zona rural, em um sitio distante do perímetro urbano. 

A sua saga para estar na minha casa às onze horas da manhã dos sábados, começava ainda sem a presença do sol, de onde enfrentava uma caminhada no escuro, para ir até o centro de sua cidade, e dali a tomar um ônibus até São Paulo, que o deixava no bairro de Pinheiros e depois, mais um dali até à Aclimação. 

A sua tenacidade se mostrara admirável, pois nunca faltou e não foram poucas as ocasiões onde a sua falta seria amplamente justificável. Muitas vezes gripado ou com a s suas vestes completamente ensopadas por ter deslocado-se debaixo de chuva torrencial e até mesmo em um dia de greve de motoristas de ônibus, onde sob sacrifício total, apareceu na minha casa, ao deixar-me orgulhoso de sua tenacidade.

Em 1992, dei-lhe carona até a sua casa após um show do Pitbulls on Crack, que ele foi ver e essa admiração só aumentou. Quando deixamos o perímetro urbano da cidade de Embu das Artes-SP, rumo ao sitio em que morava, pude ver o quanto era longe o percurso a pé. E a entrada do sítio era afastada, ou seja, ele andava bastante até alcançar a estrada de terra que levava-o até a cidade. 

O percurso do ônibus de Embu até o bairro de Pinheiros em São Paulo, demorava mais uma hora e meia, fora a espera no ponto e dali até a Aclimação, pelo menos mais quarenta e cinco minutos, se o trânsito estivesse bom. Exemplos assim comoviam-me, certamente.

Nessa mesma época, chegaram outros alunos que marcaram época, também.
Na sala de aulas do meu apartamento da Aclimação, em 1990, estou entre dois alunos. Não recordo-me do nome do rapaz cabeludo a minha esquerda na foto acima, mas o de camisa xadrez, é Hermeson Milani

   E nessa foto acima, Hermeson Milani, muitos anos depois...

Hermeson Milani, grande palmeirense, membro das origens da torcida uniformizada Mancha Verde e que sempre profetizava ainda em 1990: -"quando quebrarmos o tabu da escassez de títulos, emendaremos um no outro, sob uma avalanche". Esteve certo na sua profecia para os anos 1990. 

Flavio Sozigam, garoto talentoso que uma vez eu indiquei à vocalista Elizabeth "Tibet" Queiroz, que procurava um baixista para a sua banda peso-pesado, o "Ajna". Lembro-me até que promovi uma reunião entre o Ajna e Flavio Sozigam, na sala de estar de meu apartamento. 

Daniela, cuja primeira aula foi acompanhada pelo pai em pessoa, preocupado em deixar a sua filha de dezesseis anos, na casa de um cabeludo de trinta... bem, não tiro a razão do pai dela. 

Mas como mesmo o pai mais zeloso não pode evitar o inevitável, ela tornou-se namorada do Marcelo Gonzalez, aquele garoto de Embu das Artes, cuja história bonita de perseverança, eu contei anteriormente. 

Pelloso, foi um outro garoto esforçado, mas que ao contrário de outros citados, morava muito próximo. Ficamos muito amigos e posteriormente eu tornei-me professor também de seu irmão mais velho, Junior Pelloso, um dos mais fanáticos torcedores do Palmeiras que eu já conheci, e este que protagonizou várias histórias hilárias, vividas em estádios, nos anos noventa, que eu presenciei, in loco.

Na Rua João Maia, que dava acesso para a estação Ana Rosa do Metrô, havia um outdoor nessa época, a anunciar uma novidade que deu-me esperanças por dias melhores: a MTV estava por chegar ao Brasil, ou seja, uma emissora de TV, dedicada quase que exclusivamente ao Rock, seria algo para comemorar-se e estava para ser inaugurada. 

Outro fato curioso ocorreu com o Marcos Martines, cuja namorada, muito novinha, costumava ficar na sala de estar do meu apartamento, a assistir "Barrados no Baile", série norte-americana de TV, sensação entre as adolescentes daquele início de nova década. Enquanto eu passava riffs do "Led Zeppelin" na sala de aulas, a saga dos gêmeos Brenda e Brandon, acontecia na minha TV...

Os ventos do movimento "grunge" já faziam-se soar pelos lados de cá e o reflexo pronunciou-se nas minhas aulas. Tirante a febre gerada pelo "Guns 'n' Roses" que nada tinha a ver com esse processo, passou a ser comum alunos a pedir-me para ensinar-lhes riffs do "Soundgarden" e "Pearl Jam", principalmente. 

O "Nirvana" só foi estourar para valer mesmo alguns meses depois, já no decorrer de 1991 e a consolidar-se em 1992. Sorte a minha, pois "tirar" aquelas linhas de baixo medíocres, daquele baixista horroroso do Nirvana, teria sido o supra-sumo da humilhação.

Entrou enfim o ano de 1991 e esse panorama prosseguiu, com um aumento significativo de alunos divididos entre o "grunge" daquela atualidade e o som vintage das décadas de sessenta e setenta. 

O interessante foi que diminuíra visivelmente o número de alunos ligados no Heavy-Metal oitentista, a denotar um sinal de mudança, com o fim de uma Era. 

Concomitantemente, o primeiro semestre de 1991 foi uma fase marcada por diversas propostas de trabalho que eu tive e tudo isso já está amplamente relatado no capítulo: "Trabalhos Avulsos". 

E como venho a dizer, os sinais iniciais de que na década de noventa eu teria uma boa surpresa com a minha safra de alunos, começou a surgir.

A aluna, Alcione Sana, que eu já citei anteriormente, era nessa época muito jovem, mas surpreendia nesse aspecto. Costumava chegar na minha aula ainda uniformizada, a vir do colégio onde estudava, e apesar da pouquíssima idade, queria tocar músicas dos "Kinks", "Them", "Pretty Things" e "Small Faces", entre outras bandas da década de sessenta. 

Claro que eu não enxergava isso como uma tendência no primeiro semestre de 1991, mas ao pensar hoje em dia, com o distanciamento histórico, isso foi evidente. 

Edvaldo "Prik", eu (Luiz), e Pelloso, da esquerda para a direita, em foto de 1990

Outros alunos que apareceram nesse início de 1991, foram: Milton Freitas, José Carlos Ferreira, Magá, Edvaldo "Prik", Wagner Guerra, e Lincoln dos que lembro-me pelo nome. 

E um garoto que também vinha direto da escola e impressionava-me pela articulação e cultura acima da média, chamado: Christian Du Voisin. Esse, no entanto, gostava de coisas "modernosas" e assim, a sua banda de cabeceira foi o "Red Hot Chili Peppers".

Na entrada de meu prédio, no bairro da Aclimação, em foto de 1991

No segundo semestre de 1991, eu tive que suar bastante para manter o ritmo normal das aulas sem prejuízo, pois conforme já relatei no capítulo dos "Trabalhos Avulsos", eu procedi em aceitar várias propostas de trabalho simultâneas e foi uma época turbulenta por eu perder tempo ao deslocar-me de um ensaio para o outro. 

Mas culminei em dar conta, apesar do cansaço, e sem prejudicar o andamento da minha rotina. Nesse período, não ocorreu nada extraordinário a ser relatado, a não ser em setembro, quando eu mudei-me novamente de residência, justamente por conta das minhas aulas. 

O apartamento em que eu vivia anteriormente, era extremamente prazeroso como residência, muito próximo do Parque da Aclimação, portanto com um clima bucólico, mas o entra-e-sai de alunos e sobretudo o minúsculo quarto onde eu ministrava as aulas, fora um estorvo à minha família. 

Portanto, ao perceber que a privacidade da família estava prejudicada, mudamo-nos para um sobrado bem mais adequado, onde a casa ficava isolada do ambiente de aulas, ao dar-nos muito mais sossego e reservas à minha família. Mudei-me para esse novo sobrado, que na verdade ficava muito próximo ao apartamento, portanto no mesmo bairro da Aclimação e bem perto do seu famoso parque.

O sobrado de três andares da Rua Castro Alves, no bairro da Aclimação, onde eu vivi o meu "auge" como professor entre 1992 e 1996

Lá, eu vivi de setembro de 1991, até agosto de 2007, portanto, nessa moradia, passei os anos em que participei de quatro bandas importantes da minha carreira, entre as nove mais importantes que computo (naturalmente ao considerar as autorais): Pitbulls on Crack, Sidharta, Patrulha do Espaço e Pedra. 

E também nesse sobrado, acredito que vivi o apogeu de minha vida como professor, com a fase que começaria em 1992, mediante o surgimento de minha safra mais significativa de alunos e uma série de acontecimentos análogos que muito impulsionaram os meus esforços para levar o Pitbulls on Crack, posteriormente o Sidharta e a Patrulha do Espaço por osmose a um caminho artístico sob orientação retrô. 

A seguir passarei a relatar sobre essa fase, que considero a melhor, no aspecto da minha sala de aulas.

Continua...

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