E também houve uma novidade nesse início de 1997, por um aspecto externo: desde 1992, as minhas aulas interagiram fortemente com a minha banda, o Pitbulls on Crack.
Contudo, neste começo de 1997, a banda iniciou uma curva descendente acentuada e isso pareceu ter amalgamado-se à decadência de minhas aulas, em termos de frequência.
Tomei
a providência de reforçar o meu quadro, visto que acomodara-me na
situação (confesso) e assim, durante quatro anos, o movimento muito bom de
entrada de alunos, destituiu-me da necessidade de continuar a empreender
esforços no tocante à divulgação de minhas aulas. Simplesmente parei de
providenciar colagem de cartazes a anunciá-las, mas diante de uma nova perspectiva, seria
necessário tentar uma renovação, a visar a retomada da boa média perdida.
Para tanto, eu pedi a um amigo cujo nome não revelarei (pois não acho que valha a pena expô-lo, apesar da descortesia que aprontou-me), que ele providenciasse tal colagem e claro, dei-lhe um suporte financeiro para tal.
Mas infelizmente o tempo passou e ao perceber que o telefone não tocava, descobri por outras pessoas que os meus cartazes não estavam colados nas lojas da "Galeria do Rock", o meu principal alvo de propaganda.
Para
piorar, um amigo contou-me que flagrara o elemento a jogar os cartazes
em uma lata de lixo e ao rir, ironizava-me, ao afirmar que eu seria um "trouxa"... e nesse caso eu retruco, mesmo ao ter consciência de tratar-se de uma referência antiga, dos anos quarenta do século passado, mas não resisto... "amigo da onça"...
Bem, a despeito desse revés com requinte de traição, providenciei uma nova tiragem dos cartazes e desta feita a contratar uma pessoa idônea para a tarefa de distribuição nas lojas.
Mesmo com esse prejuízo em relação aos cartazes não terem ido de fato para os murais das lojas, o retorno foi muito aquém de épocas passadas e daí, conscientizei-me de que tratava-se realmente de uma época diferente e meus dias como professor estiveram comprometidos, a não ser que eu buscasse uma adequação aos novos tempos e assim a concorrer com as mega escolas de música que já existiam em grande profusão na cidade de São Paulo e com estrutura muito superior à minha simplória salinha de aulas e que revelara-se o crescimento da internet que começava a popularizar-se naquela época e as oportunidades a surgirem com informação sobre técnicas, métodos e teoria musical "on line", que começava a sedimentar-se.
Foi
quando pus-me a pensar mais seriamente sobre tal assunto, enfim,
para admitir que novos tempos sinalizaram-me mudanças, como
professor.
Para seguir a tendência que estava a insinuar-se desde a segunda metade de 1996, realmente nem com uma nova propagação de cartazetes pelas lojas da Galeria do Rock, foi possível voltar a ter o quadro de alunos no patamar anterior.
Na
verdade, essa melhor média vinha desde meados de 1989, quando eu passara a ministrar as minhas aulas em
minha casa, para deixar a residência do vocalista Beto Cruz, em que
a minha ex-banda, A Chave do Sol (depois a abrir caminho para outra banda, denominada, "A Chave" e
posteriormente, "The Key"), ensaiou em seus tempos finais.
O fato de minha residência ficar a um quarteirão de uma estação do Metrô, impulsionou essa multiplicação de alunos e dali em diante, eu pude manter essa média por anos, até o inexplicável colapso de 1996, como tenho realçado ao longo desta narrativa.
A colocação de novos cartazes em 1997
foi, portanto, a maneira mais prática que eu tive para auferir que foram tempos
diferentes e a maneira tradicional para anunciar as minhas aulas, já não mostrava-se suficiente para que se retomasse a antiga rotina.
Claro, como eu já disse anteriormente, essa visão é obviamente lógica nos dias atuais, ao analisar com a devida distância histórica, mas na época, eu não tive essa certeza toda. Estava a perceber os indícios, mas não fora uma convicção.
E nessa toada, o primeiro semestre de 1997, pôs-se a passar. Para
amenizar esses dois fatores de baixa (ao referir-me à decadência da
minha banda na época, o Pitbulls on Crack e também a diminuição de meu
quadro de alunos), houve ainda a euforia de meu "exército de Neo
Hippies" e por sinal, foi o que manteve a minha sala de aulas com vida, eu
diria, no decorrer desse ano de 1997 e no ano de 1998, quando um fato
novo deu um impulso, não para as aulas, mas que veio a ser uma espécie de
manifesto estético/artístico e que no momento oportuno, vou explicitar,
certamente.
O segundo semestre de 1997 chegou, portanto, com uma pequena reação no
meu quadro de alunos, ao dar-me a falsa impressão de que a normalidade
voltaria ao patamar de outrora, mas ao olhar hoje em dia, está claro
que tal movimentação não caracterizou isso, infelizmente.
E por
não possuir essa percepção clara nessa época, animei-me, logicamente, quando
logo em agosto, no período imediatamente após as férias escolares, eu notei a presença de três ou
quatro novos alunos. Mas com o passar do tempo, ficou claro ter sido uma
movimentação meramente efêmera.
Um fato curioso ocorreu logo nos primeiros dias de agosto, que reputo ser digno de nota. Estava a ministrar aulas normalmente em um dia útil qualquer, quando a campainha tocou.
O entra e sai da minha casa era constante e dentro da normalidade, pois não limitava-se à chegada e saída de alunos, mas com a presença de muitos agregados, no sentido que minha sala de aulas fora aglutinadora de amigos e a ser considerada como um "ponto", há anos.
Mas desta vez, não foi nada disso. Quando eu abri a porta de minha residência, deparei-me com um casal de adolescentes, sendo o rapaz, bem mais novo que a moça. A garota, que aparentava ter cerca de dezesseis anos de idade, mais ou menos, perguntou-me se ali era o ensaio de uma banda e se isso fosse confirmado, se ambos poderiam entrar para assistir.
Eram irmãos e haviam recém mudado-se para um sobrado no mesmo
quarteirão da minha rua, alguns metros acima, na numeração, mas abaixo
no sentido que minha rua ficava localizada em uma ladeira íngreme.
Ao alegarem gostar de Rock e pelo fato do rapaz, que aparentava ter doze anos de idade, tocar violão e estar muito interessado em desenvolver-se à guitarra, haviam visto o movimento de cabeludos com instrumentos na minha porta, além do som das aulas e estavam interessados em conhecer-me.
Bem, as minhas aulas não eram sisudas e pelo contrário, eu deixara claro nesta narrativa o quanto havia um clima festivo em que as aulas transcorriam, normalmente, portanto, não vi problemas em que entrassem e não só assistissem, mas interagissem, doravante.
Logo tornei-me amigo de ambos e também
do pai deles, o "seu" Osvaldo, que era um entusiasta para ver o seu filho desenvolver-se na música.
Eles tornaram-se "habitues" da minha sala
de aulas e muitas vezes trouxeram também os seus irmãos menores, trigêmeos
(dois garotos e uma garota), que eram crianças e deviam estar na faixa entre sete a oito anos
de idade na época, mas não pareciam interessarem-se mais vividamente por
música, pelo menos naquela época.
Marcello Schevano em foto de 1999, portanto, um pouco além desta parte da narrativa, em que cito fatos ocorridos em agosto de 1997
Esse rapaz prestava atenção
nas aulas e ao notar o seu entusiasmo, pedi ao Marcello Schevano (que
na época ainda não tocava comigo, mas em uma questão de meses estaria
envolvido no projeto Sidharta), para fornecer algumas dicas de guitarra para o
rapaz.
Em princípio, o Marcello assustou-se com a ideia de ministrar aulas, mas não seria exatamente uma aula formal, porém apenas algumas dicas informais, para dar uma ajuda para o rapaz, que não dispunha de recursos para estudar em uma escola de música, ou ter aulas particulares naquele momento, mas continha vontade e talento, pelo que pude observar.
O pai dele agradeceu-me efusivamente e eu fiquei contente por dar uma pequena ajuda ao rapaz. E serviu também para o Marcello, como experiência interessante, apesar dele nunca ter demonstrado apreço pelo nicho didático, doravante.
Esse rapaz progrediu muito. Mesmo depois que eu encerrei as minhas atividades
como professor, acompanhei a sua trajetória, com bastante alegria.
Já adolescente, o Victor, seu nome, havia passado no exame de admissão da Escola Municipal de Música e estava a estudar viola, instrumento parecido e geralmente confundido com o violino, mas sob outro alcance cromático.
Para explicar rapidamente aos leigos, diria ser um violino menos agudo, ao fazer parte dos instrumentos de corda de uma orquestra erudita tradicional. Ao lado do violino, violoncelo e contrabaixo.
O Victor passou a crescer no aprendizado do instrumento e logo estaria a tocar na Orquestra Sinfônica Juvenil, quando ganhou bolsas para aperfeiçoar-se com cursos no exterior, a viajar e tornar-se um grande artista no mundo da música erudita.
Nada mau para aquele menino imberbe, tímido, e que se não fosse pela ousadia de sua irmã, Samantha, talvez não tivesse tido a coragem de tocar a campainha da minha casa e começar a interagir com jovens bem mais maduros que ele, o que deu-lhe impulso para mergulhar nos estudos de música.
No entanto, o talento e o ouvido bom que ele possuía em 1997, quando o conheci, ele já os detinha. Perdi o contato com ele e a sua família, desde que mudei-me daquele bairro, em 2007.
Só lembro-me que a Samantha já tinha um filho, tempos depois, e uma das irmãs
menores, gêmea de outros dois garotos, havia tornado-se jogadora de
vôlei de um clube renomado desse circuito (Pinheiros ou Paulistano, não lembro-me com exatidão).
De fato, a pequena melhora no quadro de alunos, mostrou-se efêmera, logo que agosto findou-se e a época mais forte de novas adesões, marca registrada dos anos interiores, passou com nada muito significativo a ocorrer, enfim.
Em setembro e outubro, o meu quadro ficara ainda mais reduzido, mas os que sobraram eram fieis ao extremo dentro daquela união construída desde 1992 e puderam testemunhar o final de uma "Era", na minha história em particular.
Eu estava de
saída do Pitbulls on Crack, banda em que atravessara os anos noventa e
os meus alunos acompanharam-na do início ao final.
O apoio que deram-me
desde os primeiros tempos para chegar ao ponto de serem muito ativos, como
em 1994, quando bombardearam a emissora de rádio, 89 FM, com telefonemas, foi algo fantástico, para
a minha inteira satisfação pessoal.
O Pitbulls on Crack mostrou-se quase antagônico aos ideais de resgate 1960 & 1970, que unira-me a essa garotada, mas a própria banda amoldou-se em tal anseio, muito em função da influência que imprimi, é lógico.
Contudo, houve uma força muito grande de meus alunos nesse processo, conforme está claro neste relato. A formação do meu "exército Neo-Hippie", teve fator preponderante para o Pitbulls on Crack adotar o rumo que tomou, principalmente na época do lançamento daquele aparato da lata psicodélica etc.
A euforia de meus alunos, adolescentes e
sempre dispostos a ajudarem, ainda que tudo fosse uma farra infantojuvenil para eles, norteou
esses anos todos em que convivi com eles na minha sala de aulas e eles
com a minha banda.
Mas nesse instante, tal "Era" estava para findar-se. E claro que eu angariava o apoio maciço deles em meu novo projeto, que já elucubrava na minha mente.
E na minha avaliação, seria óbvio que apoiariam, pois ao contrário do Pitbulls on Crack, que não encaixava-se
confortavelmente nessa proposta, desta feita eles haveriam de abraçar a nova
banda que eu pretendia formar, por esta ser 100% amparada nos ideais.
Tinha tudo, portanto, para contar com os meus alunos a apoiarem a minha nova banda e confesso, estava muito esperançoso por essa adesão que eu julgava ser algo muito natural.
E como eu já disse anteriormente, se apoiaram o Pitbulls on Crack, desde 1992, não seria diferente com o novo projeto. Pelo contrário, a minha expectativa pela sua adesão foi ainda maior, pelo fato do projeto ir de encontro à estética que fomentáramos por anos a fio, ali naquela sala de aulas da Aclimação.
E assim findou-se o ano de 1997, com uma enorme expectativa gerada pelo fato da nova banda estar a dar os seus primeiros passos. Todavia, nós só mostraríamos as primeiras músicas compostas para o projeto, no início de 1998, sendo assim, a expectativa de meus alunos e agregados, foi enorme nesses meses, ao ansiarem por ouvirem o material.
No tocante às aulas em si, o movimento ao final de 1997, continuara inalterado, ao mostrar que realmente estava difícil recuperar o fôlego perdido em 1996.
Hoje, eu sei que isso de fato nunca aconteceu. Mesmo ao ver que essa perspectiva estava a delinear-se irreversível, eu ainda mantinha esperança de uma melhora nessa época e assim encerrei o ano de 1997 com o desejo de que em 1998, pudesse haver um crescimento no quadro de alunos e êxito para a nova banda que estava a formar.
E assim foi o ano de 1997, quando encerrou-se a minha fase com o Pitbulls on Crack, que teve tanta proximidade com os meus alunos e as minhas aulas. Um novo destino esperava-me e para os garotos da minha sala de aulas, também.
Fase 4, das minhas aulas... a embarcar na viagem retrô, direto para a psicodelia sessentista!
Quando o ano de 1998, entrou, se por um lado a euforia pela minha nova empreitada musical fora total, não só pela novidade, mas principalmente pelo mergulho radical na atmosfera retrô, ao pensar exclusivamente no aspecto das aulas em si, não houve mesmo perspectiva de melhora no contingente, ao confirmar-se a expectativa de que a tendência seria a de piorarem as perspectivas, ao invés de melhorarem, como eu esperava desde a metade de 1996. Paciência!
Foi um ciclo que caminhara para o seu
final, mas que se tornara preocupante, no sentido de que naquele momento, o
Sidharta era somente um projeto para médio e longo prazo e por seu caráter
radical em torno de um ideal e estética, a se configurar como algo anticomercial ao extremo.
Portanto, esse início de 1998, foi movido pela euforia em minha percepção, por conta do projeto, mas também preocupante pela queda brusca e em progressão da minha renda pessoal.
Praticamente eu mantive a turma do final de 1997, com algumas baixas, como salientei acima e algumas poucas novas adesões, casos da volta de dois alunos antigos (Mônica Maia Netto e Christian Du Voisin) e dois novos: Puppo e Flavio Amaya.
Mônica havia ligado-me e eu
achava inicialmente que ela desejaria algum apoio referente à sua banda, mas
surpreendi-me quando ela afirmou que queria voltar a ter aulas. Ela fora da
safra de 1992 e saíra por volta de 1996, ou seja, sob uma condição bastante
avantajada em relação a quando chegara, praticamente na estaca zero do aprendizado musical.
A novidade foi que não era mais casada com o Dr. Nelson Maia Netto, mas mantinha simpática amizade com o ex-marido, tanto que na primeira aula de sua volta, ela fez questão de telefonar para ele e passar-me o telefone para eu repercutir a sua volta, diretamente ao seu ex-marido. E doravante, ela voltara a usar o seu nome de solteira: Monica Schwaezwald.
No caso
do Christian Du Voisin, que fora um aluno de 1991, também fiquei
surpreendido, pois a despeito da nossa boa sincronia em assuntos gerais,
especificamente na parte musical, nós tínhamos as nossas divergências. Ele
tinha uma orientação "modernosa" como meta e predileção e o meu método, baseado na música das
décadas de 1960 & 1970, parecia não agradar-lhe exatamente.
Ele nunca expressou isso verbalmente, mas fora quase nítida essa discordância. Contudo, pela amizade e a deixar bem claro que não havia muito mais o que eu poderia acrescentar-lhe em uma nova fase de aulas, ainda assim ele insistiu que gostaria de retomar os seus estudos comigo.
Ao antecipar um ocorrido de alguns meses depois, ele de fato anunciou vontade de interromper o curso novamente e cerca de dois anos depois, por volta de 2000, ligou-me ao alegar que "precisava dizer-me uma coisa", a tratar-se de uma questão que havia guardado para si, durante muito tempo: -"eu nunca gostei das suas aulas. Achava-as fracas e queria mesmo era encontrar um professor que ensinasse-me Jazz"...
A franqueza com a qual ele me falou, não foi fácil
para ele, pois antes de disparar tal revelação, pediu-me desculpas
antecipadas e teve o cuidado para explicar-me que guardara aquilo por
muito tempo, mas que precisava desabafar. Para ir além, fez a ressalva de que
não fora nada pessoal e que pelo contrário, gostava da minha pessoa
etc.
Claramente devia estar a passar por algum tipo de terapia psicanalítica e incentivado por seu terapeuta, provavelmente estava a buscar as suas catarses pessoais, o que particularmente, achei bastante saudável, como prática que todo mundo deveria exercitar (acredite, amigo leitor: "engolir sapo", faz muito mal para a saúde!).
Certamente que aceitei ouvir as suas ponderações e admirei a franqueza e a coragem por tomar tal atitude, depois de duas passagens pelas minhas aulas, ao demonstrar uma grandeza de caráter, extraordinária.
Quanto à revelação em si, não surpreendeu-me em nada.
Todavia, de maneira alguma esbocei desculpar-me por
nada, pois não seria o caso. De minha parte, fiz o melhor nas duas
passagens pelas quais ele esteve em minhas aulas e se não apreciou, foi um problema dele.
Se percebia que ele não gostava, ao mesmo tempo, sabia
que estava a evoluir, portanto, desabono-me de qualquer ônus nesse caso
e tanto que, ao corroborar com essa tese, quando procurou-me para
combinar uma volta, eu ponderei se ele teria certeza de que desejava isso,
pois realmente eu não achava que poderia acrescentar mais alguma coisa, mas
ele insistiu e convenhamos, já era bem mais maduro quando voltou,
inclusive por não ser mais um adolescente.
Flavio
Amaya com o baixo na mão, a estudar e Puppo, sentado ao lado. Garotos
bons, que não vibravam com a onda retrô da maioria, mas eram muito
boas pessoas e ambos, inteligentes ao extremo.
Já o Puppo, cujo primeiro
nome esqueci-me completamente, mas desconfio ser Marcelo, foi um rapaz muito
esforçado e gentil.
Logo descobri que era fanático por seriados
norte-americanos, fator que eu sempre acompanhei com entusiasmo, também, e nas
nossas aulas, conversamos muito sobre o assunto, de uma forma prazerosa.
Outra particularidade sobre esse aluno, foi que apesar de apreciar a minha aula e a sua metodologia toda calcada em sonoridades dos anos 1960 & 1970, o som que ele gostava mesmo era o Thrash-Metal, a ter o "Sepultura" sobretudo, como ícone.
Fanático
pela banda dos irmãos Cavalera, ele deu-me informações interessantes sobre
esse universo tão oposto ao meu e muitas vezes ao conversarmos sobre o
Pitbulls on Crack, que ele conhecia, falou-me sobre fatos significativos
sobre os anos 1990 e como funcionava a mentalidade da garotada que seguia esse
mundo peso-pesado.
E o japonês, Flavio Amaya, foi uma figura muito interessante. Apesar de ser do interior de São Paulo, era torcedor fervoroso do Vasco da Gama e em sua explicação prosaica sobre tal estranha escolha de um clube não paulista para torcer, ele afirmara que o seu pai estudara medicina no Rio de Janeiro e por conta disso, ele tornara-se torcedor do Botafogo e assim, para contrariá-lo, Flavio tornara-se vascaíno.
Bem ele era bastante fanático, inclusive por fazer parte de uma torcida organizada e costumava viajar ao Rio para assistir jogos, embora morasse em São Paulo e fosse do interior (Presidente Prudente).
Assim foi o começo de 1998...
Só por volta de fevereiro de 1998, foi que os primeiros resultados audíveis do projeto Sidharta puderam ser ouvidos pelos meus alunos, que esperavam por isso desde que eu anunciara o início dos trabalhos, ainda em 1997.
Lembro-me bem quando convidei vários deles, em uma quinta-feira,
que era ainda o dia mais repleto de alunos, apesar da debandada geral,
para uma pausa, ao visar realizar uma breve audição de uma fita K7, oriunda de um
ensaio da banda. Tratou-se de uma gravação tosca sob todos os pontos de
vista, mas um verdadeiro tesouro para eles, e para eu também, por toda a
expectativa que envolvera esse projeto.
Além da precariedade de uma gravação feita em um gravador portátil, sem apuro técnico algum, a gravar a massa bruta de um ensaio equalizado e sem nenhum critério técnico e por levar-se em conta o fato de que foram os primeiros passos ainda da banda, com poucas músicas compostas e ainda sob fase de arranjos, claro que todos vibraram com a perspectiva de ouvirem tal material.
Dessa
forma, aglomeramo-nos dentro e no entorno de meu próprio carro que
estava estacionado na garagem de minha casa e que ficava acoplada à
sala de aulas, no patamar térreo da residência e ansiosamente, todos aguardaram
eu dar o "play" no toca-fitas do automóvel.
Todavia, aconteceu um fenômeno interessante e inesperado. Eu não diria que não gostaram, mas houve uma certa decepção com a percepção que tiveram das três primeiras músicas com as quais o Sidharta estava a trabalhar nos seus primeiros ensaios. Para falar francamente e eles tinham essa liberdade certamente, disseram-me que haviam criado a expectativa para sons mais pesados, mais inspirados no Hard-Rock setentista e as primeiras canções que ouviram, eram muito leves, mediante a sua expectativa inicial.
Não que
não gostassem, mas estavam a esperar uma safra inicial com canções mais
pesadas, ou mais centradas na escola do Prog-Rock e como estávamos a trabalhar com um Soul, um
Rock'n' Roll tradicional e uma balada, de certa forma, eles decepcionaram-se.
Bem, essa primeira impressão dissipou-se logo a seguir e questão de poucas semanas depois, estavam a gostar do material que estava a ser composto e a visitar-nos nos ensaios elétricos da banda, em grande profusão.
E na
euforia dessa movimentação dos primeiros passos do Sidharta, uma ideia
inusitada, aventada em uma aula, ganhou ares de seriedade e ao concretizar-se,
tornou-se ao meu ver, o último suspiro de criatividade dentro do meu
pequeno universo da sala de aulas. Não fora apenas pelo Sidharta, mas
certamente pelo "conjunto da obra", isto é, o ápice que fora projetado, há anos.
Foi o coroamento, talvez, de um esforço coletivo marcado pela euforia e resistência em prol de um ideal e que norteara os melhores anos da minha atividade como professor de música, como eu já salientei diversas vezes, período esse iniciado em 1992.
Ainda a ter a Internet visitada por poucos e por não existirem ainda as redes sociais, nós resolvemos usar uma metodologia antiquada mas ainda eficaz, para provocar reações. Fora em princípio uma enorme brincadeira, mas que tornou-se uma realidade, quando imbuímo-nos da determinação de concretizá-la e para valer.
Foi o movimento de cartas, ou seja, o último sopro de vida nas minhas aulas!
Contudo, esse tipo de conjectura nem aconteceu na época, pois o movimento criou-se de uma forma espontânea e não como um balão de ensaio de experimento em laboratório, portanto, devo deixar claro que apesar de que o grosso de meus alunos já estava a deixar para trás a adolescência, naquela altura, não havia esse tipo de colocação da minha parte naquele instante.
A percepção de que poderia haver uma estratégia nessa abordagem, foi só minha, nesse caso. Mas, claro que eles compactuavam com muitos pontos, para não dizer todos, do que passaríamos a defender como supostos leitores a esmo, desconectados entre si.
Entre tais pontos: estávamos fartos de aturarmos o tratamento desdenhoso com o qual a mídia mainstream desferia para tudo o que remetesse às décadas de sessenta e setenta, ainda fechadas sob um manual de redação iniciado em 1977 e que ali, no calor do final dos anos noventa, parecia que não tinha nenhum indício de mudar.
O enaltecimento
às estéticas toscas derivadas do Punk-Rock, também fora um braço natural
dessa equação e sob uma lógica cartesiana simples, se isso foi considerado "bom",
tudo o que foi oponente, tornara-se "ruim", a caracterizar a completa inversão de valores.
Enfim, acho lastimável que um golpe publicitário que visava lucros imediatos para um dono de uma loja de artigos sadomasoquistas, tenha tomado essa proporção inimaginável e causado esse estrago, que reputo ser quase irreversível. Esse é um ponto.
A outra questão é que se
filosófica e esteticamente eu não seja contra o niilismo em si, não
significa que eu o aprecie. Apenas respeito-o como linha de pensamento, mas
de forma alguma tenho simpatia pela sua visão de mundo. Eu não gosto da
ideia de que uma renovação cultural só possa ser construída, após a
destruição sumária de outra estética.
Não gosto nada desse
conceito de que uma cultura deva ser aniquilada para que outra possa
nascer. No meu entendimento, é uma ideia errada sob vários aspectos, senão vejamos:
1)
Fomenta o ódio como fator de força, pois o início de uma nova ordem é o ato de demolição
da estética antiga. Se começa com "ódio", já começou bem equivocado,
portanto, ao meu ver.
2) Não vejo por que o passado deva ser
destruído para que construa-se um presente renovado. Acredito em
somatória e não divisória. O que passou foi importante e certamente
contribuiu para o que somos hoje e não deve ser "destruído".
3)
Abomino a ideia de que o passado não tenha valor só por que ficou no
passado. O troglodita anônimo que inventou a roda é tão importante
quanto o nerd mais genial que acabou de criar o mais novo aplicativo
moderno da internet ou o cientista que acaba de fazer uma descoberta
incrível em alguma universidade de ponta.
4) Pior que tudo, foi deturpar o conceito do niilismo para tirar vantagem. Se eu estivesse nos
anos setenta e não sabia tocar um instrumento musical, mas desejava tornar-me um Rocker, realmente cairia como uma luva essa "norma", pois teria sido muito mais
fácil destruir o Rock Progressivo e o Jazz-Rock, do que amargar anos de
dedicação, aprendizado, ou seja, essa pusilâmine mentalidade tornou-se
conveniente para os preguiçosos de plantão.
Enquanto observador
da cultura, o cidadão comum amargava uma mídia vendida e monoliticamente
fechada nesse conceito há anos!
Por que?
Por que uma série de jornalistas fechou-se nesse conceito, não só por acreditarem em tal prerrogativa, mas pelas diversas conveniências pessoais inerentes e assim, redações passaram a usar essa determinação de uma forma ferrenha, como um verdadeiro manual de conduta.
Tudo o que remetia ao passado era descrito com desdém e na contrapartida, tudo o que seguia a cartilha de 1977, enaltecido.
Um comportamento fascistoide que muito assemelhou-se aos métodos de ditaduras autoritárias e não surpreende-me muito que tenham copiado tal metodologia desse tipo de expediente.
Se
isso tivesse ocorrido ali, só no calor da "revolução Punk", que fosse, teria sido até compreensível. Mas ao perdurar por décadas, revelara-se como uma vergonha! Portanto,
o nosso foco inicial foi esse, ao denunciar tal disparidade e a usar de
várias prerrogativas como metodologia de atuação, conforme eu descreverei a seguir.
Baseado no que eu disse no parágrafo anterior, o direcionamento das cartas precisava ser multifacetado, para dar vazão a tantas queixas que tínhamos, ainda que a raiz de todas, fosse a mesma.
Portanto, as primeiras cartas que enviamos, bateram mais na tecla do desrespeito sem sentido que as publicações mantinham em relação aos artistas de épocas mais remotas e com a natural má vontade desdenhosa para com artistas modernos inspirados em tais estéticas, como se os poderosos de plantão portassem-se como guardiões dessa prerrogativa, a garantir que nunca mais ninguém achasse o fio da meada perdido.
Eu mesmo escrevi a maioria das cartas e ao usar nomes e
endereços diversos, ainda que com a fidedignidade de nomes de ruas,
números e cep das residências descritas, como remetentes.
Foi um começo tímido, mas logo teríamos muito o que comemorar, com a primeira carta publicada, ao gerar confusão dentro do fórum de leitores e despertar a atenção dos jornalistas de plantão.
Com a primeira
publicação, animamo-nos mais ainda e com a adesão natural da garotada,
mais uma festa ocorreu na minha sala de aulas, aliás, o grande canto do
cisne dessa etapa da minha vida, pois foi realmente o último sopro de
vida, na minha velha sala de aulas.
Roberto
Garcia Morrone foi meu ex-aluno nos anos oitenta, mas a se colocar como um entusiasta da causa, participava
do esforço e foi dele a primeira carta publicada.
Escrever, no meu caso sempre foi fácil,
portanto, logo assumi a função de "redator-mor" dessa força tarefa e a
missão dos garotos foi apenas a de passar a limpo os rascunhos que
distribuía nas aulas e colocarem tal material no correio.
Alguns escreviam por conta própria, também, naturalmente.
O meu maior desafio
nessa fase inicial não foi nem o de usar argumentação farta para atacar a
ação escusa da mídia, pois isso foi fácil, pelo seu caráter óbvio ululante, mas sim a
necessidade de buscar formas de expressão diferentes entre si, ao tentar
incorporar um personagem diferente para cada carta, e assim a simular serem outras
pessoas.
E nesses termos, eu comecei a escrever e buscar a diferenciação nos estilos de redação, em pleno uso de gírias e maneirismos linguísticos condizentes com os adolescentes do final dos anos noventa e ao abordar diversos aspectos inerentes da temática central, que norteava-nos.
Como tratava-se de uma
discussão ampla, foi obviamente cabível que houvessem diversos flancos
para serem atacados e foi sob tal determinação em que trabalhei forte nesses
meses de 1998.
Carlos
Fazano, não era meu aluno, mas um agregado das aulas desde 1987 e um
dos mais entusiasmados nesse movimento, por conta de suas convicções
fortemente coadunadas com a "vibração aquariana".
Alguns alunos e colaboradores agregados também
contribuíram com textos, mas o grosso do material foi mesmo
disponibilizado por eu mesmo. E todos os dias, eu entregava aos meus alunos e agregados, material
para que eles fizessem cópias com as suas respectivas caligrafias ou para usarem os seus meios de
digitação (máquinas de escrever ainda eram bastante usadas nessa época,
apesar da internet estar a cada dia, mais popular).
Entretanto, o grande
momento para essa movimentação, foi quando as primeiras cartas começaram
a serem publicadas nos grandes jornais.
Melhor ainda, quando notamos que os jornalistas estavam a incomodarem-se, por publicarem respostas previsíveis, visto serem comprometidos com uma ordem estética contrária.
Foi
quase a prova cabal de que a minha tese não fora um delírio, objeto de teoria da conspiração, mas de fato, nas redações dos grandes
jornais, tal norma era seguida com ferrenha disciplina
militarizada. A quem interessava manter essa famigerada mentalidade como status quo crônico, na difusão cultural?
Não um embuste, mas alguma coisa a acontecer que poderia caracterizar a existência de uma nova tendência cultural, cena, "febre", formação de tribo ou o que fosse e assim merecia investigação.
Já
havíamos publicado cartas na Folha de São Paulo, no "Estadão" (jornal "O
Estado de São Paulo"), Jornal da Tarde e na revista Rock Brigade, mas só
a partir de um certo tempo, eu comecei a "caçar" os recortes para a formação
de um possível portfólio.
Portanto, perdemos várias publicações e claro, fica a ressalva de que eu não tinha condições de contratar assessoria de "clipagem", que é um serviço de assessoria de imprensa que investiga implacavelmente qualquer nota que saia publicada, ao providenciar cópia para a formação de portfólio etc. e tal.
Mas na
base da cooperação, eu e meus alunos ajudamo-nos mutuamente e conseguimos
reunir um número razoável, com recortes sobre tais publicações.
Alexandre "Leco" Rodrigues Peres, em foto dos anos 2000, ao gravar o primeiro álbum do Klatu, a sua banda até os dias atuais
Portanto,
já tínhamos conseguido bons resultados, quando um de meus garotos
participantes, Alexandre "Leco" Peres Rodrigues, recebeu um telefonema
inesperado em sua residência.
A redação do "Caderno 2", que era (é), o caderno de arte & cultura do "Estadão", entrou em contato, a solicitar-lhe entrevista, com o mote: "jovens que apreciam ícones culturais de décadas passadas".
O seu nome
fora pinçado entre as cartas e mediante a velha e boa "lista
telefônica", baseado em seu endereço residencial no remetente da carta,
eles acharam o seu número telefônico residencial.
Bem, ele
recebeu a reportagem e foi fotografado com muitos discos de sua coleção
pessoal e ao usar uma camiseta com a estampa do LP "O Jardim Elétrico", dos
Mutantes.
Comemoramos tal publicação, pois fora uma prova inequívoca de que os nossos esforços estavam a frutificar.
Claro que
eu nunca achei que mudaríamos o panorama por um passe de mágica, e assim, a mentalidade dos
jornalistas fechados no paradigma maldito, não mudaria, tampouco nós seríamos entendidos
pelos jovens jornalistas que em geral, nem desconfiavam que existira essa
questão arraigada e velada, dentro de redações. Todavia, eu achava que seria
uma semeadura importante. Mais que isso, foi uma constatação interessante, também.
Ora, se com poucos adultos, alguns adolescentes e uma ferramenta singela que foi a velha cartinha enviada pelo correio, nós fizemos essa movimentação, ao despertar a atenção de jornalistas e editores, o que poderíamos fazer se tivéssemos dinheiro para bancar uma agência grande de propaganda e marketing?
E se tivéssemos um grande contingente com "formadores de opinião" a trabalhar em nosso favor?
Pois é, se o paradigma na imprensa nacional foi o de que "o Rock brasileiro nascera em 1980, na cidade de Brasília", sem dúvida que tal ideia estapafúrdia fora um trabalho dos tais formadores de opinião, por que esta afirmativa se coloca a milhas da verdade histórica.
Isso explica muita coisa, enquanto estratégia de marketing. E não tenho dúvida, a situação só melhorará no patamar cultural, na hora em que esse paradigma for quebrado.
E por considerar-se que estou a comentar sobre o panorama de 1998, mas para levar-se em conta que neste momento, 2016, as coisas não melhoraram (como pelo contrário, pioraram muitíssimo), deduzo com tristeza que ainda adormece a força latente que um dia libertar-nos-á desse grilhão que amarra-nos, desde 1977.
Mas um
dia, conseguiremos... sou um otimista por natureza, e acredito que as
sementes jogadas, ainda que demorem para dar-nos frutos, não falharão.
Então, além desses momentos gerados por tal grande euforia que embalara os meses entre fevereiro e agosto de 1998, os progressos da minha nova banda, "Sidharta" e das bandas dos alunos e agregados que irmanavam-se nessa "vibração retrô", também ajudaram nessa equação aquariana.
Bandas
como o "Soulshine" (o embrião primordial do "Tomada"), "Supernova" e "Tomate
Inglês", mobilizavam as atenções de todos os meus alunos, que apoiavam-se
mutuamente em mutirões de divulgação e esforço para lotarem os espaços
onde apresentavam-se, inicialmente em bares de pequeno porte, festivais
colegiais, festas em praças públicas, ou em quaisquer lugares onde pudessem atuar.
Outro evento que uniu muito a minha garotada, foi um projeto do Centro Cultural São Paulo, chamado: "Terça Blues", que foi realizado no hall de entrada daquele complexo cultural, ao ar livre, portanto.
Eu não toquei, mesmo por que, o Sidharta foi a minha única banda na ocasião e nós estávamos com a proposta de apenas ensaiarmos e montarmos um repertório autoral naquele ano, sem marcarmos apresentações.
Nenhuma
banda de aluno meu tocou, também, pois foi um projeto específico para o estilo do
Blues e geralmente a apresentar nomes já consagrados dessa vertente
musical e sem maiores chances para bandas novas do circuito.
Porém, tornou-se um acontecimento que mobilizou a minha tropa de uma maneira natural, ao frequentar o evento, toda terça feira, às 18:00 horas.
Mais que
isso, o evento cresceu rapidamente, e já no meio do ano, reunia
centenas de pessoas, talvez a assustar os dirigentes do Centro Cultural São Paulo,
que possivelmente dimensionaram desenvolvê-lo como um evento leve, para
reunir poucas pessoas no "Happy Hour", em apresentações quase
intimistas, à beira da lanchonete externa do complexo.
Portanto, com cada edição a mostrar-se concorrida ao extremo, o clima de euforia extrapolou as fronteiras do Blues e o astral reinante na verdade, foi parecido com o de shows de Rock.
Impressionava-me,
mais que o grande contingente em si, a marcante presença de
jovens com características retrô, visíveis. Pela grande profusão de
neo-hippies cabeludos, meninas com saias floridas e flores na
cabeça, uso de camisetas com estampas a retratar bandas de Rock dos anos 1960 &
1970, foi assim,
uma constatação muito animadora de que aquela tendência não fora somente para um
nicho específico de "iniciados" anacrônicos dentro da minha sala de
aulas, mas haviam centenas de jovens a vibrarem na mesma sintonia, espalhados
pela cidade.
Portanto, o movimento de cartas teve mais significado sociocultural do que eu imaginara e claro que na iminência de eu colocar minha nova banda na estrada, assim como as bandas de alunos e agregados a caminharem juntas, unidas formariam uma pequena cena, com absoluta certeza.
Ao falar especificamente das minhas aulas, tal momento de euforia generalizada, maquiou com alegria, o final da minha "Era" como professor. Nessa altura, metade de 1998, o meu quadro de alunos ficara baixo, a assemelhar-se aos primeiros momentos de minha atividade como professor, quando logo no começo, julho de 1987, comecei com poucos, a tatear no escuro, por adentrar em um campo de atividades inteiramente novo, quiçá obscuro e de minha parte, sem nenhum traquejo para exercê-lo.
Preocupava-me,
é claro, tal situação pelo ponto de vista financeiro, mas ao mesmo
tempo, a minha confiança em tempos animadores para a minha nova banda, foi
muito grande. Dessa
forma, toda essa animação pelas cartas ao serem publicadas, somadas às
bandas que forjavam-se, deram-me muita energia nessa fase de 1998.
Os últimos meses de 1998, foram, portanto, ainda marcados pela euforia toda que eu descrevi nos parágrafos anteriores, mas para o meu lado, com clima de despedida, por que sentira mesmo que o meu tempo como professor, esgotara-se.
Independente de eu estar muito interessado em voltar a dedicar-me exclusivamente à carreira musical e nessa altura, o Sidharta já dava mostras de estar encorpado o suficiente para dar os seus primeiros passos fora do âmbito dos ensaios, mesmo que não houvesse essa determinação e euforia de minha parte, forçosamente teria que partir para outra, por que os alunos rareavam.
Ao final
de 1998, o meu quadro mostrou-se muito inferior à minha média histórica e os
poucos que ainda sobraram, foram alunos adiantados que eu já não tinha
mais nada para ensinar, praticamente, portanto, aptos para buscarem uma
qualificação pedagógica mais avançada ou simplesmente darem-se por
satisfeitos e a tomarem o rumo, com suas bandas e projetos.
Um último registro de aluno que faço, referente a essa época, nesses meses finais de 1998, foi na presença de um rapaz taciturno que apareceu mais ou menos em agosto. Chamava-se: Marcelo Garbine.
Ele mantinha um visual "quase" punk, por usar normalmente jaqueta de couro com tachinhas e a calçar coturnos, além de camisetas com estampas de bandas punk, hard-core e metal crossover.
Mas também era cabeludo, muito provavelmente adepto da cultura crossover, que misturava conceitos das tribos punk e headbanger, tendência que surgira mais contundentemente ao final dos anos oitenta.
Era bastante inteligente, aliás, muito mesmo, pois nas conversas que tínhamos, fazia muitas citações artísticas interessantes, no campo da literatura, principalmente. Ao ir além, ele gostava de falar sobre política, sociologia, filosofia e religião, o que foi surpreendente, quando evocava textos teológicos em suas manifestações.
Tinha temperamento forte, por não aceitar facilmente uma contra-argumentação e revelava também as suas contrariedades mais exacerbadas, sob um tom revanchista, aspecto mais duro, naturalmente, mas eu entendia ser uma consequência natural daquela armadura punk na qual revestia-se.
Então, foi um contraponto e tanto à euforia Neo-Hippie que norteara a minha sala de aulas na época, pois ele questionava a nossa predileção pela Era Aquariana do Rock, ao elencar argumentos para demolir as nossas ideias, sob o ponto de vista punk.
E aí, veio a reboque, manifestações até antagônicas, eu diria, pois ao contestar o esoterismo aquariano dos saudosistas de Woodstock, ele usava argumentação protestante, de ordem calvinista, ao discorrer sobre o arrebatamento espiritual, mas ao mesmo tempo, citava Rosa Luxemburgo, uma pensadora marxista ferrenha.
Portanto, essa mixórdia exótica de um cristão protestante e certamente orientado por ideologia calvinista, mas supostamente entusiasta do comunismo e adepto da anarquia punk, pareceu uma vitamina composta por ingredientes díspares entre si e que tendia a explodir o copo de um liquidificador.
Independente
dessa confusa elaboração de pensamentos, foi um rapaz muito
inteligente, de fato e ele tinha um livro editado, chamado: "A Refeição
dos Micróbios".
Nesse
exemplar de seu livro que deu-me, o seu nome tem letras duplas, a denotar
origem italiana, mas no seu site, a grafia mostrou-se diferente e por isso
eu suprimi o "L" e o " N" duplos, como consta na capa de seu livro.
Ele deu-me
um exemplar e a sua leitura comprovou tudo o que descrevi acima, ou seja,
o rapaz ostentava uma inteligência acima do comum, com grande capacidade de
expressão.
O seu livro mostrou-se intenso e denso, eu diria. Contudo, a linha de raciocínio era diametralmente oposta ao que penso e tenho como ideal. Com atmosfera lúgubre, ao beirar a morbidez de um filme de zumbis, ali ele atira bala para todos os lados, sob uma rajada de metralhadora muito corrosiva, bem ao estilo punk e baseado no niilismo raivoso, mais a procurar destilar o ódio ao sistema, na forma de sua destruição sumária, sem nenhuma intenção para construir nada melhor para substituí-lo, mas apenas aniquilá-lo.
Bem, é uma linha de pensamento eu sei. Há pessoas que amam, Nietzsche, não é o meu caso, prefiro Gandhi e a sua bondade incompreensível e até irritante para quem não entende o que é "ahimsa" em meio ao mundo hostil em que vivemos.
Sou hippie até a medula e não gosto de escuridão, mas ao contrário, prefiro as cores, sons, vibrações positivas. Mas sou também respeitoso e sei reconhecer um talento, mesmo que este pregue ideias diametralmente opostas às minhas.
Esse foi o caso desse aluno, mediante a sua linha
de pensamento e sobretudo, pelo que expressou no seu livro.
Como
aluno, mostrou-se bastante inteligente e mesmo ao ter permanecido pouco tempo no meu quadro de
alunos, nunca deu-me problemas, pelo contrário, portou-se muito bem.
Creio ter sido o último aluno extraordinário que eu tive.
Ao pesquisar na Internet, para achar o seu paradeiro, eis que descubro que Garbine prosperou muito como escritor & pensador e nos dias atuais ele mantém um site muito bem organizado e recheado com vida inteligente, chamado: "Mingau Ácido". Pelo que observei, o seu crescimento como pensador foi muito grande e hoje, a se mostrar muito mais maduro, tem um grande trabalho cultural. Fiquei muito contente por descobrir isso.
Seu site : http://mingauacido.com.br/
Ainda em 1998, haveria um último ato dos meus Neo-Hippies, em dezembro.
Vimos os shows de "Magic Slim", um bluesman norte-americano com relativa fama, eu diria, e o outro, muito mais famoso a apresentar-se, seria "Ike Turner", polêmico guitarrista, bandleader e cantor, que notabilizou-se pela dupla que mantivera com a ex-esposa, Tina Turner, nos anos sessenta-setenta.
Bem, foi ao final de 1998 e Ike já não possuía aquele apelo todo, portanto, muita gente presente no show, mal sabia sobre quem tratava-se.
Outros, ao
contrário, gritavam provocações, mas na base da galhofa, sobre o fato
dele ter maltratado Tina Turner por anos a fio etc.
Mas eu gostei muito do show e a minha "tropa", que naquela noite esteve presente com mais de trinta e cinco pessoas, seguramente, também.
Foi o último ato de 1998, ao fechá-lo bem, eu diria.
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