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sábado, 1 de agosto de 2015

Sala de Aulas - Capítulo 7 - Dominguestock de 1995 & Estranho Declínio em 1996 - Por Luiz Domingues

Com a chegada de 1995, a praxe das aulas seguiu em sua rotina.
A euforia pelo campeonato de futebol "indoor", realizado no ano anterior, gerou uma outra expectativa quando alguém sugeriu que realizássemos também um campeonato de futebol de botão.
Apesar da maioria dos meus alunos já ser constituída por membros da "geração vídeo-game", a ideia do velho botão, os contagiou. Não recordo-me ao certo, mas acredito que a ideia tenha partido do Ricardo Schevano, mas pode muito bem ter sido autoria de Marcelo Bueno, ou mesmo, Edil Postól, todos entusiastas do jogo.
Infelizmente, nunca conseguimos realizá-lo, por absoluta falta de tempo para organizá-lo e sobretudo por falta de espaço, pois ao contrário do futebol indoor, onde fora inevitável o confronto um-a-um, pensamos que em um campeonato de botão, seria mais prático realizarmos vários confrontos simultaneamente, e desta forma, precisávamos de espaço e mais tablados. O meu velho "Estrelão" esteve a postos, mas precisaríamos de mais "campos", para tal empreitada.
Nunca deu certo, infelizmente, pois certamente que teria sido um grande prazer.
Independente dessa ação frustrada com o clássico jogo de botões, pelo menos o futebol indoor rendeu uma segunda edição, em 1995.
Com mais participantes e um regulamento mais sofisticado (e contestado por alguns alunos, que sentiram-se prejudicados pela nova adoção de critérios, como por exemplo a adição de um ponto extra para vitórias acima de três gols de diferença), o importante foi que o campeonato foi um sucesso e desta feita, tornou-se longo, por durar entre março e agosto de 1995.
No resultado final, ficou assim a sua configuração:
 
Campeão - Fernando Minchillo
Vice-Campeão - Edilberto "Edil" Postól
3º - Luiz Domingues
4º - Rodrigo Garcia
5º - Marcos Martines
6º - Luiz Nannini
7º - Marcelo Bueno
8º - Marcello Rangel Schevano 
9º - Ricardo Rangel Schevano
10º -Jason Machado
11º -Rodrigo Hid
12º - Carlos "Cali" Keller Rodrigues
13º - Marcos
14º - Alexandre "Leco" Peres Rodrigues
15º - José Reis Gonçalves de Oliveira
16º - Thiago Fratuce
 

Mas o grande evento do primeiro semestre de 1995, foi mesmo o "Dominguestock", que ocorreu em abril daquele ano. 

Quando a ideia surgiu, por volta de fevereiro, causou rebuliço na minha sala de aulas e seria muito lógico que assim se procedesse. 

Foi o seguinte o que aconteceu: surgiu a ideia para realizarmos um mini-festival com três ou quatro bandas de alunos, a abrirem um show do Pitbulls on Crack, que realizar-se-ia em abril, no Black Jack Bar. Tal data foi um arranjo conseguido pelo presidente do fã-clube do Pitbulls on Crack, Jason Machado, para comemorar o aniversário da entidade por ele presidida e que apoiou totalmente a ideia de que pudesse alojar algumas bandas de meus alunos na programação, ao conferir-lhe um ar de festival.

A proposta foi ovacionada pelo meu "exército teen", que imediatamente abraçou a ideia, ao dar-me a certeza que o apoiariam integralmente e não só moralmente, mas inclusive a empreenderem esforços pessoais para fazer do evento, um sucesso. 

Mais que um recital tradicional de conservatório musical, seria um verdadeiro show de Rock, com as bandas escolhidas a terem a chance para mostrarem os seus respectivos trabalhos, em uma casa tradicional do Rock paulistano, ainda que pequena em suas instalações.

Claro, no imaginário deles, aquela oportunidade soara como se estivessem programados para tocar no "Marquee Club", de Londres. 

Neste caso, eu reportava-me às minhas próprias lembranças pessoais, e ao colocar-me no lugar deles, pensava no quanto teria sido maravilhoso se a minha banda inicial na carreira, o "Boca do Céu", tivesse tido um convite desses em 1976 ou 1977, para tocar em micro-festival, para abrir uma banda com pequeno ou médio porte daquela cena setentista, na proporção que o Pitbulls on Crack representara para os anos noventa. 

Com esse entusiasmo todo da parte deles, eu soube de antemão que o show seria um sucesso de público, pois é claro que todos apoiariam, e motivariam o máximo de pessoas, cada um, a comparecerem. Isso sem contar o esforço de divulgação com os meios tradicionais, ou seja, cartazetes e filipetas que ajudariam a distribuir. 

E assim, esse foi o assunto principal de minha sala de aulas, nesse período. Ao mesmo tempo em que eu estive contente por ver essa euforia, preocupava-me contudo, um aspecto: quais bandas eu escolheria, sem melindrar os preteridos? Boa pergunta...

Pois é, esse foi um dilema e tanto, pois ficara evidente que todos os alunos que detinham bandas, pleitearam participar do micro-festival, ao vislumbrarem uma grande oportunidade e de fato, dentro do imaginário deles, seria mesmo um grande evento, quiçá o melhor que teriam em suas vidas até então, ao considerar-se o caráter iniciante de suas respectivas bandas/carreiras.

Claro, houveram disparidades. Cada banda continha um nível, por estarem em patamares diferentes. Eu não poderia escalar uma banda sem condições técnicas mínimas, é lógico. 

Pelo ponto de vista da estética, foi óbvio que eu preferia ter escolhido bandas com características, 1960 & 1970, mas naquele instante, isso não foi possível, infelizmente. As bandas que mantinham essa característica, não estavam estruturadas adequadamente na ocasião e dessa forma, eu tive que escalar duas bandas orientadas pelo som pesado, a contragosto. Claro, independente de gostar ou não da estética, foram bandas de alunos e seriam bem-vindas pelo fator da amizade.

O meu aluno, Alexandre "Leco" Peres Rodrigues, baixista do "Eternal Diamonds" na ocasião e há muitos anos, líder do "Klatu"

Nesses termos, a primeira banda que eu confirmei e gostei muito de poder contar com a sua participação, foi o "Eternal Diamonds". Os rapazes tinham bastante influência 1960 & 1970, mas não tratava-se exatamente de uma banda vintage, explicitamente a falar. 

Tanto que apesar de possuir belas passagens psicodélicas e progressivas em sua música, o Eternal Diamonds continha uma clara aproximação com o Heavy-Metal oitentista. Nesse caso, o Eternal Diamonds fora a minha melhor e mais animadora aposta entre as bandas de alunos que participariam do Festival. 

O guitarrista & vocalista, Rodrigo Hid, mostrava um talento nato impressionante, por considerar-se a sua pouca idade, tanto a tocar, quanto no cantar. O meu aluno, Alexandre "Leco" Peres Rodrigues, já tocava com desenvoltura nessa época, com quase três anos de aulas comigo e apresentava uma capacidade de criação muito peculiar, muitas vezes a percorrer caminhos que desafiavam a lógica cartesiana, e de fato, na vida madura, ele fez dessa característica pessoal, o seu principal trunfo na criação do material da sua atual banda, que lidera há muitos anos, o "Klatu".

Fernando Minchillo, baterista do Eternal Diamonds e palestrino fanático. Foto de 1996, em minha sala de aulas.

E o baterista, Fernando Minchillo, também segurava bem o ritmo, apesar da pouca idade e inexperiência. Portanto, no cômputo geral, tal banda fora de fato a minha maior esperança entre as bandas de meus alunos.

Outras bandas que eu gostaria que participassem, estavam desarticuladas naquele momento, por vários motivos, infelizmente. Por isso, na hora da escolha, eu não tive outra alternativa a não ser escalar outras duas bandas mais pesadas. 

A primeira delas foi o "Parental Advisory", do meu aluno, Ricardo "Pijama" Garcia. O Ricardo Garcia era um garoto extremamente elétrico, literalmente, com uma energia juvenil impressionante, manifestada desde a sua primeira aula, realizada em 1993. 

A sua banda era peso-pesado, na seara do Heavy-Metal extremo, com seu material cantado em inglês e com todos os maneirismos agressivos de tal estilo. 

Não era do meu gosto pessoal, pelo contrário, era avesso a tudo o eu que aprecio, mas na falta de outras opções mais condizentes com o meu gosto pessoal, não tive muita escolha, pois a banda estava ensaiada e segundo o Garcia, muito empolgada para participar do mini-festival. 

Ora, como não entusiasmar-me também por esse aspecto, estética e ideologia a parte? Então, o Parental Advisory foi confirmado e eu tinha a certeza de que os seus componentes colaborariam ao máximo com a divulgação e de fato, não decepcionei-me com eles, nesse aspecto, posteriormente. 

Faltava uma banda a ser escolhida. Demarquei um tempo para fazer tal escolha, para esperar que alguma banda menos agressiva articulasse-se a tempo. A banda de meu aluno, Cali, só tocava covers, infelizmente. Eu queria que eles tocassem, mas covers, a despeito do repertório ser ótimo e recheado por clássicos setentistas excelentes e bem tocados, destoaria do espírito. Eu queria acima de tudo, trabalhos autorais.

Marcos Martines, aluno avançado, e que já tocava bem, há tempos

O mesmo ocorria com bandas de outros alunos, como o Marcos Martinez, por exemplo. O "Essex", dos irmãos Schevano, não estava preparado para tocar ao vivo, igualmente.
Carlos Fazano, amigo e agregado das minhas aulas e que ainda não havia formado o "Supernova", em 1995

Cheguei a pensar no amigo, Carlos Fazano, também, mas ele ainda dava os primeiros passos para articular uma banda, a se mostrarem muito incipientes. Ele não montaria uma banda a tempo, de forma alguma.

Marcelo Bueno, que infelizmente ainda não tinha a sua banda articulada, nessa época.

Mesmo caso do Marcelo Bueno, que empreendia os primeiros esforços para montar o "Soulshine", o embrião primordial do "Tomada". 

Enfim, eu esperei até o último segundo e quando não havia mais tempo hábil, tive que optar definitivamente em prol da terceira banda escolhida e assim procedeu-se com o "Equinox".

   Eu, Luiz Domingues e Luiz Nannini, o baixista do "Equinox"
Dois de meus alunos das quartas: Thiago Fratuce (esquerda) e Luiz Nannini (direita) 

O meu aluno, Luiz Nannini, era extremamente gentil e dedicado nas aulas. Como um aluno aplicado, esmerava-se para evoluir ao instrumento e a sua banda mantinha mais experiência que a maioria das bandas de outros alunos, que eram bem principiantes. 
 
Isso por que ele era um pouco mais velho que a média de meus alunos e a sua banda era formada por componentes com mais de vinte anos de idade, ou seja, uma faixa etária bem acima da média de meus alunos. 
 
E por esse fator, que é gritante nessa fase da vida, além do fato do Equinox já possuir uma demo-tape gravada, além de um currículo a conter shows realizados já significativos (se bem que no circuito underground do underground), mas mesmo assim, isso superara de longe a experiência (ou melhor, falta de), dos demais, que era insípida.  

Nesses termos, claro que escolher o Equinox para o festival, significara uma questão de lógica. Todavia, o som deles não agradava-me nem um pouco. 

Em audição de sua demo, eu já sabia que a linha adotada por eles era o Heavy-Metal oitentista, gênero que eu nunca gostei e naquela altura dos acontecimentos, metade dos anos noventa, eu havia perdido o último laço de tolerância que detinha com tal estética, que fora "o fator em voga" com o qual o tolerei nos anos oitenta.

Se na década de oitenta, eu tive que engolir o Metal, tal como engolimos o treinador Zagallo, nesse novo instante, não havia nem esse fio tênue de resignação forçada pelas circunstâncias que ligasse-me com esse gênero, que não aprecio, em via de regra. 

Enfim, não pelo meu aluno, que era super gentil, tampouco pelos companheiros dele, que eu só conheci no dia do festival, eu realmente não tive outra opção e creio que já expliquei bem os motivos e o contexto da ocasião. 

Nesse ínterim, a garotada estava toda empolgada e foi uma fase dentro de minha sala de aulas, onde essa euforia foi contagiante.

Paralelamente, contamos com o apoio do fã-clube do Pitbulls on Crack, que na pessoa do seu fundador, Jason Machado, interagiu fortemente com os meus alunos e nessa parceria, um esforço de divulgação do festival foi feito e que reputo ter sido fundamental para o seu sucesso. 

Sob o ponto de vista do Pitbulls on Crack, a história desse evento está amplamente relatada no seu respectivo capítulo, dentro da mesma cronologia coincidente. Tentarei agregar algo a mais, dentro do espírito deste capítulo, que versa sobre os meus alunos e o seu universo inerente.

Através dessa euforia a estimular-nos como combustível, claro que a mobilização foi total para fazer do evento um sucesso total. Mesmo os que não estiveram envolvidos diretamente com as bandas dos alunos escalados, trabalharam fortemente para tal sucesso. 

Distribuíram filipetas, fizeram "boca-a-boca" para convidar amigos, parentes, colegas de escola, vizinhos, namoradas etc. No dia do show, fiquei muito contente com a aglomeração incrível que fez-se na porta do "Black Jack Bar". 

Lembro-me por ter saído à rua em um determinado momento e ter cumprimentado diversos pais de alunos, outros alunos e agregados em geral. 

A fila na rua, estava enorme com a porta do bar ainda fechada e os funcionários da casa mostravam-se eufóricos, pois não esperavam um público tão grande, por subestimar o evento, antes de ver aquela aglomeração na porta, que inclusive suplantara e muito o movimento normal da casa, naqueles tempos decadentes em que viviam. 

De fato, o movimento com mais de quinhentas pessoas presentes, foi inacreditável, até para as minhas mais otimistas expectativas. A parte do show em si, com todos os pormenores desde a caótica passagem de som, eu já relatei no capítulo sobre o Pitbulls on Crack. 

De fato, aborreceu-me a postura agressiva dos membros do Equinox, ao culpar-me indevidamente por atrasos. Isento o meu aluno, Luiz Nannini, que inclusive ficou bastante constrangido com o comportamento de seus colegas, por terem sido grossos comigo, acintosamente. 

Fora o fato de que tal indisposição motivou um ato abominável de insubordinação da parte deles, ao passar da conta, muito além do horário combinado para apresentarem-se. O set deles foi realizado com uma hora e meia, praticamente e além desse ato descortês com os demais, o som da banda era maçante, com aquele heavy-metal defasado e sem nenhum atrativo, por mínimo que fosse, que justificasse a presença deles no evento. 

O meu aluno desculpou-se pelo comportamento horrível de seus companheiros, no próprio dia e durante o decorrer das suas aulas posteriores que avançaram até meados de 1996. 

Bem, foi mesmo um erro escalar tal banda e eu nem suspeitava que os outros elementos da banda tivessem tal temperamento, pois o meu aluno não era assim, certamente.

      Ricardo "Pijama" Garcia, baixista do "Parental Advisory"
 

Quanto as demais, claro que o show do "Parental Advisory" arrancou risos da plateia pelo contraste hilário que o seu vocalista proporcionou. Ele grunhia dentro daquele tipo de vocalização típica do Metal extremo, mas quando conversava com o público, entre uma música e outra, a sua voz mostrava-se quase sob o registro feminino, fina e aguda, o que provocava risadas. Tive a oportunidade de testemunhar a manifestação de um pai de aluno, que foi espontânea e hilária, ante a apresentação dessa banda: -"que merda"... repetiu várias vezes esse senhor que suava aos píncaros. 

Já falei tudo sobre o "Eternal Diamonds", no capítulo do Pitbulls on Crack. Na minha lembrança, foi a melhor banda da noite e da qual provocou-me a sensação de orgulho. Fora disso, o que posso acrescentar, creio que foi mesmo a euforia na casa, com aquela superlotação e mesmo com todas as adversidades de um estabelecimento sem infraestrutura, o evento foi um sucesso. 

Para o Pitbulls on Crack, creio que esse show não acrescentou nada, artisticamente. Se houve um dividendo, creio ter sido o da bilheteria graúda, mas em proporção ao tamanho da casa, nem tanto assim, por considerar-se que a casa arrecadou grande parte dessa féria e um pouco de exposição midiática, principalmente pelo "tijolo" que saiu publicado no "Jornal da Tarde". 

Para as bandas dos meus alunos, foi grandioso, sem dúvida, talvez menos para o Equinox que tocou com um sentimento ruim, graças ao mau humor de seus componentes, indevidamente contrariados por problemas de produção que foram inevitáveis e sendo assim, mais preocupados em provocar retaliações sem o menor cabimento. 

Para as minhas aulas, foi um marco, sem dúvida. Essa euforia disparada, alimentou uma motivação muito forte nos meses subsequentes e que inevitavelmente abriu a possibilidade para produzir-se uma nova versão do festival com outras bandas e o mesmo objetivo. Infelizmente, nunca mais houve uma oportunidade igual e o "Dominguestock", jamais repetiu-se.

Pena mesmo! Tenho uma cópia em VHS dos melhores momentos de cada banda e do Pitbulls on Crack. Já digitalizei tudo e futuramente, esse material será disponibilizado na Internet. 

Creio que todos os envolvidos gostarão de rever e possuir essas imagens disponibilizadas na Internet e alguns que hoje em dia construíram carreiras musicais significativas, certamente despertarão a atenção do público, que gostará de vê-los tão novos, a tocarem em suas primeiras bandas de garagem. 

E a vida seguiu na minha sala de aulas, nessa quase metade de 1995.

Da esquerda para a direita: Marcos Almon, Alexandre "Leco", Thiago Fratuce e Carlos Fazano, em foto de 1996.
O ritmo das aulas prosseguiu, acredito que fortalecido depois dessa experiência do festival, pela devida e já exposta euforia inerente.
A esperança de uma nova investida nessa área instaurou-se, mas eu tratei de não fazer disso algo obsessivo, para não vender uma falsa esperança, mas também para não perder o foco principal dentro de minha sala de aulas, que seria, obviamente, a aula em si. 


Para sair completamente desse assunto, faço uma pausa para contar duas traquinagens que alguns alunos meus aprontaram e mesmo ao conceder o desconto de que eram adolescentes e ainda com muitos impulsos infantis, certamente. Portanto, vou omitir as suas identidades para evitar constrangimentos, visto tratarem-se de homens maduros, hoje em dia. Contudo, eu não poderia perder as histórias, mesmo que sejam escatológicas, deselegantes e bem nojentas, até...  

Na primeira, eis que um aluno meu chegou para realizar a sua aula, certo dia com um álbum de fotos em mãos. Ele pediu-me para fazer uma ligação de meu telefone e foi quando eu ouvi que ligou para o escritório do "Guiness", o famoso livro dos recordes. 

Quando terminou de falar com o atendente, o aluno explicou-me enfim a situação: ele queria que eu guardasse um álbum com fotos e os seus respectivos negativos, pois a sua mãe mantinha o costume de revistar os seus armários e gavetas e tal descoberta seria muito constrangedora. 

Enfim, foi o seguinte: esse aluno defecara em sua casa e ao notar o tamanho descomunal do material expelido, apressou-se em tirar fotos de sua "obra". Como naquela época as fotos digitais ainda engatinhavam, ele fez uso de uma máquina tradicional e consequentemente, demorou para proceder a revelação e colagem no papel de tal material. Dessa forma, quando apanhou as fotos em um laboratório, ele sabia que não poderia ligar de sua casa para o escritório do "livro dos recordes". 

O atendente de tal organização, contudo, disse-lhe que só poderia mandar um inspetor para conferir a autenticidade do "fenômeno", daí a três dias. Ora, como seria possível, se o material já estaria a boiar no esgoto, provavelmente há muito tempo? 

Desanimado, ele notou que a sua proeza não poderia ser comprovada pelo Guiness, mas mesmo assim, tentou. 

E o material registrado nas fotos? Bem, o que posso dizer, é que fora algo monstruoso, impressionante mesmo e que certamente faria a cobra "Anaconda" ter uma crise de baixa autoestima. 

E ainda foi hilária a sua descrição de como o balconista da loja fotográfica olhou-o de uma forma "esquisita", quando da entrega do material. O outro caso escatológico perpetrado pelos garotos, eu conto a seguir.

O outro caso escatológico que eu vou contar, foi ainda mais hilário, no sentido de que revelou-se um plano premeditado e diabólico.

Ocorreu que um dia, tocou a campainha de minha residência em um horário pelo qual eu não esperava nenhum aluno. Quando fui ver quem era, verifiquei ser um aluno e o guitarrista de sua banda, agregado de minha sala de aulas e meu amigo, também.

Estavam ambos eufóricos e queriam contar-me algo que pareceu ser algo hilariante. E o foi mesmo, ainda que abominável...

Bem, preciso retroagir, pois o momento em que apareceram na minha casa, foi na verdade, imediato ao ato que perpetraram com a sua travessura, no entanto, houve uma longa preparação prévia para tal. 

Esse meu aluno arquitetou um plano maquiavélico que começou um mês antes, em sua residência. Ele defecara dentro de uma caixa de papelão, dessas ornadas para abrigar presentes de aniversário.

Ele guardou então esse material insalubre dentro de um compartimento inacessível para as investidas de sua mãe ou empregadas domésticas e esperou por um mês inteiro, até iniciar a fase "B" de seu plano. 

Depois disso, contou-me que recolheu a caixa e ao verificar o estado de seu interior, haviam larvas a rastejarem-se, sob um autêntico cenário Dantesco...

Então, ele lacrou a caixa com aquele material infame em seu interior, e revestiu-a com um papel de embrulho para presentes, para também acrescentar o requinte da crueldade pela premeditação, ao escrever um lacônico cartão de parabenização. 

Chamou o seu amigo a seguir, com o qual quis compartilhar o momento sublime de sua galhofa e este, aceitou de pronto a cumplicidade do ato. Então, ambos subiram a minha rua, que era uma ladeira muito íngreme e cerca de três quarteirões acima, próximo a uma padaria famosa do bairro, eles tocaram a campainha de uma residência e deixaram a caixa sobre o muro.

Abrigaram-se atrás de uma árvore de grande porte e ficaram a espreita, para vislumbrar o resultado. Segundo eles, uma senhora apareceu no portão e atônita com o pacote, leu o cartão de felicitações, olhou para a rua a procura de algum sinal e ao não ver ninguém, adentrou novamente a sua residência, com o inglório pacote em mãos.

Os meninos comemoravam o êxito da operação, com gargalhadas descomunais, quando um rapaz bem mais jovem que a senhora, apareceu apressadamente vindo de dentro da casa, com a tampa da caixa em mãos e a exibir um olhar furioso. 

Nesse momento, os garotos saíram rapidamente a disfarçarem e foram direto para a minha casa, com o intuito de contarem-me sobre a sua performance. Claro que eu ri muito da travessura, mas no alto de meus trinta e cinco anos de idade na ocasião, ponderei o quanto eu ficaria indignado se a campainha de minha casa tocasse um dia e um presente desses fosse deixado para a minha mãe. Enfim, essa história foi tragicômica.

Outra boa traquinagem que aprontaram, foi na verdade uma brincadeira dentro de minha própria sala de aulas. Em uma certa ocasião, sob total improviso, emboscaram um garoto que não era aluno, mas agregado das aulas, por ele ser irmão de um aluno, e forçaram-no a entrar no banheiro em anexo, para em seguida, descarregarem um tubo de aromatizador inteiro, lá dentro. 

Nesse dia, confesso que fiquei preocupado, pois a brincadeira excedeu-se bastante e o rapaz ficou sufocado. Claro que a pilhéria parou na hora, mas durante alguns minutos, cogitei levá-lo ao pronto-socorro. 

Felizmente, ele recuperou-se e nada mais grave aconteceu, contudo, ao lidar-se com adolescentes, é claro que coisas assim poderiam acontecer a todo instante e nesse caso a minha responsabilidade seria zelar pela integridade de todos, ainda que achasse sadio o clima de amizade estabelecida e que tornava as minhas aulas muito mais agradáveis do que qualquer aula de música tradicional, em conservatórios sisudos. 

Lógico que eu tenho consciência de que esse caráter mega liberal, era atraente para eles, mas não nunca houve maquiavelismo de minha parte, no sentido de querer deliberadamente angariar mais clientela com isso. 

Eu apenas achava que era muito mais agradável para todos, que as aulas fossem assim despojadas e houve um elemento implícito, nessa determinação. Com aquela balbúrdia instaurada, as aulas não paravam um só instante, isto é: o aluno que estivesse em seu horário, não parava de estudar e prestar atenção nas minhas orientações e a despeito disso, foi um tremendo teste de percepção musical pelo qual submetia-se. 

Se o aluno conseguia absorver a aula sob tais condições, estava preparado para tocar em qualquer circunstância e de certa forma, uma didática absurda dessas, assemelhara-se a exercícios de aulas de teatro e também de cursos de rádio e TV ministrados em faculdades, em que testes de percepção dessa proporção são propostos para desenvolver os sentidos. 

Fora as brincadeiras de sempre e o clima fraternal sob cooperação mútua entre todos os alunos, aumentara gradativamente a euforia entre eles, ao se promoverem ações em prol de suas respectivas bandas. Mesmo por eu ser um pouco cético, particularmente, em relação à criação de "cooperativas", "associações" ou qualquer outro tipo de iniciativa para a formação de organizações coletivas, é claro que apoiei integralmente a euforia deles em querer estabelecer algo "oficial" entre eles, nesse sentido.

Todavia, eu sempre os alertei que a minha experiência com esse tipo de associação coletiva, nunca fora positiva, inteiramente. Dessa forma, como tratava-se de algo de um porte muito menor, com bandas iniciantes e formadas por amigos entre si, a ideia da ajuda cooperativa, pareceu válida e na minha boa vontade por alertá-los sobre os aspectos negativos das ditas "cooperativas", não poderia de forma alguma desestimulá-los, pois no cômputo geral, a intenção deles, foi excelente.

Sobre o final de 1995, nenhuma outra ocorrência importante dessa época desperta-me a atenção. Os últimos meses foram marcados pela rotina e normalidade. 

Talvez uma única menção tenha que ser dada ao fato de que muitos alunos meus foram ao festival "Monsters of Rock", de 1995, e um curioso souvenir foi parar na minha sala de aulas, por conta desse show. 

Ocorre, que nesse dia, além do "Ozzy Osbourne", "Page & Plant" (meio Led Zeppelin) e "Black Crowes" (isso sem mencionar as atrações peso-pesado e os "indies", irrelevantes), apresentou-se também o "Alice Cooper". 

Em meio as clássicas encenações típicas de um show da "tia" Alice, notei que em um dado instante, muitos "frisbees" foram arremessados por ele mesmo em pessoa, além de músicos de sua banda de apoio, e roadies. 

Eu estava instalado na arquibancada lateral e de longe, foi possível verificar tratarem-se apenas de frisbees de plástico, nas cores verde e amarelo, provavelmente uma tentativa de fazer menção ao Brasil e agradar assim ao público tupiniquim. 

Na quarta-feira posterior ao show, eis que eu vejo que um aluno meu aparece na sala de aulas com um objeto desses, em mãos. Na verdade, além do disco de plástico (bem vagabundo e provavelmente adquirido às pressas na Rua 25 de março), havia uma foto do Alice Cooper, grotescamente recortada e colada, certamente mediante o uso de cola escolar. 

Eu posso imaginar os membros da produção do Alice Cooper a realizarem essa tarefa nas coxas, literalmente, e de certo por alguém ter sugerido de última hora o arremesso desses objetos, a insistir para haver algo "personalizado", como a foto da Tia Alice. 

Bem, o aluno em questão que pegou um desses, foi o Ricardo Garcia e lógico, ele chegou em minha sala de aulas a contar a história aumentada e valorizada, ao alegar que aquele frisbee em específico, saíra das mãos do próprio Alice Cooper, que este o mirara do palco e que ele (Garcia), havia feito um salto impressionante para vencer a concorrência que também o ambicionava... enfim, bravatas juvenis e divertidíssimas...

Por falar em festivais e shows em geral, não foram poucas as vezes em que eu fui com alunos a acompanhar-me, ou que os tenha encontrado em tais eventos. Devo até retroagir na narrativa, para relatar alguns casos.
Acima, o áudio do show do Jethro Tull, que assisti em 1988, em São Paulo
 
Em 1988, lembro-me de haver encontrado o meu aluno, Cesar Cardoso, nas dependências da casa de espetáculos "Projeto SP", onde o Jethro Tull apresentou-se pela primeira vez no Brasil.
Esse ticket do show do Uriah Heep, acima, não é meu, mas achei-o na Internet apenas para ilustrar. Fui no show do sábado (8 de julho), e fiquei no mezanino da casa.
No ano de 1989, encontrei, Flavio Sozigan, no Olympia, na saída do show do Uriah Heep. Fora a primeira vez que o velho Heep viera ao Brasil, também.
Em 1992, foi a vez para encontrar-me com Cali Keller no Olympia, no show do Ian Gillan. Foi a segunda vez que o vocalista do Deep Purple, passara por aqui, em show solo.

Ainda no ano de 1992, lembro-me de ter encontrado muitos alunos e nem vou nomeá-los, nos shows do Black Sabbath, no Olympia e também no pequeno estádio de atletismo do Ibirapuera. 

Em 1993, encontrei alguns no show duplo, com Little Richard e Chuck Berry, no estádio do Pacaembu.


Um desses alunos, deu um "show" na arquibancada, pois estava tresloucado. Quando um sorveteiro ambulante passou a oferecer picolés, ele enfiou a mão na geladeira portátil de isopor do rapaz e apanhou vários cubos de gelo, alguns inclusive, de um tamanho razoável, e sem cerimônia, passou a arremessá-los a esmo para baixo. Não jogou com força, mas claro que deve ter machucado alguém que estava sentado nos degraus abaixo. 

No meio do show do Little Richard, em uma pausa entre duas músicas, ele soltou um berro alucinado que o estádio inteiro ouviu, a insultar o artista, gratuitamente. Foi engraçado, é claro, mas muita gente deve ter incomodado-se com a afirmativa dele, ao dar conta de que Little Richard seria: "uma bicha louca"...

Detalhe contraditório: o meu aluno adorava o Little Richard e fez isso por pura brincadeira, típica de sua pouca idade e energia infantojuvenil a explodir com os hormônios. E há mais histórias sobre shows & afins...

Em 1994, durante uma das edições do Festival "Hollywood Rock", lembro-me de ter ido com diversos alunos e entre eles, ter encontrado-me com Edil Postól e sua esposa, Marilu, na entrada do estádio do Morumbi. 

O nosso foco foi assistir o show solo de "Robert Plant" e também o "Aerosmith", mas no meio do caminho houve o "Sepultura", que não era uma atração que apreciávamos. Ele e a esposa foram para a pista, e eu e outros amigos, fomos para a arquibancada. 

Na saída, um ex-aluno meu, que estava junto, "do nada", protagonizou uma cena insólita e que quase colocou-nos em perigo iminente! 

Já estávamos dentro do meu carro a evadirmo-nos das imediações do estádio no pós-show, quando ele abriu a janela subitamente e aos berros, insultou um grupo de fãs do Sepultura, que caminhava em silêncio pela Avenida Morumbi, rumo ao ponto de ônibus. E o fez mediante o uso de um trocadilho infame, daqueles que são cantados em estádios por torcidas uniformizadas. 

Bem, na hora, vários "headbangers" retrucaram com xingamentos e vários postaram-se a correr, no intuito em alcançar-nos para uma provável retaliação física, além de outros que procuraram por pedras e/ou outros artefatos no chão, para efetuar arremessos ao meu carro.

O ato tresloucado e impensado poder-nos-ia colocar em profunda dificuldade, pois se houvesse um engarrafamento depois da próxima curva, seríamos alvo fácil da fúria desses ultrajados headbangers e de certa forma, sob uma espécie de "ética das ruas", digamos assim, eles estiveram certos em cobrar-nos uma satisfação.

Ninguém que estava no carro naquele momento, aprovou essa insanidade da parte desse meu aluno e ficou um clima constrangedor dentro do automóvel, dali até o fim da jornada em minha casa, em que cada um pegou o seu carro e foi embora, mal a proceder uma despedida formal em relação ao praguejador impulsivo e imprudente. 

Esse ex-aluno já era adulto e ao aproximar-se da casa dos trinta anos nessa época, portanto, o seu ato não teve nem o respaldo compreensível de ter sido cometido pela pouca idade, no arroubo da adolescência. Enfim, foi mais uma loucura cometida em dia de show, e com a presença de alunos.

Ainda em 1994, eu fui com uma turma boa à casa de shows, Olympia, para assistir o show do "Yes". 

Acima, um vídeo do show do "Yes" em São Paulo, que eu assisti em 1994
 
Um comboio foi organizado com a saída marcada para a minha casa, e o casal Monica e Nelson Maia Netto foi colocado no carro de um ex-aluno meu. 

No caminho, os perdi de vista, por conta de uma mudança súbita de rota que o meu ex-aluno resolveu assumir. Já estávamos nas dependências da casa, poucos instantes antes do show começar, quando vi o casal a entrar no recinto, esbaforidamente. O que houve?

De fato, o motorista do carro mudou o caminho e desgarrou-se de nosso comboio, por pura distração. E com tal mudança de rota, foi parar em uma avenida que dava acesso ao bairro de Pinheiros, quando em nosso caminho, dirigíamo-nos à Lapa. São bairros razoavelmente distantes um do outro. 

Como se não bastasse o atraso, quanto mais atrapalhava-se com o caminho errado, mais nervoso portou-se e quase cometeu uma colisão, com direito a discussão ríspida com o motorista do outro carro envolvido. 

Enfim, apavorados, Maia Netto & Mônica pediram para descer do carro e concluíram o percurso, mediante o uso de um táxi, quando chegaram em cima da hora na casa de espetáculos e consequentemente, perderam um bom lugar para assistir, pois os seus ingressos seriam para o setor da pista.

Enfim, não foi minha culpa ter sugerido que embarcassem no carro desse rapaz, mas fiquei chateado por verificar que estressaram-se. E o rapaz em questão? Sim, ele chegou atrasado e um pouco alterado pelo nervosismo gerado e do qual foi o único culpado.

Outra lembrança digna de nota, deu-se em 1993, quando no mês de dezembro daquele ano, o grande astro do Rock cinquentista, Jerry Lee Lewis, apresentou-se pela primeira vez no Brasil. 

Como é público e notório, Lewis construiu a sua carreira inteira em cima da fama de ser extremamente temperamental. E mesmo já com a idade avançada, "The Killer" não demonstrara nenhuma intenção de deixar de ter a sua "fama de mau".

Acima, o vídeo do show de Jerry Lee Lewis, que eu assisti em São Paulo, no ano de 1993
 
Sendo assim, Lewis entrou visivelmente embriagado no palco da casa de shows, "Palace", de São Paulo e ali tocou por exatos quarenta e dois minutos, apenas, quando sob um ato tresloucado, levantou-se do banquinho do piano, chutou-o, e saiu de cena para não voltar mais naquela noite. 

Apesar da casa estar lotada por fãs desse mito cinquentista, um princípio de revolta instaurou-se, com muitas pessoas a exigirem a volta do artista ao palco para a continuidade do espetáculo e outros mais exaltados, ameaçavam pessoas ligadas a produção do show, ao exigirem o ressarcimento do valor dos ingressos cobrados. 

Sob o ponto de vista do código do consumidor, claro que a reivindicação procedera, pois o show fora interrompido sem nenhuma razão plausível, a não ser a embriagues e o temperamento irascível do artista.

Contudo, por considerar-se que todo mundo ali presente era fã inveterado de Lewis, apesar da conduta ter sido inadequada da parte dele, seria para esperar-se uma certa tolerância, pois tal comportamento fora uma constante na sua carreira. 

Ao ir além, posso até estar a exagerar, mas tal atitude seria até um "charme" inerente para quem assistia "The Killer" em ação e mediante uma licença poética gigantesca, posso inclusive mencionar que seria decepcionante vê-lo a concluir um show regular, com noventa minutos de duração ou mais, e a se comportar de forma simpática etc.

Bem, em meio a balbúrdia que ocorreu entre o público, com gente revoltada a exigir "os seus direitos", houve um aluno meu que vibrou como se estivesse em uma arquibancada de estádio de futebol. 

Este pulou e gritou euforicamente como se o seu time tivesse marcado um gol. Foi o mesmo garoto que no show duplo dos também astros cinquentistas, Little Richard e Chuck Berry, deu um show na arquibancada do estádio do Pacaembu, com as suas traquinagens e de fato, ele adorava esses artistas do Rock dos anos 1950. 

A sua euforia nesse caso, teve uma coerência, se vista pela tese que eu defendi acima, ou seja, ele percebeu e emocionou-se em ver Jerry Lee Lewis exatamente da maneira como a sua fama espalhou-se ao longo de sua carreira: temperamental, a abandonar o palco, chutar o banquinho do piano e bêbado.

Fez sentido, apesar da longa espera com cerca de cinquenta anos para vê-lo em ação em nosso país e mediante parcos quarenta e dois minutos de música, apenas. 

Como consolo, sim, ele tocou "Great Balls of Fire" antes de aborrecer-se e abandonar o palco... menos mal!

Após essa rápida explanação por eventos do passado, volto à cronologia do segundo semestre de 1995. 

Bem, nada de muito significativo ocorreu nesses últimos meses desse referido ano, que fosse digno de nota. A rotina das aulas prosseguira, em paralelo aos agitos de shows do Pitbulls on Crack e das respectivas bandas de alunos, além do costumeiro intercâmbio entre eles, com discos, principalmente. 

O ano de 1996, aproximara-se e nele, mais uma onda gerada pela euforia aconteceria, motivada pelo Pitbulls on Crack e o movimento criado pela gravação e lançamento do CD "Lift Off". O apoio de meu exército Neo-Hippie fazer-se-ia valer mais uma vez, de forma contundente. E assim terminou 1995...

Começou o ano de 1996 e este seria efetivamente, o último ano estável na minha atividade como professor de música. Claro que eu não tive nenhum indício de que os fatos assim procedessem doravante, ali naquele momento. Foi um processo lento e imperceptível a grosso modo, mas historicamente, foi assim que aconteceu. Todavia, não foi logo no início do ano que algum sinal nesse sentido pudesse ser observado, ao menos sem um microscópio.
Dessa forma, o ano começou igual aos anteriores, com um quadro de alunos que apresentava uma média com trinta a trinta e cinco alunos, e a rotina foi a de sempre, com a interação total, intercâmbio e o clima de camaradagem e amizade entre todos. No primeiro semestre, a normalidade foi mantida, e a súbita decadência só viria a ocorrer no segundo semestre.

Em 1996, o Pitbulls on Crack fez poucos shows, mas como de costume, os meus alunos envolveram-se e prestigiaram todos eles. 

Por exemplo, em fevereiro, quando tocamos na Casa de Cultura do Ipiranga e entre as sessenta pessoas presentes na plateia, quase a metade foi formada pelos meus "Neo-Hippies". 

Uma banda que apresentou-se na abertura, teve como baixista, um ex-aluno meu. A minha memória é boa normalmente, mas não é infalível, portanto ficarei a dever o seu nome, pois realmente apagou-se da minha lembrança e como eu já mencionei várias vezes, perdi o caderno em que havia anotado todos os nomes de meus alunos, desde 1987. 

Esse rapaz não ficou muito tempo em meu quadro de alunos e não marcou tanto na minha sala de aulas quanto outros que eu cito com constância. Lembro apenas que era robusto em sua constituição física, usava cabelos longos como a maioria e não demonstrava claramente ser apreciador de sonoridade estética das décadas de 1960 & 1970. Pelo contrário, eu desconfiava que ele gostava de Heavy-Metal.

Mas quando a sua banda começou a tocar, surpreendi-me ainda a escutar do camarim, quando cometeu a boa ousadia de executar um cover inusitado. Ouvi claramente que "a capella", três de seus membros começaram a entoar a introdução vocal da música: "Thirty Days in the Hole", do "Humble Pie". 

Fiquei surpreendido positivamente não só pela escolha de uma música que jamais esperaria ouvir ali, em pleno 1996, mas também pela boa afinação que as três vozes mantiveram durante a sua performance. A banda chamava-se: "Green Stuff" e como esse aluno nem era mais do meu quadro, a sua presença no evento fora uma coincidência e não um arranjo em que eu tivesse tido alguma influência quando das negociações para fechar a data na referida casa de espetáculos mantida pelo poder público. 

Foi uma surpresa agradável e mais um sinal sutil que todo o empenho para se buscar trazer tal egrégora para a gravação do CD "Lift Off", que iniciar-se-ia em breve, teve tudo a ver. Esse fato ocorreu em 11 de fevereiro de 1996.

Os irmãos Schevano, Ricardo & Marcello e Toni Peres Rodrigues, da esquerda para a direita. Marcello usa camiseta do Pitbulls on Crack  

O assunto do momento dali em diante dentro de minha sala de aulas, passou a ser naturalmente, a gravação do CD "Lift Off", do Pitbulls on Crack. Cada pequena informação que eu fornecia-lhes, foi um fator motivacional e tanto para a minha garotada. Claro que não cometi o deslize de convidar nenhum deles para irem visitar o estúdio em uma sessão de gravação, pelo caráter inadequado que tal predisposição teria, obviamente.

         A gravar o CD Lift Off, do Pitbulls on Crack, em 1996...

O importante, todavia, foi que mais uma vez eu sentia essa comunhão entre a banda em que tocava na ocasião e o outro mundo em que eu vivia nos anos noventa, ou seja, justamente a minha sala de aulas e a fomentar a existência do meu exército de alunos. 

Quando o segundo semestre iniciou-se, o movimento na minha sala de aulas pareceu estar dentro da rotina. Estava habituado com a rotina de perder alguns alunos no período pós-férias escolares, mas logo na metade de agosto, essas lacunas eram normalmente preenchidas pela entrada de novos estudantes. 

Essa foi uma dinâmica normal para o período das férias escolares de julho e o mesmo ocorreria em dezembro, quando na proximidade do Natal sempre ocorria uma debandada, mas os que não voltavam em janeiro, eram substituídos rapidamente, por novos alunos que chegavam.

No entanto, essa regra quebrou-se em 1996 e sem que houvesse um motivo plausível, pois eu me lembro que na metade de agosto, eu perdi oito alunos em uma única semana. A maioria comunicou-me de sua desistência das aulas, alguns poucos sumiram sem fornecerem-me satisfações, mas pelo que percebi, trataram-se de motivações completamente diferentes entre si, e assim, não houve a menor possibilidade desse ato ter sido algo arquitetado coletivamente, ou que denotasse algum tipo de boicote e/ou sabotagem. 

Simplesmente eles debandaram em massa e claro que um número significativo nessa margem, causou um pequeno estrago em meu orçamento. O pior de tudo, foi que não houve a costumeira reposição e essa queda repentina provocou uma diminuição no meu quadro, do qual eu nunca mais consegui recuperar-me.

Doravante, nos últimos anos em que ministrei aulas, o meu número médio ficou desse patamar para baixo. Estava quebrada a minha média com trinta e cinco alunos, que eu mantivera praticamente desde 1989. 

Engraçado que nessa época, eu não tinha planos para encerrar a minha atividade como professor particular, tão cedo. O Pitbulls on Crack dava mostras de crescimento, mas eu não confiava plenamente na banda em um curto/médio prazo, no sentido de que garantisse-me a condição de não precisar mais da atividade paralela. 

E mais estranho ainda, foi que na hora em que eu verifiquei essa queda, eu tive o "insight" claro de que ali começara o fim dessa minha atividade. Até hoje, não tenho nenhuma explicação plausível, mas o fato concreto, é que nessa semana de agosto de 1996, essa queda de alunos, repentina, realmente foi o primeiro sinal de que essa atividade caminhava para o seu final. Muito embora isso tenha sido sacramentado de fato, só três anos depois. 

E mesmo com menos alunos inscritos, a minha sala de aulas ainda protagonizaria muitas histórias, inclusive mais um pico de euforia, que ganharia volume no ano de 1998.

 
Ainda a abordar tal assunto, lembro-me bem que na iminência do lançamento do CD do Pitbulls on Crack, foram encomendadas filipetas exclusivamente para divulgar tal proximidade do lançamento e com um show internacional sob grande porte a vista ("AC/DC", no Estádio do Pacaembu), nós resolvemos usar essa força de trabalho em mutirão e com o apoio dos "monges", liderados por meus primos, Emmanuel Barreto e Helder Pomaro, muitos de meus alunos participaram ativamente.
Emmanuel Barreto, meu primo, um dos "monges" em questão, e atualmente, dono do Site/Blog Orra Meu, veículo pelo qual eu fui colaborador como colunista fixo, entre 2011 e 2016.

Claro que para eles houvera a conotação de farra, mas o trabalho que faziam a auxiliar a minha banda, fora extraordinário. Tirante isso, ficara clara também que a força que demonstravam nessas ações coordenadas, denotara o poder de mobilização que possuíam.
Alguns dos "monges": Natanael, Betina, Emmanuel e Wagner "Baiacu", da esquerda para a direita, em foto de 1996

Nesses termos, claro que um pequeno contingente desses, bem coordenados e motivados, poderia fazer um estardalhaço, culturalmente a falar. Eram inteligentes, cultos e detinham ideais. Além da evidente energia juvenil e inerente.

Helder Pomaro, meu primo e outro membro da trupe dos "monges"

Sendo assim, eles logo estariam a ajudar-me novamente e desta feita, sob um mutirão, com organização de linha de produção de fábrica, praticamente, quando envolveram-se na montagem das latas que compunham o aparato de divulgação do CD do Pitbulls on Crack.

Já abordei esse fato no capítulo exclusivo da banda, mas vou tentar achar novas luzes para comentar essa fase muito boa de união entre eles e eu, sob o ponto de vista da minha relação como professor, portanto adequadamente comentados neste capítulo, "Sala de Aulas". E logo mais, faço isso.

          Wagner "Baiacu", outro componente dos "Monges"

Nem mesmo o fato do quadro de alunos ter diminuído significativamente, arrefeceu tal animação na minha sala de aulas. A dinâmica permaneceu a mesma, em todos os sentidos. 

Os meses prosseguiram sem que eu pudesse vislumbrar um motivo concreto pelo qual justificasse-se a queda no quadro. Foi mesmo muito inesperado e completamente aleatório, salvo alguma revelação em contrário, pois ao escrever sobre isso, com vinte anos de distanciamento histórico (2016), realmente não consigo enxergar uma lógica nesse processo.

Tomás Grimas, aluno que frequentou as minhas aulas em 1992, saiu e teve uma volta ao meu quadro, em 1996, ano dessa foto acima.

Em princípio, ali no calor dos acontecimentos do segundo semestre de 1996, não fiquei muito preocupado. Pelo contrário, relevei, por considerar tratar-se de algo fortuito e passageiro e dessa forma, em qualquer instante, uma nova safra com alunos apareceria e tudo voltaria ao normal. 

Não foi bem assim na verdade que ocorreu e eu estava completamente alheio a um fenômeno que estava a atingir-me com a força de um Tsunami. 

O fato, foi que a Internet estava a popularizar-se de uma forma avassaladora e nesse sentido, o mundo da música começou a ser duramente golpeado pelas novidades da tecnologia. Falo "golpeado", pois não obstante o fato de que a tecnologia foi uma novidade libertadora, por outro, velhos paradigmas estavam a ser muito ameaçados. 

O setor mais ameaçado foi obviamente o da indústria fonográfica, com a iminente derrocada do CD, mas outros setores ficaram sob judice também e no campo didático, a possibilidade de espalhar-se métodos e vídeo-aulas, quebraria toda uma velha estrutura de aprendizado.

Claro que eu nem cogitara isso naquela época, mas tinha plena consciência de que as minhas aulas eram simples, sem metodologia tradicional ou formal, tampouco com nenhum material sofisticado de apoio. 

Se o meu método simplório já era inferior a qualquer escola de música e nessa época, já haviam várias dessas modernas, plenas de novidades tecnológicas espalhadas por São Paulo, o que seria de meu curso prosaico, doravante, com tal avalanche de informações a  acontecer via Internet? 

Em 1996, não existia ainda o YouTube, tampouco as redes sociais, mas a Internet já era bastante ameaçadora nesse sentido. Essa é uma explicação a posteriori, mas tem fundamento, enfim.

Então, além das atividades coletivas para ações de divulgação (principalmente distribuição de filipetas em porta de grandes shows, onde os meus alunos misturavam-se aos "monges", já citados), a grande ação deu-se mesmo nos meses de outubro e novembro de 1996, quando a gravadora Velas, propôs produzir um aparato muito criativo de marketing para dar suporte ao lançamento do CD "Lift Off", do Pitbulls on Crack.  

Contudo, para garantir tal aparato, pediram-nos um esforço sob mutirão, para garantir que esta ação fosse concretizada mediante uma minimização de custos.

Na minha sala de aulas, em 1996. Da esquerda para a direita: Cali Keller Rodrigues, eu (Luiz Domingues) e Emmanuel Barreto. Sentado: Ricardo Schevano.

Claro que aceitamos essa condição imposta e de antemão, eu tinha o meu trunfo pessoal em contar justamente com o meu quadro de alunos e portanto, a certeza de que eles colaborariam nessa tarefa com bastante entusiasmo.

Primeiro pela farra que isso seria e na adolescência não precisa falar-se duas vezes para que aceite-se uma bagunça generalizada dessas. E segundo, que todos, sem exceção, nutriam pretensões artísticas pessoais e muitos já com bandas em curso. Então, estar a ajudar, também significara para eles a oportunidade para fazerem contatos, a inserirem-se no mundo fonográfico, no show business em geral, mesmo que de forma inicialmente insípida.

Da esquerda para a direita, os irmãos Ricardo & Marcello Schevano, e Toni Peres. Este último, trabalharia no selo Primal/Velas, pouco tempo depois, sob uma intervenção direta de minha parte.

Claro que na medida do possível, eu mesmo incentivava que eles aproveitassem a oportunidade para assim proceder, ao travar contato e conhecimento desse mundo. E no momento certo, muitos realizaram de fato, contatos interessantes e até um emprego formal eu arrumei para um deles, quando surgiu uma oportunidade, dentro da gravadora. E do que tratou-se a tarefa de mutirão?

A gravadora, através de seu departamento de marketing, aprovara a concepção de um aparato de apoio para a divulgação do CD. 

Mediante "brainstorm" realizada entre a banda e o marqueteiro da gravadora (Alexandre Madeira), foi concebida uma lata com média proporção, que seria embalada com um rótulo a evocar a banda, mas a imitar a famosa lata de "Sopa Campbell", estilizada em sentido de Pop-Art pelo artista plástico, Andy Warhol. 

Dessa forma, dentro da lata, além do CD, haveriam muitos objetos oferecidos como brinde e para preparar cerca de três mil latas com tal aparato incluso, a gravadora economizaria uma boa quantia se nós organizássemos um mutirão e realizássemos tal tarefa gratuitamente. 

A oportunidade para trabalhar-se na linha de produção de uma autêntica fábrica, foi um convite à farra generalizada e assim, claro que muitos de meus alunos aceitaram de pronto a incumbência.

Quase todos os meus alunos envolveram-se nesse processo insano.
Foram tantas latas, que para não tumultuar o expediente dentro do escritório da gravadora, pediram-nos para fazermos as sessões de mutirão aos sábados e domingos inicialmente, porém, quando notaram que mesmo com tanta gente a auxiliar, não daríamos conta do montante, abriram a possibilidade para instituirmos expediente noturno nos dias úteis, após o horário comercial. Claro que nem todo dia eu conseguia mobilizar muita gente, mas foram muitos dias a trabalhar, assim mesmo.

No auge dessa loucura, chegamos a contar mais de trinta pessoas em um dia, apenas e a maioria do contingente, formada pelos meus alunos e invariavelmente vários agregados das aulas, como amigos, parentes e namoradas dos meus alunos, além é claro, de Jason Machado, que era presidente do fã-clube da banda e este também mobilizava uma tropa de ajudantes entre amigos, a contar com os seus parentes e agregados. 

Tenho uma lembrança muito boa desses dias que foram sob trabalho intenso, organizado como linha de produção de fábrica, mesmo. Mas sempre com um clima de intensa camaradagem, a gerar muitas risadas e brincadeiras o tempo todo.

Carol, minha aluna e que nessa época namorava o baterista, Juan Pastor, do Pitbulls on Crack, ajudou nessas maratonas de trabalho

Apesar da descontração toda dessa tarefa, o trabalho foi eficaz e rendeu. Uma turma colava os rótulos nas latas, a outra colocava os objetos. Outra separava cada item que era colocado e finalmente uma quarta equipe tratava de lacrar as latas. 

Como eu já mencionei, esse trabalho aconteceu entre outubro e novembro de 1996, mas a minha turma de alunos envolveu-se também no processo de divulgação do show de lançamento do CD "Lift Off". 

Dentro dessa dinâmica dos meus alunos colaborarem decisivamente nesse processo artesanal de finalização do aparato de lançamento do CD Lift Off, creio que o ato final dessa ajuda inestimável foi o seu comparecimento em massa ao show de lançamento do mesmo.

Marcelo Bueno, um dos mais entusiasmados alunos que vibravam nessa onda retrô, e pelo seu visual, isso é nítido, em pleno 1996, mas caracterizado como se estivesse em 1972...

O meu exército "neo-hippie" compareceu em massa ao evento, que foi apelidado como: "Pitstock", em uma alusão ao mítico Festival de Woodstock. 

Toda a descrição do show está contada em detalhes no capítulo sobre o Pitbulls on Crack. O que posso acrescentar aqui, é que eu fiquei muito contente com a participação de todos e muito agradecido pelo esforço que fizeram para lidar com aquela trabalheira toda que foi preencher as tais latas, ao colocarem-se os seus respectivos rótulos e lacrá-las.

Da esquerda para a direita: Branchini, eu (Luiz Domingues), Rodrigo Hid e Paulo de Tharso. Rodrigo não era meu aluno, mas agregado das aulas e os demais, ambos, foram bons alunos e frequentaram as minhas aulas entre 1995/1997, aproximadamente. 

Estava por encerrar-se o ano de 1996, sob tal clima de confraternização em minha sala de aulas.
 
O aluno da primeira foto, era irmão de uma ex-aluna de 1989, chamada, Carlota Brito, portanto, consideremos chamá-lo como Brito, igualmente e o segundo, lastimo, mas não recordo-me de seu nome. Fotos de 1996.

Eu tinha naquela altura, a esperança de que passada a fase das férias escolares, a normalidade voltaria, com o meu quadro de alunos a restabelecer-se com a média habitual entre trinta e trinta e cinco alunos, por não dimensionar (e não haveria como pensar nesses termos, naquela época), que o processo iniciado ao segundo semestre de 1996, fora irreversível.

Flavio, um rapaz que gostava de Hravy-Metal extremo, mas nunca contestou a minha metodologia baseada em outras esferas do Rock "Vintage" 

Mesmo ao não ter nunca mais atingido o pico máximo de alunos e euforia que eu tive entre 1989 e 1996, os anos de 1997 e 1998 ainda proporcionar-me-iam alegrias. Principalmente em 1998. Falo na cronologia adequada. 

Esteve encerrado o ano de 1996.

Continua...

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