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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Pitbulls on Crack - Capítulo 2 - Coletânea em Gravadora de Médio Porte - Por Luiz Domingues

Nesse hiato que tivemos em termos de shows após a apresentação no Garage Rock Festival, entramos enfim no estúdio para gravarmos as duas músicas que nos representariam na coletânea produzida pela gravadora Eldorado, em julho de 1993. 

As gravações ocorreram no estúdio Be Bop, que ficava localizado no bairro da Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo. A metodologia de gravação seguiria o método tradicional, com a bateria gravada primeiro, seguido do baixo, guitarras e o vocal ao final.

O estúdio Bep Bop era bem badalado na época e frequentado por artistas renomados. Eu não saberia dizer o valor cobrado pela sua locação, mas certamente a gravadora Eldorado gastou uma boa quantia ali, pois cada banda da coletânea gravou bem à vontade, sem atropelos.

O estúdio continha duas salas de gravação, A e B. As bandas da coletânea gravaram no B, que era amplo, super equipado e do qual não tenho queixa alguma, mas o estúdio A, era cinematográfico.

No ambiente do estúdio A, havia por exemplo um órgão Hammond B3, igual ao dos grandes tecladistas do Rock internacional setentista que admirávamos, Jon Lord entre tantos (tecladista do Deep Purple), e com uma caixa Leslie toda pintada com motivações sessentistas psicodélicas, lindíssima, à disposição dos artistas que ali o desejassem usá-la.

Começamos a gravar e na primeira sessão, preparou-se o som da bateria. Lembro-me do Juan Pastor a usar uma carcaça de bateria Pearl, de cor cherry, pertencente ao estúdio. 

E como foram apenas duas músicas para gravarmos, logo após equalizarem-se as peças da bateria, ele pôde gravar no mesmo dia, sem maiores dificuldades, visto que estávamos bem ensaiados e além do mais, essas duas musicas faziam parte do set list dos shows, desde o início da banda, em 1992. 

No dia seguinte, foi a minha vez para gravar o baixo. Usei o baixo Rickenbacker, nas duas músicas, plugado em um amplificador Gallien Krueger, e acoplado a duas caixas Hartke.

Particularmente, acho essas caixas pavorosas, mas essa marca estava na moda da época e eu não possuía ainda as minhas caixas Ampeg nessa ocasião. Eu tinha comigo uma caixa Snake nacional com 4 x 15' e uma outra "handmade" com um falante de 15', portanto, um equipamento ruim para gravar. E foi usada também uma linha direta na mesa, para eventualmente somar-se ao som do canal do amplificador. 

Apesar de eu ter construído um clima amistoso com o produtor do disco, no decorrer da minha gravação, houve um momento de tensão.

Na sessão de gravação da bateria, eu havia estabelecido uma relação amistosa com o produtor, Carlos Eduardo Miranda. Apesar dele ser todo aficionado de som indie, mantinha outrossim algum apreço pelo Rock Vintage e por conta desse pormenor, chegamos a conversar animadamente sobre o "Gong", uma banda setentista que coincidentemente, apreciávamos de comum acordo. 

No entanto, na hora da gravação, ele em um dado momento cismou de exigir algo que não teve cabimento, por considerar que o trastejamento natural do Rickenbacker, fora produzido por alguma falha minha de digitação.

 

A sua reclamação não procedia, pois o som de trastejamento que ele ouvia na sala da técnica, não decorria de uma suposta falta de técnica de minha parte, mas por ser uma característica normal desse instrumento. 

Por desconhecer esse dado e sobretudo por que não quis levar em consideração a minha explicação sobre tal característica do instrumento, interrompeu-me a todo instante para cobrar-me uma maior precisão da minha digitação e não seria o caso. 

Insatisfeito, deixou-me a gravar sozinho e foi tomar um café, quando o técnico, que era também baixista, falou-me reservadamente que eu estava certo e apoiou-me em minhas ponderações.

O tal produtor, era muito bem relacionado no mundo fonográfico, na mídia e entre empresários. Justiça seja feita, era um competente lobbysta e geralmente estava envolvido com a produção musical indie, ao indicar aspirantes a artistas e produzir em estúdio. 

No trato pessoal, o Miranda mostrava-se agradável, não pareceu ser arrogante. Só nesse instante, foi que ele cismou comigo. Mas adiante, verificamos que também teria problemas com os demais. Eu não teria desavença alguma em seguir a sua orientação como produtor, se ele estivesse certo, mas não estava...

Eu lembro-me do Chris Skepis, que estava por perto, mas como sempre, ele emendou mil brincadeiras e trocadilhos, para aliviar a tensão no ambiente, com seu bom humor habitual. E depois de acalmados os ânimos, o produtor voltou mais relaxado do café. Além do mais, eis que recebi duas visitas famosas para acompanhar a minha gravação: Paulo Miklos e Kiko Zambianchi. Ambos estavam, digamos, bem alegres nesse dia.
O Miklos ficou a elogiar o meu baixo, Rickenbacker, mas nitidamente repetia as frases que proferia a esmo, pois isso fazia parte de sua viagem.

E o Kiko não lembrou-se de minha pessoa, pois conversamos uma vez ao telefone, em 1988, quando eu estava a tentar fechar um show para A Chave/The Key (sem Sol), em Ribeirão Preto, a sua cidade natal e ao saber que ele era conhecido de meu tio que morava lá e da minha prima, meus familiares fizeram a ponte ao ligar à ele e apresentar-me. Mas não deu em nada, pois ele não passou-me nenhum contato forte, e limitou-se a me fornecer dicas óbvias. 

Para encerrar o caso do "trastejamento", esse cansaço foi contornado rapidamente. Primeiro por que eu sou um sujeito zen por natureza e raramente irrito-me. Depois, por que como eu já falei várias vezes neste capítulo do Pitbulls on Crack, essa foi a banda mais despreocupada em que eu toquei na minha carreira, sem sombra de dúvida.

Rara foto de nossa participação nas sessões de gravação dessa coletânea, no estúdio Be Bop, em 1993. Da esquerda para a direita: Érico (técnico), Carlos Eduardo Miranda (produtor), Deca e Chris Skepis. Acervo e cortesia de Chris Skepis. Autor do click, desconhecido

Ali no ambiente dessa banda, era só brincadeira o tempo todo, pois os três outros componentes continham essa verve espirituosa. Qualquer coisa que era falada por um, transformava-se em trocadilhos, ironia e um festival de sarcasmos imediatamente para os demais e assim ficavam sob um eterno desencadear de piadas sobre piadas.
E houve mais um fator: o Miranda adorava o Chris também por esse humor ao estilo "Monty Python"/24 horas por dia e principalmente pelo fato do Chris ser antenado em som indie. E assim, ambos ficavam horas a conversar sobre bandas insípidas, que só eles conheciam.

A despeito desse imbróglio, eu concluí a minha parte muito rapidamente. Quem toca ou tocou comigo, sabe que costumo gravar muito rápido, pois a minha timbragem é simples e no quesito execução, eu costumo focar na gravação sem dispersões, sendo muito objetivo. 

Outra coisa, cada um pensa de uma forma, mas a minha metodologia é a seguinte: quando estou a gravar, tenho a mesma postura de quando toco ao vivo. Deixo levar-me como um ator para outra dimensão e ali, naquele momento, deixo que os Deuses do Rock manifestem-se. 

Foco o pensamento na emoção e tento imprimir esse sentimento nas notas que toco. Todos os discos que gravei na vida contém esse elemento, com exceção do LP "A New Revolution", d'A Chave/The Key ("sem Sol"), onde definitivamente, não há alma ali contida naqueles sulcos do vinil, mas isso eu expliquei no seu capítulo adequado. 

Depois que terminei a minha parte, vieram as sessões do Chris, alguns dias depois. Deveriam terem sido tranquilas, pois ele tocava de uma forma simples. Fazia bases eficientes, mas bem simples, sem grandes voos, mais ou menos como o Marc Bolan tocava no "T.Rex", mas o Chris toca melhor que o velho Bolan, na minha avaliação, pois entre outras coisas, este morreu ao saber fazer apenas seis acordes, aliás, Bolan é uma tremenda influência dele, Chris, que adora o Glitter Rock setentista (eu também adoro).

Chris Skepis a tentar timbrar a sua guitarra Fender Stratocaster, mas a contrastar com a vontade do produtor imbuído pela vontade de buscar um timbre condizente com o que estava acostumado a gravar, com as suas bandas punks prediletas. Acervo e cortesia de Chris Skepis. Autor do click, desconhecido
Se estivéssemos a gravar de forma independente, essa gravação teria sido rápida. Mas como dependíamos da direção da gravadora, as sessões foram espaçadas, a arrastar a agenda, mesmo por que, haviam outras bandas da mesma coletânea, a gravarem. Veio então a sessão do Deca, que foi mais sossegada, mas nem tanto assim...
Lembro-me da sessão dele também por um fato inusitado e agradável, posso dizer. Como eu já havia contado, o estúdio continha duas salas. Na sala A, que era muito maior, nesse dia, estava a acontecer uma gravação do Jorge Benjor.

Encontramos com ele no cafezinho e este foi extremamente simpático conosco, ao levar-nos pessoalmente para a sala A, para que assistíssemos um pouco da sessão de gravação das bases de seu novo trabalho.  

O clima entre os membros de sua banda nos pareceu ser de muita camaradagem, ao dar-nos a certeza de que trabalhar com ele devia ser muito bom. Jorge contava com algumas presenças femininas consigo, e de fato, a alquimia esteve boa para ele, ali. Salve simpatia!

Na mesma sessão, esteve presente um dos membros do Duo performático: "Os Mulheres Negras", provavelmente sob um convite do Jorge. Mas esse cidadão não foi nem um pouco simpático conosco, lamentavelmente.  

E por fim, a sessão do Chris para gravar o vocal também deveria ter sido tranquila. O Chris apesar de ser um brincalhão incorrigível, na hora em que precisava desempenhar, era focado.  

Todavia, o produtor o atormentou e caso raro, vi o Chris irritado e de tão contrariado que ficou, ele gravou de costas para a técnica, pois não suportava mais as interrupções constantes do cidadão. Apesar dos pesares, ele conseguiu gravar, mesmo com essa tensão. 

Dias depois, fomos convidados para participar do coro de um refrão de uma das músicas da banda brasiliense:, "Little Quail and the Mad Birds", participante da mesma coletânea.

A ideia seria contar com uma multidão a reforçar o coro, que dizia: "Não tem cinco, não tem seis", para responder ao vocalista da banda, que cantava: "Um, dois, três, quatro"...

Além de membros de todas as bandas da coletânea, lembro-me da presença de músicos de outras bandas presentes, tais como o pessoal do "Viper", "Anjos dos Becos" e "Okotô", por exemplo. 

Dividi o meu microfone com o grande baixista, Lee Marcucci e o guitarrista do "Okotô". Foi uma bagunça total, com mais de quarenta pessoas a berrarem, mas foi divertido. 

E foi nessa sessão que autografamos (todas os membros das bandas), uma pele de caixa de bateria, cuja foto aparece na ficha técnica do CD/LP (sim, esse disco ainda saiu no velho formato de vinil).

No cômputo geral, foi muito tranquila a gravação. Além de estarmos bem ensaiados, o astral da banda era sempre leve, com tanta pilhéria que surgia. Ser membro do Pitbulls on Crack foi como ser do Monty Python's Flying Circus...

Era impossível não gargalhar o tempo todo com os três: Skepis, Deca & Pastor, pois todos eram extremamente espirituosos e seus estilos de humor diferentes entre si, complementavam-se. 

Até eu, que mesmo que não me considere mal-humorado, estou longe de ser um piadista e pelo contrário, tenho temperamento sério, enquanto estive lá, não tive alternativa ao conviver com as pilhérias intermináveis por eles perpetradas. 

E vou contar-lhe, caro leitor: cada um recebeu uma mísera cópia de LP apenas. A gravadora só lançou tal obra em formato CD, tempos depois e nós não recebemos nada. 

A cópia em CD que eu tenho, eu comprei em uma loja de discos usados, em 1995. Em síntese: nós músicos que militamos no underground (não por vontade própria, certamente), estamos tão acostumados com esses maus tratos, que relevamos esses absurdos. E tem mais uma: a Eldorado detinha fama de ser uma gravadora diferenciada, que tratava muito bem os artistas de pequeno e médio porte. Imagine se não cuidasse.

Ouça abaixo a gravação de "Under the Light of the Moon", proveniente da coletânea: "A Vez do Brasil, da gravadora Eldorado, lançado em 1993.

Eis abaixo o link para ouvir o áudio oficial de "Under the Light of the Moon":
https://www.youtube.com/watch?v=vpBNVjsprj4
Sobre as músicas que gravamos, digo que “Under the Light of the Moon” contém uma camada de guitarra limpa e violões que eu considero muito interessante, a adocicar a base pesada. O produtor queria timbrar guitarras pesadas à moda de bandas de Heavy-Metal mas felizmente ele cedeu aos nossos apelos, para evitar serras elétricas destoantes ao nosso trabalho. 
O baixo está na frente e as frases são bem ouvidas, não posso queixar-me nesse aspecto. Mas o timbre poderia ter sido bem melhor. Rickenbacker "fala" muito e apesar do peso que ficou no disco, faltou o estalo característico dele, na região médio-aguda. 
Gosto da frase cheia de harmônicos que o Deca fez várias vezes ao longo da canção, além do solo, com muita energia. O peso de baixo e bateria em sincronia no refrão é intenso e dá ênfase ao clímax da música. Essa foi sem dúvida a música que mais projetou o “Pitbulls on Crack", em sua carreira, com execução radiofônica maciça e vídeoclip na TV a reforçar.
Eis acima o áudio oficial da música "Answer Machine", do Pitbulls on Crack.

O link para escutar no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=Yr8n8FIXuAQ 

Sobre “Answer Machine”, o riff da música é super "seventies", sob um misto entre o “Led Zeppelin” e o “AC/DC”, ao evocar o Hard-Rock. 
O Refrão lembra o som do Alice Cooper, nos anos setenta. Usei o Rickenbacker, também, e o timbre está obviamente bastante parecido com a canção anterior, pela obviedade de tê-la gravado em seguida na mesma sessão, e no uso da mesma timbragem no equipamento. 
Gosto bastante das intervenções do Deca, inclusive as alavancadas e raspadas de palheta pelas cordas, a caracterizarem adornos extras, como efeitos. Isso sem falar da frase contínua em notas semicolcheias, que caiu como uma luva no refrão. 
A bateria apresenta timbres razoáveis e ao menos um mérito, o reverber foi comedido, principalmente na caixa, o que foi (é) um alívio ao se pensar que a moda oitentista de produção de áudio ainda tinha os seus admiradores nos primeiros anos da década de noventa!
A voz do Chris é bastante gritada e foi dobrada dessa forma, mas não ipsis litteris e o tempo todo, portanto, em alguns trechos com pequenas diferenças sutis nos respectivos desenhos, ao dar a ideia de serem pessoas diferentes a cantarem e sem muita preocupação com a precisão na sincronia. 
Essa canção foi tocada em quase todos os shows do Pitbulls on Crack, em que eu estive na banda entre 1992 e 1997 e certamente deu-me prazer em executá-la. 
As fotos da banda para suprir a capa e encarte do disco, foram feitas em uma sessão clicada por Rui Mendes. A capa foi desenhada por Fabio Cobiaco. Trata-se de um tipo de ilustração que eu jamais gostaria de usar em um disco meu, a retratar o Rocker padrão como um adolescente alienado em meio a signos os mais idiotizantes possíveis e claro, pelo uso das indefectíveis bermudas, mas o rapaz não tem culpa alguma nesse processo, certamente. 
Tratava-se de uma mentalidade padronizada e a diretriz que passaram-lhe, ele cumpriu e assim a sua capacidade como ilustrador é inquestionável. Arte-final de capa e encarte por Michel Spitale e Rui Mendes. No mais, a produção de estúdio foi de Carlos Eduardo Miranda, engenharia de gravação e mixagem por Érico Rondon e Beto Machado, masterização no estúdio Cia de Áudio por Érico Rondon e Carlos Freitas. Produção da gravadora Eldorado, por Vagner Garcia. Produção do Programa “A Vez do Brasil” da 89 FM, por Tatola, Ricardo, Fábio Massari e Denise.

Com a nossa participação na gravação de nossas duas músicas, encerrada, o nosso próximo show só foi ocorrer em setembro. Foi um evento com apoio da Rádio 89 FM, e para marcar a inauguração de uma nova casa de shows, com aparente boa estrutura, denominada: "Rádio Show", em 16 de setembro de 1993. 

Ficava localizado na Rua Turiaçu, no bairro das Perdizes, na zona oeste de São Paulo. Foi na verdade, um espaço anteriormente usado por um antigo cinema do bairro. Infelizmente esse "Rádio Show" não durou muito e logo tornou-se uma cafona casa de shows sertanejos e logo a seguir, Igreja Evangélica, aliás, até hoje.

Mas com o apoio da Rádio 89 FM, o show de inauguração foi bom, com o "Pitbulls on Crack", "Exort", "Rip Monsters" e "Anjos dos Becos", como atrações. E ao final, ainda houve uma jam com alguns músicos, eu incluso, ao tocarmos três músicas do "Black Sabbath", junto com a banda cover, "Eletric Funeral", do Hélcio Aguirra e Vitão Bonesso.
Cerca de quinhentas pessoas estiveram presentes naquela noite. O som estava mais ou menos, mas a iluminação esteve razoável, apesar das fotos que ilustram o capítulo nos Blogs, estarem escuras. A casa prometia ser um espaço promissor para shows de Rock underground. Portanto, foi uma pena não ter existido por muito tempo.
 
Infelizmente, o embalo bom que tivemos em 1992, não repetiu-se em 1993, em termos de shows. Daí, desse show de setembro, só fomos tocar novamente em novembro.
Foi também um show grande, com apoio da Rádio 89 FM, e sob um teatro bem estruturado.
Aconteceu no dia 24 de novembro de 1993, no Teatro Mars, localizado no bairro da Bela Vista, popular Bexiga, no centro de São Paulo. Antes de falar sobre esse show, tenho um fato curioso para relatar.
Cometemos uma gafe ridícula no camarim do show que realizamos no Teatro Mars. Não fui o culpado, mas estive envolvido involuntariamente nesse mal-estar gerado.
Foi o seguinte: a caminho do Teatro, a bordo do meu carro, estiveram dois roadies que trabalhariam conosco naquela noite. Quando estávamos a descer a Rua Rui Barbosa, ou seja, muito próximo da localização do Teatro Mars, os rapazes viram algumas garotas bem produzidas e que obviamente estavam a caminhar para o Teatro.
O locutor da 89 FM, Tatola, a me entrevistar (Luiz Domingues), entre as músicas que tocamos

Sem que eu pudesse evitar a pilhéria, os rapazes colocaram as suas cabeças para fora do carro e gritaram alguns "elogios" machistas para elas, que reagiram ao mostrar-lhes os seus respectivos dedos médios. Os meus passageiros esborracharam-se de rir pelo ato cometido, e quando já estávamos no camarim, o mal-estar enfim aconteceu.

Uma das moças com as quais eles haviam mexido na rua, era a namorada do baixista do Rip Monsters e as demais, suas amigas (e se não engano-me, havia uma irmã ou prima dele, entre elas).

E mais uma: nesse show, nós usamos pela primeira vez o nosso novo cenário, um imenso painel com a figura de um cão Pitbull furioso, a babar com raiva. Tudo bem, foi a ideia explícita no nome da banda, mas aquilo mais pareceu adequado para uma banda de Heavy-Metal ou Punk-Rock. 

Esse cenário não foi usado muitas vezes, no entanto. Ele era grande e trabalhoso para ser instalado e só cabia mesmo em locais de grande porte, com estrutura cenotécnica.

Desta feita, Fábio Massari, o outro locutor da emissora, a entrevistar o Chris Skepis. Deca no canto direito e eu com meu Fender Jazz Bass, ao fundo.
Foi o show de lançamento da coletânea, com a presença das cinco bandas e o Golpe de Estado, como convidado extra. O show foi transmitido ao vivo pela rádio 89 FM e os locutores Tatola e Fábio Massari foram os apresentadores do evento.
Matéria da Folha de São Paulo a especular sobre a cena de 1993, ao elencar as bandas emergentes, incluso a nossa. Incrível como o nome da banda era inadequado e o jornalista, desinformado em contraponto: "uma das bandas mais violentas do Rock Brasileiro"... é risível, no mínimo...

O teatro continha um porte pequeno, mas lotou completamente, com seus duzentos lugares, inteiramente tomados. O show foi bom, energético e em clima de euforia com um público muito jovem e frenético, que gritou o show inteiro, como se adorassem-nos, mas tenho certeza, fora mais pelo frenesi do evento, essa euforia desmedida que ali observamos. 

A movimentação foi essa em torno desse show no Teatro Mars. 

Sobre mais shows nessas características, com o caráter de festa organizada pela gravadora, isso não fora nenhuma praxe. Nos Estados Unidos havia uma tradição nesse tipo de estratégia, com até turnês organizadas pelas gravadoras e dos empresários de seus contratados, conjuntamente, para promoverem os seus artistas, mas isso nunca aconteceu por aqui, a não ser sazonalmente, como no tempo em que as gravadoras apoiavam festivais na TV (décadas de sessenta e setenta), e o caso do "Som Livre Exportação" (no início dos anos setenta), um programa criado pela gravadora Som Livre e com tal intuito, fato raro no Brasil. 

E assim, normalmente nenhuma gravadora costumava mexer uma palha nesse sentido, pois não é (era) atribuição delas. Explico: gravadora estabelece contrato para cuidar do produto fonográfico e divulgá-lo na mídia, além de, claro, distribuir os álbuns nas lojas. Logicamente, estou a falar de um esquema que durou décadas, mas hoje em dia, na Era pós-Internet, diluiu-se completamente.

A questão do marketing e vendas de shows, era da atribuição do artista e seu empresário. Na maioria dos casos, um dos pontos que eram levados em consideração para contratar-se um artista novo, dava-se justamente pela questão da estrutura apresentada pelo empresário que o artista possuía. 

Gravadoras queriam artistas com agenda ativa e um empresário dinâmico por trás. Muito artista novo, achava que entrar para o elenco de uma gravadora seria a resolução de todos os seus problemas, mas o fato concreto, seria que dificilmente a gravadora interessar-se-ia por ele, se ele não estivesse com agenda lotada, um portfólio volumoso graças a muitas matérias de jornais e revistas importantes, apresentações em programas de TV e sobretudo, por possuir um empresário com estrutura profissional, dinheiro e contatos. 

Nesse esquema, a gravadora Eldorado até que fez muito, pois alavancou uma entrevista com meia página no Jornal da Tarde, apoiou esse show em coprodução com a Rádio 89 FM e usou espaços publicitários no "Estadão" e Jornal da Tarde, para anunciar o disco.

Mas como tratava-se de uma coletânea, tudo ficava diluído. Um exemplo foi a entrevista para o Jornal da Tarde. No dia em que concedemos tal entrevista, esteve presente um repórter do Jornal e o fotógrafo para ouvir cerca de doze pessoas presentes, a representarem as cinco bandas. 

Portanto, ficou disperso, naturalmente. E a sessão de fotos foi hilária. Resolveu-se tirar a inevitável foto coletiva na rua, onde ficava a sede da gravadora e da Rádio Eldorado. Essa sede ficava situada coincidentemente, muito perto da minha residência, no tempo em que eu morei no bairro da Aclimação, na zona sul de São Paulo. 

Dois anos depois, o "Estadão" usou a minha foto dessa sessão, recortada e sob um contexto ridículo, nada a ver com o Pitbulls on Crack! Joguei fora essa reportagem adicional e arrependo-me, por isso.

Acho que vale a pena abrir um parêntese nesta narrativa para contar essa história da foto recortada, que eu mencionei anteriormente. 

Dois anos depois dessa foto a ilustrar essa matéria sobre a coletânea ter sido publicada no Jornal da Tarde, com doze pessoas a representarem as cinco bandas da coletânea, eu tive uma surpresa bizarra e completamente fora do contexto da foto originalmente feita. 

Foi em um domingo qualquer de 1995, que eu comprei o "Estadão" do dia, e ao olhar a capa do Caderno 2, que tratava sobre Cultura, eu tive uma surpresa bizarra! 

Ao tratar-se de uma reportagem sobre a relação entre o Punk-Rock com a violência das torcidas uniformizadas de clubes de futebol. Haviam várias fotos misturadas de torcedores da uniformizada "Mancha Verde" do Palmeiras e da "Independente" do São Paulo FC e punks. Nesse contexto inesperado, qual foi a minha surpresa ao olhar a minha foto, ali inserida!

Não havia nenhuma identificação, portanto, tratou-se da minha face, ali exibida, como anônimo!

O fato, foi que o Jornal da Tarde pertence (pertencia, na verdade, pois o jornal foi extinto depois que escrevi esse trecho da narrativa), ao mesmo grupo editorial do jornal, "O Estado de São Paulo", portanto, ambos compartilhavam o mesmo banco de dados e fotos. Algum funcionário energúmeno da diagramação/lay-out olhou a minha face na foto de 1993 e me considerou com perfil de de punk, careca, ou hooligan, no mínimo. 

Esse sujeito recortou a minha cabeça, pois era uma foto coletiva com várias pessoas ao redor e resolveu colocar-me ali entre punks, carecas & torcedores oriundos de uniformizadas violentas... tudo a ver comigo, não é mesmo?

Na hora, eu fiquei muito bravo e pensei em tentar buscar uma satisfação, mas logo desisti, pois seria um trabalho inútil. Guardei o jornal por um bom tempo, mas um dia o joguei fora. Arrependo-me, pois seria um material de memorabilia curioso, hoje em dia. 

A minha única dúvida foi: qual teria sido a motivação do diagramador que entre "bilhões" de possibilidades dentro de um banco de fotos de um jornal desse porte, para ter escolhido justo a minha face? Não deixa de ser curiosa essa dúvida, pois a despeito de eu gostar de futebol e muito, abomino a violência das uniformizadas, e no campo da música, tenho profunda aversão ao Punk-Rock, por diversos motivos. O que teria sido então, uma mera coincidência ou uma provocação de alguém que sabia que eu antipatizava com tudo isso?

Após o show de lançamento no Teatro Mars, fizemos a seguir mais uma apresentação no Victoria Pub. 

Nesta altura, o Victoria Pub estava decadente e a vivenciar os seus dias finais, ou seja, algo muito diferente de experiências anteriores que eu tivera ali naquela casa com outros trabalhos e em épocas onde o local fora considerado em alta voga e vivia lotado por gente bonita e endinheirada, além dos "famosos" de ocasião. 

Esse show ocorreu em 1° de dezembro de 1993, com um diminuto público formado por cerca de cento e vinte pessoas, muito pouco para o padrão antigo que a casa ostentava, quando no seu auge, colocava uma média de mil pessoas por noite em suas dependências, de segunda a segunda. 

Mas para encerrar um ano fraco em termos de agenda de shows, tivemos ao menos um dezembro mais movimentado, com mais duas datas, ainda.

O primeiro foi mais um show considerado de lançamento da coletânea, e realizado no "Garage Rock", onde tocáramos meses atrás (a história do futebol entre bandas). 

Desta vez, no dia 5 de dezembro de 1993, tocamos com a abertura das bandas: "Sir Rock'n Rollmes" e "Tomate Inglês" (banda do futuro vocalista do "Golpe de Estado", Kiko Müller).

             Jornal Folha de São Paulo a falar sobre a coletânea

Foi um show razoável, mas sem grandes novidades que marcassem na memória, por algo excepcional ocorrido, no campo musical. Acho oportuno e curioso, no entanto, lembrar-me de um fato a mais para relatar. Muitos punks haviam aparecido ali para ver o Pitbulls on Crack. Por incrível que pareça, o Chris Skepis era (é ) muito reverenciado por essa tribo, exatamente por ter tocado no "Cock Sparrer", banda inglesa da cena de 1977. Ele tocou com essa banda britânica, nos anos 1980, quando morou por cinco anos em Londres.
             Propaganda oficial do álbum, no "Jornal da Tarde"

Os últimos shows de 1993 estiveram no ritmo de lançamento da coletânea. Tocamos isoladamente no Victoria Pub, no dia 1° de dezembro de 1993, para um público com apenas cento e vinte pessoas. Ao contrário de anos anteriores onde apresentei-me com A Chave do Sol ali, o Victoria Pub estava decadente. 

A decoração continuava a mesma, mas a frequência não era mais da alta burguesia jovem e paulistana e a casa não lotava como nos anos oitenta. Fizemos um outro show no Garage Rock com um público com trezentas pessoas, aproximadamente. Esta noite de 15 de dezembro de 1993, foi compartilhada com as bandas, "Sir Rock'n Holmes" e "Tomate Inglês".

E o último show do ano, foi na festa de fim de ano da Rádio Brasil 2000 FM, realizado na casa de shows Broadway, no bairro da Barra Funda, zona oeste de São Paulo.
Matéria no Revista "Bizz", a citar a coletânea da gravadora Eldorado

Foi logicamente um show coletivo e neste ano, tocamos com os grupos: "Anjos dos Becos", "Os Inocentes", "Viper", "Vultos". "Ira", "Rip Monsters", "Little Quail", "Neanderthal", "Okoto", "Violeta de Outono" e "Não Religião". O público presente computou mil e quinhentas pessoas, aproximadamente.
      Matéria a falar sobre a coletânea, no jornal "Diário Popular"

Foi um show de choque, como deveria ser, e se mostrou muito bom, pelo agito geral da festa etc. e tal. Lembro-me que o clima no camarim foi bem amistoso. Havia uma boa camaradagem entre todas as bandas presentes ali, certamente.
                   Outra matéria publicada na Revista "Bizz"

O "Rip Monsters" iria tocar a música: "21st° Century Schizoid Man", do "King Crimson" e ficamos a conversar sobre os anos setenta, com o Lee Marcucci a contar-nos passagens do "Coqueiro Verde", a sua banda no início dos anos 1970, que teve a ousadia de tocar músicas do "Flash", banda britânica do primeiro guitarrista do "Yes", Peter Banks.
          Nota no jornal "O Globo", do Rio, a falar da coletânea

Essas conversas que traziam-me memórias distantes dos anos 1960 & 1970, fascinavam-me e borbulhavam na minha mente...

Matéria no jornal "Folha de São Paulo", a citar o "Pasley Underground", um festival que simplesmente não foi realizado...

Foram sementes que levar-me-iam ao Sidharta, anos depois...

E assim, nós terminamos o ano de 1993, com o disco pronto e com a perspectiva da gravadora Eldorado bancar a produção de um vídeoclip, para cada banda da coletânea, logo no início de 1994.

Ainda a repercutir o show na Broadway, por tratar-se de um festival com várias bandas, em ritmo de maratona, cada uma tocou apenas três músicas, sendo, portanto, um show de choque. A troca de bandas e tempo para "setar" cada uma (termo aportuguesado e derivado do inglês "set up"), foi maior que o tempo de show de cada banda, propriamente dito. 

O espetáculo, apesar disso, foi como no ano de 1992, ou seja, muito energético. O público dessas festas das rádios Brasil 2000 FM ou da 89 FM, era um público jovem e que gostava do trabalho dessas bandas nacionais, portanto, a resposta era sempre imediata. 

O som esteve bom. Não lembro-me que empresa contrataram, mas foi uma das grandes que sonorizavam grandes eventos em São Paulo. Dessa forma, se tratou de um PA compatível com o tamanho da casa, é claro, mas com grande qualidade. E o equipamento de palco (backline), idem, a conter amplificadores importados, bateria boa etc.

Ao entrarmos em 1994, as perspectivas mostravam-se magníficas. Com o disco lançado e um clip a ser produzido, contávamos com um aumento de shows e consequentemente, novas oportunidades, quiçá com um empresário bom a interessar-se pelo nosso "passe", etc. e tal. 

Tivemos a certeza de que a música, "Under the Light of the Moon", entraria na programação da Rádio 89 FM, mas em princípio, para tocar em horários alternativos. O aumento dessa execução e a sua recolocação para os horários nobres, ocorreria apenas se houvesse uma resposta popular, não haveria favorecimento, fomos avisados sobre isso.


O encarte do CD, lançado tempos depois, acompanhou o encarte do LP, com as letras das músicas, disponibilizadas

Em tempos ainda sob internet restrita a uma camada pequena da população, essa pressão popular esperada pela estação, deveria ocorrer predominantemente através do telefone, mas as velhas cartas manuscritas e entregues pelos nossos valorosos carteiros, também haveriam de possuir a sua força. 

Dessa forma, já com um batalhão de "Neo-Hippies" à minha disposição em minha sala de aulas, essa pressão que desejavam seria exercida em nosso favor, e assim o foi, como eu contarei no decorrer da cronologia dos fatos.

No tocante ao vídeoclip, a Eldorado disponibilizou verba, mensalmente. A ideia seria um clip a ser produzido por mês e paulatinamente que entrassem na grade das estações de TV. 

Inicialmente, foi uma certeza que a MTV apoiaria e quanto às emissoras abertas, havia uma pequena esperança. Já na TV a cabo, que ainda mantinha atuação bem tímida nessa ocasião, também, embora os canais existentes dessem prioridade ao material estrangeiro, naquela época. 

Sabíamos que seria um clip simples, sem pirotecnias. Deram-nos liberdade para emitirmos algumas ideias, mas o básico seria: a banda a dublar, como ênfase. 

Apesar dessa animação toda, estávamos sem perspectiva para shows no início do ano subsequente. Só começamos a engrenar novamente a partir de março de 1994.

Resenha da coletânea, na Revista "Rock Brigade", publicada em janeiro de 1994

Ainda assim, comemorávamos matérias publicadas em jornais e revistas a aludir ao lançamento do LP. 

Paralelamente, surgiu uma possibilidade de um contato obtido pelo nosso baterista, Juan Pastor para patrocinar camisetas, como forma de merchandising. Essa negociação começou em fevereiro, mais ou menos, logrou êxito parcialmente e no tocante às obrigações da banda com o patrocinador em contrapartida, "sobrou" algo desagradável para a minha pessoa... contarei tais detalhes no próximo capítulo.

Resenha da coletânea na Revista "General". O comentário em nosso respeito é absolutamente hilário, e ao mesmo tempo inadmissível, por tratar-se supostamente de uma revista "especializada". Como assim, "o nome diz tudo?" Se o redator dessa resenha houvesse ouvido as duas faixas de nossa autoria, teria percebido, ao contrário do que o nome da banda sugeriu-lhe, que não éramos uma banda militante de vertentes radicais do Heavy-Metal ou Punk-Rock, que disparate.

Continua...

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