Pesquisar este blog

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Pitbulls on Crack - Capítulo 5 - A Preparar o Astronauta Canino - Por Luiz Domingues

Vínhamos de um hiato de meses sem shows anotados em nossa agenda. Os esforços de nossa parte durante o segundo semestre de 1995, foram empreendidos para viabilizar a possibilidade de um novo disco e como já falei, a demandar várias reuniões com a cúpula da gravadora Velas/Primal e a frustrada tentativa de começarmos a gravar o disco em um estúdio localizado na cidade de Santo André-SP. 
Mas uma perspectiva para um show surgiu e para fevereiro de 1996, em meio a nossa busca por um novo estúdio para gravarmos enfim, o disco.

Enquanto não entramos de vez para gravarmos o novo CD, no novo estúdio que estávamos a buscar, houve uma nova oportunidade para realizarmos um show, nesse ínterim. E foi de uma forma quase fortuita que surgiu tal oportunidade. 

Tratou-se de um show com cachê fixo, mas em caráter gratuito para o público que obteria ingressos mediante a doação de alimentos para entidades filantrópicas. Realizou-se na Casa de Cultura do Ipiranga, um equipamento da Prefeitura de São Paulo, localizado no simpático e tradicional bairro paulistano, homônimo. Ocorreu no dia 11 de fevereiro de 1996 e infelizmente, por ter sido mal divulgado, não atraiu muita gente, ao fechar o número final do borderô, em sessenta pessoas. 

A Casa de Cultura do Ipiranga era (é), um espaço grande e certamente aquelas sessenta pessoas ficaram dispersas no ambiente, ao dar-nos a impressão de um evento morno. 

Um fato interessante deu-se com a abertura de uma banda chamada: "Green Stuff" (outra banda que participou, também, chamava-se: "Raven's Sake"), que tocou uma ou duas músicas próprias, apenas, em meio a diversos covers internacionais. O que despertou a minha atenção, todavia, foi o teor dos tais covers que executaram, pois essa banda somente lidou com o Rock setentista de qualidade, incluso uma canção do "Humble Pie" ("Thirty Days in a Hole"), com direito a uma intervenção vocal "a capella", igual à que a espetacular tropa de Steve Marriott e Cia, costumava fazer. Sinais positivos assim, preenchiam-nos com esperança por dias melhores.

No início de 1996, nós oscilamos nessa busca por um estúdio e conforme eu esclareci no último capítulo, chegamos à conclusão de que a solução do impasse seria mesmo tentar um acordo com o estúdio "Spectrum", onde ensaiávamos costumeiramente. Um dos donos (um rapaz chamado Ítalo), era extremamente gentil e aceitou de pronto a parceria, o outro (chamado, Alcir), era mais difícil para se lidar, e demorou um pouco para ceder, mas culminou em dar tudo certo no final, apesar da demora pelo acerto.

Na sala da técnica, eis a persona do Ítalo, um dos proprietários do Estúdio "Spectrum"

A gravadora fez contato com esse pessoal e uma aliança tripla foi selada, com o Estúdio Spectrum a estender o seu patrocínio de ensaios à metade dos custos da produção e a outra metade a ser paga em dinheiro pela gravadora, após o lançamento do disco. Foi um bom acordo, sem dúvida alguma e se o estúdio era simples e mais preparado para a gravação de demo-tapes, houve a boa vontade para nos fornecer tempo de sobra para gravar com calma, sem atropelos. 

Contudo, houveram alguns maneirismos bem peculiares no âmago desse estabelecimento. Ao fugir do padrão normal dos estúdios, o Spectrum realizava sessões com apenas quatro horas de duração. Quem está acostumado a gravar em estúdio, sabe que é um padrão de tempo contraproducente, pois quando a sessão começa a deslanchar, o período finda-se, a gerar uma espécie de anticlímax para os músicos.

        Pelo monitor, víamos o nosso baterista, Juan Pastor, a gravar...

Outro ponto negativo deu-se que por ter sido adaptado de uma antiga residência, o estúdio mantinha a "casinha" da bateria, em um quarto fechado e a comunicação visual com o baterista, só era possível mediante câmera e monitor de TV. É evidente que isso gerava transtornos. 

E o pior de tudo, o técnico que operou e mixou (Luiz de Caro), era gentil e competente, mas detinha as suas idiossincrasias e concepções musicais que tentava impingir-nos goela abaixo. Não fazia por mal, eu sei e pelo contrário, ele queria colaborar ao máximo, ao trazer as suas referências prediletas para somar ao processo, mas esse choque estético entediava-nos, pois o Pitbulls on Crack não poderia soar como o "Toto", "Journey", "Joe Satriani" e outros artistas similares que ele admirava. 

O mesmo fenômeno ocorreu na hora da mixagem, quando o outro dono, que era mais incisivo, Alcir, quis participar a comandar as sessões de mixagem e as suas referências eram ainda piores, ao citar o Pop insosso dos anos 1980, com nomes como: "A-Ha", "Frankie Goes to Hollywood" e "Culture Club", entre outros, e dessa forma, ao serem sugeridos como referências de padrão de áudio para nós. 

Contudo, diante do que passamos em relação ao estúdio anterior, aonde nenhuma nota sequer fora gravada, todos esses incômodos mostravam-se sob pequena monta e assim ficamos alegres quando fechamos a gravação ali. 

Atropelei a narrativa um pouco, mas retomo daqui.

 
Nessa altura, a escolha do repertório da banda já havia sofrido modificações. Algumas músicas que tocávamos desde 1992, seriam gravadas, mas outras mais modernas seriam incorporadas e cada vez mais, a orientação da banda aproximava-se mais dos padrões estéticos oriundos dos anos sessenta e setenta. Tanto, que surgiu a ideia de contarmos com músicos convidados no disco, para reforçarem tal conceito.
Johnny Boy, na primeira foto, com um violão. Marcus Rampazzo caracterizado como "George Harrison", em uma apresentação do "Beatles Forever", uma das mais famosas bandas tributo aos Beatles, do Brasil

Dessa maneira, planejamos a inclusão de teclados em algumas músicas e até uma cítara foi pensada. Através desse esforço em prol da pré-produção, convidamos o Johnny Boy, multi-instrumentista que tocara com Marcelo Nova e Marcus Rampazzo, o super guitarrista que tocaria cítara. 
 
Lembro-me em haver acompanhado o Chris Skepis à residência do Marcus Rampazzo para formalizar o convite e levarmos conosco uma fita demo para que ele pudesse elaborar um arranjo. 
 
A sua casa aparentava ser um verdadeiro "show room", com uma quantidade incrível de instrumentos e equipamentos, em sua maioria, réplicas perfeitas que os Beatles haviam usado em toda a sua carreira, por serem dessa forma, instrumentos com alto valor vintage, no mercado dos colecionadores.
Um verdadeiro e minucioso colecionador, ele tinha em seu acervo, instrumentos incríveis, similares aos dos Beatles, praticamente todos vintage, da mesma época dos originais dos Beatles. Foi uma visita praticamente lúdica, ao avistarmos aquelas guitarras, baixos, violões, teclados, baterias e amplificadores vintage. 
 
A ideia para a canção: "The Shadow of the Light", foi de que a cítara atuasse o tempo todo, como se fizesse um contra-solo de guitarra, tradicional. Ela não fora composta para a cítara, mas como continha uma característica psicodélica muito forte, a presença da cítara mostrara-se praticamente obrigatória em sua concepção de arranjo final.

Logo a seguir, eu contarei detalhes sobre a gravação e como nesse trabalho em si, o Rampazzo não pôde gravar uma cítara, ao substituí-la por uma Tamboura, outro instrumento indiano.
 
Marcus Rampazzo, também deu um show de simpatia, mas não por sua culpa, tal esforço foi subutilizado nesse álbum. Ocorre que nós queríamos que ele colocasse um arranjo de cítara indiana na música: "Shadow of the Light".
Contudo, nós não o consultamos previamente sobre isso e esse foi o nosso erro, pois pelo fato de que a cítara obedeça a afinação oriental com microtons, não seria em qualquer parte do campo harmônico ocidental que ela encaixar-se-ia, sem parecer desafinada, aos nossos padrões normais, organizado por sete tons e cinco semitons.
Como a música estava posicionada harmonicamente em Sol Maior, essa tonalidade mostrava-se imprópria (encaixar-se-ia se fosse nos tons de Si Menor ou Ré Maior) e nesse caso, só restou ao Marcus Rampazzo, gravar um Tamboura, que adaptar-se-ia normalmente melhor, por mais ser um instrumento de apoio a demarcar um efeito sonoro onomatopaico e não sujeito às regras da harmonia, propriamente dita.
Então, o ouvinte pode perceber claramente esse instrumento exótico, que lembra uma harpa, mas com o seu som indefinido, quase cacofônico, similar ao ruído de uma serra elétrica. 
Terminada essa fase, a mobilização centrou-se no esforço para gravar-se o "Buzuki", um exótico instrumento de origem grega, que o Chris possuía e queria acrescentar como sonoridade diferenciada na faixa: "Candle Light".
 
Ele não era nenhum "especialista" no uso desse instrumento, mas eis que conseguiu obter uma sonoridade bastante interessante e ainda que na mixagem final, ele tenha sido sobrepujado na massa sonora geral, dá para ouvi-lo com razoável nitidez, até por parte de ouvidos leigos, pouco acostumados a detectar sutilezas em gravações de áudio profissional.
Antes de iniciarmos com as sessões de vocais, finalizamos os trabalhos com a presença de outros convidados que teríamos. Nessa segunda etapa, o outro convidado foi o músico, Will Carrara, percussionista de uma banda Pop-Rock, cujo nome soava curioso: "Homens do Brasil".  
Nós não o conhecíamos anteriormente, mas quando mencionamos aos técnicos do estúdio que tencionávamos convidar um percussionista para alguns arranjos em certas músicas, o pessoal do estúdio Spectrum o indicou de pronto, pois ele era primo de um dos donos do estabelecimento e desde muito tempo, a sua banda, "Homens do Brasil" estava a gravar um segundo álbum de sua carreira, ali mesmo no Spectrum.
De fato, Will Carrara tocava bem, foi extremamente simpático nas gravações e competente em suas intervenções. Foram arranjos simples e não marcaram decisivamente, contudo, ornaram bem.
Encerrada essa fase com convidados, iniciamos a parte dos vocais com o Chris.

No Pitbulls on Crack, não havia a inserção de Backing Vocals, portanto, todas as vocalizações eram do Chris, ainda que na gravação ele tivesse usado algumas sobreposições, previamente. O primeiro empecilho criado foi quando ele insistiu em trazer um processador que usava em seu estúdio caseiro. 

Nele, já possuía um "preset" (para quem não entende esses termos usados em linguagem de áudio profissional, entenda como "um programa de efeitos pré-estabelecido em sua configuração opcional, pelo usuário"), pronto e acrescido com com reverber e delay (eco), e por sinal, bem exagerado, que ele adorava usar na voz a imprimir ares fantasmagóricos ao seu vocal.

É claro que o técnico, conservador como ele costumava ser, queria gravar sob o modo "flat" (sem efeito algum e com equalização "achatada", sem nada para interferir), para depois mexer nos paramétricos na hora da mixagem, mas o Chris insistiu em usá-lo já na etapa da captura. 

Isso gerou uma discussão acirrada e o dono do estúdio foi chamado para intervir, com a conversa a girar em torno de tal impasse, sem, no entanto, enveredar para uma discussão tensa, pois o Chris sempre levava tudo na base da brincadeira. 

A começar pelos apelidos que havia dados aos dois (o técnico e um dos proprietários, o Alcir) e mesmo quando eles esboçavam alterar-se, todos em volta riam com a insistência do Chris em chamá-los pelos apelidos que inventara.

Luiz, o técnico dessa gravação, mas na insistência do Chris, chamado como: "Wagner"...

O dono do estúdio, foi apelidado como "goiabão" e o técnico, ele chamava como: "Wagner", a irritá-lo o tempo todo, pois ele chamava-se, Luiz, na verdade...

Em retribuição, o dono do estúdio chamava o Chris como: "marmota", mas sem o talento e carisma humorístico do Chris, o "marmota" não pegou, simplesmente, para o desespero do rapaz. 

Por fim, aceitaram que ele usasse o processador de voz com aquela pasmaceira toda. E apesar desse imbróglio inicial, não houve, posteriormente, nenhum percalço nas gravações dos vocais e como de costume, foram sessões recheadas pelas brincadeiras, a protagonizar vários momentos de pausa forçada para acalmar as epidemias de gargalhadas geradas, pois como eu sempre saliento, tocar no Pitbulls on Crack foi uma ótima terapia para desopilar o fígado!

Encerradas as sessões de gravação, iniciamos o processo da mixagem. Aí nesse ponto, foi um pouco penoso, porque um dos donos do estúdio insistiu em cumprir o trabalho junto com o técnico, e ambos compactuavam do mesmo gosto musical (e paradigmas de metodologia de mixagem) e dessa forma, no tocante ao gosto musical, a opinião de ambos mostrara-se diametralmente oposta à nossa. 

Infelizmente os rapazes cultuavam o Pop insosso dos anos oitenta e queriam transformar o nosso disco em um pastiche formatado com timbres de lata, semelhantes ao de artistas que admiravam, como "A-Ha", "Frankie Goes to Hollywood", "A Flock of Seagulls", "Thompson Twins", "Culture Club", "Madness", "Everything but the Girl" etc. 

Ora, o nosso som era cru, com um pé no estilo indie daquele momento noventista e outro no Glam-Rock setentista, portanto, tal sonoridade sugerida por eles, seria uma aberração, ou por analogia, algo parecido como se o Martinho da Vila fosse gravar um disco de música folk romena...

Nunca houve uma briga ou clima pesado por conta de tal divergência de opinião, mas as sessões de mixagem foram extremamente penosa por conta desse embate ideológico entre as partes e convenhamos, o fato de não estarmos a pagar a conta diretamente do nosso bolso, não dera-lhes o direito para que interviessem tão acintosamente em nosso conteúdo artístico. 

Sei que não faziam por mal, pois o objetivo deles seria usar o nosso disco como cartão de visita do estúdio para atrair outros artistas, contudo, exageravam nessa aspiração pessoal, ao querer impor uma metodologia estética que arruinaria o nosso trabalho, em detrimento de seus interesses pessoais.

Nessa fase, vale destacar também que a MTV foi ao estúdio e gravou uma matéria relativamente grande, com entrevistas e a ofertar-nos uma maior cobertura ao estúdio. O Chris usou uma camiseta e eu, um boné estilizado com o logotipo do estúdio, para concedermos as entrevistas e foi mais que justo que fizéssemos tal merchandising na TV. 

Os donos do estúdio ficaram muito contentes com essa movimentação e nós também. 

Assista abaixo a entrevista feita pela MTV com a banda, no estúdio Spectrum:

Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=-d7UMh8u6Is

Tratou-se do programa, "Fúria Metal", apresentado pelo Gastão Moreira, um dos últimos remanescentes da primeira geração de VJ's daquela emissora e em 1996, foram lamentavelmente, os últimos suspiros da estação como um canal de TV dedicado à música, propriamente dita, visto que desde 1995, a grade começara a buscar o conteúdo popularesco, e logo a seguir, o caminho imbecilizante, que adotou até os seus últimos dias.

Mesmo por ser um programa dedicado ao Heavy-Metal, o Pitbulls on Crack teve sempre uma abertura boa, pela camaradagem do Gastão Moreira e nessa reportagem in loco, ele foi muito generoso para conosco, ao dedicar quase o programa inteiro para nós. 

Nessa entrevista, há um momento hilariante, com o Chris a simular estar a gravar os vocais de: "The Winding Moon". Ele fez caras e bocas para imitar o Marc Bolan, e por conta dessa performance, ter ficado muito divertido.

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário