Pesquisar este blog

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Pitbulls on Crack - Capítulo 3 - Portas a se Abrirem Sob o Luar - Por Luiz Domingues

Marcou-se enfim o início da produção do vídeoclip para os primeiros dias de fevereiro de 1994. Ficou acertado que usaríamos como set de filmagens, um dos galpões do antigo matadouro da Lapa, bairro na zona oeste de São Paulo. 

Claro, aquele enorme conjunto de galpões houvera abrigado um matadouro até os anos vinte, talvez início dos trinta, mas já há muitos anos era usado pela Prefeitura de São Paulo, como sede da Subprefeitura do bairro da Lapa.

A ideia da roteirização do clip foi bem simples: a banda a tocar no galpão vazio, a mesclarem-se a algumas cenas com trens suburbanos a passar (aproveitou-se o fato de haver uma linha ferroviária bem ali atrás dos enormes galpões da Subprefeitura), e algumas cenas filmadas de uma garota a dançar sob o luar, para focar-se na letra da música em questão: "Under the Light of the Moon". 

Filmamos no início de fevereiro de 1994, sob forte calor. Foram poucas tomadas, e com o diretor a aproveitar muitas vezes a passagem dos trens suburbanos, sendo possível avistá-los pelos janelões do velho galpão. 

Nessa filmagem, eu usei como instrumento o baixo Precision sunburst (um "genérico" de Fender, construído por um luthier), propriedade do meu amigo José Reis, curiosamente, tal instrumento pertence-me, nos dias atuais.

Eis abaixo o link para assistir o Clip no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=Pw946pVBYSQ

Sobre a cópia disponível no YouTube, cabe explicar que trata-se de uma cópia de VHS digitalizada e desconheço que uma cópia melhor esteja disponibilizada no mesmo portal ou similares, infelizmente.

As cenas da garota a dançar, foram feitas alguns dias depois em um estúdio fotográfico, e sob o uso do recurso do "Chroma Key", onde inseriu-se as imagens da Lua. As tomadas do solo do Deca, também foram filmados nesse mesmo estúdio, e somente ele, entre nós membros da banda, acompanhou a filmagem da garota. Sinceramente não lembro-me do nome dela (desconfio ser Sofia, por uma lembrança remota e não confirmada), mas eu soube que ela fora contratada junto à agência, Ford Models, e que o cachê cobrado da gravadora, foi do montante de U$ 800,00, o que nos causou espanto, e não que ela não merecesse, mas certamente destoou do nosso padrão modesto de verba disponibilizada pela gravadora.

O Deca foi filmado a girar sob um minúsculo praticável e ao final, ele foi retratado a quebrar uma guitarra (ele usou uma carcaça arruinada de uma guitarra de terceira linha, "handmade"). 

O clip possui fotografia preto e branco em 95 % do tempo e algumas inserções coloridas (quando a guitarra do Deca é estraçalhada, quebra-se um espelho e a garota aparece então em cores, a destacarem-se os seus olhos azuis). 

O diretor do clip foi, David Brazil, e não recordo-me do nome do diretor de fotografia, tampouco outros membros da produção. Como curiosidade, só o fato de que a gravadora bancou tudo, menos a refeição... e assim, a banda teve que bancar o almoço da equipe inteira de filmagem. Enfim, não foi possível para vencer todas as partidas do campeonato.

Enquanto o diretor finalizava a edição do clip, enfim voltamos a apresentarmo-nos ao vivo. O primeiro show do ano só foi ocorrer em 17 de março de 1994. Foi um show realizado em um teatro exótico, localizado no bairro do Bexiga, chamado: "Teatro Hall". 

Exótico, pois detinha uma estrutura não concebida originalmente para esse fim. Por isso, não havia coxia e o público entrava e só conseguia dirigir-se às poltronas do auditório, a passar praticamente pelo lado do palco. Foi bastante confuso e de certa forma constrangedor nesse sentido. 

E houve outra anomalia: o palco mostrou-se quase retangular, algo bastante incomum e incômodo para a finalidade cênica. Nesse dia, dividimos a noite com os grupos: "The Charts" e "The Ultimates". Gostei do The Charts (pois foi nítida a intenção dessa banda de fazer um som "Mod", a la anos sessenta). 

Pouca gente compareceu, no entanto, apesar de ter havido a atração chamativa de três bandas em uma só noite. Apenas trinta pessoas passaram pela bilheteria do teatro, enfim.

E logo a seguir, tocamos novamente no "Garage Rock", em dois shows realizados nos dias 18 e 19 de março de 1994. No dia 18, dividimos a noite com o "Vultos" e no dia 19, com o "Rip Monsters". Cem pessoas no primeiro dia e trezentas, no segundo, com plateias animadas e participativas, ainda bem.

E para fechar o mês de março, um show no dia 31, ao dividir a noite com o "Stigmata", novamente no Teatro Hall. Desta vez, com quarenta pessoas presentes no recinto. Mas a grande novidade fora o clip finalizado, e já em plena exibição na MTV, com a música, "Under the Light of the Moon" a começar a popularizar-se na Rádio 89 FM. 

Sobre isso, eu falarei detalhadamente logo mais, pois há uma história boa protagonizada pelo meu "exército de Neo-Hippies", e também pelos esforços pessoais de Jason Machado, um rapaz que entraria na vida do Pitbulls on Crack, em 1994, com muita vontade para ajudar-nos. 

E eu também falarei logo mais sobre um show que aconteceu em abril de 1994, em que aconteceu-me algo inédito. Foi inusitado, irritante, mas eis que entrou para o meu anedotário pessoal de carreira!

Então, o próximo show ocorreu em um evento coletivo, em prol das vítimas da Aids. Esse show fora organizado pela revista "Dynamite", e o local escolhido foi um Teatro no bairro da Saúde, zona sul de São Paulo, chamado: "Brittania". 

Tratou-se na verdade de uma ex-sala de cinema, dessas típicas de bairros, muito comum em décadas passadas, com instalações com grande porte e excelente localização, em plena Av. Jabaquara, e com várias estações do Metrô, próximas. 

Houve uma divulgação boa e cerca de oitocentas pessoas estiveram presentes. Nessa noite, além do Pitbulls on Crack, também tocaram os grupos: "Rip Monsters", "Yo-Ho-Delic", "Anjos dos Becos", "Korzus", entre outros. 

O que ocorreu de excepcional, foi que o camarim não comportava tantas bandas acomodadas juntas, sendo necessário, portanto, um remanejamento. Enquanto esperavam uma ordem de chamada, muitos membros dessas bandas aguardavam misturados ao público ali presente. 

Então, na hora que a vocalista, Elizabeth "Tibet" Queiroz, uma das organizadoras do evento, foi chamar-nos, fomos todos a segui-la normalmente pelo saguão lotado por pessoas e na porta de acesso aos camarins, todo mundo entrou, mas o segurança barrou-me, mesmo ao verificar que eu estava junto e a carregar um case (estojo), de instrumento. Incompreensível, eu sei, mas simplesmente o sujeito cismou que eu não fosse da banda, e barrou-me.

Foi ridículo, pois os colegas passaram e sem nenhuma motivação plausível o energúmeno colocou a mão no meu peito, e colocou-se de uma forma irredutível a dizer-me que eu não estava autorizado a entrar. E em meio àquela zoeira, com uma banda a tocar, aquela multidão a berrar e tudo mais, os amigos nem ouviram os meus gritos ao chamá-los, tampouco a Elizabeth Queiroz. 

Então, cansado de argumentar com aquele senhor, que doravante passou a adotar uma postura idêntica a de uma múmia impassível, eu fiquei bem perto da borda do palco e esperei uma oportunidade para estabelecer uma sinalização visual, com alguém da produção. 

E para o meu azar, ninguém via-me naquela balbúrdia toda. A banda anterior terminou a sua apresentação (não lembro-me com certeza, mas acho que foi o "Viper"), e só depois que os três membros do Pitbulls on Crack começaram a ajustarem-se, foi perceberam a minha falta! 

Então, a Elizabeth Queiroz foi ao microfone e chamou-me. Não deixou de ser ridículo também, pois muita gente deve ter achado a minha postura, no mínimo, amadorística, por estar desatento e longe do palco.

Só aí, ela (Elizabeth Queiroz), viu-me na plateia, e veio buscar-me, depois que eu sinalizei para ela, que o segurança estava a barrar-me. Quando ela apareceu na porta de acesso, eis que deu uma bronca mastodôntica no segurança em questão, e este rapaz ficou tão constrangido que não soube aonde colocar a sua face, após a admoestação verbal violenta que sofreu. 

Não deu tempo para ouvir as desculpas, ou melhor, a falta de razão do sujeito, pois estavam a atrasar o evento, e eu fui arrumar-me no palco às pressas, situação que detesto fazer, aliás. A sorte, foi que estávamos com dois roadies nessa ocasião, e o processo de preparação do "set up" da nossa banda foi rápido apesar dos pesares. 

Agora, acrescento a grande constatação: ninguém da comitiva do Pitbulls on Crack notara a minha súbita ausência!

Como eu era querido por todos... Hilário! Se eu saísse e simplesmente não aparecesse, só perceberiam se alguém dissesse-lhes que estavam sem baixista! 

Brincadeiras à parte, o show foi no padrão de choque, claro, nessas circunstâncias e bom na medida do que espera-se de shows dessa estirpe. 

O evento chamava-se: "Rock contra a Aids" e foi um sucesso de público. Após toda essa confusão, pelo menos fomos recompensados, pois na edição posterior da Revista Dynamite, foi publicada uma resenha sobre o show e a única foto da matéria, foi um close up do nosso baterista, Juan Pastor, a tocar. 

As perspectivas para abril foram boas, pois houveram mais dois shows agendados, e a música, "Under the Ligth of the Moon" estava por começar a marcar presença na Rádio 89 FM e com direito ao reforço do clip a passar com constância na grade da MTV. 

Falo agora sobre a ajuda "extra", que o meu exército de "Neo-Hippies" ofereceu nesse processo para fazer a música tocar na emissora de rádio 89 FM, com bastante regularidade. A maré foi boa em abril de 1994, para o Pitbulls on Crack!

Assim que a música, "Under the Light of the Moon", entrou na programação da rádio 89 FM, o nosso baterista, Juan Pastor, disse-me que se houvesse uma pressão popular, via telefone, seria muito bom para fazer tocar mais que as três vezes inicialmente programadas, ao longo do dia. 

Então, como o meu exército de Neo-Hippies (para quem não leu, refiro-me aos meus alunos, assunto amplamente comentado nos capítulos do tópico: "Sala de Aulas"), estava solidificado nessa altura dos acontecimentos, foi fácil para que eu organizasse um revezamento com voluntários disponíveis e dessa forma, o meu telefone residencial tornou-se uma central de pedidos da música do Pitbulls on Crack. 

Com o telefone a ser usado durante horas a fio, a música foi catapultada, e entrou para o ranking das mais pedidas. E uma vez entre elas, passou a tocar praticamente todo dia, no "Top Dez" do dia.

Nota esdrúxula na Revista "General", para arrolar pessoas consideradas "cool", que continham "visual de mendigo"... e Chris Skepis figurou nesse rol, segundo a impressão do articulista...

A mais pedida a cada dia, ganhava execuções extras e dessa forma, entre abril e agosto de 1994, conseguimos fazer a música tocar muito, e assim vencer várias vezes o "top 10" que acontecia todo dia às 18:00 horas, horário nobre do mundo radiofônico. 

E a melhor música do dia ganhava também uma segunda execução no mesmo programa, ao encerrá-lo. Dessa forma seria a última música executada antes de começar o famigerado programa estatal, "A Voz do Brasil", e assim, as pessoas tendiam a ficar com ela na memória, quando desligavam o rádio, para evitar o baixo astral oficial e obrigatório desse antipático programa radiofônico "chapa branca". 

E houve um reforço extra. Uma outra equipe formada pelo líder do Fã-Clube do Pitbulls on Crack, um rapaz chamado, Jason Machado (eu sei que parece piada pronta, mas não tratou-se de um apelido motivado pelos filmes, "Sexta-Feira 13", porém é de fato o nome real do rapaz), também engajou-se na luta. Mais modesta que a minha equipe, em que entre doze e quinze garotos revezavam-se durante horas, paralelamente às minhas aulas, o Jason igualmente montou um esquema caseiro com amigos e parentes e evidentemente que ajudou muito para atingirmos tal meta em manter a música no Top 10, durante bastante tempo. 

Há de destacar-se também que nos esforços de Jason Machado, presidente do Fã-Clube do Pitbulls on Crack, que armou um exército de amigos, familiares e parentes para ligar o dia inteiro, até a sua avó entrou no mutirão e essa simpática senhora ligou muito! 

Claro que as minhas aulas nesse período ficaram tumultuadas pela algazarra que os adolescentes criavam, mas além de ter sido divertido para eles, ajudou demais a banda. 

E assim, com esse esforço todo empreendido através do meu telefone residencial, e no do Jason, passamos a figurar durante meses no "Top 10", da rádio, todo dia. E muitas vezes, vencemos como a mais pedida do dia, com direito a execução mais uma vez ao final do programa, e mais execuções ao longo do dia. 

A seguir, eu falarei sobre o patrocínio de merchandising que nos foi oferecido, e como só eu, entre todos os membros da banda, tive o propósito de colaborar com o patrocinador, ao sacrificar-me em alguns shows para honrar o compromisso firmado...

A história desse patrocínio foi mais um contato aberto pelo nosso baterista, Juan Pastor. A verdade foi que em paralelo ao crescimento da banda, ele mesmo, Juan Pastor, também ascendia na sua carreira como radialista. 

Quando o Pitbulls on Crack começou a sua carreira, em janeiro de 1992, ele era estagiário na emissora, e ainda concluía o seu curso de radialismo na Faculdade. Mas nesta altura de 1994, Pastor havia crescido na empresa, e já mostrava-se uma figura-chave na engrenagem da rádio, com colaboração na elaboração dos textos, organização da programação e locução. 

Dessa forma, ele tornou-se também muito assediado por artistas e aspirantes a, além de produtores, jornalistas, divulgadores de gravadoras etc. E foi assim, através de um desses contatos, que ele conheceu um rapaz que possuía uma confecção centrada na moda estilo, surf/streetwear, e que ofereceu-lhe patrocínio para o Pitbulls on Crack. 

Seria uma quantidade razoável de camisetas por mês, em troca de ações de merchandising simples de nossa parte, tais como: anexar o nome de sua empresa exposto em cartazes e filipetas, e que usássemos nos shows, as suas camisetas e/ou bonés, a exibir a sua logomarca. Simples, sem sacrifícios maiores. 

Evidentemente que aceitamos. Não houve contrato, apenas um acordo verbal. Então recebemos o primeiro lote com camisetas. Eram simples, com o logo do Pitbulls on Crack, mais a figura do cão pitbull, sob a mesma arte de ilustração que usávamos no cenário, e na parte de trás, a logomarca da empresa. 

O grande problema, foi que no momento decisivo, para usarmos as camisetas com a marca deles, que era muito mais gritante, ninguém quis usar, pois eram espalhafatosas demais! Como resultado, só eu passei a usá-la, regularmente nos shows, para honrar o compromisso. Tratava-se de uma camiseta preta, com letras garrafais em cor de laranja. 

Nessas fotos informais, clicadas pelo presidente do fã-clube, Jason Machado, por ocasião de um ensaio da banda no estúdio Spectrum, em 1994, é possível notar o Chris Skepis a usar uma camiseta que o patrocinador fez para nós, e eu (Luiz Domingues), no uso de outra, com cor preta, e a exibir a sua espalhafatosa logomarca e que fora sugerida pelo patrocinador para ser usada nos shows, em sinal retribuição de nossa parte...

Quem conhece-me, sabe que raramente, para não dizer nunca, eu uso camisetas. E se tiver que usar, jamais seria preta, e ainda mais com aquela logomarca a gritar e e evocar a cultura "Streetwear", algo que eu abomino. 

Foram poucos shows, por que a confecção entrou em crise interna e ficou impossibilitada para fornecer-nos mais camisetas e nesse caso, eu não soube avaliar se ria ou chorava com a perda do patrocínio...

Ainda em abril de 1994, tocamos em uma casa noturna com excelente infraestrutura, chamada: "Columbia", localizada na Rua Estados Unidos, nos Jardins, bairro elegante da zona sul de São Paulo, e que ficava localizada ao lado da delegacia de polícia do bairro, a famosa 78ª DP, notória por invariavelmente deter playboys milionários que aprontam pelas ruas do bairro, e pelo vai-e-vem de carrões importados com os respectivos papais ricos, e seus advogados caros a trabalhar para relaxar a detenção de seus pimpolhos arrogantes.
Na mesma edição do "Jornal da Tarde", eis um tijolo pago pela gravadora a anunciar o show no Columbia, e também na mesma edição, houve uma nota a citar o evento do Ginásio do Ibirapuera, onde participaríamos, no dia seguinte.

Esse show foi bem energético, com um público formado por quatrocentas pessoas, e a participação também das bandas: "Anjos dos Becos" e "Não Religião".
Isso ocorreu em uma sexta-feira (dia 23), mas no sábado, iríamos participar de um Festival sob grande porte, patrocinado pelo Fundo de Solidariedade do Governo do Estado de São Paulo, que foi realizado no Ginásio do Ibirapuera.
Foi uma grande oportunidade para aparecer perante um grande público, e tocar ao lado de diversas bandas consagradas, a pegar carona na mídia de grande porte, pois o governo investiu pesado em divulgação e dessa forma, o nosso nome esteve estampado em milhares de cartazes e filipetas espalhadas pela cidade, além de maciça propaganda em várias emissoras de rádios, TV e matérias nos principais jornais.

O objetivo fora angariar agasalhos e cobertores para ajudar pessoas carentes e dessa forma, essa foi a forma pela qual as pessoas obtiveram ingressos, ao doarem agasalhos. 

Animados pelo momento bom que estávamos a atravessar, com música a estourar na 89 FM, mais clip bem exibido na MTV, e a participar de um show desse porte, com grande exposição midiática, eu particularmente estava a considerar que o Pitbulls on Crack estava quase a chegar em um momento, daqueles em que uma porta grande, enfim abrir-se-ia. E assim, ao chegar o sábado e animados pelo bom show da noite anterior no "Columbia", fomos confiantes ao Ginásio do Ibirapuera.

O nome oficial do evento foi: "Rock For Help!, O Rock Contra o Frio". Foi realizado no dia 23 de abril de 1994, e no elenco escalado constavam os seguintes artistas: "Fickle Pickle", "Neanderthal", "Raimundos", "Rip Monsters", "Golpe de Estado", "Anjos dos Becos", "Não Religião", "Doctor Sin", "Ratos de Porão", "Yo-Ho-Delic", "Inocentes", "Ira" e "Pitbulls on Crack". 

Quando chegamos ao Ginásio do Ibirapuera, ele já estava inteiramente tomado. Acredito que com a soma da pista, devia conter ali, cerca de doze mil pessoas.

Os locutores da 89 FM faziam o trabalho de apresentação do evento, e parecia tudo animado e organizado. Chegamos ao camarim e havia naquele instante uma confraternização entre músicos de todas as bandas que eu citei. De minha parte, eu conhecia todos ali presentes, praticamente. 

A ideia seria tocar entre quatro e cinco músicas cada grupo, para evidentemente ficar razoável para a continuidade do evento. Em nossa vez de entrar, quem estava a apresentar foi o locutor, Edgard, que anos depois ficou famoso após atuar na MTV, e Canal Multishow.

O meu amigo/roadie, José Reis, foi montar o meu transmissor "Nady", mas este aparelho pifou segundos antes de sermos chamados ao palco. Às pressas, ele o substituiu por um tradicional cabo de conexão P10. 

O Edgard fez a nossa apresentação e chamou-nos. Fomos recebidos com aplausos, mas não foi nada triunfal.

Começamos a tocar e apesar do equipamento bom, com monitoração bem-feita, sentimos que não estávamos a empolgar a audiência. Tudo bem, veio a segunda música, e grupos dispersos aplaudiam, mas sem ser nada efusivo. 

Quando o Chris executou os primeiros acordes da música: "Under the Light of the Moon", na sua guitarra, eu pensei comigo: -"agora vai haver uma reação", pois foi justamente a música de trabalho, que estava a explodir na programação da emissora 89 FM, e na MTV, igualmente. 

Após os acentos iniciais de peso do baixo e bateria em duo, a tendência seria causar um frisson na plateia, mas eu só vi grupos esparsos a dançar e apreciar. Foi quando um violento impacto no corpo do meu baixo, tirou-me a concentração. Alguém havia atirado um rolo improvisado com papéis amassados, para afrontar-me. Parece incrível, mas em meio à doze mil pessoas ali presentes...

Pitbulls on Crack no Ginásio do Ibirapuera em abril de 1994. Fotos de Marcelo Rossi

Inacreditável, mas eu consegui olhar na multidão, e identificar o agressor. Tratou-se de um garotão a usar longos cabelos ao estilo, "Dreadlock", a trajar bermuda, cheio das tatuagens, e piercings. Quando percebeu que eu o mirei e na minha expressão facial houvera contrariedade, ele enlouqueceu, e passou a gritar em plenos pulmões que fora ele mesmo que havia atirado, e que pretendia "matar-me"... claro que eu não ouvia a sua voz mediante a massa sonora gerada no palco, entretanto, eu compreendi a sua intenção pelo gestual, principalmente pelo típico sinal de que gostaria de cortar a minha garganta, mediante uma faca ou outra arma branca cortante similar... 

Fiquei muito chateado, pois estávamos no meio da mais conhecida música da banda, ao não ter a reação popular que eu esperava, e para piorar tudo, um sujeito daqueles a agredir-me, gratuitamente... 

Tentei voltar ao foco da música, mas tal ocorrência chateou-me por vários motivos. Primeiro pelo óbvio, que foi ser agredido, gratuitamente. Em segundo lugar, por desconcentrar-me em um momento crucial para a banda no show, e por surpreender-me em um momento onde eu divagava mentalmente enquanto tocava, sobre o motivo da nossa performance não ter comovido a plateia, mesmo com a música que executávamos a estar no topo da parada de uma emissora de rádio que tinha picos de audiência de um milhão de pessoas na cidade de São Paulo. 

Isso sem contar o também maciço apoio da MTV, que veiculava o respectivo vídeoclip, da referida canção. Ainda tocamos mais duas músicas, e saímos do palco com a missão cumprida, mas em termos, na minha avaliação.

No camarim, somente eu estava com essa percepção de que havíamos perdido uma oportunidade para deslanchar, pois os outros três colegas meus estavam muito contentes com a performance. 

Aquela reação tão dispare deixou-me confuso à época, pois eu cheguei a raciocinar que talvez estivesse por ser excessivamente exigente, para conosco mesmo. Mas com o passar do tempo e o distanciamento histórico alcançado, hoje tenho a certeza de que esse show foi decisivo para mostrar que o Pitbulls on Crack, apesar das enormes chances que estava a obter, jamais alcançaria o mainstream.

Mas a vida seguiu, e outras chances grandes o Pitbulls on Crack ainda teria! E aliás, não passou muito tempo, encontrei o agressor do Ginásio do Ibirapuera sob uma outra situação bizarra, mas ele não "matou-me", como havia prometido...

Todas as fotos ao vivo desse show do Ibirapuera, são clicks de Marcelo Rossi 

Então, logo após o show beneficente no Ginásio do Ibirapuera, patrocinado pelo Governo do Estado, tivemos um choque térmico e tanto. Em pouco mais de sete dias, tocamos para um reduzidíssimo público, em detrimento das doze mil pessoas presentes no Ginásio do Ibirapuera. 

Desta feita foi um show realizado na casa de shows, "Brittania", e com a presença das bandas: "Mantra" e "Yo-Ho-Delic".

O som que o Mantra praticava era um Heavy-Metal, modernoso, com aspecto bem dos anos noventa, e a despeito de ser uma banda formada por bons músicos, não empolgava nem mesmo os entusiastas desse gênero. Já o "Yo-Ho-Delic", cancelou a sua participação em cima da hora e nem apareceu no local.
Contudo, o grande revés desse domingo, dia 1° de maio de 1994, foi que o piloto de Fórmula 1, Ayrton Senna falecera nesse dia, pela manhã, em plena disputa do GP da Itália, e o Brasil caiu sob uma comoção total. 
Dessa forma, cerca de cinquenta testemunhas locomoveram-se ao Brittania, para ver Pitbulls on Crack e Mantra, e pareceram mesmo mais interessadas em assistirem a cobertura jornalística do falecimento do piloto, pelos monitores de TV, espalhados pela casa.
No dia 18 de maio de 1994, tivemos uma apresentação em uma pequena casa noturna chamada, "Noni-Noni", no bairro do Bexiga, também com um público reduzido na marca de cinquenta pessoas. Foi uma rara oportunidade em que uma banda autoral ali apresentara-se, pois tratava-se de um reduto tradicional para bandas cover, normalmente.

E finalmente ao final de maio, ocorreram dois shows mais agitados, com a participação das bandas, "Party up" e "Velhas Virgens", em um espetáculo triplo que tivemos, no "Garage Rock", de Pinheiros. Duzentas e cinquenta pessoas estiveram ali presentes, no dia 27 de maio, e no dia seguinte, dia 28, melhor ainda com trezentas e sessenta pessoas. 

No início de junho (dia 4), tocamos no Centro Cultural Vergueiro, quando participamos do projeto: "Sintonia do Rock".

Dividimos a noite com uma banda chamada: "High-Low", esta da ex-vocalista da "Volkana", Marielle.
Duzentas pessoas assistiram os dois shows. Nesse dia, recordo-me em ter cometido um ato falho, pois no Centro Cultural era uma praxe usar o equipamento de palco (backline), cedido pelo próprio CCSP, disponibilizado para todos os artistas normalmente e quando eu fui plugar o meu baixo no amplificador, a baixista do "High-Low" advertiu-me rispidamente, que aquele era o seu amplificador pessoal, e não admitia que eu o usasse.
Claro que fora o seu absoluto direito exercido no sentido de não emprestar-me, mas eu não sabia que era o dela, e nada justificou a truculência com a qual tratou-me (ou destratou, no caso), por não considerar que eu não estava a agir com má fé, mas também por falta de educação de sua parte, ao denotar arrogância e prepotência.
Isso sem contar que de minha parte, eu perdi as contas de quantas vezes emprestei o meu equipamento até para músicos estranhos e portanto, tal demonstração de pedantismo dessa moça, causou-me espécie naquele soundcheck.
Pedi desculpas, naturalmente, ela retirou o cabeçote de marca "Gallien-Krueger" de sua propriedade do palco, e o assistente de produção do Centro Cultural trouxe o cabeçote comunitário para eu usar: foi um Gallien-Krueger, absolutamente igual, e portanto, mesmo por estar dentro do seu direito de não querer emprestar-me, como ela poderia supor que eu adivinhasse que aquele amplificador, com marca e modelo idêntico, seria particular?
Digno de nota, o fato de que na música, "Under the Light of the Moon", o nosso roadie e presidente do Fã Clube, Jason Machado, foi quem executou-a à bateria. Segundo ele contou-nos, foi de súbito que o baterista da banda, Juan Pastor, ao perceber que a sua então  namorada, Carol, aproximava-se do palco, levantou-se e sem cerimônias entregou as baquetas para ele e disse-lhe:  -"vire-se, entra aí e toca"... mesmo estupefato pela loucura de improviso, ele tocou direito, sem comprometer a performance da banda, e pelo contrário, ao manter um bom nível.

Conforme eu narrei anteriormente, quando abordei o show no Ginásio do Ibirapuera, um sujeito provocou-me de uma maneira agressiva e gratuita, ao arremessar um chumaço composto por papéis, contra o meu baixo, e não satisfeito com tal ato sem sentido, depois postou-se a ameaçar-me à distância etc. e tal.

Pois em junho, no dia 18, para ser preciso, houve uma situação desagradável, em que o Pitbulls on Crack esteve envolvido. 

Foi o seguinte: um produtor megalomaníaco, quis fazer um show nos moldes do que havia sido realizado no Ginásio do Ibirapuera, com ingressos cobrados na forma de alimentos e roupas de inverno doados para a caridade. Até aí, tudo bem, fomos convidados, aceitamos de pronto pelo caráter beneficente, e naturalmente pela exposição toda que haveria de se gerar na mídia. 

Em princípio, tal evento deveria ter sido realizado ao ar livre, no Largo 13 de maio, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, mas foi cancelado e anunciado para o estádio do Pacaembu, a seguir. 

Entretanto, à medida que o dia do show aproximava-se, víamos que a divulgação prometida estava muito tímida e incompatível com as promessas do fulano, e a ter em vista que o local do evento seria o Estádio do Pacaembu. 

Ora, para deslocar entre cinquenta a oitenta mil pessoas, seria preciso uma divulgação pesada e apenas cartazetes e filipetas expostos na "Galeria do Rock", pareceu-nos uma piada da parte do organizador. E o foi mesmo... e se no início a ideia seria a de um festival com dez ou doze bandas (número muito excessivo, sem dúvida!), o que dizer da bizarrice de se anunciar sessenta atrações agendadas? Quanto tempo tocaria cada banda? Uma música só para cada uma?

Mesmo ao sabermos de antemão que seria um fiasco, como estávamos apalavrados, fomos ao Pacaembu no horário combinado.
Deveria ser um mega festival com mais de sessenta bandas, e por aí, já fora possível perceber que não seria uma realização séria. Só pelo fato das infinitas trocas de bandas, no palco único, seria um fator inevitável de atraso monstruoso. Nem festival de colégio, com bandas formadas por alunos adolescentes, seria tão caoticamente desorganizado!
Então, quando chegamos ao Pacaembu, vimos que o público presente mostrava-se ridículo para o tamanho de um estádio de futebol! Não deve haver contido nem cem pessoas presentes, entre arquibancadas, setores numerados e a pista!
Da esquerda para a direita, no degrau mais alto: José Reis, eu, Luiz Domingues e Juan Pastor. Na fileira abaixo: Deca e Chris Skepis. No último degrau, Luiz Gustavo. Click de Jason Machado, em foto recentemente (2015), disponibilizada pelo Jason, via Facebook, e gentilmente disponibilizada para o meu Blog.

Conclusão: haviam mais músicos concentrados atrás do palco, com o "tobogã", a ser usado como "camarim/louge", do que público no estádio inteiro.
Outra foto da constrangedora situação do Pacaembu"... aqui, com a presença somente da banda, clicada em uma escadaria de acesso, entre os bastidores do tobogã e o ginásio de esportes, que fica em anexo, na parte traseira do estádio. Acervo e cortesia de Jason Machado

Para quem não conhece o Estádio do Pacaembu, o "tobogã" é uma arquibancada construída atrás do gol oposto ao portão da entrada principal do estádio. Aí aconteceu o fato mais bizarro da noite, e foi pior ainda que essa bagunça amadorística, perpetrada pelo seu organizador.

Resenha do show no Ginásio do Ibirapuera, realizado em abril, publicado na revista "Dynamite"

Em meio à várias rodas formadas com amigos músicos e ali havia muitos conhecidos, não só da cena Rocker noventista, mas de gerações mais antigas também, havia uma roda com pessoas perto de nós, do Pitbulls on Crack, e eu percebi que um sujeito alto, com cabelo enorme, falava com os seus amigos, e este olhava-me com uma expressão facial, não amistosa. Relevei, pois eu nunca o vira antes e ignorei. 

Contudo, subitamente, ele pôs-se a falar um pouco mais alto, com a intenção deliberada de que eu o ouvisse. Não lembro-me textualmente do que falou, mas foi algo do tipo: -"é, então eu "taquei" (sic) um maço de papel no baixista... fiz de propósito, para atingir aquele babaca"... foi então que eu percebi: tratava-se do idiota que atacara-me no Ibirapuera! 

Pois esteve explicado o motivo do ataque supostamente gratuito! O sujeito era músico, também, e naturalmente considerava que a sua banda era mais categorizada do que a minha, e portanto devia achar-se "injustiçado" por assistir-me a tocar e ele, não, naquele palco enorme de um ginásio histórico, em São Paulo. 

Atitude deplorável sob todos os sentidos, e não perderei o meu tempo, e nem o do leitor, para esmiuçar possíveis explicações sob cunho musical, artístico, psicológico ou seja lá em qual campo onde esse comportamento possa ser explicado. 

A minha atitude foi usar a mesma estratégia e ao falar mais alto, igualmente, ironizei ao proferir algo do tipo: -"sabe aquele sujeito que atacou-me a esmo no Ibirapuera? Deve estar aqui hoje, já que tem tanta banda para apresentar-se"... ficou por isso, com o sujeito a dispersar, a seguir. Qual seria a sua banda? Não faço a menor ideia, mas pelo visual dele, devia ser algo derivado do Heavy-Metal. 

Ficamos ali por uma hora mais ou menos, e ao verificarmos a completa bagunça que a (des)organização estava a perpetrar, fomos embora a seguir, e certamente ninguém notou a nossa falta. A nossa atitude de desencanto foi seguida por diversas bandas conhecidas nossas, e só apresentaram-se mesmo bandas obscuríssimas, com adolescentes que estavam ansiosos para tocar, mesmo com o som e a luz, deficientes, e inadequadas para um estádio de futebol profissional. 

Para quem se arriscou a tocar, foi uma maçaroca sonora, com uma iluminação digna de uma árvore de natal, ou seja, muito deprimente, pelo amadorismo constrangedor. Fomos embora com a certeza de que havíamos perdido tempo, pois fora óbvio que não valera a pena nem o deslocamento até lá, por pressentirmos que a produção do evento esteve péssima, desde a divulgação do mesmo.

E finalmente, preciso de um espaço maior para relatar um show com grande proporção, que realizamos no início de julho de 1994.
 

Nessa fase, colhíamos os frutos em torno de dois anos e meio de trabalho. Na metade de 1994, tínhamos uma situação espetacular, pois a nossa música, "Under The Light of The Moon" tocava exaustivamente na 89 FM, a emissora centrada no Rock, mais popular de São Paulo, ao ficar todo dia e isso foi uma constante por meses a fio, no "top dez" das mais tocadas, e muitas vezes, ao ser a "1ª do dia", e assim ganhar destaque em uma promoção criada pela emissora, chamada: "Super Power". 

O "campeão do dia", ganhava mais execuções, e gerava assim, um efeito cascata. Por outro lado, o clip da música tinha grande exibição na MTV, também, para aumentar o efeito dessa divulgação. Estávamos a realizar muitos shows, e o portfólio já ostentava um considerável volume a conter muitas matérias publicadas em jornais e revistas de grande circulação.

Carta oficial que recebemos do Fundo de Solidariedade do Governo Estadual de São Paulo, para agradecer-nos por nossa participação no Festival Beneficente no Ginásio do Ibirapuera, em abril de 1994, assinada por sua diretora, a então primeira Dama do Estado, Dona Ika Fleury
 
Tínhamos feito um show com grande repercussão, recentemente (o show beneficente para um público com cerca de doze mil pessoas no Ginásio do Ibirapuera), e com toda essa movimentação, recebemos um convite irrecusável da MTV. Eles queriam produzir um show com quatro bandas, para um especial denominado: "Peso Local".

Claro que aceitamos, pois seria gravado ao vivo em uma casa de shows muito famosa na época (Olympia), com promessa de divulgação maciça, fora a exibição na TV. 

E assim, fomos gravar a nossa participação nesse evento, em tal casa de espetáculos, que costumava abrigar shows internacionais nos anos 1980 e 1990.

Eu mesmo assistira ali, diversos artistas internacionais famosos das décadas de sessenta e setenta, tais como: "Uriah Heep", "Black Sabbath", "Rainbow", "Peter Frampton", "Santana", "Emerson/Lake and Palmer", "Jethro Tull", "Nazareth", "Ian Gillan Band" e "Yes". 

Tratava-se de uma grande casa com ótima estrutura de palco, camarins, cenografia, iluminação, enfim, uma grande oportunidade pelo show em si, e também pela exibição na MTV, é claro. O Olympia fora um sonho de consumo para todo artista emergente. A estrutura de Luz e PA era da casa, e por ser assim, de alto nível, obviamente. O equipamento de palco (backline), foi fornecido como patrocínio pela "Meteoro", fábrica de amplificadores. Colocaram uma montanha de amplificadores, como manda o figurino de um show de Rock, de porte.

Apesar de estarmos eufóricos pela participação, sabíamos que éramos a menor atração da noite. Para a equipe de produção da MTV, o tratamento seria de igualdade entre a bandas, mas veladamente foi óbvio que coube ao Pitbulls on Crack a posição mais humilde de abrir o show. Haviam três camarins grandes, e um pequeno, quase um pequeno ambiente em anexo, digamos assim. Portanto, não daria para colocar-nos nesse cubículo.
Dessa maneira, sob uma autêntica separação por classe de importância (não estou a criticar, tampouco ironizar), o "Angra" e o "Dr. Sin" ficaram com um camarim, cada um, e nós tivemos de dividir o nosso com "Os Raimundos". De nossa parte, não haveria problema algum, pois estávamos acostumados a usar camarins terrivelmente mais simples, ou até mesmo a tocarmos em lugares sem camarim.

Fizemos a passagem de som com tranquilidade e a pressão sonora no palco ficara muito boa. Colocamos o nosso banner içado com apoio dos cenógrafos da casa, e tudo correra bem nos bastidores. 

Com a chegada da noite, ouvíamos o ruído do público a entrar na casa, e pelo murmúrio, sabíamos que iria lotar. A MTV entrevistou-nos no camarim, de forma bem descontraída, pois o entrevistador era nosso amigo de longa data, o DJ Gastão Moreira.

Fomos chamados então para o palco, as luzes apagaram-se e nós começamos a nossa apresentação, perante um público de aproximadamente quinhentas pessoas presentes no auditório. 

Estávamos sob uma situação bem constrangedora ali, no entanto. Explico: o grosso do público fora formado por três tribos muito distintas entre si, e nenhuma favorável a nós. O público do "Dr. Sin", mais adulto e respeitoso, o público do "Angra", formado por adolescentes headbangers e vestidos como se estivessem nos anos 1980, e uma turba agressiva, fãs dos Raimundos, bem condizentes com a banda pela qual devotavam a sua adoração. 

Sendo assim, apesar de entrarmos em cena a imprimirmos um peso bem razoável, e com muita energia, logo após a execução da música, "Under the Light of the Moon" (o nosso maior "sucesso", como eu já expliquei amplamente), eu percebi que tal canção provocou uma reação modestíssima da plateia. Seguimos em frente, pois isso não abalou-nos, e tocamos a seguir: "Answer Machine". 

Foi uma performance muito boa, com bastante energia, tanto foi assim, que a MTV editou essa versão ao vivo, e transformou-a em um segundo clip da banda, ao passar a exibi-lo com força na grade da emissora, a partir do segundo semestre desse ano de 1994. 

O Deca, que tradicionalmente imprimia um mise-en-scène delirante em qualquer show, diante da possibilidade de um palco com grandes proporções ao seu dispor, alucinou de vez. Pelo canto dos olhos, eu vi que ele jogou a sua guitarra Fender Stratocaster, diversas vezes para o alto, a la Ritchie Blackmore, e sem dó, esfregou-a no amplificador, no pedestal de microfone, mexeu com a plateia ao gesticular etc.

Eu também movimentei-me bem, e o Chris sempre tinha aquela performance segura, ao parecer pouco importar-se se havia uma pessoa, ou um milhão de pessoas na plateia. 

Arriscamos uma música nova, chamada: "Blind", que era soturna, bem ao estilo "indie" esquisita por si só, que também pareceu não ter sido digerida pelo público interessado nas outras atrações daquela noite. E por fim, tocamos ainda: "Never Mind", com o clássico comentário do Chris em tom de sarcasmo: -"não tem nada a ver com o Nirvana"...

Ao final dessa música, um misto de apupos com debochadas manifestações de alegria, por estarmos a encerrar, fechou o nosso show.

Eu particularmente saí do palco tranquilo, consciente de que ali nem os Rolling Stones agradariam aquele público fechado em uma ideia fixa em torno de seus artistas prediletos, e claro, a nossa performance houvera sido boa, com poucos incidentes. 

Tanto foi assim, que as quatro músicas que tocamos foram exibidas no especial da TV, em pé de igualdade com as outras bandas, e ainda, "Answer Machine" transformou-se em um clip, ao aproveitar a nossa execução extraída desse show. 

O único incidente desagradável, foi algo que acontece com qualquer um: eu e o Deca estávamos a usar o sistema 'Wireless", mas o Chris não gostava, e ao usar um tradicional cabo "P10", longo, mesmo assim, sob um movimento brusco que fez, desconectou a sua guitarra por alguns segundos do "direct box", que a ligava ao seu amplificador.

Por azar, o nosso roadie, Zé Reis, estava distraído, e nem percebeu que a guitarra do Chris sumiu do som geral, pois a pressão no palco estava enorme, com uma massa sonora violenta vinda da guitarra do Deca, o meu baixo, a bateria e voz do Chris. 

Foi então que eu tive que locomover-me em sua direção, e na medida do possível, pois eu não tive muitas pausas para tirar a mão do braço do baixo e gesticular para chamar-lhe a atenção. 

Ainda assim, ele demorou para entender o que eu solicitava-lhe, ao gerar alguma angústia de minha parte e o Chris estava completamente vendido lá na frente, pois estava a cantar. A sua atitude foi correta, pois continuou a tocar, mesmo com o som da sua guitarra completamente ausente. 

Tirante isso, foi mesmo uma boa apresentação, apesar de uma certa hostilidade do público.  

Os camarins estavam em polvorosa, quando retornamos. O "Dr. Sin" ficou isolado no camarim mais longínquo do palco (onde aliás, Ritchie Blackmore ficou a sós com a sua entourage pessoal nos shows do Deep Purple, em 1991, ao recusar-se a ficar no camarim com os outros membros da banda). 

Mas os irmãos Busic, Edu Ardanuy e sua equipe, andavam por todos os lados, inclusive ao visitarem-nos no nosso camarim, onde dividíamos o espaço com os Raimundos. Os realmente grandes, são humildes, como diz o poeta. 

O "Angra" ocupou o maior, e isolou-se, com a presença de seguranças, e só de longe víamos que estava animado, com um cocktail farto, e servido por garçons a usarem impecáveis luvas brancas. E nós estávamos humildemente a dividir o espaço com aqueles rapazes brasilienses. O grande problema ocorreu quando esses senhores já estavam no palco a tocar.

Subitamente, o roadie dessa banda entrou desesperado no camarim, e perguntou-me se eu poderia emprestar o meu baixo, pois o baixista, havia estourado uma corda, e não houvera providenciado um segundo instrumento, sobressalente. 

Claro que o emprestei, sem pestanejar, pois, independente de eu não gostar daquela estética praticada por tal grupo, eu jamais poderia deixar de ajudar um colega de profissão em um momento desses. Um fator não teria nada a ver com a outro, evidentemente. 

O roadie deles levou então o meu "Tajima", que eu levara como segundo baixo naquela noite (toquei ao vivo com o "Rickenbacker"). 

Do camarim, eu ouvi o som a ser retomado no palco, e o show dos rapazes prosseguiu, com todo aquele sucesso, e seus fãs a delirarem. O evento que veio a seguir, foi que aborreceu-me profundamente. Pois quando terminou o seu show, essa banda voltou ao camarim, e o meu baixo foi jogado bruscamente sobre uma cadeira, e ele só não foi parar no chão por que o roadie deu um mergulho cinematográfico para salvá-lo da queda inevitável. 

O roadie da banda ficou enrubescido pela atitude perpetrada por outrem e pediu-me desculpas. Ponto para o roadie, que foi humilde, educado, e teve a atitude minimamente decente, vinda de uma pessoa de bem. Um ano depois, esses senhores cruzariam o nosso caminho novamente. No momento oportuno, relatarei.

E assim foi a nossa participação no evento denominado: "Peso Local". Alguns dias depois, o especial foi ao ar na MTV, e a edição foi digna para nós, embora seja possível ver as pessoas da plateia a fazerem gestos obscenos, e a se ouvir alguns apupos, na última música. 

A entrevista com o Gastão Moreira também foi boa, bem naquele padrão do Pitbulls on Crack, ou seja, com direito a piadas, sarcasmos e afins. E a constatação final desse show foi de que o Pitbulls on Crack vinha de uma série de eventos muito proeminentes, que deu-lhe bastante exposição midiática. 

Esse momento do Pitbulls on Crack só fora comparável ao bom momento do Língua de Trapo em minha segunda passagem por lá (1983-1984), e na melhor fase d'A Chave do Sol, após quatro anos de batalha dura, no caso dessa banda oitentista que eu tive.  

Com o Pitbulls on Crack, as oportunidades surgiam de uma forma fácil, e talvez se cantássemos em português, poderíamos ter capitalizado essa exposição de uma maneira melhor. Aliás, "talvez", não. Com certeza... 

Assista abaixo a performance de "Under the Light of the Moon" desse show do Olympia de julho de 1994:

O link para assistir "Under the Light of the Moon" no YouTube:
http://www.youtube.com/watch?v=Hx4qQF5n56A


Abaixo, a execução de "Blind", no mesmo show: 
O link para assistir "Blind" no YouTube:
http://www.youtube.com/watch?v=-VzKbzNBvKM&feature=relmfu

E abaixo, "Never Mind" ao vivo no Olympia: 
O link para assistir "Never Mind" no YouTube: 
https://www.youtube.com/watch?v=afFXOAwwETk

Resenha sobre o show no Ibirapuera, publicada em abril, na revista Dynamite 

Nessa mesma época, um empresário que o Chris conhecera de outros trabalhos seus, aproximou-se de nós e entusiasmamo-nos, pois naquele crescente de exposição que estávamos a obter na mídia, tudo o que precisávamos seria de um empresário que capitalizasse esse bom momento que vivíamos, em termos de oportunidades para shows e outras benesses correlatas. 

Esse sujeito chamava-se: Jefferson, e empresariava uma banda indie, denominada, "The Pills". Ele detinha vários contatos e chegou já a mostrar serviço, pois sinalizou estar a agendar shows, logo de início, mesmo antes de mal conversarmos. 

E uma de suas ações como empresário, foi acompanhar-nos em um show no Rio de Janeiro, contudo, não fora um evento que ele houvera marcado. Ele apenas marcou presença, como o nosso novo agente.

O empresário, Jefferson, no momento em que viajava ao Rio de Janeiro, conosco, em uma das viagens mais bizarras que a banda houvera realizado, até então...

E esta foi uma experiência rica em histórias bizarras, conforme eu relatarei. Para início de conversa, digo que esse show seria realizado em uma casa de shows chamada, "Garage", que segundo lembro-me, não tinha relação com a casa de mesmo nome, de São Paulo. Mas quando comunicaram-me o seu endereço, eu fiquei pasmo... Praça da Bandeira...

Quem conhece o Rio de Janeiro, sabe que aquela área é muito deteriorada, e corresponde ao Glicério, em São Paulo, sob um ambiente com forte mendicância, sujeira, crime, ausência do poder público generalizado etc. 

Por outro lado, eu estava também acostumado com esse tipo de situação, pois depois do manifesto punk de 1977, associar o Rock aos escombros desoladores e decadentes, tornou-se mote, e verdade absoluta para essa gente. Passei os anos 1980 e 1990 inteiros a conviver com pessoas dessa mentalidade, infelizmente. E sendo assim, ninguém estranhava ir tocar em uma pocilga desse naipe, e pelo contrário, era comum aquela interjeição entre eles:
-"É ducaraio, véio", para qualificar situações aviltantes dessa estirpe, como algo salutar, na sua visão distorcida sobre o que seria o Rock.

Viajamos através do uso de linha comercial comum de ônibus, na hora do almoço, e chegamos ao Rio de Janeiro, ao final da tarde, quando então, começou a nossa aventura tragicômica!

Eric De Haas, fotógrafo e produtor musical, holandês, há muitos anos radicado em São Paulo 

Veio buscar-nos na rodoviária, o fotógrafo/produtor musical holandês, Eric de Haas, figura muito conhecida no meio Rocker paulistano, mas que estava envolvido nessa produção no Rio de Janeiro. 

A aventura já começou pelo veículo que ele usou para buscar-nos. Tratou-se de uma Kombi, podre, cujo motorista era completamente louco, por querer correr como se aquilo fosse um carro de "Fórmula 1", mas na verdade revelava-se como um triste simulacro de automóvel. Era possível ver o asfalto da rua, com buracos abertos no piso daquela carcaça putrefata!

Após essa aventura insana que vivenciamos na Kombi, que mais parecia o veículo da família "Flintstone", chegamos ao local e o clima mostrou-se pesado na rua, e imediações. Não eram nem 19:00 horas ainda, e o "mundo cão" pegava pesado na rua.
Uma matéria e uma resenha, na mesma edição da "Revista Rock Brigade", em maio de 1994

A casa era bonita, por tratar-se de um casarão amplo, e muito antigo. Contudo, estava em péssimo estado de conservação. Naquela noite, tocaríamos com outra banda paulistana, o "Ajna", da vocalista Elizabeth "Tibet" Queiroz, e uma banda indie carioca, "Scar Soul".

  A vocalista "Tibet" (Elizabeth Queiróz), e a sua banda, "Ajna" 

O som da casa mostrara-se razoável para os padrões do mundo do show business underground, e houve à disposição uma iluminação nesse mesmo padrão. O palco até que se revelou amplo e alto, e o enorme salão comportava um público com pelo menos trezentas pessoas, acredito. 

O Eric estava hospedado na casa do inglês, Ronald Biggs, famoso foragido da justiça britânica (este por haver escapado da prisão onde cumpria pena pelo assalto do trem pagador, em 1963, um crime escandaloso na Inglaterra).

O Chris aventou a possibilidade de irmos para a casa dele, Biggs, para tirarmos fotos da banda com ele, mas não haveria tempo e além do mais, o Eric disse-nos que Biggs costumava cobrar U$ 200 por cada foto, o que desanimou-nos, na mesma hora, evidentemente.
Fizemos o soundcheck, e o som esteve razoável para o show.

O soundcheck da banda carioca, "Scar Soul", nessa noite no Rio.

Então, enquanto o Ajna e a outra banda realizavam os seus respectivos soundcheck, fomos comer, e eu lembro-me que assistimos um pedaço do jogo do São Paulo FC na TV, pela Taça Libertadores da América, com o nosso baterista, fanático sãopaulino, a roer as suas unhas.
No entanto, aí começou a bizarra noite de terror no Rio. De súbito, o corpo de bombeiros apareceu e mediante uma inspeção relâmpago, resolveu lacrar a casa por absoluta falta de segurança nas instalações elétricas. De fato, era visível até para leigos, e não precisava ser bombeiro, para se constatar que o estado da instalação elétrica da casa estava péssimo.

Com a interdição, o dono do estabelecimento ficou bem nervoso e houve bate-boca com os bombeiros. Sob clima tenso, a casa foi lacrada, e todo mundo ali presente, convidado a retirarem-se imediatamente! 

Não fazer o show não incomodou-nos exatamente, pois a perspectiva não seria das melhores. Mas quando o novo empresário da nossa banda foi falar com o responsável sobre a possibilidade de se angariar apoio financeiro para bancar a nossa viagem de volta (pelo menos isso, ora bolas), o proprietário da pocilga teve uma explosão de ira!

Na rua, com guitarras, baixo, peças da bateria, mais bagagens, permanecemos a esperar uma solução atenuadora, mas nessa altura, o clima estava tenso no submundo da rua, com tráfico de drogas a ocorrer livremente em cima dos capôs dos carros, brigas (saiu tiroteio, sem cerimônias, algumas vezes naquela noite), e prostituição de baixíssimo nível ao nosso redor. 

Nervoso, e a perder a paciência conosco, o responsável pela casa ficou irredutível em sua posição. Mediante alguns palavrões, mandou-nos sair da frente dele, e ponto final. 

Foi nesse instante, que um dos nossos roadies (Jason Machado estava conosco, também), que era um aluno meu (Marcos Martines), resolveu intervir e com a guitarra do Deca na mão, chegou a falar para o sujeito, algo do tipo: -"você sabe quanto custa uma guitarra Fender Stratocaster?"

O indivíduo não se fez de rogado e ao levantar a barra da camisa, deixou à mostra o revólver "38" e respondeu-lhe: -"e você, sabe quanto custa uma azeitona no meio da testa?"

Enfim, o Marcão com quase dois metros de altura, e cheio de vontade para intervir, teve que conformar-se em voltarmos por nossa conta para São Paulo, após um argumento tão convincente, digamos assim. Chamamos dois táxis, cujos taxistas ao perceberem a nossa situação, queriam fazer um preço combinado, sem taxímetro. 

Juan Pastor e Marcos Martines, de volta para São Paulo, depois daquela noite bizarra...

Após uma cansativa argumentação, enfim conseguimos seguir para a rodoviária, com um carro apenas e uma parte da comitiva, arriscou-se a pé, em plena Praça da Bandeira, um lugar insalubre ao extremo.

Certamente, em condições normais, o percurso não duraria nem cinco minutos dali até a rodoviária e o preço seria mínimo, pouco além da bandeirada inicial, normal. Chegamos em São Paulo no início da manhã, muito cansados, mas com mais uma história bizarra para contar e o início do novo empresário, não poderia ter sido pior, com um show não ocorrido, doze horas de estrada, entre ida e volta, e uma situação desagradável vivida, com perigos iminentes. 

O que não poderíamos supor seria que mais histórias engraçadas ocorreriam em breve, perpetradas por esse empresário.

Mesmo por não ter sido um show fechado ou produzido pelo empresário Jefferson, ele suportou essa situação, ao estar junto conosco, nessa aventura alucinante pelo Rio de Janeiro. 

E sua primeira ação concreta para a banda, enfim, foi anunciar um show em uma casa noturna, que na verdade pertencia ao pessoal da banda que ele empresariava. O local chamava-se: "Pill 100 Bar" e a tal banda, "The Pills". 

 O The Pills, em foto de seu disco, de 1995. Click de Marcia Zoet

Os rapazes eram conhecidos do Chris Skepis, desde 1988, mais ou menos, pois o Jefferson tentou empresariar a banda que o Chris planejou formar no Brasil, assim que voltou da Inglaterra em definitivo, e que seria uma espécie de franquia do "Cock Sparrer", a sua banda lá no coração do Reino Unido. Dessa banda, que a posteriori se tornou o "The Pills", saiu o baixista, Kuky Sanchez, que é muito bom músico gentil pessoa, e que anos depois faria sucesso com a banda Pop, "Pedra Letícia".

Malogrado o show no Rio de Janeiro, o próximo passo após o show do Olympia, foi bem menos glamoroso. Ainda a aproveitar exposição na mídia de uma forma contundente, com shows grandes, rádio e TV a executar-nos diariamente, o próximo compromisso foi uma apresentação modesta no Bar: "Pill 100 Bar". Lá, dividimos a noite com os donos do estabelecimento, a banda "The Pills", assistida pelo empresário, Jefferson, e uma outra, chamada: "Rose Avalanche".
 
O Rose Avalanche era bem influenciado pelo Guns'n Roses, claro, e o The Pills fazia um trabalho Pop, mas com elementos do indie Rock britânico. Por ser localizado próximo à represa de Guarapiranga, um local longínquo, no extremo da zona sul de São Paulo, tivemos um público fraco com apenas cinquenta pessoas, formado pelos amigos dos membros do The Pills, e habitues da casa. Isso ocorreu no dia 19 de agosto de 1994.

No dia 30 de setembro, o empresário Jefferson havia marcado uma apresentação nossa em um salão em Osasco-SP, cidade da Grande São Paulo. Quando perguntei a um aluno meu que residia naquela cidade, se ele conhecia aquela casa em específico, ele fez uma expressão facial de espanto, e disse-me achar impossível acontecer shows de Rock naquele lugar! 

Segundo ele, tratava-se de um obscuro salão localizado em um bairro de periferia, onde só apresentavam-se artistas do underground da música popularesca. Ele achou inacreditável acontecer um show de Rock naquela espelunca. Mas foi verdade e no dia marcado, ao chegarmos ao local, ficamos desolados ao verificarmos as suas instalações simplórias. 

Contudo, como o Pitbulls on Crack sempre foi uma banda em que todos brincavam o tempo todo, tornou-se uma piada pronta para o resto da noite, certamente. Iríamos dividir a noite com a banda, "Pandhora", do meu aluno, Marcos Martines, que também atuava como roadie do Pitbulls on Crack, vez ou outra. 

O equipamento disponibilizado mostrara-se tão pavoroso, tão precário, que na impossibilidade de fazermos um som minimamente decente, resolvemos cancelar. 

O empresário negociou e os proprietários da pocilga alegaram que todos os artistas que ali apresentavam-se, não reclamavam etc. e tal.
Claro, posso imaginar o nível dos artistas que ali apareciam normalmente.

Então tocamos, para um reduzido e atônito público formado por cerca de trinta pessoas, todas habitues, com exceção de meu aluno Edil Postól e a sua esposa, Marilu, que gentilmente foram prestigiar-nos, naquele lugar insalubre. Voltaríamos, contudo, àquele lugar medonho, pois o Jefferson fechou outra data, ao garantir-nos que o dono da casa melhoraria o equipamento. Ora, nem se ele colocasse um super PA e com a iluminação do Pink Floyd, adiantaria alguma coisa. Mas como estávamos a dar votos de confiança a ele, julgamos que o sacrifício valeria a pena, ao visarmos dias melhores em termos de shows. 

Ao pensar com o distanciamento histórico, não teve nenhum cabimento continuarmos com um empresário com tais contatos, essa foi a verdade. Estávamos com uma música a explodir na principal rádio Rock da cidade, dois clips na MTV, shows realizados recentemente no Ginásio do Ibirapuera & Olympia, portanto, que sentido faria para a nossa carreira, irmos tocar no "Evidências Dancing?"

Depois dessa experiência bizarra, o próximo show não teve nada a ver com o empresário Jefferson. Tratou-se de um convite do DJ da 89 FM, Tatola, para que participássemos do show de lançamento do novo CD do "Não Religião", a sua banda.

Ocorreu no Aeroanta, dia 7 de outubro de 1994, com a presença do Pitbulls on Crack e do Neanderthal, entre as bandas convidadas, com o encerramento logicamente feito pelo, Não Religião.  

Época ainda de robustez financeira para as casas que só abrigavam bandas autorais, pois trezentas e cinquenta pessoas entraram, catraca adentro. Contudo, a seguir tivemos que cumprir então o show extra que o empresário fechou no horrendo, "Evidências Dancing". Para tentar "vitaminar o show", ele convidou o "Não Religião", que lançava o seu novo CD na ocasião, e claro, por ter mais "status", que nós, ganhou destaque na filipeta.

Com o perdão pelo trocadilho infame, foi "evidente" que seria uma outra grande noite perdida, naquela espelunca desoladora! E foi mesmo, "evidentemente", mas aconteceu um fato insólito que salvou a noite de tanto que divertiu-nos.  

Quando chegamos ao local (além de dividirmos a noite com o "Não Religião", teríamos novamente a presença do "Phandora"), havia na plateia, um homem negro a usar um terno todo branco, e com um exemplar da Bíblia, debaixo do braço.

Pensamos ser um religioso com tendência fundamentalista sob o intuito de realizar uma pregação para as pessoas que tencionavam ver o show, ou coisa do gênero. 

O rapaz entrou e procurou-nos no camarim. Ao dizer-nos ser um adepto da religião mórmon, não parou de verbalizar que vivera em Salt Lake City, Utah, e que lá, apesar de ser Mórmon, apaixonara-se pelo Punk-Rock. 

Segundo nos relatou, ele estava ali no "Evidências", para ver o Pitbulls on Crack e o "Não Religião", e em nosso caso, motivado pelo fato do Chris ser ex-membro do grupo britânico, "Cock Sparrer". 

E pasmem, quando o som mecânico da casa começou a tocar, ele correu para a pista, e passou a dançar violentamente, para chamar a atenção das pessoas que estavam a aguardar pelos shows. Foi bizarro vê-lo a dançar como Punk, com aquele visual de crente e Bíblia na mão. E como se não bastasse tudo isso, ainda houve o mais insólito: por afirmar ser homossexual, disse estar interessado em nosso baterista! 

Trancamo-nos no camarim, depois de saber disso, pois o rapaz insistia em voltar para lá, e aí seria uma confusão ver o crente/punk/gay por ali a importunar-nos mais, e pior ainda para o nosso baterista.

Isso ocorreu no dia 14 de outubro de 1994 e como os membros do Pitbulls on Crack eram humoristas por natureza, tornou-se assunto para uma semana, nos lembrarmos daquela figura insólita.  

E quanto ao show, este foi medonho com aquele equipamento insalubre. Claro que o dono do infame salão não alugou um equipamento melhor, conforme prometera anteriormente. Dessa forma, fizemos um show de choque, e sumimos dali, o mais rápido possível!

 

E finalmente o empresário sinalizou com algo mais animador.
Mas se por um lado o novo show que agendou-nos, foi um sucesso de público, por outro lado, seria de novo em uma casa onde não faria sentido algum, uma banda como a nossa, apresentar-se. 

Foi no dia 15 de outubro de 1994, que apresentamo-nos no "Babillon", perante um público formado por oitocentas pessoas, mas certamente alheias ao nosso som ultra barulhento para os padrões popularescos deles. 

Não fomos hostilizados, mas tratados com indiferença, o que foi um alento, por considerar-se o tamanho da adversidade pela qual estávamos a expor-nos. 

E finalmente, na última ação dele como empresário, cumprimos tabela em um festival de colégio estadual, ao realizarmos o show da eliminatória. Festival bagunçado e com pouco público, aliás, injustificável para um evento escolar desse padrão para adolescentes. 

Ocorreu no colégio Ibraim Nobre, no dia 5 de novembro de 1994, e com um público fraco, com apenas oitenta pessoas presentes. 

E com a sequência de apresentações equivocadas que ele arrumou-nos, só restou-nos solicitarmos o rompimento da associação. Foi educado e tranquilo e seguimos o nosso rumo, para tentar recuperar o embalo bom que tivéramos antes dele levar-nos a cumprir shows em lugares insólitos e dignos de cenas do filme: "This is Spinal Tap"...

Nessa mesma época, nós recebemos um telefonema vindo da gravadora Roadrunner. Esse selo europeu (oriundo da Holanda), que continha o grupo Heavy-Metal, "Sepultura" em seu elenco, havia recentemente aberto uma representação no Brasil, e por uma feliz coincidência, a diretora artística da seção brasileira havia indicado-nos ao seu diretor geral, e este, ao ver-me inserido na foto promocional da nossa banda, reconheceu-me de pronto!
    Jerome Vonk, diretor geral da Roadrunner Brasil, em 1994

Tratou-se de Jerome Vonk, o empresário com quem eu trabalhei na minha segunda passagem pelo Língua de Trapo, entre 1983 e 1984.
Em princípio, foram marcadas reuniões prévias com a Alê, diretora artística e baixista/vocalista do grupo, "Pin Ups", uma banda Indie, famosa na cena paulista. 

Alê, baixista/vocalista da banda indie, "Pin Ups", e diretora artística da Roadrunner Brasil, naquele momento de 1994

A ideia inicial seria lançarmos um CD, com gravações a serem realizadas no bom estúdio, Be Bop, onde havíamos gravado a coletânea da gravadora Eldorado, em 1993. As primeiras conversas giravam em torno dessa ideia. 

Segundo ela disse-nos, a gravadora estava disposta a contratar cinco bandas da cena indie daquela atualidade e com uma verba fixa para cada banda, a ideia seria cada uma cuidar de sua produção, com a obrigação de se gravar no estúdio Be Bop (naturalmente haveria um desconto por ser um pacote "1x5"), e entregar o tape mixado no prazo estabelecido. 

Fora um esquema bastante confortável, no sentido de cuidar de toda a produção, nos moldes das gravadoras grandes, com o advento de não haver ingerências desagradáveis no nosso conteúdo artístico, embora com a responsabilidade de sermos muito rápidos no estúdio, e com a advertência expressa de termos de cobrir do bolso, qualquer despesa contraída além da verba destinada pela gravadora. 

Nos contatos iniciais, tivemos a informação que já haviam contratado outras bandas. Lembro-me do Viper, nessa altura uma banda sedimentada e veterana no cenário do Heavy-Metal, entre elas. O "Garage Fuzz", de Santos-SP era outra e as outras seriam: "Zero Vision", "Lethal Charge" e "Killing Chainsaw". 

O tempo pôs-se a passar, e começamos a notar que o clima mudara. Em um segundo momento, pediam-nos sempre mais tempo para enfim formalizarmos o contrato, e este nunca era assinado de fato. Cansados das sucessivas postergações, pedimos uma definição, e só aí a Alê disse-nos que o Viper estourara a verba no estúdio, e dessa forma, inviabilizou-se a nossa contratação. Mas... e aquela conversa de verba fixa, e equânime entre os artistas? 

Bem, o Viper era mais famoso, e tornou-se uma prioridade da gravadora, segundo ela. Em conversa reservada com o Jerome com quem eu tinha liberdade, infelizmente a justificativa também foi evasiva, pois este alegou cuidar de questões gerenciais da gravadora, e na parte artística, ele não envolvia-se, ao dar carta branca à Alê para resolver tais pendências. 

Então, está bem, foi assim então o nosso efêmero contato com a gravadora Roadrunner, ao resumir-se a uma série de reuniões que revelaram-se infrutíferas, na hora da definição concreta. 

Como fato curioso, apenas relato que o Jerome disse-me uma coisa inusitada em uma dessas ocasiões em que reunimo-nos no pequeno escritório situado no bairro da Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo: -"vocês são a única banda que entrou neste escritório, cujos membros não tem sequer uma tatuagem ou piercing"... 

Respondi, também na base do humor, mas com uma verdade implícita: -"somos Rockers, não somos marinheiros, tampouco presidiários"... ou seja, na piada, houve embutido um conceito perdido no Rock, e que representa bem o que foi os anos noventa, enquanto cenário antagônico aos verdadeiros ideais Rockers...

Sem empresário e sem gravadora, ainda tínhamos ecos do embalo adquirido, e mesmo ao sermos uma banda onde a nossa estratégia adotada era a absoluta falta de estratégia (isso é para rir ou para chorar?), tínhamos a preocupação de estabelecer um novo rumo para tentar aproveitar o embalo. 

E por ter sido assim, a próxima atividade da banda deu-se na festa da Revista Rock Brigade, que comemorava a sua centésima edição lançada naquela ocasião.

O show ocorreu no Aeroanta, no dia 28 de novembro de 1994, com a presença também de duas outras bandas: "Neanderthal", formada por nossos amigos e companheiros de coletânea da gravadora Eldorado, e "Avalon", uma banda de Heavy-Metal oriunda do estado do Piauí, recém radicada em São Paulo. 

Foi um dia útil (segunda-feira), portanto um dia difícil para angariar público, mesmo ao ter sido um show gratuito ao público. Contudo, cerca de cem pessoas compareceram, e algum tempo depois, estivemos retratados em uma matéria da própria revista, a cobrir a sua própria festa.

A nossa apresentação foi desprovida de energia, devo registrar.
Apesar da banda sempre ter sido norteada pela absoluta falta de preocupação com nada, e entre seus membros o bom humor sempre predominar pela veia humorística que eles, principalmente, os meus três colegas, tinham, nesse show, todos pareceram estarem taciturnos, e sem energia. 

Não houve um motivo explícito para tal, mas foi evidente que os ecos da perda de embalo que duramente havíamos construído através de dois anos e meio de atividades, estavam implicitamente no ar. Enfim, apesar de tudo, tocamos...

E o último compromisso de 1994, aconteceu novamente no Aeroanta. Desta vez foi um show compartilhado com as bandas: "Party up" e "Stigmata A Go Go".

O "Party up" era uma banda indie com elementos do Punk-Rock, e doses de Heavy-Metal, no seu som. O grande atrativo era a sua vocalista, uma garota muito bonita (Natacha), e que tinha uma pronúncia perfeita de inglês. 

Graças ao bom relacionamento que o seu líder mantinha no meio (o baterista, que fora um ex-membro do Viper, e muito amigo dos irmãos Cavalera, do Sepultura), tal banda estava na iminência para ser contratada pela Roadrunner internacional, e entrar em um circuito forte de shows pelo mundo. 

Na prática, era apenas mais uma banda indie com sonoridades modernosas, baseada na extrema simplicidade do Punk-Rock, e o maior atributo recaía sobre a garota, que chamava a atenção pela beleza.

E esse "Stigmata A Go Go" foi uma banda norte-americana. Também outro exemplo de indie Rock, sem nada que atraísse-me, muito pelo contrário, com um som eletrônico misturado à ruindade Punk usual, realmente foi difícil achar algum mérito naquela maçaroca esquisita que produziam. 

O show foi morno no geral, sem grandes novidades, e ocorreu no dia 16 de dezembro de 1994, para um público formado com apenas cem pessoas no recinto. 

O embalo sensacional que havíamos obtido desde 1992, estava diluído, infelizmente. O melhor teria sido lançar logo um CD, mas a quebra de palavra por parte da Roadrunner impossibilitou-nos nesse sentido. Ao fazermos shows esporádicos, e sem perspectiva para lançarmos um disco rapidamente, foi uma fase marcada pelo desânimo geral, que consumiu-nos por algum tempo, para que pudéssemos aventar um esboço de reação.

Ao olhar hoje em dia, com distanciamento histórico, fica claro que foi o fim da primeira fase da banda. Após o hiato de alguns meses, entraríamos na segunda, e última fase da banda (pelo menos sob a minha perspectiva, pois após a minha saída, a banda teria uma terceira fase, sem a minha presença). 

A insistência de nossa parte de se cantar em inglês, fora um ponto sempre trazido à tona por parte de jornalistas na época.

Realmente, essa cena com bandas emergentes do início dos anos noventa, a cantar em inglês estava a ser atropelada por bandas a expressarem-se em português. Foi o caso a se pensar, mas o Chris não queria nem saber disso, a se colocar irredutível nessa questão. E assim encerrou-se 1994, com o embalo perdido, e esvaído pelo ralo, infelizmente. 

 
Entrevista concedida ao crítico de Rock e escritor, Glauco Matoso, para a revista Top Rock nº 21, e mais focada no Chris Skepis por conta de sua passagem pela banda britânica, "Cock Sparrer", daí o título "Chris Skepis: Do Cock ao Crack". Claro, quem entende bem o idioma inglês e sobretudo o linguajar chulo das ruas ("slang terms"), sabe que há um trocadilho infame nesse título, como segunda intenção... 

A virada para 1995, foi um pouco desalentadora, portanto. 
Descartados pela gravadora Roadrunner e com a gravadora Eldorado desinteressada em investir no elenco da coletânea de 1993, após ver as cinco bandas dispersarem, cada uma por si, apenas ensaiamos e trabalhamos em músicas novas, nos primeiros meses de 1995.

Uma entrevista do Chris Skepis ao Jornal da Tarde, em março de 1995, a falar de sua aventura na Inglaterra, como membro do Cock Sparrer, uma banda famosa da cena do Punk' 1977 

Então, o primeiro compromisso do ano em termos de show, foi uma autoprodução completamente fora do prumo, que teria tudo para ser uma mera e prosaica reunião em clima de festa particular, mas que ganhou uma dimensão inesperada, e foi um sucesso de público. 

Foi assim: o presidente do fã-clube do Pitbulls on Crack, Jason Machado, detinha consigo, uma data no Black Jack Bar, e assim, ele nos perguntou se gostaríamos de tocar lá, visto estarmos há muito tempo sem shows.

A data teria um significado especial para o Jason, e para o Pitbulls on Crack, pois marcaria um ano de existência do Fã-Clube. Seria no dia 30 de abril de 1995, ou seja, na véspera de um feriado (1° de maio), com a possibilidade das pessoas sair em despreocupadamente para a noite, como se fosse uma noite de sábado. 

A despeito de também muita gente evadir-se da cidade em tempos de feriados, achamos que sob custo zero, não seria ruim, nem que a casa ficasse com um público tímido presente. 

Entretanto, a ideia evoluiu e nós pensamos em colocar alguma banda de abertura. Mais um pouco de tempo passou e então cogitamos contarmos com duas, depois três e daí em diante, esteve configurado enfim, um micro-festival. 

A grande sacada, seria que as bandas de abertura também atrairiam público, sob uma ação conjunta de divulgação. E dessa forma, ao aproveitar o fato de eu ter cerca de trinta e cinco alunos regulares de baixo, tornou-se óbvio que de minha parte seria fácil arregimentar bandas novas. Por ter tantos alunos, e quase todos possuirem bandas, seria uma oportunidade de ouro para eles também apresentarem-se. Para incrementar, o Jason Machado atuaria com força total no evento, e ele teve mais um trunfo em mãos.

Graças a um patrocinador que ele mantinha para bancar o seu fanzine, havia um acordo para a publicação de um tijolo de jornal, com o apoio da gravadora Eldorado, e dessa forma, no dia do show, tivemos um "tijolo" no Jornal da Tarde, como apoio de divulgação, fora a presença de cartazes e filipetas. 

Muitas bandas poderiam ser escolhidas, mas na hora da decisão final, as que puderam aceitar o convite, ao confirmarem presença, foram: "Parental Advisory" (do meu aluno, Ricardo Garcia), "Eternal Diamonds" (do meu aluno, Alexandre Peres "Leco" Rodrigues), e "Equinox" (do meu aluno, Luiz Nannini). 

Os garotos ficaram super empolgados, claro, e imediatamente engajaram-se na divulgação. Foi a oportunidade deles para tocarem em um bar que detinha tradição no Rock Paulistano, e pelo fato de serem adolescentes imberbes, haveria de contar muito para eles como façanha pessoal, em início de carreira. 

Como nessa fase, eu ainda era conhecido por um apelido que após 1999, tratei por cortar com veemência, o nome do show que foi usado em profusão, fazia a junção dele, com a palavra "Woodstock". Ao reescrever a história, chamo-o de outra forma nesta autobiografia. 

Não falava-se em outra coisa nas minhas aulas, a não ser a realização do "Dominguestock". Confesso que essa produção deu o ânimo que o Pitbulls on Crack precisava para sair da fase letárgica em que encontrava-se, desde o fim do segundo semestre de 1994, quando todo o impulso primordial alcançado, pareceu haver diluído-se pelo ralo.

Por ser um bar mediante pequenas dimensões, não comportava um PA grande, e sendo assim, o Black Jack Bar não continha uma estrutura de som e iluminação adequada para se fazer shows de Rock com muita potência. 

O soundcheck foi lento, com a inexperiência da garotada a atrapalhar também, e lembro-me que o guitarrista do Equinox, foi bastante grosseiro comigo, pois atribuiu à minha pessoa, a culpa pelo atraso, sendo que esse fator fugira da minha alçada, certamente. 

E além do mais, o combinado fora meia hora para cada banda de abertura apresentar-se, e por conta de uma retaliação infeliz, quando o Equinox tocou, foi por quase uma hora e meia, talvez como uma forma de represália à minha pessoa, mas apenas a se colocar de uma forma deselegante com todo mundo que bocejava diante de seu show maçante, pleno de clichês oitentistas do Heavy-Metal.

A primeira banda a apresentar-se foi o "Parental Advisory".
A despeito do som produzido por esses rapazes ter sido um Thrash Metal ultra agressivo, os garotos mantiveram uma postura muito engraçada, que arrancaram gargalhadas do público.

Entre uma música e outra, o vocalista, que era um garoto enorme e com o cabelo pela cintura, falava com uma voz de adolescente, em processo de maturação, ou seja, "desafinava" a falar, mas quando cantava (ou melhor dizer, "urrava"), nas músicas, parecia um troglodita das cavernas, a matar dinossauros a gritos... hilário! 

E uma música em específico do seu radical repertório, arrancou gargalhadas extras. Quando anunciaram-na, fizeram a contagem para iniciá-la e ela resumiu-se a um acorde com acento único. 

Um outro fato engraçado aconteceu também sobre essa banda. Assim como para todas as bandas de abertura presentes, haviam muitos familiares dos músicos envolvidos na plateia. Parecia uma festa escolar de fim de ano, na verdade. E eu pude ver que durante a performance do "Parental Advisory", o pai de um aluno meu, suava, literalmente, espremido na multidão, e só resmungava, a dizer: -"que merda... que merda"...

Conforme o prometido, o "Parental Advisory" tocou o seu set com meia hora e despediu-se. A voz esganiçada do vocalista adolescente, tornou-se um sucesso imediato, e apesar da suposta agressividade da banda pela sua estética adotada, foi uma apresentação divertida que agradou ao público (com a devida exceção de alguns pais, digamos assim, e fato já mencionado anteriormente). 

Nesta altura dos acontecimentos, a casa estava super lotada, e o acúmulo foi tanto, que o pequeno espaço interno inteiramente tomado, impedia quem estava do lado de fora, a adentrar, literalmente. O dono do bar estava eufórico, pois a viver uma fase decadente, o Black Jack, há muitos anos não lotava daquela maneira.

A próxima banda a entrar no palco foi o "Eternal Diamonds", banda de meu aluno, Alexandre "Leco", Peres Rodrigues, e que praticava um som pesado, quase no patamar do Heavy-Metal, mas continha enormes influências boas de anos 1960 & 1970, principalmente a psicodelia sessentista, e o Prog-Rock setentista para entusiasmar-me. 

Os seus outros componentes eram: Rodrigo Hid (guitarra e voz), e Fernando Minchillo (bateria). Conhecia-os todos desde 1993. Com aquelas feições faciais forjadas como adolescentes que o eram ainda, e muita conversa sobre o Rock dos anos 1960 & 1970 ocorrida em minha sala de aulas etc. 

Eu sabia do potencial dos três, e apesar deles serem inexperientes e muito novos ainda, o potencial deles se mostrava enorme em minha ótica. O show deles começou, e a sonoridade foi radicalmente mais leve que o "Parental Advisory", e as boas influências dos meninos foram nítidas, no seu trabalho.

Eu, Luiz Domingues, e Rodrigo Hid, em uma foto de 1996, na minha sala de aulas

Eles tocaram as suas canções compostas em inglês e cuja mais famosa, pelo menos no círculo de amigos, foi: "Meet the Power", praticamente um Heavy-Metal em sua constituição orgânica. 

Mas eis que os meninos surpreenderam positivamente ao tocar um cover do Pink Floyd: "Insterstellar Overdrive", ao trazer uma excelente interpretação para o clássico da psicodelia "Barretteana". 

Lembro-me bem que durante o show do "Eternal Diamonds", o Deca reparou bem na performance do Rodrigo, e ao fitar-me a seguir, fez uma expressão facial de espanto (positivamente, é claro), ao demonstrar que também percebera o talento nato do menino. Ao tocar com desenvoltura e cantar muito bem, o Rodrigo tinha ainda rosto de adolescente, mas a sua postura foi a de um veterano no palco, ao brilhar intensamente. 

Dois anos depois disso, ele estaria a iniciar o projeto, "Sidharta", comigo, e com o próprio Deca, e mais dois a seguir, estaria na Patrulha do Espaço, comigo. Dez anos depois, estaria no Pedra, comigo, novamente. 

E os demais também continham diferencial. O Alexandre, mesmo muito novo, apresentava percepções de psicodelia que muito lembravam o Roger Waters, fora o seu talento nato para criar linhas de baixo nada usuais, e aliás, é a sua marca registrada no Klatu, sua banda atual, com dois discos lançados, até este ponto. 

Sobre o Fernando Minchillo, este também tocava de maneira segura, apesar da idade. Foi uma pena que tivessem apenas meia hora para tocar, pois o show do "Eternal Diamonds" foi muito agradável. Ao sair do palco, chegou a vez do Heavy-Metal, do Equinox.

Infelizmente, o "Equinox" extrapolou, e para contrariar o combinado, tocou por mais de uma hora e meia. O guitarrista solo estava nervoso, e por estar contrariado, motivado pelo atraso no soundcheck, quis propositalmente afrontar-me pessoalmente por conta de sua irritação descabida, e prejudicar o show do Pitbulls on Crack. 

Atitude lamentável em que nada contribuiu para divulgar o som de sua banda, pelo contrário, só criou um anticlímax. O meu aluno, Luiz, era extremamente gentil, e ficou constrangido com as atitudes de seu guitarrista, mas o estrago estava feito. Enfim, o público cansou daquele som maçante e absurdamente alto que essa banda praticou a cansar as pessoas, literalmente. O público, dispersou, ao abrir um clarão na frente da banda, e mesmo assim, eles insistiram em tocar mais e mais.

Pior que isso, hostilizaram o nosso roadie, o Jason Machado, que pedira insistentemente para que eles encerrassem, devido ao tempo estourado. 

Claro, arrependi-me por tê-los incluído no evento. Teria sido muito melhor incluir outra banda de alunos meus e haviam várias que desejaram ter tido essa oportunidade. Já pela noite avançada, a beirar a madrugada, o Pitbulls on Crack entrou em cena, e o público estava pela metade.

Se a intenção do guitarrista rancoroso da banda anterior houvera sido essa, creio que o maior prejudicado foi ele mesmo, por ter entediado as pessoas, ao espantá-las. 

Claro, seria por esperar-se que as pessoas se cansassem de ficarem confinadas em um bar minúsculo, com um áudio deficiente, e bandas de Rock pesado a tocarem sob volumes inacreditáveis. 

E também seria esperado que muitos dispersariam após verem os seus respectivos parentes e amigos a apresentarem-se, tal como um festival juvenil. Isso não abalou-nos em nada, e dessa forma, fizemos o nosso show normal, sem preocupações e contentes por ter sido um sucesso tal evento, do qual não esperávamos nada, previamente.

Isso ocorreu então, no dia 30 de abril de 1995 e o público foi excelente, com quinhentas e vinte pessoas presentes (informação oficial revelada-me pelo Jason Machado, no ano de 2015), para a alegria do dono do bar, que vendeu muita bebida nessa noite. 

Existe uma versão editada desse evento, gravado em Mini-VHS e digitalizada desde os anos 2000. Pretendo lançar no YouTube, em breve. Só não sei ainda se lanço separadamente cada banda, ou se envio tudo junto, como um documentário de Festival. E mais uma resolução: vou mudar o nome do Festival, para passar por cima da história... vai ser "Dominguestock"...

Continua...  

Nenhum comentário:

Postar um comentário