Pesquisar este blog

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Pitbulls on Crack - Capítulo 4 - A Sonhar com Manhattan, mas Ir para Utinga - Por Luiz Domingues

Anúncio do estúdio Be Bop, na revista "On & Off", em 1995, a citar artistas que já haviam gravado discos em suas instalações e com o Pitbulls on Crack, nomeado entre eles

Em meio ao "Dominguestock", um fato interno agitou a vida do Pitbulls on Crack e sobre o qual mantivemos sigilo absoluto à época. Acredito que não há mal algum em revelar esse fato hoje em dia, vinte e um anos depois (2016). 

Foi o seguinte: o Chris Skepis conheceu por volta de 1989-1990, o produtor/técnico de som, norte-americano, Roy Cicala. A oportunidade surgiu quando Cicala veio ao Brasil, por conta de uma namorada brasileira que arranjara e a despeito de nosso terceiro-mundismo, gostou do país, e assim prolongou uma boa temporada por aqui.

Sendo assim, o Chris tornou-se o seu cicerone em São Paulo e tradutor em muitas ocasiões, por apresentar-lhe para diversos músicos brasileiros etc. Para quem não sabe, Roy Cicala trabalhou como técnico de som no Record Plant, famoso estúdio de Nova York, como assistente de Eddie Oddford, em discos históricos como "Electric Ladyland", do Jimi Hendrix, em 1968, por exemplo.

Na foto acima, uma sessão de gravação no estúdio Record Plant de Nova York do álbum, "Double Fantasy" de John Lennon, em 1980. Roy Cicala está na operação da mesa, com John Lennon e Yoko Ono ao seu lado.
 
E esteve por trás de Alice Cooper em "School's Out", John Lennon e David Bowie em "Fame" e tantas outras gravações seminais na história do Rock, que eu prefiro parar de citar, para não tomar espaço (e acredite, são dúzias e dúzias). 

Por volta de 1995, Cicala voltou ao Brasil e ao reencontrar-se com o Chris, este mostrou-lhe o material do Pitbuls on Crack e surgiu uma proposta: gravaríamos de graça em seu estúdio em Nova York, com a despesa de viagem, estadia e alimentação, por nossa conta, naturalmente.  

Ficamos animados, é claro. E tratamos de captar recursos assim que fosse possível. O problema, foi que estávamos sob uma curva descendente, desde o fim de 1994, e com poucos shows, o caixa da banda estava vazio. Pensamos em levantarmos recursos com patrocinadores, mas os nossos contatos resumiam-se em torno de empreendedores pequenos, que só queriam bancar material de souvenir para a banda.

O próprio, Cicala, interveio e propôs que hospedássemo-nos no seu estúdio, ao minimizar as despesas com hotel. Claro que aceitamos, mas o dinheiro das passagens estava muito difícil para captar-se.

Estava agendada previamente uma data no seu estúdio, em agosto de 1995. Ele encaixou-nos entre as gravações do "Steely Dan" e da Patti Smith que também estavam agendadas. 

Frustrados com a parca condição financeira, desistimos da empreitada e o sonho de gravar em Nova York, com um produtor com status de mito na história do Rock, esvaneceu-se.

Alguns anos depois, o Roy Cicala mudou-se em definitivo para São Paulo. Ele abriu um estúdio no bairro da Vila Mariana, na zona sul da capital paulista e tornou-se um habitue de uma padaria próxima de seu estabelecimento e que eu conheço bem.  

Como adendo de 2015, acrescento que Cicala manteve esse estúdio por muitos anos, a gravar muitas bandas ali, em uma casa próxima à Cinemateca Brasileira, no já citado bairro, incluso um álbum do Ciro Pessoa, com o qual passei a trabalhar em 2011. Infelizmente, Roy Cicala faleceu em 2014, em São Paulo.

Essa tentativa frustrada para gravarmos gratuitamente em Nova York, provocou um baque no aspecto psicológico interno da nossa banda, não vou negar, mas logo a seguir uma nova luz acendeu-se nesse quesito das gravadoras. 

Recebemos um convite para conhecer o escritório da gravadora, "Velas", e lá, recebemos uma proposta de contrato/gravação. Tratava-se de uma gravadora independente, mas bem organizada, com estrutura interna no porte de uma gravadora grande e que mantinha entre os seus sócios, o compositor/cantor/pianista, Ivan Lins e o seu parceiro musical, o letrista, Victor Martins.

                                Victor Martins & Ivan Lins

A sede paulistana da gravadora, ficava localizada no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo. Era um escritório bem estruturado, com diversos funcionários a trabalharem a todo vapor, tudo informatizado já nessa época etc.

                          O grande guitarrista d'OTerço, Sergio Hinds

Em princípio, estavam a abrir um selo de Rock dentro da gravadora, denominado: "Primal" e o diretor artístico desse núcleo, foi o guitarrista d' O Terço, Sérgio Hinds, que era padrinho do filho de Victor Martins, portanto seu compadre e amigo de longa data.

Em uma primeira conversa, nós gostamos da proposta, que seguia o padrão tradicional das gravadoras à moda antiga, com cobertura de toda a cadeia de produção, do estúdio à divulgação final. Mas o acerto, obviamente, não saiu no primeiro encontro. Muitas visitas ao escritório do Tatuapé suceder-se-iam, com direito a almoços nos restaurantes de seu entorno.

 

De volta aos shows, a próxima apresentação foi novamente em um local pouco glamoroso e com baixíssima audiência. Foi como se estivéssemos novamente em 1992 a galgarmos humildemente o calvário inevitável de uma banda na estaca zero.

Dessa forma, fomos para o palco do "Advance", uma modesta casa noturna e desta feita perante um público (ou teriam sido testemunhas?), com apenas vinte pessoas presentes (9 de junho de 1995). Tivemos nessa ocasião a banda: "Out of Bounds" como abertura e nenhuma ocorrência especial que tenha marcado em minha memória. 

Mas no dia seguinte, estivemos em um evento com maior projeção.

Foi um evento ao ar livre, patrocinado pela Prefeitura de São Paulo, e que realizou-se no Largo da Matriz, no tradicional bairro da Freguesia do Ó, zona noroeste de São Paulo. Com o palco montado em frente a bela Igreja no Largo, que é exatamente igual ao das clássicas praças de cidades interioranas.
A Freguesia do Ó e alguns bairros vizinhos daquela região, foram tradicionais redutos de adeptos do Punk-Rock, nos anos oitenta, tanto que o Gilberto Gil fez sucesso com a música: "Punk da Periferia", que fala sobre isso e cita a Freguesia do Ó na letra dessa canção. Mas ali, no calor da metade dos anos 1990, isso estava bem diluído e o público que formou-se teve de tudo, incluso punks (sempre atraídos pela presença do Chris Skepis e a sua ligação com o "Cock Sparrer"), mas tudo sob um clima tranquilo.
Um dos organizadores do evento foi o Clemente, d'Os Inocentes e ele estava um tanto quanto chateado, por que esperava um público maior do que verdadeiramente ali compareceu.

Foi um evento no início da noite, onde dividimos o espetáculo com o "Rip Monsters", dos amigos Zique, Johnny, Alja & Gastão.
Como eu já disse, por considerar-se fato por apresentar-se como um evento ao ar livre, deveria ter tido um público maior. 

Mas, tudo bem, as quinhentas pessoas presentes (na estimativa da Polícia Militar), participaram e gostaram, apesar de ter sido realizado por duas bandas evidentemente sem nenhum apelo popular e ambas a cantar as suas canções em inglês. Aconteceu em 10 de junho de 1995.

O próximo show foi um encaixe de última hora. Tratou-se de um evento chamado: "Sintonia do Rock", realizado por um empresário free-lancer chamado, Evon Patrocínio, em parceria com o Centro Cultural São Paulo. Fomos escalados para participar no dia 28 de junho, mas de última hora, uma banda desistiu de sua participação marcada para o dia 30, e nós aceitamos o improviso de ocupar a sua vaga.

Sendo assim, no dia 28 de junho de 1995, subimos ao palco do CCSP e tocamos. A banda que dividiu a noite conosco, foi o "IML", cujo som, mostrou-se em torno do punk gutural de sempre, tanto apreciado e incensado no Brasil. 

Cento e vinte pessoas passaram pela bilheteria e o show não apresentou grandes novidades em termos de repertório, ou adendos cenográficos. 

Já no dia 30, fizemos então o show que surgira como oportunidade extra. Nessa noite, o público foi por outro lado, decepcionante, com apenas cinquenta pessoas presentes. E a outra banda da noite foi o "Oloman", que caprichava no visual dos seus componentes, mas o som que praticava era um Heavy-Metal com ares modernosos, mas igualmente maçante, como sempre.

Enquanto a negociação com a gravadora Velas, caminhava de uma forma muito positiva e já a poucos passos de uma resolução, fizemos mais um show no Black Jack Bar, ao dividirmos a noite com outras duas bandas. 

Nessa noite de 29 de julho de 1995, tocamos junto com o "Cheap Tequilla" e o "Motorcycle Mama" (que foi encaixado no evento em cima da hora, portanto ao ficar fora da divulgação, como vê-se no cartaz acima), com um ótimo público formado por trezentas pessoas, aproximadamente. 

Praticamente fechado o contrato com a Velas/Primal, só faltou mesmo assinar e protocolar no cartório, burocracia que ocorreria de fato, alguns dias depois.

Já preparávamo-nos para entrar no ritmo de estúdio e assim escolhermos o repertório com a finalidade de prepararmos a pré-produção, mas um novo compromisso apareceu antes de mergulharmos nessa produção. 

O nosso baterista, Juan Pastor fechou um show de choque dentro da "Feira de Música". Apresentar-nos-íamos no "stand" de uma empresa chamada, "Advance", fabricante de potências para alimentar sistemas de PA.

O evento ocorreu no último fim de semana de agosto, do ano de 1995, no Expo Center Norte, um gigantesco espaço em Santana, na zona norte de São Paulo, onde geralmente ocorrem Mega-Feiras de expositores. 

Estávamos escalados para apresentarmo-nos ao final da tarde do dia 27 de agosto de 1995. Soubemos na hora, que uma das bandas que também apresentar-se-ia, seria "Os Raimundos". Outras que apresentar-se-iam também, seriam: "Mundo Livre" e "Little Quail", entre as quais, lembro-me com certeza. 

É difícil recordar-se daquelas bandas, pelo seu suposto "legado" que não seja pelo aspecto negativo, primeiro pela uniformidade sonora, segundo por um conjunto de signos inerentes dos quais nem preciso arrolar, acredito.

Quando fomos informados por alguém da produção que tocaríamos depois d'Os Raimundos, recebemos também a orientação para permanecermos do lado de fora do stand, pois não havia estrutura de camarim para aguardarmos a nossa vez. 

Foi realizado em um stand fechado, a parecer um container de navio de carga, sem ventilação alguma e onde cabiam aproximadamente, duzentas pessoas. 

Naturalmente, estourados na mídia como estavam, Os Raimundos tal banda superlotou o improvisado micro-auditório, para deixar muita gente do lado de fora, o que causou um pequeno tumulto, com pessoas a forçar a entrada. Por conta disso, seguranças tiveram que agir com aquela simpatia e poder de persuasão que lhes é peculiar...

Acalmados os ânimos, mesmo ao estarmos do lado de fora, ouvíamos o som muito alto, com a pressão que era enorme vinda de lá de dentro. Apesar da pequenez do ambiente, os técnicos da empresa "Advance" ajustaram a equalização sob um volume absurdo, pois afinal de contas o que contara ali foi vender o seu produto, as potências que alimentam PA's para sonorizar grandes espetáculos. 

Os Raimundos terminaram o seu show de choque e nós fomos aconselhados a esperarmos o público evacuar o local. Uma equipe de limpeza fez uma faxina relâmpago no local, enquanto outros funcionários improvisavam uma exaustão do ar, com ventiladores manuais. Mesmo assim, quando entramos, o cheiro mostrou-se insuportável!

Foi um odor azedo, proveniente de suor humano, concentrado sob um nível absurdo, que chegou a embrulhar o estômago. Tocamos para um público aproximado de duzentas pessoas, a lotar o stand, mas sem a comoção gerada, como a banda anterior conseguira ante os seus seguidores mais entusiasmados.
A seguir, nós concentramos as nossas baterias no processo do CD que gravaríamos. Apesar de formarmos uma coletividade, todas as composições foram do de autoria do Chris Skepis e isso não gerara nem um desconforto, brigas, ou ciúmes perante os demais, que pudessem inflamar egos.

Achávamos normal tal procedimento, no sentido de apenas escolhermos as músicas, entre as dúzias que ele continha gravadas em suas demo-tapes caseiras, com uma certa sofisticação, até, pois ele desenvolvera uma pratica nessas gravações e mesmo ao contar com as terríveis baterias eletrônicas, ele as manejava de tal forma, que não chegava a causar calafrios, como geralmente os músicos puristas sentem nessas circunstâncias. 

A ideia seria escolher entre doze e quinze músicas, ensaiar e arranjar esse material, para no momento decisivo de decidir sobre as preferidas, entrarmos em estúdio e assim ao se reduzir para doze canções. Algumas escolhas foram óbvias, por serem músicas que constavam no repertório da banda, há tempos, algumas desde o início de 1992, até. Com o fechamento do contrato com a Velas/Primal, começaram então as definições em relação à pré-produção.

Algumas conjecturas foram feitas em relação à escolha de um estúdio de gravação, mas com uma verba modesta, não seria possível sonhar com estúdios de primeira linha de São Paulo. Sendo assim, o Sérgio Hinds, que era o diretor artístico do selo Primal, sugeriu uma saída providencial, mas com a ressalva de que tratar-se-ia de um estúdio simples e que estava apenas a começar as suas atividades no ramo.
O elo de ligação seria pela presença de um velho amigo dele, também músico e que fora famoso na cena do Rock brasileiro setentista, chamado: Geraldo D'arbilly, este, ex-baterista do grupo de Rock seminal, "O Peso", uma significativa banda de Blues-Rock setentista e também com atuação em uma banda inglesa oitentista, chamada: "Blue Rondo a La Turk", que teve relativa fama na cena do Pós-Punk britânico. Para confirmar a nossa anuência, o Sérgio Hinds pediu que nós fôssemos conhecer o estúdio e conversássemos com o Geraldo.

Então, na tarde de um dia de setembro de 1995, eu e Chris Skepis fomos fazer uma visita ao estúdio sugerido pela gravadora e a conversarmos inicialmente com o Geraldo D'Arbilly. 

O Chris já conhecia-o desde o final dos anos oitenta, quando o Geraldo fora produtor da casa de shows "Aeroanta". Inclusive, conforme eu relatei no capítulo dos "Trabalhos Avulsos" eu e Skepis chegamos a montar um "T.Rex" Cover com o baterista, Paolo Girardello, motivados pela perspectiva de tocarmos no Aeroanta, visto que o Geraldo havia adorado a ideia, sem contar que ele também fora um fã da banda de Marc Bolan, como nós. 

O estúdio em questão, era longínquo. Ficava localizado no bairro de Utinga, em Santo André-SP, cidade da região do ABC paulista.

Era situado próximo ao Moinho São Jorge, para quem conhece bem a cidade de Santo André-SP. Na base do mapa impresso (via Guia impresso, sob uma Era pré-GPS), achamos com dificuldade a rua e a nossa primeira reação foi com espanto. Isso por que tratara-se de uma casa a aparentar estar ainda em fase de construção, com a sua parte frontal, sem nenhum acabamento.

Foto meramente ilustrativa, não é a casa em questão, mas era semelhante

E fora isso, havia um recuo enorme, com o terreno em sua frente, talvez projetado para dar espaço a um belo jardim, no futuro. Mas se foi essa a intenção do proprietário, naquele instante presente o que havia ali revelava-se com um aspecto desolador. 

Ao aparentar ser um terreno baldio, com mato selvagem e muita sujeira, havia um aspecto muito ruim. E assim, demoramos de fato para acreditar que ali funcionava um estúdio de gravação. Mais a parecer uma casa abandonada e invadida por mendigos, demorou para certificarmo-nos de que ali fora de fato um estúdio. Mas foi ali mesmo e mediante uma conversa com o dono do estúdio e com o Geraldo, nós fizemos uma vistoria geral.

O básico de um estúdio apto a empreender a gravação de um álbum, existia em seu interior, com uma mesa importada com 24 canais e de bom nível (não recordo-me com certeza, mas acho que era uma da marca: Mackie). E a máquina de gravação, ainda analógica, fora uma Ampex.

Haviam periféricos bons, alguns microfones de respeito e a sala de captação estava amadeirada, portanto com possibilidades acústicas mínimas. 

O dono, cujo nome não recordo-me, foi educado e prestativo e a conversa com o Geraldo animou-nos, pois notamos nele o entusiasmo para gravar-nos. Além do fato dele ser um Rocker a possuir história & currículo, portanto, na parte artística, seria muito estimulante para nós, tê-lo como um "tape operator" e quiçá coprodutor. 

Marcamos então para começarmos a gravar no início de outubro (mas fatores alheios à nossa vontade, obrigou-nos a postergar para o feriado de 15 de novembro). Baseado nesses fatos e também por levar-se em conta que a gravadora não deu-nos outra opção, fechamos o acordo.

O Grande, Geraldo D'Arbilly, a trabalhar em um estúdio. Não posso afirmar que fosse aquele lá de Santo André-SP que cito nos últimos parágrafos, mas a instalação física lembra bem aquele espaço e portanto, pode até ser. E seguramente, se tratar-se do mesmo estúdio, certamente tal foto foi clicada alguns anos depois, com a tecnologia digital incorporada, como vê-se na foto, visto que em 1995, a tecnologia disponível ali foi a antiga, analógica
 
E assim, no feriado de 15 de novembro de 1995, demos entrada no tal estúdio. Foi o início de uma fase muito difícil para o Pitbulls on Crack, mas como nessa banda, nem uma eventual tragédia alterava a sua vocação para a pilhéria, é claro que tudo tornou-se motivo para piadas. 

Foi assim: logo de início, houve uma confusão perpetrada pela falta de comunicação entre a gravadora e o estúdio, em relação às fitas de 2 polegadas que usaríamos. Com esse impasse, quando chegamos ao estúdio, simplesmente não havia uma fita disponível, sequer.

Diante dessa situação constrangedora para todos os envolvidos, até tudo esclarecer-se e ser tomada uma providência, nós perdemos mais de duas horas, para que um motoboy da gravadora aparecesse com as fitas em mãos. 

Mas como o clima já estava estranho com essa quebra de foco, o próprio Geraldo sugeriu que apenas dedicássemos o restante do período para a preparação da bateria, ao levantar e equalizar o seu som. O planejamento inicial para começarmos a gravar a bateria no mesmo dia, ficou descartado então.

Na montagem, o clima pôs-se a ficar mais ameno, com o Geraldo a ambientar-se melhor conosco e assim a deixar de lado o mau humor que acometera-o pelo episódio das fitas e convenhamos, com Chris, Deca & Pastor por perto, seria apenas uma mera questão de tempo para as gargalhadas tomarem conta do ambiente e a espantar o baixo astral. E assim, o Geraldo entrou no clima, ao divertir-se com as palhaçadas desse trio de humoristas natos, enquanto microfonava a bateria, e começava a buscar a sua equalização inicial para visar a captura do som da bateria. 

Apesar do clima ter melhorado, o estúdio maltratava o Geraldo, pois haviam problemas técnicos terríveis nos cabos de microfones, no multicabo e nas entradas de patches dos periféricos. 

A todo instante, alguma falha acontecia, para obrigá-lo a levantar-se para promover modificações, quando não verdadeiros "banhos" com um fluído ao estilo "WD 40" em "jacks" que insistiam em falhar e/ou a produzirem ruídos insuportáveis que inviabilizavam a equalização, e por tal cena, deixou-nos com muita descrença, em relação à continuidade dessa gravação.

Mesmo assim, nós insistimos bastante ao tentarmos gravar ali naquele estúdio, mesmo por que, o Geraldo estava super empolgado com a perspectiva, pois havia gostado do nosso som. De fato, esse foi um dos fatores que prendeu-nos ainda por algum tempo naquele estúdio, a sofrermos com as suas limitações técnicas gritantes, que eram peculiares. 

As tentativas para equalizar-se o som de captura da bateria, foram feitas em tardes e noites sob intensa agonia e só foram amenizadas com o costumeiro bom humor dos membros do Pitbulls on Crack, que contagiaram o Geraldo.

Mas o fato foi que os cabos falhavam e as mandadas de "patches" eram revistas o tempo todo, para se checar a fonte das intermináveis interferências de ruídos etc. 

E assim arrastou-se novembro e dezembro, sem que conseguíssemos passar dessa fase primária da produção de estúdio. 

As minhas lembranças desses últimos meses de 1995 para o Pitbulls on Crack, resumem-se a esse estúdio, no que teve de ruim nessa agonia sem fim e eventualmente nos momentos de descontração com o festival de piadas & pilhérias sempre perpetradas pelos membros da banda, em que o Geraldo culminava em adentrar também, o que certamente aliviava a tensão dos momentos em que ele aborrecia-se muito com as deficiências técnicas que insistiam em sabotar o seu trabalho. 

Nesses momentos bons que ocorreram por conta das piadas, eu relaciono também as histórias dos anos setenta que ele contava-nos, sobre a sua trajetória musical com "O Peso", banda que eu admirava (e continuo a admirar), muito.

Geraldo com "O Peso" nos anos setenta e na segunda foto, com o "Blue Rondo a La Turk", Geraldo é o terceiro da esquerda para a direita, a usar chapéu e bigode, ao parecer caracterizado para atuar em um filme dos anos trinta do século XX...

E ele falava também sobre a banda britânica, "Blue Rondo a La Turk", pela qual ele foi o seu baterista, em Londres, que aliás, fez um discreto sucesso no meio da década de 1980.

Um vídeoclip engraçado do "Blue Rondo a la Turk", com um som Pop, e ultra oitentista, naturalmente...

Tratou-se de uma banda "dândi", bem naquela transição do Pós-Punk para aquela safra de artistas dândis e blasès, tipo "Style Council", "Sade Adu", "Frankie Goes to Hollywood" etc. 

O grande feito do "BRLT" foi uma participação em um longa-metragem protagonizado pelo David Bowie ("Absolute Begginers"). Segundo o Geraldo, o Bowie foi simpático com eles no set de filmagem. 

E claro, muitas histórias freaks sobre os anos sessenta. Ele contou-nos várias sobre os Hippies do Rio de Janeiro, naquela época etc. 

Mas a despeito desses momentos descontraídos, com conversa informal, o trabalho no estúdio tornou-se um martírio para todos, com as inacreditáveis paralisações devido às falhas do equipamento. O clima colocou-se de uma forma tensa e ao verificarmos que o estúdio não conseguiria resolver tais falhas, nós pressionamos a gravadora para colocar-nos em outro estúdio, com condições técnicas mínimas, para que pudéssemos trabalhar.

E foi sob tal circunstância que encerramos o ano de 1995. Se tornara insuportável conviver com aquele estúdio e a despeito do Geraldo ser super gentil, competente como técnico e estar 100 % motivado pelo trabalho, tornara-se impossível gravar uma nota sequer, pois nem levantar a equalização da bateria, nós conseguimos avançar.

Dessa forma, tivemos uma conversa com ele, Geraldo, e deixamos claro que não fora nada pessoal. Pelo contrário, ficamos chateados por ele também, que sofreu um forte cansaço mental naqueles dias, ao tentar administrar as adversidades e sobretudo por sentir-se frustrado em não concretizar tal produção. 

O Geraldo é um grande artista e não merecia ter passado por isso, certamente. Por outro lado, o dono do estúdio ficou contrariado em princípio, mas diante daquela situação insustentável, liberou as fitas, e o próximo passo seria a gravadora entender e apoiar-nos em nossa decisão. 

Tecnicamente, teríamos a compreensão do Sérgio Hinds, certamente, por ele ser músico e ter a noção de que seria impossível ficarmos a persistir naquele estúdio, com sérios problemas de manutenção.

E foi o que aconteceu em relação a ele, mas a cúpula da gravadora não gostou muito por termos tomado essa atitude. Dessa forma, cobraram-nos uma solução, ao invés deles tomarem a dianteira, com uma disponível de sua parte como um "plano B", já que haviam colocado-nos naquele imbróglio. 

Claro que isso não foi nada bom, mas também não foi a hora para cobrarmos posturas, portanto. Então, pensamos em uma solução muito alternativa. A ideia seria convencer o estúdio onde ensaiávamos regularmente, a gravar-nos, sob forma de patrocínio, alinhavado com a gravadora.

Nós já éramos patrocinados para ensaios por tal estúdio, desde 1994, mas daí a gravar, seria uma outra história e com a agravante de precisarmos estabelecer forçosamente, uma tríplice aliança com a gravadora. 

Fechou-se o ano de 1995, e o ano novo começaria com essa missão: a procura por um estúdio, ao possuirmos essa vaga esperança de que o Estúdio "Spectrum", pudesse aceitar tal proposta de nossa parte.

Como balanço final, 1995 foi um ano difícil, com poucos shows, consequentemente com parcas oportunidades de exposição na mídia, e certamente que o embalo construído em 1992, 1993 & 1994, havia arrefecido-se. Com o distanciamento histórico, hoje fica muito fácil alinhavar motivos para tal, na forma de uma análise:

1) O baque estético por cantar-se em inglês, quando perdemos o "bonde da história", visto que se isso fora aceitável na cena do início da década de noventa, a partir de 1994, foi duramente cerceado por uma safra de bandas que entraram no mercado de uma forma avassaladora, com letras em português, porém extremamente apelativas, com conteúdo chulo, e até a conter abordagem a evocar sexo explícito e/ou escatologia, e isso caiu no gosto popular ("Os Raimundos", "Mamonas Assassinas", "Baba Cósmica", "Virgulóides" e outras). 

Com o advento da extrema massificação de artistas popularescos do Samba, também a enveredarem pelo caminho da abordagem chula em suas letras e a utilizarem dançarinas sensuais como chamariz apelativo em suas formações, o Rock proposto pelas gravadoras majors nessa época, também seguiu tal tendência e dessa forma, bandas como o Pitbulls on Crack, ficaram relegadas ao limbo da cena underground e indie.

2) O grande embalo que obtivéramos em 1994, com exposição midiática em nível mainstream, não foi devidamente aproveitado. Se tivéssemos tido um empresário astuto o suficiente para capitalizar tal "momentum", talvez a vida tivesse tomado outro rumo, mas o melhor que conseguimos foi o Jefferson, que teve boa vontade, mas os seus contatos foram por demais centrados no limbo do underground.

3) Outro fato, reputo ter sido por azar, pura e simplesmente. Se no momento em que a gravadora Roadrunner abordou-nos, nós tivéssemos agilizado a gravação do álbum, ainda poderíamos aproveitar a fase que já demonstrava-se descendente. Mas com o imbróglio gerado por eles mesmos, em termos de postergação para assinarmos, concomitantemente, a onda arrefeceu-se, sem que pudéssemos evitar que isso acontecesse.

4) Já em 1995, mesmo sob uma situação marcada pela condição de inferioridade gerencial, se houvéssemos providenciado meios para viajarmos a Nova York (quando gravaríamos no estúdio de Roy Cicala), talvez pudéssemos ter tido a chance de uma reação, até que rápida. Mas com a não concretização dessa oportunidade, perdemos de vez o embalo. 

5) Muito provavelmente, a grande realização de 1995, foi termos fechado com a gravadora Velas/Primal. Ao considerar-se tudo o que eu disse no primeiro item dessa análise, foi até surpreendente que uma gravadora com médio porte como apresentava-se, tivesse aparecido em nossa vida, de uma forma espontânea, pois a moda em voga no panorama mainstream de meio de década de noventa, foi totalmente desfavorável para uma banda com as nossas características.

6) Mas claro, a corroborar a ideia de que 1995, foi um ano desfavorável para nós, a aventura gerada pela questão de um estúdio totalmente inadequado para uma gravação profissional, mostrara-nos que uma nova oportunidade para retomar uma oportunidade ascendente, somente poderia ocorrer em 1996, mesmo...

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário