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sábado, 1 de agosto de 2015

Sala de Aulas - Capítulo 5 - 1992-1996: Neo-Hippies a se Agruparem - Por Luiz Domingues

E como eu já disse anteriormente, quando chegou o ano novo de 1992, eu na verdade não poderia saber, mas estava a entrar na "fase 3", da minha atividade como professor.

Foi o início da melhor fase de minha atuação como professor, pois eu pude enfim aliar o que no início fora apenas uma atividade para ganhar dinheiro o com prazer pela pedagogia, mediante resultados concretos no desenvolvimento dos alunos e a oportunidade para fomentar muitas conquistas no âmbito cultural. Evidentemente que eu não tive essa consciência em janeiro de 1992, mas tal cenário delineou-se como um caminho, a seguir. 

O primeiro sinal, foi que eu recebi um convite para começar um trabalho em uma nova banda autoral. Eu estava nesse processo como um hiato, desde 1990, por não estar a atuar em uma banda autoral e aliás, nos capítulos sobre os "Trabalhos Avulsos", pude mencionar todos os convites que recebi e contei cada história com detalhes. Está tudo registrado ali.

Foi a "fase 2" a encerrar-se: "A Tatear no Escuro". 
 
O que eu não poderia prever, é que esse convite formulado por Chris Skepis, logo no início do ano, seria diferente dos anteriores que eu recebera nesse hiato registrado entre 1990 e 1991 e eu sairia da fase 2 para a 3, a iniciar-se a "fase 3": "Sob o Luar", nome de uma música que faria sucesso radiofônico até, com essa nova banda, chamada: "Pitbulls on Crack" e que a nova safra de alunos pós-1992, teria um papel importante como apoio à banda, conforme relatarei na cronologia dos fatos. 
 
Então foi assim, o ano iniciou-se com a rotina de 1991 a prosseguir, mas logo seria quebrada pelo início de meus ensaios com Chris Skepis, Deca e Juan Pastor. 
 
No início de março, tive uma notícia triste no campo pessoal, que abalou-me, emocionalmente. Tanto que essa questão provocou mudanças profundas no meu interior. Sendo assim, o início do Pitbulls on Crack e as aulas, tornaram-se mais que minhas atividades musicais, mas também fatores terapêuticos que ajudaram-me a superar esse momento triste que eu tive no campo pessoal. 

No embalo do meu problema pessoal, que quase derrubou-me emocionalmente, começaram a aparecer os novos alunos que revolucionariam as minhas aulas, doravante. 

O primeiro dessa safra que surgiu, foi um garoto com apenas doze anos de idade, aproximadamente. Quando eu combinei a primeira aula pelo telefone, notei que ele tinha voz de adolescente (padrão normal de quem geralmente procurava-me para solicitar aulas), mas quando abri a porta para a primeira aula, verifiquei que ele era muito mais jovem do que eu imaginara. Seu nome era: Marcelo Bueno. 

Nessa foto de 1996, já um pouco mais crescido, Marcelo Bueno, na minha sala de aulas

Garoto imberbe e com feições infantis ainda, mas com uma impressionante determinação. Foi possível sentir, desde as primeiras aulas, que ele queria muito tocar, ao sonhar ardentemente em fazer parte de uma banda de Rock.

O seu pai foi um sociólogo e psicanalista chamado: Inácio de Loyola Gomes Bueno, que escreveu livros e morou no exílio durante os anos de chumbo da ditadura, "convidado" pelos militares a retirar-se, por ser professor universitário, psicanalista e opositor daquele regime.

Tremenda pessoa do bem e mesmo por ser um intelectual, mantinha uma abordagem coloquial, sem a costumeira soberba das afetações acadêmicas. 

E ficou também popular entre os meus alunos a seguir, por ter visto um show dos Rolling Stones em 1966, em Londres e diante dessa revelação, até eu impressionei-me, pois ver os Rolling Stones com Brian Jones, e nessa época, deve ter sido uma experiência mágica.

Na mesma época, março de 1992, entrou para o meu quadro uma aluna que também detinha bastante vontade para aprender. Ela não apresentava, no entanto, o perfil da maioria, que era formada majoritariamente por adolescentes, por tratar-se de uma mulher adulta e casada. Chamava-se: Monica Maia.

Nelson Maia Netto à esquerda e o senhor ao lado não sei dizer quem seja, mas provavelmente é um jurista, como ele

Rapidamente nós estabelecemos amizade e logo a seguir eu conheci o seu marido, Nelson Maia Netto, advogado e este também na minha faixa etária à época, com trinta e dois anos de idade. 

Também estabeleci amizade instantânea com ele, pois era um sujeito com conhecimento enciclopédico sobre música e o Rock em específico. Colecionador de discos, sabia de cor a discografia de centenas artistas do Rock, Blues, Jazz, MPB etc. Muito culto e extremamente articulado, destoava da garotada e assim, rapidamente ele também tornou-se uma espécie de ídolo deles, com o uso de um português impecável, portanto a utilizar um vocabulário inimaginável para eles. Está certo que ele exagerava um pouco, mas se tornara típica a sua verborragia como jurista, "Data Venia, Dr."...

O seu apelido na "Galeria do Rock" entre os lojistas ali instalados, era "professor", pois realmente impressionava a sua cultura avantajada não só no quesito do Rock, mas em termos gerais. 

Claro, ficamos amigos e foi um prazer recepcioná-lo, quando costumava chegar acompanhado da Monica, para assistir a aula dela, e muitas vezes ao permanecer nas aulas de outros alunos, ao prolongar o convívio prazeroso comigo e com os demais. 

Claro, na maior parte do tempo o assunto foi o Rock e com a sua bagagem enciclopédica, o assunto geralmente não marcava hora para parar. Mais para a frente, falo mais sobre ele e Monica em outras circunstâncias das aulas, pois nós convivemos juntos por quatro anos, praticamente.

A rotina passara por mudanças, no entanto, na medida em que as minhas atividades com o Pitbulls on Crack começavam a ganhar contornos de maior movimentação. 

A partir de abril de 1992, todos os alunos começaram a interagir com o Pitbulls on Crack, direta ou indiretamente. Assim que a banda começou a fazer os seus primeiros shows, todos foram avisados e convidados a comparecerem. Foi na verdade uma cobrança que eu mesmo recebia da parte deles, pois desde muito tempo eles queriam ver-me ao vivo, a atuar, e desde a decadência d'A Chave do Sol e posterior formação de uma banda dissidente chamada: "A Chave/"The Key", isso tornou-se improvável pela escassez de oportunidades.

Com alguns alunos muito entusiasmados e outros menos, o fato foi que começou aí de fato a "Era Sob o Luar", com o Pitbulls on Crack a mostrar-se como um fator preponderante em minhas aulas, por tornar-se assunto recorrente daí em diante. 

Dois alunos envolveram-se de forma mais contundente: José Reis Gonçalves de Oliveira, o popular Zé Reis, que já era mais que aluno, mas meu amigo pessoal. Como ele já havia ajudado-me como roadie nas andanças da banda tributo ao Black Sabbath, "Electric Funeral", havia adquirido uma experiência básica e também por ter tornado-se muito amigo do Chris Skepis, logo tornou-se o roadie n°1 do "Pitbulls on Crack". 

E outro aluno que ofereceu-se de pronto, foi o Luiz Gustavo. Este era um rapaz bem jovem, mal saído da adolescência, mas continha um pouco de experiência por ter trabalhado com bandas Indie-Rock, do circuito paulistano. E assim, o Pitbulls on Crack começou a ascender muito, também por conta da força de meus alunos e no decorrer da narrativa, vou deixar isso bem claro.

Nesta foto acima, de 1994, José Reis é o primeiro à esquerda, no degrau mais alto e Luiz Gustavo, o primeiro à direita, no degrau mais baixo. Foto do acervo de Jason Machado

Um aluno que chegou às aulas mais ou menos em março de 1992 e cujo nome não revelarei para preservá-lo, chamou-me a atenção desde a sua primeira aula. 

Ele era bem jovem, vinha de São Bernardo do Campo-SP, na região do ABC e o que achei curioso logo de início, foi que ele se mostrou sincero comigo na sua primeira aula, quando disse-me que tinha um déficit de aprendizagem, por ter um problema de ordem psicológica. Mostrou-me então, um receituário prescrito por um psiquiatra, com a intenção de comprovar que fazia tratamento e que a despeito disso, queria estudar baixo.

Certo, sem problemas e sem nenhum preconceito, eu o aceitei como aluno e apenas fiquei atento à sua necessidade especial. De fato, rapidamente percebi que na parte teórica das aulas, ele ia bem devagar, e nesses termos, me imbuí de uma dose de paciência ainda maior do que eu já tinha em relação a qualquer aluno novato. 

Esse rapaz, contudo, mantinha um comportamento estranho que ia além da sua dificuldade para entender e reproduzir o que eu passava-lhe como informação e exercícios.

Ele tinha uma ingenuidade tremenda, que deixava-me em dúvida se aquilo fora realmente fruto de seus problemas psicológicos ou se forçava a barra por algum motivo obscuro, que até hoje não descobri. 

Falo isso por que em muitos momentos eu achava que ele forjava certas situações, fora do comum. Por exemplo, uma vez ele teve um ataque de riso, sem motivo algum, a interromper a aula de uma forma inesperada.

Em outras aulas, ficava a fazer caretas faciais despropositadas, também sem relação alguma com as aulas. 

Por incrível que pareça, ele não ia mal no aprendizado e mesmo sob um ritmo mais lento do que os demais, estava por desenvolver-se e eu notava que esse progresso animava-lhe, portanto fazia bem à sua autoestima. 

Ele tinha boa aparência e despertava a atenção das garotas. Uma vez, ele chegou em minha casa para realizar a sua aula e um grupo de garotas de uma escola próxima de minha residência, estava naquele instante a abordar as pessoas da vizinhança, quando tocavam as campainhas das casas, com o objetivo em vender convites, para a festa junina da escola onde estudavam. 

Quando eu fui atender, notei que ele agitou-se na sala de aulas e ao desobedecer a minha orientação para que continuasse a estudar enquanto ausentei-me. 

Quando percebi, ele já estava ao meu lado e a intrometer-se na conversa, ofereceu-se para comprar os tais convites que elas ofereciam. As meninas encantaram-se com ele, e aí ele ficou transtornado, a enrubescer de uma forma absurda e com isso, a ter espasmos musculares. 

As garotas que eram muito novas e imaturas, naturalmente passaram da paquera à pilhéria, sem escalas, e começaram a debochar dele.

Então, de forma tresloucada, ele sacou a sua carteira e propôs-se a comprar todos os ingressos que elas tinham em mãos. Eu tentei impedir, mas aí começou uma algazarra com as garotas a berrarem sob total euforia e ele a cometer tal loucura, sem pestanejar.

Tudo bem que foi uma quantia irrisória, mas o que ele faria com mais de cinquenta convites para uma festa junina de uma escola estadual, distante mais de trinta km da sua casa? 

Em outra ocasião, o rapaz chegou em minha residência a fumar e ele não fumava normalmente. Disse que fizera aquilo para parecer mais "adulto" com as garotas.

E mais uma história da parte dele: em outra oportunidade, disse-me que estava "apaixonado", pois acabara de fornecer uma informação na rua a uma garota estranha e ao final, dissera-lhe que queria namorá-la. Ficou a dúvida: fez isso mesmo, ou inventou a história para eu ficar impressionado?

No final de 1992 ele saiu das minhas aulas, por alegar estar comprometido com outras obrigações que teria que cumprir no ano posterior. Mas de forma inusitada, eis que apareceu na minha porta, no sábado de carnaval de 1993, ao alegar estar "a passear" no Parque da Aclimação, quando resolvera visitar-me. 

Eu o recebi, naturalmente, apesar de estarmos em pleno feriado, mas a sua visita foi caótica, por que ele simplesmente não falava coisa com coisa. 

E durante o período em que foi aluno, vivia a repetir que o seu ídolo era: Amácio Mazzaropi. Eu não tinha nada contra o Mazzaropi, aliás, pelo contrário, como cinéfilo que sou, o admiro, também. Mas sempre achei estranha essa afirmação desse rapaz, pois parecia algo despropositado e anacrônico para um garoto da idade dele, na ocasião. Eu tive vários alunos com comportamento exótico, mas esse foi um dos maiores, sem dúvida!

 

Realmente, a adesão de meus alunos ao Pitbulls on Crack, banda que iniciara os seus primeiros passos, foi instantânea, desde o primeiro show. E isso só pôs-se a crescer, paralelamente ao fato de que a banda teve grandes oportunidades, de uma forma muito rápida, e assim a permanecer pouco tempo no circuito underground do underground.  

Outro aluno incomum que eu tive nessa época do primeiro semestre de 1992, eu vou ficar a dever o seu nome (por esquecimento, sinto muito), mas preciso registrar algo engraçado ao seu respeito. 

Nessa altura, eu já havia criado um mural para anúncios na minha sala de aulas. Na verdade, eu já vinha a realizar tal procedimento desde 1989, mas improvisadamente. Agora com uma sala ampla e só com essa finalidade, criar um mural, literalmente, onde colocavam-se anúncios promovidos pelos meus alunos foi algo natural. 

Compra e venda de instrumentos, equipamentos e acessórios, procura por músicos para formação de bandas, e principalmente cartazes ou filipetas de shows de suas respectivas bandas, foram as ocorrências mais comuns. E eu apreciava muito promover esse intercâmbio, pois unia-os muito, ao animar as aulas e dar-lhes mais estímulos para estudarem e progredirem. 

E claro, no caso dos shows, uns prestigiavam os shows dos outros, o que foi ótimo para todos. No caso desse garoto, cujo nome esqueci-me, causou-me espanto quando ele trouxe um cartaz de sua banda para colocar no mural, ao anunciar o show que faria em um Bar. O nome da banda era um conglomerado gigantesco com letras, em sua maioria, consoantes, que não fazia nenhum sentido e era impronunciável. 

Ao indagar o rapaz sobre o que significava e como pronunciava-se aquilo, a explicação foi prosaica, mas fez todo o sentido: se tratava do ruído onomatopaico de uma escarrada! Como estética e como marketing, tratou-se de um lixo de nome anticomercial, mas devo reconhecer que foi extremamente criativo...

Com a chegada do segundo semestre de 1992, esse movimento do meu mural esteve consolidado. Claro que a maioria das apresentações anunciadas eram amadorísticas, com bandas a iniciar trajetória, portanto em sua maioria a tratar-se de apresentações em festivais escolares ou pequenas apresentações em bares nada famosos do circuito, para não dizer, obscuros. 

Mas eu achava genial estimulá-los a divulgar, pois foi um fator de incentivo muito forte para a autoestima deles. E também pelo aspecto da união que não tenho dúvida, foi decisivo para muitos, pois muitas carreiras foram sedimentadas na minha sala de aulas e dessa prerrogativa eu obviamente, orgulho-me. 

Nessa altura também, o marido de minha aluna Monica Maia, o "professor" Nelson Maia Netto, já estava consagrado como uma espécie de ídolo de vários garotos que conheceram-no em minha sala de aulas. 

Ele causava furor entre os alunos, quando questionado sobre algum detalhe a envolver a carreira de qualquer artista nacional ou internacional, ao responder-lhes com uma incrível precisão. Era comum ele sacar da bolsa um caderno de anotações e escrever a discografia de qualquer artista, ao citar o ano de lançamento e muitas vezes o repertório de cada álbum, a discriminar as respectivas faixas do lado A, e do lado B (refiro-me aos velhos LP's de vinil, logicamente). 

E nessa altura dos acontecimentos, essa sabedoria do "professor" Nelson Maia Netto teve a dupla função de unir a garotada, principalmente em ideais muito próximos da contracultura sessentista. A despeito dele também gostar de manifestações culturais oitentistas, como o Heavy-Metal de algumas bandas dessa "Era", a sua grande base era 1960 & 1970 e isso contaminou o meu quadro de alunos, positivamente, ao preparar o terreno para a grande mudança que viria em 1993, quando iniciou-se de fato a formação de meu "exército de Neo-Hippies". Nesse segundo semestre de 1992, esses sinais começariam a ficarem a cada dia mais evidentes nesse sentido. 

Tornou-se comum também a presença de meu amigo, Carlos Fazano, que mesmo ao morar muito longe de minha residência, costumava acompanhar aulas de alunos como Christian Du Voisin, Alcione Sana e outros que julgava ter potencial ideológico e técnico, para possivelmente tocar na banda que sonhava formar. 

Assim encerrou-se o ano de 1992, um ano em que o perfil dos alunos e a euforia que seria gerada nos anos noventa, efetivamente começou, além de outros aspectos importantes, tais como a união de meu quadro de alunos a coincidir com a ascensão de minha banda de então, o Pitbulls on Crack, e o meu auge como "professor". 

1993 batera na porta e no decorrer da narrativa, eu só confirmarei tais expectativas geradas ao final de 1992.

Virou o ano e 1993 traria o início de uma nova fase. A melhor da minha vida como professor, e cujos frutos seriam visíveis anos depois, com tantos ex-alunos a alcançarem o sucesso e o mesmo em relação às bandas que tiveram as suas respectivas sementes primordiais plantadas na minha sala de aulas. 

Claro, eu não poderia ter essa visão no virar do ano de 1993 e ela só é possível hoje em dia, graças ao distanciamento histórico. Foi um divisor de águas, mas na época não foi perceptível, logicamente.

Um dos primeiros alunos dessa novíssima safra que iniciou as suas aulas comigo, em 1993, chamava-se: Ricardo Garcia. Ele não integrou o exército de neo-hippies por não vibrar nessa onda estética, mas era amigo de todos e por ter um temperamento forte, aprontou várias situações inusitadas, por muitos anos. 

O seu norte era o Heavy-Metal extremo, mas esse rapaz nunca causou-me problemas na parte didática, ao questionar o meu método, que era todo baseado em Rock 1960 & 1970. 

Figura expansiva, gostava de teatralizar as situações, ao causar momentos de euforia entre os demais garotos por conta de seus atos tresloucados. Logo de início, ele gostava de sair pelas ruas do bairro, a falar naqueles enormes telefones celulares que mal haviam entrado no mercado. 

Claro que chamava a atenção de todos, incluso a minha vizinhança e isso divertia a todos. Houve uma ocasião também em que a cada semana, vinha à minha aula a usar um chapéu diferente e absolutamente exótico que havia trazido de países estrangeiros, em suas viagens familiares. 

De mexicano a marroquino, ele usou todo o tipo de chapéu imaginável e claro, transformava as minhas aulas em uma balbúrdia, mas de forma positiva, pelo lado da brincadeira. Ele gostava também de comparecer, muitas vezes, inteiramente fantasiado. 

Vestido como árabe saudita, por exemplo, chamava a atenção pelas ruas do bairro. Ele morava a dois quarteirões de minha residência e raramente atrasava. Apesar desse temperamento brincalhão, era muito correto e nunca causou-me nenhum problema. 

Falo mais sobre Ricardo Garcia, apelidado como, "pijama" entre os outros garotos (e de fato, ele não furtou-se ao apelido e foi estudar a usar pijama, literalmente, uma vez), oportunamente.

                                Ricardo "Pijama" Garcia
Em foto de 1996, Carlos Fazano, Alexandre "Leco" Rodrigues e Amon, um agregado das aulas

A seguir, chegou um outro garoto da mesma idade de Ricardo Garcia, anteriormente citado e a se constituir de seu colega de bairro e escola. Morador também a poucos quarteirões de minha residência, eis que surgiu: Alexandre Peres Rodrigues, vulgo "Leco". Um menino excepcionalmente gentil, mas ligado no "220", literalmente, entretanto, com um temperamento diferente de Rodrigo Garcia. 

    Alexandre "Leco" Peres Rodrigues, em foto bem mais atual

Com um tipo de humor diferente e muito propenso a buscar formatos artísticos diferenciados, desde a sua primeira aula, Alexandre foi um dos primeiros a estar 100 % imbuído de cultura 1960 & 1970, espontaneamente. 

Comigo como professor, ele só reforçou o que mostrara-se natural para ele, pois mantinha desde essa tenra adolescência, um incomum gosto por artistas de décadas já longínquas, o que surpreendia-me e animava, é claro. Já no início de 1993, Alexandre possuía uma vasta coleção formada por CD's oriundos de bandas dessas décadas, notoriamente bandas psicodélicas e progressivas. 

Claro, falarei bastante sobre ele, pois ele foi protagonista de muitas histórias ao longo de quase cinco anos em que foi meu aluno e responsável direto por apresentar-me para grandes personagens, que eu citarei, com certeza.

Em foto de 2006, Luiz Nannini e Thiago Fratuce, da esquerda para a direita

Mais ou menos na mesma época, surgiu Thiago Fratuce, um garoto extremamente inteligente, perspicaz e culto. A explicação para isso, residira no fato dele ser filho de intelectuais. Os seus pais eram professores universitários, muito cultos, viajados e cosmopolitas. Morador do bairro, o seu apartamento ficava localizado a cinco minutos de minha casa e ele foi, desde a primeira aula, um aluno exemplar, por nunca faltar, atrasar etc. 

Costumava presentear-me no dia do professor e no Natal, certamente incentivado pelos pais que eram mestres e eu admirava essa educação que havia valorizado esse aspecto de se enaltecer o papel do educador. 

E essa tomada de posição foi além da boa educação e nesse caso eu notava que fora o valor que esteve em jogo. O interessante é que Fratuce coadunar-se-ia com todos os propósitos culturais que forjar-se-iam doravante, mas o seu temperamento era diferenciado e por ter uma postura muito zen, isso fez com que ele destoasse da energia infantojuvenil dos demais. 

Muitas vezes ele surpreendeu-me, ao emitir opiniões maduras e abordar aspectos culturais sofisticados. Tornei-me amigo de seus pais que foram sempre extremamente simpáticos para comigo. O seu pai tinha (tem) nacionalidade peruana e falava português com um ligeiro sotaque castellaño. 

Não demorou muito e Thiago Fratuce já desenvolvera uma técnica muito boa ao instrumento e logo tornou-se um aluno que eu recomendaria para bandas que abordavam-me constantemente à procura de indicações de minha parte. E confesso, eu sentia um orgulho muito grande em poder indicar um aluno meu, desse quilate.

                     Thiago Fratuce, em foto bem mais atual

Já no meio de 1993, os sinais estavam a solidificar-se no universo de minha sala de aulas. Foi através de uma safra nova de garotos, adolescentes mal saídos da infância e a demonstrarem um exótico apreço pelo som antigo, de uma época em que nem eram nascidos (e muitos deles sem nenhuma motivação familiar que justificasse tal associação de ideias). 

E não foram apenas os alunos, pois cada um deles proporcionou trazer agregados para a minha sala de aulas, que culminaram em somar e muito no campo das ideias para fazerem parte desse mesmo contingente. 

Em foto de 1996, Rodrigo Hid & Ricardo Garcia, com a foto de Alice Cooper entre os dois.

Por exemplo, foi através do Alexandre "Leco" Peres Rodrigues, que eu conheci: Rodrigo Hid. Ambos tocavam na sua primeira banda de garagem, chamada, "Eternal Diamonds", cujo baterista, Fernando Minchillo, também tornou-se uma persona bem-vinda em minha sala de aulas. 

Lembro-me que um dia, por exemplo, eu fiquei muito impressionado com o talento natural do Rodrigo. Ainda em 1993, durante uma aula do Alexandre, surgiu uma conversa sobre o Rock Progressivo setentista. Os meninos impressionavam-me por demonstrarem conhecer esse universo com desenvoltura, ao possuírem, inclusive, bons discos em suas casas etc. Então, em um dado instante, o Alexandre mencionou que o Rodrigo sabia imitar o timbre vocal do grande astro sessenta-setentista, Greg Lake.

"A capella", ele cantou um trecho da música: "Epitaph", peça do primeiro disco do King Crimson, em que Greg Lake fora baixista & vocalista e realmente ele mostrou uma performance que chamou-me a atenção.

Apesar de possuir apenas quinze anos de idade nessa ocasião (incompletos nesse dia), ele tinha emissão, afinação, um belo timbre vocal e ao forçar a barra, imitava o Greg Lake, com perfeição. 

Tempos mais tarde, eu descobri essa fonte do talento dele para imitações, que veio do seu pai, Tufi Hid, que tornou-se igualmente um grande amigo meu. 

   Rodrigo & Tufi Hid, filho e pai, em foto dos anos 2010

De fato, Tufi Hid é um tremendo imitador, não só de cantores do Rock e da MPB da dita "velha Guarda", mas também de diversos tipos humorísticos, incluso personagens criados por Chico Anysio e Estevam Bourroul Sangirardi. 

Esse foi o primeiro indício que eu tive do talento do Rodrigo, ainda em 1993. Mas com o decorrer dos meses subsequentes, isso intensificou-se, com as oportunidades que tive em vê-lo a tocar guitarra, violão e teclados, fora as suas composições e a capacidade nata e precoce para criar arranjos.

                     Rodrigo Hid a tocar com o Pedra, em 2013
Eu, Luiz Domingues, e Rodrigo Hid, em foto de 1996, na minha sala de aulas

Ainda a mencionar Rodrigo Hid, claro que nem passou-me pela imaginação que aquele adolescente seria um companheiro de trabalho, anos depois. Ali e por muitos anos, só fui a admirar o seu talento pessoal, sem elucubrar absolutamente nada nesses termos, naturalmente, nessa época.
Marcelo Bueno, e os irmãos Schevano; Ricardo e Marcello, em foto de 1996, na minha sala de aulas

E o mesmo ocorreria em relação a Marcello Schevano, que eu só pude conhecer ao final de 1994. E nessa altura, esse núcleo novo de garotos antenados nas estéticas dos anos 1960 &/ 1970, já passava a dar a tônica. 

Marina Yoshie, eu (Luiz Domingues) & Alcione Sana, em foto de 1996, na minha sala de aulas

Ao agruparem-se a Alcione Sana, que já era aluna desde 1991 e esta já mostrava-se espontaneamente uma fã de sonoridade sessentista, além da bênção do "professor" Nelson Maia Netto, essa passou a ser a nova diretriz, ao fazer com que os poucos que ainda mencionavam o Heavy-metal oitentista e até mesmo o "Grunge" (que era a novidade em alta voga em 1993, enquanto movimento vivo), como a minoria.

Poucos se interessavam no som "indie", como o Luis Gustavo que foi roadie do Pitbulls on Crack em seus primórdios e mesmo ele, havia contaminado-se com a atmosfera 1960 & 1970 que passou a dominar a minha sala de aulas, doravante. 

Tanto que ainda nesse ano de 1993, eu tomei uma iniciativa que muitos cultuadores dos velhos LP's de vinis vão odiar saber, mas o fato foi que eu doei para o Luis Gustavo, todos os meus discos cujas respectivas cópias em CD, eu havia adquirido recentemente. Ele, ao mostrar-se cada vez mais interessado, levou mais de cem álbuns para a sua casa e espero que os tenha ouvido bastante.

                 Edilberto "Edil" Postól, em foto bem mais recente

Foi mais ou menos em agosto de 1993, que um novo aluno apareceu, e este tornar-se-ia uma espécie de "paizão" de todos os outros garotos. Por ser adulto na ocasião, ele destoava da maioria adolescente e como tratava-se também de um rapaz extremamente brincalhão e com ótimo astral, rapidamente tornou-se referência para a garotada. 

Chamava-se: Edilberto Postól, vulgo "Edil". Ele era (é) um cientista, que trabalhava naquela época em pesquisas avançadas com micro-organismos para um laboratório alemão, que mantinha convênio com o Hospital do Câncer e cuja sede era muito próxima da minha residência, nessa época. 

Nos dias atuais, Edil está no laboratório de pesquisas do Instituto do Coração (InCor). Daí, frequentar as aulas tornou-se por anos, o seu momento de lazer, pois era (é) um fanático por Rock, colecionador de discos e com vasta cultura no assunto.

Foto de 1996, com a confraternização de alguns alunos das quintas. Da esquerda para a direita: Marcello Schevano, Cali Keller eu (Luiz Domingues), Edil Póstol, Marilu Póstol e Ricardo Schevano 

As suas brincadeiras sempre deixavam o ambiente mais leve e rapidamente ele tornou-se adorado pela garotada com a qual fez sólida amizade, ao ponto deles frequentarem a sua casa para fazerem parte de noitadas de Rock em meio à imensa coleção de discos e vídeos que ele possuía. 

Também palmeirense como eu, estabeleceu amizade com a "minha turma de estádio" e assim, fomos muitas vezes vermos os jogos do Palmeiras, inclusive finais de campeonatos, quando ele costumava levar o seu filho, então com sete anos de idade. 

A sua esposa também tornou-se nossa amiga e tinha (tem) um astral muito bom. Trata-se de Marilu Postól, uma pessoa que sempre cativou-nos pela sua simpatia.

"As jovens tardes de quinta", sempre animadíssimas! Nesta foto de 1996, da esquerda para a direita: eu (Luiz Domingues), Edil Postól e Marcello Schevano

Com o Edil, fomos também a inúmeros shows de Rock, sobretudo de "Dinossauros" setentistas, fator que tornou-se uma rotina nos anos noventa, no Brasil. 

Recentemente (refiro-me ao final de 2012), ele esteve presente em um show do "Pedra", em que o "Tomada" também tocou, e assim, muitos egressos da minha sala de aulas de 1993, puderam reunir-se para uma agradável noitada de Rock'n' Roll e lembranças foram evocadas.

E como mais um adendo (ocorrido ainda mais recentemente, 2014), Edil e Marilu foram assistir-me a tocar com Kim Kehl & Os Kurandeiros, na "Casa Amarela", uma casa noturna que abria as suas portas para o Rock e o Blues, em Osasco-SP, município da Grande São Paulo.

Tremendo personagem do bem, ele tornou-se um amigo querido, assim como a sua esposa e filha (Andréa Postól), com os quais interajo nas redes sociais da internet, também.

Com o final de 1993 a aproximar-se, eu estava feliz com essa nova safra de alunos. As aulas tiveram o mesmo caráter descontraído desde 1987, quando eu iniciei as minhas atividades, mas com essa turma renovada, houve o adendo da maioria apreciar e muito o Rock dos anos sessenta e setenta, e dessa forma, as conversas giraram em torno do tema, quase o tempo todo. Não tenho nenhuma dúvida de que isso foi fator preponderante para aquela semente que brotava dentro da minha mente (a ansiar por buscar as minhas próprias raízes na música), germinasse fortemente.

Com tal incentivo exercido diariamente por conta das minhas aulas, eu embarquei nesse ideal e não demorou muito para que eu exercesse tal determinação, já no trabalho do Pitbulls on Crack, que apesar de parecer dispare diante disso, colocou-se a amalgamar-se aos poucos. 

E com o avançar de 1994, essa minha "tropa" passaria a interagir cada vez mais, nesse sentido. 

Ainda ao final de 1993, eu tive a ideia de organizar um torneio de futebol para descontrair e unir ainda mais os meus alunos. Tal ideia só se concretizou, no entanto, no decorrer de 1994.

Improvisadamente, na minha própria garagem que era acoplada à sala de aulas, eis que eu organizei o torneio, ao qual denominei como: "Futebol Indoor". Quase todos participaram, menos as garotas (que não se interessaram, não foi preconceito da minha parte), os que não tiveram como comparecer fora de seus respectivos horários de aulas e um ou outro, que não gostava mesmo.

Foi um jogo na base da modalidade do "Gol a Gol", delimitado até o meio da "quadra" e com dois tempos, de cinco minutos cada o que revelou-se uma eternidade, ao comparar-se às dimensões diminutas do espaço. 

Saíamos completamente extenuados dos jogos, mas foi muito divertido. Eu, já com trinta e três anos de idade à época, interagia com a garotada em igualdade de condições e permitia-me ter esse prazer pueril ao ostentar novamente ter treze anos de idade, ao jogar bola, despreocupadamente, às 16:00 horas de um dia útil. Foi, portanto, uma "molecagem" do bem...

Com a boa perspectiva que o Pitbulls on Crack encerrou o ano, ao lançar duas músicas na coletânea da gravadora Eldorado, o meu quadro de alunos teve tudo para participar ainda mais desse processo, ao auxiliar e não foi de outra maneira que ocorreu, já no início de 1994. 

A dinâmica de minha sala de aulas estava solidificada com essa nova safra de alunos e a amizade sedimentada entre nós. Bandas ali formaram-se, houve intenso intercâmbio de informações compartilhadas, além de trocas de discos, livros e outros itens de cunho cultural, em grande profusão.

Turmas começaram a formarem-se, para irem às lojas de discos e shows de Rock pela cidade, com atrações nacionais ou internacionais. Só faltou usar um uniforme de minha "escola" para demarcá-los em atividades públicas dessa natureza.

A balbúrdia foi grande em minha sala de aulas, a controlar a testosterona em ebulição de uma série de adolescentes e outros nem tanto, fora os nada adolescentes, também, mas o ambiente foi extremamente divertido, sadio e promissor, visto que nessa altura, já fora possível sentir que estava a formatar-se o embrião de um movimento cultural muito forte, com a perfeita sincronia com os ideais de outrora, devidamente revitalizados pela juventude ali presente. 

O Pitbulls on Crack não seria a plataforma ideal para tal empreitada estética que desejávamos, contudo, amalgamou-se a essa euforia que ali nascia.

Muito desse espírito sessentista da minha sala de aulas, contaminou o Pitbulls on Crack, principalmente no ano de 1996, quando do lançamento de seu primeiro álbum de fato e toda a atmosfera mercadológica que o cercou. Essa história está contada no capítulo dessa banda, logicamente, pelo seu enfoque particular.
Continua...  

2 comentários:

  1. :) que demais a nossa foto!!! vi no google e não sabia que estava no seu blog! saudades!

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    1. Oi, Marina !

      Sim, já estou organizando a autobio em formato de livro neste Blog 3, mas não fiz propaganda nas redes sociais, pois quero encorpar com mais capítulos, antes disso.

      Mas fico super contente que tenha descoberto ao acaso olhando no Google, e claro, está convidada a ler tudo.

      E saiba que você também é bem citada nos capítulos sobre o Pitbulls on Crack, que no meu Blog 2 já estão publicados em microcapítulos, mas na formatação livro, publicarei aqui no Blog 3, no mês de outubro de 2015.

      Leia e traga seus comentários !!

      Saudade...

      Abração !!

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