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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Pitbulls on Crack - Capítulo 8 - Declínio, Atentado & Despedida - Por Luiz Domingues

De volta à cronologia dos fatos, eu devo acrescentar que nós fomos convidados a participar de um evento sob grande porte, como ocorria com grande profusão nos primórdios da banda em 1992, tempo em que tais oportunidades surgiam aos montes, graças aos contatos da rádio 89 FM e através do nosso baterista, Juan Pastor. 

Tal evento seria realizado em um espaço novo de shows que estava com uma programação forte em cartaz, sendo frequentado por artistas do campo mainstream, já há algum tempo. Tratou-se de um palco enorme e com estrutura de concreto, portanto permanente. 

As instalações para camarins eram boas e o espaço estava acostumado a receber grandes multidões. Era rústico, é verdade, tanto que o espaço reservado ao público, além de ser descoberto, só permitia assistir-se os shows, em pé, por tratar-se de um pátio cimentado.

Chamava-se: "Palco da Represa" e ficava localizado no bairro do Riacho Grande, em São Bernardo do Campo-SP, e de fato, para fazer jus ao nome, localizava-se à margem da represa Billings, uma enorme represa que abastece grande parte do município de São Paulo e também, todas as cidades da região do ABC. 

Portanto, era um lugar a apresentar uma bela natureza, mas com a tendência a se mostrar difícil no quesito do conforto, nos meses de outono e inverno, justamente por fazer um frio intenso. 

O evento foi apoiado pela rádio 89 FM, mas tinha uma produção própria. Apresentava a característica Punk/Hard-Core como mote, e as atrações anunciadas seriam: "Ratos de Porão", "Os Raimundos", "Golpe de Estado", "Os Inocentes" e nós, o "Pitbulls on Crack".

Se fosse apenas pelas atrações punks envolvidas, teria sido desconfortável, mas com a presença dos amigos do Golpe de Estado (e posso citar também, Os Inocentes e ao ler os capítulos sobre A Chave do Sol em minha autobiografia, o leitor descobre porque eu sempre tive uma boa relação de amizade com essa banda), ficou bem mais amena a nossa participação, embora no resultado final, tenhamos colecionado novos aborrecimentos. 

Aceitamos tocar, claro. O cachê oferecido não foi nenhuma maravilha, mas a exposição em um show a envolver uma grande multidão, haveria por acrescentar a mídia massiva que seria feita, e assim, valeria a pena.

Apesar do Pitbulls on Crack não ser nada sessentista em essência, estávamos com aquele invólucro, devido ao aparato de divulgação da gravadora, a criação da lata etc. 

Se fosse analisar por esse aspecto, certamente que a nossa presença em meio a um evento onde forças antagônicas prevaleceriam, seria desaconselhável, mas por tratar-se do Pitbulls On Crack, nós nem nos preocupávamos com tais considerações estéticas, ou mercadológicas mais pormenorizadas. 

Então, é claro que aceitamos participar, e logo a seguir, a propaganda mais proeminente foi para as ruas (cartazetes e lambe-lambe) e também através das ondas radiofônicas. É lógico que isso foi benéfico para nós, ainda mais ao se considerar que havíamos recém lançado um novo álbum etc.

As fotos ao vivo até aqui, são do Olympia, em outubro de 1996. Clicks de Marcelo Rossi

Bem, a estrutura do festival mostrou-se boa e sobre tal pormenor, não tenho queixas, pelo contrário, apenas elogios. 

O transporte providenciado pela produção do evento chegou rigorosamente no horário combinado e com o motorista e um assistente de produção, simpáticos e solícitos. No local em si, houve um camarim decente, embora o nosso fosse o menor (mas isso não incomodou-nos em nada). E o equipamento se mostrou condizente com a envergadura do evento etc. 

Sabíamos de antemão que o público seria hostil, pelo fato de apresentar bandas do campo do Punk-Rock, tais como: Ratos de Porão, Os Inocentes e Os Raimundos como atrações principais. Amenizava a nossa situação, a presença do Golpe de Estado, um digno representante do Hard-Rock brasileiro e que detinha ao seu favor tradicionalmente, uma camada de público enorme na região do ABC, desde os anos oitenta. 

Uma outra capacidade extraordinária do Golpe de Estado, fora a de ter construído uma convivência harmônica com bandas de searas hostis como Punk-Rock e Heavy-Metal, pois eu nunca soube que o seu público característico ou a banda em si, houvesse sido hostilizado em shows híbridos dessa natureza. Portanto, ao entrarmos no vácuo dessa "proteção" velada, sentimo-nos mais seguros.

Claro, esse sentimento foi mais da minha parte do que uma expressão coletiva do Pitbulls on Crack, pois os outros três colegas estavam pouco ou nada preocupados com a possível hostilidade da parte de um público agressivo e de certa forma, antagônico. No ambiente do camarim, faziam-se piadas como sempre e a possibilidade de sermos apedrejados, literalmente, só despertara-lhes a chance para criarem inúmeras piadas, como de hábito.

E havia uma ligação clara do Chris Skepis, com o movimento Punk, o que talvez amenizasse um pouco essa iminente hostilidade. De fato, desde o início das atividades do Pitbulls on Crack, sempre houve um assédio positivo de Punks em geral para com o Chris, por conta de sua passagem pelo "Cock Sparrer", banda britânica dessa cena de 1977, portanto contemporânea daquelas bandas iniciadoras do movimento. 

E assim, eu sempre observei que ele fora realmente muito respeitado e admirado nesse meio, e nem o fato dele manter cabelos longos pela cintura, um item antagônico aos ideais dessa gente, pareceu incomodá-los. Pelo contrário, eu mesmo presenciei muitas vezes ele ser abordado por fãs entusiasmados e a venerá-lo como a um ídolo. Claro que diante dessa perspectiva, também seria um alento. 

Mas convenhamos, talvez isso ocorresse em relação a alguns fãs mais antenados dos Ratos de Porão e d'Os Inocentes, mas dificilmente aos seguidores da então última moda noventista. Enfim, foi esse o panorama que apresentara-se para esse show, e lá fomos nós. 

Fomos bem recebidos pela equipe de produção, fizemos o soundcheck sem problemas e fomos para o camarim esperar pela nossa vez de nos apresentarmos e seria uma longa espera dali em diante.

 

Apesar do clima galhofeiro, perfeitamente crônico nesse sentido nos bastidores do Pitbulls on Crack e da identidade sessentista ser praticamente uma farsa como ideologia da banda, propriamente dita, claro que todo mundo em nossa banda gostava de muitos ícones contraculturais e em certos aspectos, houve uma harmonia nesse sentido. 

Logicamente, com graus de comprometimento e entusiasmo, diferenciados. Eu estava enlouquecido nessa ocasião pela questão do resgate e vivia como se estivesse em 1967. O Chris e o Deca gostavam muito dessa vibração contracultural (apesar das piadas, mas considere-se que isso sempre foi uma questão crônica da personalidade de ambos), e o Juan Pastor, bem menos, mas também apreciava alguns aspectos.

Por exemplo, a questão em tentarmos imprimir uma atmosfera "sixties" em nosso camarim, para ambientação, e assim, absorvermos uma vibração boa para subir ao palco, e termos um recanto de pós-show, é claro. Já estávamos a criar esse ambiente em shows recentes, mas nesse, onde sabíamos que ficaríamos horas no camarim, imprimimos um apuro maior e ficou bem agradável.

O Deca responsabilizou-se por tal produção, ao providenciar tecidos indianos e dessa forma, montamos uma verdadeira "tenda hippie" no camarim. 

Com muitas flores, incensos e retratos com Deuses hindus e ícones do Rock etc. E também, ele providenciou um som para alimentar o ambiente, a conter somente a cítara de Ravi Shankar e por conta disso, estabeleceu-se uma atmosfera incrivelmente relaxante e inspiradora. 

O nosso camarim, por conseguinte, tornou-se atração do festival entre os assessores de produção do evento. Veio gente até para fotografar. 

Muito interessante igualmente, foi que recebemos diversos representantes de fanzines a pleitearem entrevistas. Em sua maioria, eram jovens responsáveis por fanzines focados no universo do Punk-Rock e que enxergavam o Pitbulls on Crack, como uma banda Punk, sem perceber nada ao nosso redor, a sinalizar-se uma força antagônica. 

Mesmo com toda a maquiagem sonora e no aparato todo, a questão semiótica é sempre complexa. Uma percepção é acharmos que estamos a passar uma mensagem clara e outra, bem diferente, é a maneira pela qual as pessoas interpretam tal mensagem. 

Bem, confesso que também aprendi lições nesses anos vividos no âmago do Pitbulls on Crack e com esse convívio gerado com pessoas que transitavam entre o Punk-Rock, Pós-Punk e seus derivados todos ao nosso redor, incluso o famigerado "Indie", eis que eu aprendi a ser muito mais tolerante e compreensivo nesse aspecto.

Nessa altura, eu já detinha a consciência de que nem todo mundo que gostava do Punk, comungava com aqueles conceitos revanchistas e errôneos de 1977. Garotos que produziam tais fanzines, por exemplo, nem suspeitavam que tal movimento em seu nascedouro, fora carregado por preconceitos, ódio infundado, perseguições e ignorância sem cabimento. Então, como eu poderia nutrir algo contra esses meninos, se eles desconheciam todas essas implicações análogas?

Um outro aspecto interessante sobre a montagem de nosso camarim hippie, foi que muitas pessoas ligadas à produção do evento (muitas mesmo, não estou a exagerar), vieram comentar conosco, que a notícia de nosso camarim estar todo arrumado daquele jeito e que sobretudo por nós sermos receptivos, destoara do camarim de uma certa outra banda participante do festival, onde eles, produtores haviam sido tratados com rispidez. Bah... como dizia a Gal Costa, naquela velha (e ótima) canção: "Cultura e civilização, elas que se danem"...


Já com o pessoal do Golpe de Estado o convívio foi sempre fraternal, é claro. E o pessoal d'Os Inocentes e do Ratos de Porão, também eram cordiais. 

Quando deram-nos o aviso que em breve iniciar-se-ia o show, pedimos para um de nossos roadies, o meu então aluno, Ricardo Schevano, ligar o stand-by dos amplificadores, checar a bateria e mais uma tarefa, que fora na ordem de um detalhe cênico: para que colocasse muitos incensos em cima dos amplificadores, no praticável da bateria, e muitos ramos de flores frescas que compráramos em uma floricultura, naquele mesmo dia.

O conceito "Peace and Love", fazer-se-ia presente perante um público agressivo e avesso, para fazer jus ao aparato de lançamento de nosso disco, contudo, não estávamos no Festival de Monterey de 1967, infelizmente e quando o Ricardo subiu ao palco e acendeu os incensos, tal ato passou despercebido para aquele mar de garotos uniformizados com camisetas pretas e a ostentarem as suas estampas abomináveis, mas quando ele foi visto a alojar os ramalhetes por cima dos amplificadores...

Bem, eis que sobreveio uma vaia muito intensa que foi ouvida por nós, por chegar ao camarim, e pior, seguida de um coro entoado e típico de estádios de futebol, ao mexer com ele, na questão de sua sexualidade. 

Hoje, o Ricardo está acostumado a tocar em estádios de futebol lotados, para mega plateias, ao pilotar o seu baixo no "Baranga" & "Carro Bomba" e domina qualquer público sem esforço, mas naquela época, ainda muito jovem e inexperiente, ele ficou bastante constrangido com essa provocação e por conta desse acontecimento, chegou bastante contrariado ao camarim, ao dizer-nos nunca mais estaria disposto a empreender essa tarefa e que deveríamos contratar outra pessoa para tal etc.

Claro, ante tal situação acintosa, ele foi alvo das pilhérias automáticas dos humoristas do Pitbulls on Crack. 

Depois ele acalmou-se, trabalhou normalmente durante e após o show e deu risada do "bullying" coletivo que sofrera da parte de cerca de três mil garotos seguidores daquela estética oposta aos nossos ideais. 

Enfim, chegou a hora de subirmos ao palco e começarmos. Algumas poucas provocações foram ouvidas só por aparecermos no palco, mas não se tratou de nada acintosamente insustentável. Até em shows tranquilos, em qualquer momento pode surgir uma manifestação inconveniente. Sempre tem um louco, bêbado ou algum aproveitador de ocasião, disposto a buscar ter os seus quinze segundos de fama...

Raríssima foto desse show no Palco da Represa, em abril de 1997. Acervo e cortesia de Jason Machado 

Começamos a tocar e aparentemente o público uniformizado com camisetas pretas (impressionante e sintomático, é claro), estava a respeitar-nos, sem maiores hostilidades. 

Foram duas, três, quatro músicas e estávamos até surpreendidos pela falta de manifestações nesse sentido e até pelo contrário, ao final de cada música, palmas, ainda que bem espalhadas, foram ouvidas e muitos a gesticular mediante o uso daquele ridículo sinal de "malocchio", claramente como uma demonstração de apoio à banda, devo reconhecer. 

No meio do show (claro, o nosso set list foi curto, com aproximadamente quarenta e cinco minutos, sob um padrão de banda "open act"), foi que subitamente uma latinha de refrigerante voou do meio da plateia e caiu no palco.

Eu olhei para trás e vi o Juan Pastor a rir, pois ficáramos dias a conjecturar que seríamos alvo de uma chuva de latas. Claro que se uma lata foi arremessada, na melhor tradição do "atirar a primeira pedra e atiçar o apedrejamento", tal lançamento inicial deu margem ao pior. Pois então, outras começaram a ser em arremessadas e chegou-se em um ponto, onde ficou assustador, pois o volume ficou grande e algumas, vinham pesadas, com o líquido em grande quantidade, a denotar certamente a intenção de seus respectivos arremessadores, fora a de atingir o alvo, com o objetivo de machucar os artistas ali presentes, no caso, nós mesmos. 

Pois que perdoem-me, mas tolerância a parte, nesse quesito eu não consigo concordar com esse tipo de atitude e por favor, poupem-me de contra-argumentações sobre o "desconstrutivismo iconoclástico pós-moderno" ou qualquer outra imbecilidade travestida de um suposto sentido estético/comportamental que valide tal agressão gratuita. Posso ser um hippie démodé, mas ainda acho que se não gosto de um artista, retiro-me do local e não tento agredi-lo, ora, ora...

Por um verdadeiro milagre, nenhuma lata atingiu um membro da banda. Algumas passaram perto, houve um auge dessa saraivada e mesmo ao continuarmos a tocar e nunca deixarmos de fazê-lo, foi possível ouvir o som do zunido de tais bólidos a passarem por nós e a baterem nos pedestais de microfones, amplificadores, praticável de bateria e caixas de monitoração. 

Como continuamos a tocar e rir da situação (foi o Pitbulls on Crack em sua natural vocação interna mais uma vez), o ataque diminuiu e parou, com a banda a poder tocar mais uma ou duas músicas, não recordo-me com precisão. Pasmem! O público ao final aplaudiu e aumentou muito o número de garotos que ergueram as suas mãos para saudar-nos com o abominável "malocchio" (aquela imbecilidade de se associar o Rock a um sinal que remete a uma manifestação oriunda da Idade Média), mas claro, eu entendi que foi a forma "carinhosa" para expressar que haviam gostado, talvez não de nossa música, mas da atitude de continuarmos a tocar e não retaliar o ataque de latas. É difícil, no entanto, entender o raciocínio e visão ética desse tipo de meninos.

Então, eu não resisti e por estar a viver aquela loucura idiossincrática a fim de resgatar os valores que amava, forcei uma barra, ao aproveitar-me desse momento ameno: fiquei com os dois braços erguidos, ao sinalizar o gesto do "Peace and Love", para correr o risco, mesmo. 

Já estava convencido de que aquilo já não soaria como uma provocação, pois esteve claro que aquela garotada de 1997, nem sonhava com as implicações ideológicas de 1977. 

E assim, surpreendentemente, muitos começaram a repetir o meu sinal ali no meio da plateia. Pouco importou se entenderam a implicação de tudo isso. O importante foi que apesar de tudo, o Pitbulls on Crack saiu respeitado do palco (claro, um ou outro incauto ali presente deve ter pensado o contrário, mas isso foi uma mera manifestação isolada e irrelevante), apesar do ataque gratuito e aquelas dezenas de mãos a gesticularem "peace and love", valeu-me, naquela tarde.

Assistimos boa parte do show do Golpe de Estado e quando estavam a mudar o palco para o set up dos Ratos de Porão, desmontamos a nossa tenda hippie e embarcamos na van, para voltar para a casa. 

Já era noite e toda essa história ocorreu no dia 26 de abril de 1997, um sábado. Cerca de três mil pessoas estiveram presentes no "Palco da Represa", para assistirem esse micro-festival. 

Curiosamente, ainda haveria um lampejo de oportunidade gerida pelos contatos do Juan Pastor. Seria o penúltimo, de uma longa série iniciada em 1992. 

Final de meu tempo com o Pitbulls On Crack, faltam poucos acontecimentos para eu relatar.

Passado esse show no "Palco da Represa", pôs-se a diminuir bem a onda em torno da novidade do último CD, o que aliás, foi algo muito natural. Tirante grandes artistas do mainstream, que tem muito mais exposição, não seria possível mesmo esperar muito mais sobre a atenção que poderíamos despertar na mídia. 

Sem empresário e com a gravadora a diminuir drasticamente os seus esforços em nosso favor de uma forma acintosa, praticamente ficamos sem suporte, novamente. 

Eu não diria que voltar à luta de 1992, fosse a melhor solução, mas francamente, não pareceu restar-nos outra alternativa, doravante, ou seja, sairmos a buscarmos novamente o circuito underground do underground, os ditos "buracos" do circuito indie paulistano etc.

De minha parte, não haveria nenhum problema para se adotar essa estratégia de recuperação do fôlego, mas desde que eu estivesse a produzir um som em que eu realmente acreditasse e o Pitbulls on Crack, apesar de eu gostar do trabalho, não era 100 % o que eu gostaria de fazer. 

Enquanto a banda vivia esse conflito interno, ainda haveria um último suspiro das boas chances que surgiram em toda a sua história, graças aos contatos e esforços do nosso baterista, Juan Pastor.

Seria um show a ser cumprido no interior de São Paulo, mais precisamente na cidade de Sorocaba-SP, onde em um clube local, haveriam os shows de duas bandas que despontavam no mainstream naquele momento: "O Rappa" e "Planet Hemp". 

Claro que aceitamos e de fato, seria uma boa oportunidade para tocarmos novamente perante um grande público, com estrutura de som e iluminação de primeira linha etc. Desta feita, sem cachê, mas com as despesas pagas, naturalmente.

Nessa altura dos acontecimentos, com quase trinta e sete anos de idade e vinte e um de carreira, começara a incomodar-me essas propostas supostamente boas, para se fazer shows gratuitos como "investimento de carreira". 

Essa conversa equivocada de empresário e marqueteiros, na prática, revelava-se uma tremenda de uma mentira e continua a ser, é claro. Quase como um jogo de roleta, a possibilidade disso gerar um dividendo certo, é quase nula. 

O artista ingressa no patamar do mainstream por uma conjunção de outros fatores e o simples sacrifício de tocar de graça, mediante tal tipo de show, não é garantia de nada. Bem, aceitamos, tínhamos um disco novo para divulgar e uma carreira para administrar, ainda que sob uma fase que apresentava-se como decadente e com sinais de irreversibilidade bem nítidos, enfim. 

Mas antes de falar sobre o show em si, às vésperas dessa data que cumpriríamos, quase passamos por uma tragédia, os quatro componentes e vale a pena contar essa história, ainda que seja algo versado pelo baixo astral e com característica de programas policialescos da TV aberta.

Estávamos desde o segundo semestre de 1994, a ensaiarmos em um estúdio no bairro do Ipiranga, zona sudeste de São Paulo. Chamava-se, "Spectrum" e lá, no ano de 1996, graváramos o CD "Lift Off", conforme eu já relatei amplamente. 

Éramos bem tratados pelos seus proprietários, também pelos funcionários e estávamos habituados ao seu funcionamento etc. Mas eles detinham um problema estrutural em relação ao estacionamento para clientes. Apesar de estar instalado em um antigo casarão residencial bem amplo, o estúdio não reunia estrutura para garantir o abrigo para quinze a vinte carros de clientes que ali frequentavam-no, todas as noites.

Eles tinham quatro salas para ensaios e na parte de cima do velho casarão, funcionava o estúdio de gravação, ou seja, ficava um trânsito de vinte e cinco a trinta pessoas, fora os funcionários do estúdio e possíveis convidados das bandas. 

A solução encontrada foi alugar o espaço de uma empresa que ficava instalada no outro lado da avenida e que só funcionava em seu expediente até as 18 horas, portanto, liberava o seu estacionamento para os clientes do Spectrum, no período noturno. 

Acostumamo-nos com a rotina de entrar pela Av. do Estado, dar a volta no quarteirão e atingirmos a pista da Av. Dom Pedro I, sentido centro, para podermos estacionar naquele local alternativo e depois atravessar a pé essa perigosa avenida para acessar o Spectrum, por etapas, pois eram (são) quatro pistas, separadas por ilhas, com árvores grandes.

Um visão noturna da avenida Dom Pedro I, no Ipiranga, com as suas quatro pistas separadas por ilhas arborizadas

Foi assim a nossa rotina por bastante tempo, pois mesmo ao sermos obrigados a ter que atravessar a avenida por etapas e a carregarmos instrumentos, havia um segurança armado do estacionamento alternativo, que em tese, dava-nos um suporte etc. e tal. 

No entanto, não contávamos com um evento digno de seriados policiais norte-americanos, justo no ensaio prévio que antecederia o show de Sorocaba-SP.

Chris Skepis e Juan Pastor, a conversar com o simpático Ítalo, um dos proprietários do Spectrum.

Foi em uma quarta-feira normal que nós chegamos para ensaiar às dez da noite, com o encerramento previsto para a meia-noite, como de costume. O estúdio estava lotado e tudo correra dentro da rotina, como de praxe até então. 

Na saída, o clima parecia ameno, estávamos tranquilos e outras bandas também estavam com os seus membros para irem embora, simultaneamente. Foram cerca de vinte músicos a saírem juntos, com instrumentos na mão e todos com o objetivo de atravessarem a avenida e caminharem em direção aos vários carros que ali aguardavam-nos. 

Eu não notei (e acho que ninguém, certamente), que o segurança do estacionamento não estava ali a esperar-nos e isso era a sua praxe, pois tal rapaz costumava pleitear eventuais "gorjetas" da parte dos clientes do estúdio. 

Atravessamos a primeira parte da avenida e quando estávamos a chegar à segunda ilha de proteção, um bando de homens vestidos com roupas pretas e com feições faciais orientais, surgiram subitamente, munidos com pistolas prateadas e reluzentes, e saíram muito rapidamente por trás de nossos carros, a atirarem com volúpia!

Sob uma fração de segundos, pensei ser um assalto, mas logo eu percebi que nós não éramos o alvo, pois eles passaram por nós a atirarem em direção de onde saíramos e alguém contra-atacava, pois muitas balas vieram pelas nossas costas, também. 

Todo mundo saiu a correr em disparada e abrigaram-se atrás dos carros. Foi bala para toda parte, em meio a um tiroteio muito forte e nós músicos todos ali no fogo cruzado, na iminência de sermos alvejados, sem proteção alguma a não ser a carcaça de nossos respectivos automóveis!

Lembro-me do Chris Skepis ter tido o ímpeto de jogar o estojo de sua guitarra na pista da Avenida Dom Pedro I e sair em disparada. A guitarra ficou jogada na pista interna, sentido centro, onde havia normalmente um fluxo pesado de ônibus e por sorte, não havia um grande movimento, devido ao horário. 

Mas o fato dele ter jogado a guitarra no chão não fora um caso pensado em termos de autodefesa para com isso ganhar mais mobilidade para correr. O fato lastimável, deu-se por ele ter sido alvejado sob raspão no cotovelo e o impacto, ainda que não certeiro, deu-lhe o reflexo espasmódico para soltar o estojo e na correria, depois de achar um abrigo, não houve meios dele poder voltar à avenida, em meio àquela saraivada de tiros. 

Enquanto todos correram e abrigaram-se com muita rapidez, a minha reação foi muito estranha e preciso explicar bem tal ocorrência, para não ser mal interpretado.

Eu continuei a caminhar calmamente, ao segurar o estojo do meu baixo e só quando cheguei à calçada, fui buscar com calma, um abrigo atrás de um carro. Ouvi os gritos do Juan Pastor e do Deca ao chamar-me pelo nome e cobrar-me mais agilidade, mas eu não sei dizer o motivo exato, porém digo que estranhamente, não senti medo algum, apesar de ter sido o cenário de um massacre, literalmente. 

Uma vez atrás dos carros, o cenário foi semelhante a um front de guerra. Senti-me abrigado em uma trincheira, literalmente, pois víamos a cena da guerra, agora de frente e as pessoas ali escondidas, comunicavam-se com certo desespero. Cada membro de banda parecia procurar por seus colegas, pois ouvíamos gritos a chamar por nomes, todos preocupados com todos.

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff200611.htm
Matéria no jornal, Folha de São Paulo, na época, a cobrir tal evento criminoso.

Houve um temor óbvio de que aqueles pistoleiros voltassem para liquidar-nos ou assaltar-nos, mas depois ficamos a saber que aquele ataque fora um acerto de contas de uma organização mafiosa formada por orientais e nada teve a ver conosco. 

Só estávamos na hora errada e no lugar errado para correr o risco de morrermos, gratuitamente, por uma briga entre estranhos. Ainda com o tiroteio a pegar fogo, eu vi um dos homens que os pistoleiros estavam a atacar, morrer, ao cair lentamente escorado sob uma árvore, na ilha da avenida. Foi muito parecido com cenas de filmes policiais norte-americanos, mas foi estranho testemunhar algo a acontecer assim, na vida real. Foi um sujeito também de origem oriental e que morreu sentado, escorado em uma árvore, com o revolver na mão. 

De longe, as pistolas pareciam com as convencionais calibre "trinta e oito", mas os matadores profissionais usavam armas automáticas modernas, que reluziam de tão prateadas e naturalmente eram mais precisas por serem automáticas e com maior calibre. 

Por sorte, no auge do tiroteio, uma viatura da Polícia Militar dobrou a esquina da Rua Independência e entrou na Avenida Dom Pedro I. Claro que dois policiais com revólveres "trinta e oito" não teriam meios para enfrentar e dominar pistoleiros hábeis e fortemente armados e convenhamos, naquele fogo cruzado, quem deveriam defender ou confrontar?  Mas eles chamaram reforços que começaram a aparecer rapidamente e alguns minutos depois, muitas outras viaturas surgiram, acompanhadas por ambulâncias etc.

Quando amenizou a situação, o Deca levou o Chris ao Pronto-Socorro e por sorte foi só raspão, mesmo, mas o médico imobilizou o braço dele.

Ficamos dois dias a cogitar cancelar a nossa participação no show marcado para Sorocaba-SP, mas o Chris não abriu mão de cumprir o espetáculo e na última hora, ele convenceu-nos a fazer o show só com a guitarra do Deca e ele a cantar como frontman, expediente que aliás, ele exercia bem, igualmente, mas seria obrigatoriamente com o braço na tipoia. 

Quanto ao massacre da Avenida Dom Pedro I, a explicação fora essa: tal avenida, fora extremamente residencial, muitas décadas atrás. Muitos casarões com grande porte compunham-na, alguns imóveis inclusive, revelavam-se na verdade, como suntuosas mansões. Com o tempo, as famílias passaram a alugar os seus casarões para o comércio, foi o caso do próprio estúdio Spectrum. 

Então, nós nunca havíamos percebido, mas a casa ao lado do estúdio, era um prostíbulo com garotas coreanas. Com muita discrição, ninguém percebia o que acontecia ali e nesse dia em específico, nós demos o azar de haver um acerto de contas com o dono do estabelecimento. 

Portanto, os tiros que vieram pelas nossas costas e um deles passou perto do cotovelo do Chris, foram disparados pelos seguranças do dono do prostíbulo que tentaram defendê-lo. Bem, houveram mortes, prisões, vimos as prostitutas coreanas a serem detidas, alguns feridos conduzidos para a ambulância e o acidente com o Chris, ficou mais pelo susto, ainda bem!

Só para complementar o episódio do tiroteio perpetrado por bandidos coreanos, a repercussão desse caso foi enorme. No dia seguinte, todos os jornais publicaram matérias gigantes sobre o ocorrido e foi destaque nas suas respectivas capas. Todos os noticiários de rádio e TV deram destaque, também, e até no Jornal Nacional, da TV Globo, foi falado com ênfase. 

Ainda na cena do crime, um dos músicos que estavam nesse sufoco conosco, e que eu não conhecia, achou uma pistola desses criminosos na calçada e entregou-a para um policial, depois que ficou tudo sob controle.

Outro rapaz, de uma outra banda, apanhou cápsulas desses projéteis que achou pelo chão e pasmo, disse ter contado mais de noventa, só ali naquele pequeno espaço onde ficamos abrigados. 

Vários carros foram alvejados, buracos nos muros das casas e algumas vidraças foram quebradas. Conclusão: foi um milagre ninguém ter morrido ou ter sido ferido, gravemente. 

Somente o Chris foi alvejado de raspão, sem maior gravidade. O fato de termos ficado sob um fogo cruzado, entre seis pistoleiros de um lado e quatro do outro, significou um autêntico campo de batalha. 

Só um último detalhe: e o segurança do estacionamento? Quando tudo acalmou-se, ele saiu da casa e disse-nos, que os orientais chegaram e com armas em punho, convidaram-no a entrar na casa e não chamar a polícia. Disseram que não eram assaltantes e que ele não se intrometesse em seu negócio, pois o matariam, se ele não cooperasse. Pode ser verdade, claro.

Mas também correu a história que ele protegeu-se assim que viu os elementos a se aproximarem. Nesse caso, ele já deveria ter chamado a polícia e avisado o pessoal do Spectrum, para não deixar ninguém sair do estúdio. Prefiro acreditar que foi omisso pela primeira hipótese, portanto.

Convencidos a fazermos o show com o Chris a ostentar o seu braço imobilizado, o próximo passo foi irmos à Sorocaba-SP. E claro, foi o Pitbulls on Crack... na van que conduziu-nos, em uma hora de estrada, passamos por uma sessão com gargalhadas ininterruptas e a motivação, certamente foi o tiroteio coreano.


Chegamos em Sorocaba em cima da hora, sem chance para fazer um soundcheck confortável. De fato, tratava-se da sede social de um clube. Bem afastado da cidade, lembro-me de chegarmos àquela grande cidade interiorana já ao anoitecer e rodarmos bem naquela enorme avenida que circunda a cidade inteira, uma espécie de marginal local.

Passamos rapidamente pela sede da emissora 89 FM local, que era uma afiliada/filial da emissora de São Paulo, capital e apoiava o show, logicamente. Após dar um alô rápido para os ouvintes, sob um esforço final de promoção do evento, fomos para o clube. 

Chegamos enfim ao ambiente do clube e fomos conduzidos ao camarim, que continha um lanche farto servido em uma enorme mesa, mas havia uma certa tensão no ar. 

Não fora nada conosco, mas deu para notar que ocorrera algum problema relacionado aos seguranças contratados, talvez por alguma discordância sobre metodologia de trabalho, pois chegamos a ouvir gritos advindos da parte de alguns produtores irritados, ao dar-nos a entender que houvera ocorrido algum desrespeito da parte de um segurança etc. 

Enfim, não foi um problema nosso e sobre clima tenso queríamos distância, após o tiroteio ocorrido na quarta-feira anterior...

Um pouco antes de subirmos ao palco, haveria uma intervenção extra de um trio de humoristas que estava na crista da onda da programação da 89 FM. Esse trio chamava-se: "Os Sobrinhos do Ataíde". Esses rapazes, posteriormente migraram para a MTV e lá prosperaram com o programa, "Rock Gol", aquele campeonato de futebol protagonizado por bandas (o Pitbulls on Crack chegou a ser sondado a participar, mas como o Deca e o Chris alegaram não ter interesse, só eu e Juan Pastor e mais roadies para formar o time, não caracterizaria a banda e assim, nós fomos descartados). 

Mas nesse dia, apesar desses rapazes serem amigos do Juan Pastor, particularmente eu não apreciei a sua postura no camarim. Bastante altivos, eles pareciam estar já no processo do sucesso a subir-lhes à cabeça. Para ser justo, um deles mostrou-se humilde e foi educado para conosco. Curiosamente, foi o rapaz que sumiu, pois os dois outros que ficaram famosos na MTV e posteriormente em outras emissoras, estavam com um tipo de postura bem diferente. 

Após a intervenção deles, que foi caótica pelo fato de seus microfones não estarem com uma boa equalização, entramos para o nosso show.

Estávamos apreensivos por tocarmos sem a guitarra do Chris, não que isso fosse inviável em trio, todavia, mais pela falta de costume, visto que nunca deixamos de ter a sua base harmônica, em todos os shows da banda, desde o início, em 1992.
Rara foto no camarim desse show em Sorocaba, com a web designer/ilustradora da capa do nosso CD Lift Off, Marina Yoshie, em nossa companhia. Foto do acervo dela, Marina Yoshie (grato pela cortesia!)

Contudo, a apresentação foi muito energética, talvez pelo fato de que quiséssemos compensar a falta de uma guitarra, portanto, todos pareciam imbuídos de fornecer um algo a mais em termos de energia. E o Chris, sem a obrigação de tocar e ficar estático no centro do palco, assumiu com muita naturalidade o seu lado como "frontman". Desde o primeiro instante, ele apanhou o microfone e saiu a andar pelo palco, com grande desenvoltura.

De fato, foi assim que eu o conhecera sete anos antes, quando fizemos parte de uma série de shows-Tributo ao Black Sabbath, na banda cover, "Electric Funeral". 

Então, ele tinha essa capacidade e não foi nada difícil ter essa presença de palco. Arrancamos aplausos, mas nada muito entusiasmante, pois o público foi ao local, certamente interessado nas duas bandas cariocas: "O Rappa" e o "Planet Hemp".

Bem, não posso queixar-me, pois não houveram hostilidades e se não aconteceu uma reação arrebatadora, de certo não foi nada mau e dessa forma, arrancamos alguns aplausos. 

Foi óbvio que bandas mainstream massacradas pela mídia, fizessem mais sucesso que uma banda underground como a nossa, além do fato de cantarmos em inglês, realmente um grande erro estratégico de nossa parte, mercadologicamente a falar-se. 

Isso ocorreu no dia 21 de junho de 1997, na cidade de Sorocaba-SP, com a presença de quatro mil pessoas na arena, aproximadamente. Lamento muito não ter fotos desse show, com palco grande, boa iluminação e uma multidão presente na plateia.

O próximo passo foi enfim um show somente nosso e sob um espaço onde costumava ser sempre agradável apresentar-se pela estrutura boa à disposição e pela tradição de shows na cidade, além da localização excelente. 

Tratou-se do Centro Cultural São Paulo, um enorme complexo cultural multiuso e acoplado a uma estação do metrô. Tocaríamos sozinhos, embora a nossa participação estivesse vinculada a um festival anual, geralmente produzido no mês de julho, naquele espaço, e denominado: "Sintonia do Rock".

Eu (Luiz Domingues) e Rodrigo Hid, em foto de 1996, na minha sala de aulas

Como já havia ocorrido no show chamado como: "Pitstock", convidamos novamente o então jovem, Rodrigo Hid para tocar teclados e desta vez, com a possibilidade dele poder usar o piano acústico do CCSP e assim, a sua participação seria muito mais rica, do que naquela ocasião, onde sua presença restringiria-se ao uso do sintetizador Mini-Moog e no calor dos acontecimentos, nem isso ocorreu.

Como a banda não esmerava-se muito na sua parte estrutural e entre outros atributos, a divulgação de shows, essa parte foi feita muito precariamente, como de costume. 

Praticamente a contar com a tímida divulgação da parte do Centro Cultural São Paulo, apenas, e quase nada mais (se fosse hoje em dia, a internet cairia como uma luva para a mentalidade "low profile" da banda, nesse quesito), realmente não deu para esperar uma multidão presente.

O show foi tranquilo e a participação do Rodrigo enriqueceu mesmo o som, com ele a tocar bem, piano e Mini-Moog. 

É interessante notar que toda aquela atmosfera "hippie" evocada no aparato da lata e na tenda que montamos no camarim, já seria a vibração que eu e Rodrigo construiríamos pouco tempo depois ao formarmos o "Sidharta" e que culminar-se-ia na fusão com a Patrulha do Espaço, a partir de 1999. 

Mas é fácil observar essa coincidência neste instante da narrativa, com tantos anos de distância. Pois nessa época, eu só sentia um cansaço por verificar que o Pitbulls on Crack não teria mais para onde avançar e todo aquele "sonho", não passara exatamente disso, na prática: um "sonho"...

Daí eu passei a fomentar na minha imaginação a ideia de buscar o meu caminho, ao sair do Pitbulls on Crack e formar uma banda com características radicais nesse sentido, enfim, mas ainda não fora uma decisão tomada. 

Somente dois meses depois, isso aconteceria de fato. Portanto, quando digo que foram os estertores do Pitbulls on Crack, baseio-me muito mais na minha perspectiva pessoal, pois aconteceram de fato os meus últimos momentos como componente da banda. 

O Pitbulls on Crack continuaria sem a minha presença, com dois baixistas sucessivos após a minha saída, mas de fato, a perspectiva que eu sentira de forma pessoal, confirmar-se-ia, pois a banda arrastou-se por mais algum tempo e naquela toada permeada por shows sazonais, somente.

Enfim, ainda a falar sobre esse show, a presença melancólica de apenas sessenta pessoas, em sua maioria esmagadora, formada pelo meu exército de "Neo-Hippies", dera a mostra de que o Pitbulls on Crack, infelizmente, esgotara as suas possibilidades de expansão. 

Foi assim, em 4 de julho de 1997, que apresentamo-nos no Centro Cultural São Paulo, com sessenta pessoas na plateia.

Alguns dias depois, ainda no mês de julho de 1997, faríamos um show em um festival realizado na cidade mineira de Caxambu. Revelou-se mais uma vez um contato que viera da parte do nosso baterista, Juan Pastor, mas não tratou-se de um show patrocinado ou apoiado pela Rádio 89 FM, mesmo por que, ficava fora do seu domínio natural. 

Esse festival se tratava de uma tradição anual daquela simpática cidade interiorana e privilegiava bandas independentes e autorais, o que foi sem dúvida, algo muito louvável.

Uma série de bandas apresentar-se-iam em quatro dias de eventos e estivemos escalados para tocarmos no sábado, dia 26 de julho. 

Porém, por conta da logística do transporte que nos fora oferecida, partimos para Caxambu-MG na noite de quinta-feira, para chegarmos em tal município na sexta-feira, pelo início da manhã, bem cedo. 

Tratou-se de um ônibus fretado pela organização e que teve como ponto de partida, o Centro Cultural São Paulo, onde geralmente muitas empresas de turismo marcavam saídas para excursões particulares. 

Haveriam bandas de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro nesse festival e lembro-me de que em nosso ônibus, viajamos com o "Pin Ups", da baixista, Alê (com a qual tivemos conversações em 1994, ao visar assinarmos com a gravadora, "Roadrunner", visto ela ter sido gerente da empresa, naquela ocasião e ela ocupava o cargo de diretora dessa gravadora na ocasião), "The Charts" e "Soul 4 Everybody", entre outras. 

A primeira lembrança dessa viagem foi de um produtor do festival, a discursar sob um tom duro, um tanto quanto militarizado, ao anunciar que todo mundo que estivesse supostamente a carregar algum tipo de aditivo na bagagem pessoal, deveria tratar de livrar-se do material, porque era uma praxe da polícia rodoviária, surpreender ônibus fretados naquela região toda do sul de Minas Gerais, ao se levar em conta que era grande o número de "freaks" a transitarem por ali, principalmente pelo fato de existir uma enorme tradição da presença de hippies a deslocarem-se para São Tomé das Letras-MG, uma cidade onde definitivamente, "o sonho nunca acabou"...

Bem, não fora absurda a advertência do rapaz, mas confesso que achei sombrio o seu tom de voz, embora ele mesmo, tivesse visual a sugerir ser um "grunger". 

Certamente que estava acostumado com as batidas da polícia e com os transtornos acarretados por tais eventos, já que ônibus fretados e repletos com músicos doidos e freaks em geral, devia fazer parte de sua rotina de vida. 

A viagem foi tranquila e demorada, pois apesar da distância não ser tão grande (ao olhar-se o mapa do Brasil, Caxambu fica bem perto daquela tríplice fronteira entre os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, sob uma região serrana), o fato de ser um trecho muito montanhoso e sinuoso, após ultrapassarmos a cidade de Campos do Jordão-MG, tornou o percurso lento. 

Fazia um frio de rachar, com muita neblina e por ser o período noturno, claro que o motorista foi bem prudente e pisou no acelerador com parcimônia, ainda bem. Mas quando estávamos quase a chegar, uma inevitável batida policial realmente aconteceu, para causar um atraso significativo a mais.

Foto rara dessa viagem, do acervo de Jason Machado, que viajou conosco, para trabalhar como roadie. Eu (Luiz Domingues) e Juan Pastor, na porta do Hotel União, em Caxambu-MG, na manhã de 25 de julho de 1997. Acervo e cortesia de Jason Machado

A segunda lembrança, foi a de chegarmos ao hotel com o dia a amanhecer e sermos recebidos com um café da manhã muito bom. Confesso, foi o melhor pão de queijo que eu comi na minha vida, ao sair do forno naquele instante, e muito quente, a contrastar com aquele frio intenso que fazia. Honrou a fama que tal iguaria mineira, possui. 

Não teríamos atividades naquele dia e pudemos dormir até tarde, quando após o almoço, saímos para conhecer a cidade. Foram momentos divertidos vividos nesse dia como turistas pela cidade, sempre com o tradicional festival de piadas imediatas criadas aos montes pelos humoristas do Pitbulls on Crack etc. 

No período noturno, fomos à praça pública onde realizaram-se os shows do festival. Fez um frio muito forte, com um pouco de névoa. No termômetro público, por volta das 23:00 horas, marcava-se 7°. 

Lembro-me do show do "Pin Ups" e que estava agradável com aquele trabalho deles, um tanto quanto inspirado no Glitter-Rock setentista (ao menos foi o que eu enxerguei como algo positivo no trabalho dessa banda), mas a vocalista, Alê, perdeu-se um pouco na sua compostura, ao fazer um discurso inflamado sobre o direito dela ou qualquer outro artista para cantar em inglês etc. Claro que ela tinha o direito de cantar no idioma que quisesse, mas daí a irritar-se por existir opinião em contrário, que não concordava com tal determinação, podia até ser, mas achei que passou da conta ao falar isso pelo microfone, publicamente, como um desabafo.

Por outro lado, o clima na praça estava um pouco tenso. Haviam tantos policiais à paisana, que o fato de estarem supostamente "disfarçados", nem fazia diferença. Seus semblantes tensos e a denunciar a sua intenção pautada pela vigilância desmedida, denunciavam-nos. 

Fiquei cansado dessa tensão psicológica ali instaurada e por não haver nenhuma banda que despertasse a minha intenção para justificar a minha presença naquele frio e sob esse tipo de baixo astral miliciano, despedi-me dos amigos que resolveram ficar mais, mas eu preferi voltar ao hotel, onde o cobertor quente e uma TV, fazer-me-iam mais feliz...

Acordamos com um susto para a nossa comitiva. Recebemos a informação de que um roadie nosso, o nosso amigo, Toni Rodrigues Peres (guitarrista do "Essex" e irmão do meu aluno, Alexandre), tivera um problema ao tentar passear no teleférico que ali existia. 

De fato, tratava-se de uma atração muito bonita para turistas, por ser um passeio com uma vista fantástica das montanhas de Minas Gerais. Mas por azar, houve um problema mecânico na cadeira que ele usava e por alguns minutos, uma tensão fora gerada porque a altura era muito grande. São e salvo no chão, novamente, mas bastante assustado com o perigo que vivenciara, tal notícia deixou-nos apreensivos. 

Bem, com a calma restabelecida, tínhamos ainda muitas horas antes de irmos ao palco do festival para o soundcheck. Nesse ínterim, fomos, eu e Chris Skepis, ao centro da cidade, e resolvemos tomar um suco, em uma lanchonete.

Impressionante, estávamos em 1997, o festival já existia há anos e todo o sul de Minas Gerais é frequentado tradicionalmente por freaks, hippies, Rockers e doidos em geral, desde o final dos anos sessenta, contudo, nós sofremos um bullying! 

Pessoas da lanchonete estavam a olharem-nos como se fôssemos alienígenas! Quando saímos do estabelecimento e já estávamos a caminhar de volta ao hotel, um grupo formado por crianças seguiu-nos a andar atrás de nós e uma delas perguntou-nos: -"por que tínhamos "cabelo de mulher?" Bem, o Chris adorou, ao dizer-me estar a sentir-se em 1962, com esse tipo de questionamento social imbecilizado a ocorrer conosco em pleno, 1997...

Achei muito estranho esse comportamento, por todos os motivos que eu já expus acima. Enfim, fomos passar o som e como seria por esperar-se, o soundcheck foi tenso e bastante superficial. 

Mas como o Pitbulls on Crack foi uma banda tranquila e sem grandes exigências no seu "imput list" e "rider técnico", tudo encaixara-se rapidamente, mesmo com a má vontade alheia para nos atender. Só tínhamos um vocalista e todo o instrumental resolvia-se de uma forma muito simples. 

O ponto negativo deu-se com o contato agressivo e arrogante de uma banda do Rio de Janeiro, que estava a obter um pequeno sucesso na mídia, por seguir o vácuo de bandas formadas por trogloditas a usarem bermudas, contemporâneas suas. Ao portarem-se com muita arrogância, esses garotos impetuosos pressionaram os organizadores para que a nossa passagem de som fosse encurtada, visto que queriam realizar a sua de imediato. 

A sua empáfia foi absurda e de certa forma coerente com a droga de música que faziam, mediante as suas péssimas influências e intenções. Enfim, não passara de uma cambada de moleques a trajarem as indefectíveis bermudas, sem educação e por acharem-se o máximo, por conter uma musiquinha mequetrefe a tocar no rádio, naquele efêmero instante.  

Voltamos ao hotel e após o jantar, dirigimo-nos ao local do show, onde já havia começado o evento. A banda que antecedeu-nos foi o "Soul 4 Everybody", que surpreendeu-me positivamente. Foi de fato, uma banda orientada pela Soul Music, com ótimas influências das estéticas das décadas de 1960 & 1970, dentro das melhores tradições da Black Music e também por contarem com bons músicos e vocalistas e com bastante "swing" em seu som. Em suma: foi um verdadeiro oásis dentro de um festival, onde a maioria soava com um trabalho na estética indie, ou versado peso pesado das cavernas habitadas por seres cro-magnon, como a banda carioca formado por garotos prepotentes que eu citei acima.  

Menção honrosa, eu gostei também do "The Charts", que nitidamente fazia um som ao estilo "Bubblegum" diretamente doa anos sessenta, no estilo do "Supergrass" e outras bandas similares, e oriundas do "Britpop" noventista que se projetava no mercado.  

Chegou a nossa vez de tocar. O nosso show foi morno, devo dizer. Não empolgou, mas tampouco despertou contrariedades no público presente.

Tocamos o nosso set regular, sem sustos e a receptividade do público não passou do padrão "respeitoso". Se fosse para dar uma nota, seria um show nota cinco, ou seja, muito pouco para uma banda com estrada e que recém havia lançado um novo CD, com repercussão pela mídia mainstream etc.  

Foi o dia 26 de julho de 1997 e duas mil pessoas estavam nessa praça pública, aproximadamente. No âmbito interno, foi mais um sinal de que a nossa vitalidade como banda nesse instante, estava bem baixa, no entanto. 

De volta ao hotel, uma viagem instaurou-se coletivamente. Alta madrugada e com um frio de rachar, o Chris estava bem animado pela "trip" que experimentava e quis esquentar os pés em uma lareira que o hotel possuía. Para aproveitar o calor nos pés e sabe-se lá onde estava a sua imaginação em meio a essa viagem, ele só percebeu que corria perigo quando o porteiro do estabelecimento contou-lhe que as respectivas solas de borracha de seus dois pés de tênis, haviam descolado-se dos calçados e estavam a colarem-se uma na outra, o que foi bizarro. 

Ao empolgar-se, foi quando esse porteiro passou a contar histórias sobre discos voadores e alienígenas, um assunto bastante recorrente naquelas cidades do sul de Minas Gerais, com tantas ocorrências nesse sentido ufológico e também pela forte tradição de cultura hippie que existe por ali.  

Minutos depois, no quarto, ao assistir desenhos animados sem áudio na TV e naquele estado lisérgico, um estranho barulho começou a incomodar. Influenciados pelas histórias do porteiro, alguém aventou a possibilidade de haver uma criatura ao estilo de um "chupa cabras" ali dentro e isso gerou uma paranoia digna de filme da dupla junkie, Cheech & Chong.  

Foi quando o Chris abriu a janela para a rua e descobriu a origem do ruído seco e contínuo que julgáramos ser produzido pela presença de um alienígena... foi um funcionário da prefeitura, um gari, a varrer a sarjeta, ao usar uma exótica vassoura de piaçaba. O que a lisergia é capaz de promover na mente humana...

A viagem (desta feita literal), de volta a São Paulo, foi longa e cansativa. Saímos por volta das 15:00 horas da bela Caxambu-MG, mas quando atingimos a via Dutra, estrada que liga São Paulo ao Rio de Janeiro, o tráfego estava muito intenso naquele horário (17:00 horas, aproximadamente) e isso retardou-nos bastante.  

Para piorar a situação, o ônibus quebrou, ao atrasar ainda mais a nossa volta. O lado ameno disso, foi que muita gente estava a viajar sob outro sentido, dentro desse ônibus e uma daquelas bandas que viajavam (nos dois sentidos), conosco, levara consigo um som portátil e que tocou durante o percurso inteiro, uma coletânea a conter bandas obscuras dos anos sessenta (uma coletânea, "Nuggets", provavelmente), com trabalhos a gravitarem entre os estilos Bubblegum, Garage Rock, Acid Rock e Psychedelic, e assim, ao nos conduzir a um extremo bom astral. 

Portanto em um dado instante, muita gente flutuava, literalmente dentro desse verdadeiro "magic carpet ride" em que transformou-se o ônibus!

Chegamos extenuados em São Paulo, já a passar das 21:00 horas e com a certeza de que se ter tocado nesse festival não mudaria em nada a nossa carreira, ao menos havíamos divertido-nos bastante.  

Entretanto, como eu tinha trinta e sete anos de idade recém completados naquele instante, a minha tolerância com esse tipo de situação esteve bem baixa.

Nessa altura dos acontecimentos, cumprir shows como "investimento de carreira", ainda que bem tratado, com direito a um bom hotel, comida farta de qualidade e tudo mais, não pareceu-me condizente com minha idade, tempo de carreira, currículo acumulado etc.

Portanto, isso só corroborou a minha visão de que o Pitbulls on Crack fora na minha percepção de momento, uma banda sem mais nenhuma perspectiva animadora, e falo isso com todo o respeito aos companheiros e ao trabalho da banda, mas para ser apenas muito realista nesta reflexão.  

Nessa altura, eu já estava então a formatar o forte desejo de sair e formar uma nova banda, em busca de meu sonho primordial, sem concessões e radical em seus propósitos, pois isso refletia a minha total insatisfação para lutar dentro das regras dos inimigos. Se nem assim conseguira um espaço, mínimo que fosse, estava disposto a largar mão dessa busca frenética e despreocupado, fazer apenas o que gostava, sem importar-me em ser anacrônico. 

Faltara muito pouco para a minha história com o Pitbulls on Crack, encerrar-se...

Depois que passou o show de Caxambu-MG, eu já estava a elucubrar a criação de minha nova banda. Em conversa particular com o Deca, eu soube que ele estava também cansado a respeito do rumo adotado pelo Pitbulls on Crack, não pela banda em si, que ele gostava sem reservas, tampouco pela parte artística, mas por também sentir que as grandes chances que a banda obtivera, haviam passado e a tendência, seria permanecer a marchar no mesmo degrau doravante, sob um processo decadente e desanimador. 

Diante dessa afirmativa, eu o convidei a integrar a minha nova banda e para tal, eu já havia convidado o jovem, Rodrigo Hid, para ser guitarrista, vocalista e tecladista desse novo trabalho. 

Eu estava a esperar somente o momento propício para anunciar a minha saída para os amigos, Juan Pastor e Chris Skepis, mas ainda surgiu um novo compromisso. Desta vez, esse contato surgira da parte do guitarrista, "Perna", da banda "Genocídio" e seria um show dividido com outras bandas, em uma casa noturna na cidade de Mogi das Cruzes-SP, na grande São Paulo.

Perna, um tremendo sujeito do bem e guitarrista da banda de Heavy-Metal, "Genocídio"

O "Perna" era gentil e nos últimos meses de 1996 (e nos primeiros de 1997), estreitamos contato, pois ele fora contratado pelo selo Primal/Velas e tornara-se então, um funcionário da gravadora, de onde em sua sede, quase diariamente, encontrávamo-nos.  

Os últimos ensaios do Pitbulls on Crack foram bastante desanimadores, pois ninguém pareceu ter mais motivação para tal. Os colegas também estavam cansados.

Preparar músicas novas foi proposto e o Chris sempre tinha kilos de anotações com músicas prontas mediante a sua produção prolífica contida em inúmeras fitas demo-tape caseiras, pois o seu tempo cotidiano era gasto habitualmente para compor e gravar músicas em seu port-studio caseiro. 

Porém, ninguém estava com vontade para iniciar tal trabalho, pois aquele ânimo do início, em 1992, havia esvaído-se há tempos para todos, deu para sentir.

Com isso, fomos tocar nessa casa em Mogi das Cruzes-SP (chamava-se: "Espaço Oito"), no dia 22 de agosto de 1997, onde dividimos a noite com o "Zero Vision", "P.U.S." e "Genocídio".   

Tratava-se de uma casa muito grande e bem decorada. O palco era muito bom e alto, com um equipamento correto de som e iluminação à disposição. A decoração da casa, lembrava a de quiosques de praia, com móveis rústicos etc.  

Por ser uma cidade que vivia em função da sua famosa universidade, a presença de jovens estudantes universitários foi maciça. Cerca de trezentas pessoas estiveram presentes nessa noite de uma sexta-feira. 

O público foi o típico de uma casa noturna, com bastante dispersão. Nem todo mundo presente na casa esteve interessado nos shows, é claro. Mas quando tocamos, foi bastante respeitoso e razoável em termos de frequência no salão em específico.

Syang, a guitarrista da banda, "P.U.S.", que fazia um trabalho versado pelo Heavy-Metal extremo

Nem mesmo durante o show do "P.U.S.", com a sua bela guitarrista, Syang, a chamar muito a atenção pela sua beleza, esse panorama mudou, portanto, não seria pelo Pitbulls on Crack em si, mas a dispersão seria passível para qualquer banda.  

Aliás, cabe lembrar que poucas semanas antes, havíamos tido um convívio com o "P.U.S.", ao dividirmos os bastidores de um programa de TV, obscuro, onde tal banda esteve presente também. 

Não consigo nem lembrar-me o nome do programa, e não o anotei, lamentavelmente, mas certamente que fora obscuro ao extremo, e a cópia que eu detinha dessa aparição, em VHS, foi perdida sob um desses "empréstimos" dos quais arrependo-me amargamente de haver efetuado, principalmente neste preciso instante em que escrevo as minhas memórias e cada item desse porte, vale ouro, naturalmente.

Só lembro-me de que o apresentador do programa foi o ator, Otaviano Costa, ainda desconhecido do público, mas hoje bastante conhecido por conta de novelas na Rede Globo e outros programas que costuma apresentar.
Eu (Luiz Domingues) no camarim do show de Mogi das Cruzes-SP, em foto do acervo de Jason Machado. Agosto de 1997 

De volta ao show de Mogi das Cruzes-SP, creio que não foi um show ruim, mas tal como em Caxambu-MG, mostrou-se um espetáculo em que nada acrescentou à nossa trajetória. Foi o meu último show com o glorioso: Pitbulls on Crack.

Depois desse show de Mogi das Cruzes-SP, não houve mais perspectiva para o Pitbulls on Crack. 

Sem mais shows marcados, sem compromissos de rádio &e TV e nem entrevistas agendadas para a mídia impressa em vista, restara-nos ensaiarmos e mergulharmos em uma nova safra com músicas e talvez voltarmos à estratégia inicial de 1992, ao abraçarmos novamente o circuito underground para a atuação ao vivo. 

Mas além de eu não estar mais interessado em continuar nesse trabalho, mesmo que estivesse com energia para permanecer, foi uma boa hora para fazer-se uma séria reflexão sobre o panorama da música naquele momento e a constatação, foi que muitas condições haviam mudado.

Se no início, em 1992, o panorama inicial que encontráramos fora o da euforia pelos ventos do "grunge" que vinham da cidade norte-americana de Seattle, isso tivera outras implicações que agora, no segundo semestre de 1997, não faziam mais sentido. 

Naquela época, em São Paulo, existiam dúzias de bandas a desenvolverem os seus trabalhos em inglês e nesse sentido, o Pitbulls on Crack estava bem respaldado entre seus pares.

Houve uma profusão de casas noturnas abertas para shows de tais bandas e a cidade borbulhava nessa predisposição. Por outro lado, a rádio 89 FM explodia e atraía em seu vácuo a concorrência, com a Brasil 2000 FM a seguir os seus passos e nessa soma, essa profusão efervescente só fez bem à cena. 

Outro fator importantíssimo, a MTV ainda estava muito forte no cenário musical, e engrossara assim, esse poder de fogo na mídia.

Portanto, com esses fatores aliados, o momento em que surgiu o Pitbulls on Crack, fora muito propício para a banda. 

Porém em 1997, mostrava-se muito diferente a cena, e eu tive sérias dúvidas de que uma tentativa de prosseguir com o Pitbulls on Crack seria saudável e de fato não o foi. 

Então, na segunda semana de setembro de 1997, o Deca aconselhou-me para que eu não fosse conversar com Juan Pastor e Chris Skepis, diretamente, por não ser necessário, visto que eles já sabiam que eu sairia.

Confesso que arrependo-me muito por não ter ido, pois não custava-me nada comunicar-lhes isso, diretamente, ainda que fosse uma mera formalidade, aparentemente desnecessária. 

E como eu não tenho nenhuma vergonha para confessar as minhas máculas nesta autobiografia, portanto, estou aqui a confessar a minha falha e a pedir desculpas em público aos companheiros, por tal deslize. 

Sei que eles não se ofenderam com tal atitude errônea que eu tomei, pois continuei amigo de ambos, até hoje, mas não foi uma medida positiva de minha parte, de forma alguma, eu reconheço. 

Bem, foi assim: em setembro de 1997, eu estava fora do Pitbulls on Crack, pronto a iniciar uma nova etapa na minha carreira.

Continua...

2 comentários:

  1. Eu tava no show... para de falar merda se cretino... vcs tocaram meia musica e sairam de tante pedrada e latada que a galera mandou pro palco... ainda sairam cuspindo no publico... otarios... todos queriam ver logo o RATOS e os RAIMUNDOS

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  2. Prezado autor do comentário acima :

    Baseado no teor de sua manifestação, faz-se mister alguns esclarecimentos de minha parte.

    Em primeiro lugar, o senhor usou na sua primeira frase, uma afirmação bastante agressiva e descabida.

    Veja bem, este texto refere-se à minha memória pessoal dos fatos e assim que me propus a escrever, assumi o compromisso de não distorcer ou omitir a verdade, sob pena da quebra da minha credibilidade pessoal construída ao longo de 40 anos de carreira. Portanto, mencionei vários momentos tristes e não só os alegres, sendo justo e honesto comigo mesmo.

    Nesses termos, sobre a descrição do episódio em si, onde o senhor esteve presente, falei tudo, baseado na minha visão pessoal dos fatos, e está claro no texto que era uma apresentação perante uma imensa maioria de público, formado por fãs de estética antagônica ao nosso trabalho na ocasião.

    Particularmente, sou contra fazer esse tipo de participação em festivais híbridos, onde o público certamente será hostil. Não acho uma estratégia válida, no sentido que pouco agrega ao artista, se apresentar perante uma plateia agressiva e que não vai lhe receber bem. Mas meus colegas votaram a favor da participação, e fui voto vencido.

    Sua afirmação de que tocamos "meia música" é uma inverdade. É clara a sua real intenção em desdenhar da banda em questão, e de minha pessoa em específico, com tal afirmação mentirosa. Nosso set era de fato mais curto em relação aos outros artistas, pois éramos mesmo "open Act" do festival, mas lhe asseguro, tocamos todas as músicas previstas, apesar do vilipêndio desagradável a que fomos submetidos.

    Não omiti o fato de que não éramos queridos e esperados por 99% das pessoas ali presentes, incluso o senhor.

    Eu não saí cuspindo em ninguém, outra falácia de sua parte. Isso não é o meu modus operandi no convívio social, muito menos como artista, sendo assim, jamais o faria, pois tenho respeito ao público e a qualquer pessoa.

    Meu texto é cristalino, redigido sob a égide cartesiana e não uso de nenhum recurso literário para edulcorá-lo ou sofisticá-lo ao ponto de afastá-lo da linguagem coloquial, sendo assim, não há a menor possibilidade de não ser compreendido por qualquer pessoa alfabetizada, que tenha cursado o ensino fundamental pelo menos.

    Por último, não aceito a pecha que o senhor me imputou de forma alguma, por dois aspectos : primeiro, que é inadmissível que alguém entre no meu Blog para ofender-me pessoalmente e sem nenhum cabimento. Sua argumentação é pífia, não se sustenta tal qual um castelo de cartas. O senhor não me conhece, não tem o direito de vir aqui me agredir, mesmo que tivesse alguma razão, e certamente que não tem.

    Segundo, eu não sou o que o senhor afirmou. Não perderei o meu tempo que é escasso, para demovê-lo de sua opinião absurda, mas registre-se que não sou o que disse.

    Diante dessa infâmia, o senhor outorgou-me o direito de uma resposta à altura de seu insulto, mas é óbvio que não o farei, pois isso seria rebaixar-me à um patamar de absoluta falta de educação e civilidade, que não condiz com os meus princípios.

    Não formularei nenhuma ofensa em relação à sua pessoa, pois recuso-me a ser grotesco com qualquer ser humano.

    Os tópicos de sua afirmativa equivocada foram esclarecidos.

    Sem mais,

    Passe bem, senhor.

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