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domingo, 25 de janeiro de 2015

Boca do Céu - Capítulo 3 - Ao Tornar-se uma Banda, de Fato - Por Luiz Domingues

Em relação à troca de nome da banda, sobre a mudança que estabelecemos, de "Céu da Boca", para "Boca do Céu", cabe agora uma explicação mais aprofundada, visto que anteriormente apenas comentei en passant. A ideia de mudar o nome foi do Laert Sarrumor. "Céu da Boca", remetia à anatomia buco-maxilar, mas também era metaforicamente bem ingênuo, coisa de escotismo ou congregação religiosa. 
No entanto, a inversão pareceu-nos à época, uma postura mais radical e condizente a uma banda de Rock com valores setentistas, e portanto, coadunada com a contracultura. A boca do céu sugeria uma imagem alucinógena sob uma primeira compreensão. Todavia, por ser dúbia, nós não levamos em conta o óbvio, ou seja, esse sentimento era peculiar para nós que estávamos ligados em Timothy Leary, Ken Kesey, Allen Ginsberg e na literatura de Aldous Huxley, Herbert Marcuse, Hermann Hesse e Carlos Castañeda, principalmente, entretanto, para pessoas não coadunadas com essas ideias, poderia assumir outras conotações, inclusive as mais tolas. 
A rigor, um nome de banda tem que ser conciso e mesmo que oferecer margem para múltiplas interpretações, há de conter uma base sólida, de onde a ideia primordial origine-se e transmita essa força. Além deste aspecto abstrato, mercadologicamente, tem que deter uma série de outros atributos. Como por exemplo, ser sonoro, não dar margem à confusão no seu entendimento semântico, não ofertar chance para que se criem apelidos e paródias chulas e/ou obscenas, ser fácil para a memorização, e de preferência, não conter artigo e/ou preposição adjuntos. 
No caso do "Boca do Céu", não observamos quase nada desses cuidados básicos, porém, dou o devido desconto pela nossa condição adolescente e incauta da época...
Animados com esse show-debut que fizéramos recentemente, soubemos de um Festival produzido pela Revista "Música". Esse festival chamava-se: "Fimp" e essa revista estabelecia um meio termo entre a "Rock, a História e a Glória" e a "POP", pois não detinha o mesmo nível de textos e a qualidade de uma equipe de redação, a contar com grandes jornalistas que a "Rock" mantinha, mas tampouco a qualidade gráfica/visual da "POP", contudo, vez por outra trazia reportagens interessantes, como por exemplo uma edição especial que lançou em 1977, comemorativa aos dez anos do lançamento do LP “Sgt° Peppers Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles.
Gravamos uma fita no ensaio, com as músicas: "Assim Como"; "Tango x Tanga"; "Tudo Band", e "Diva". Não classificamo-nos, mas isso não abalou-nos, e prosseguimos assim com os nossos planos, normalmente. 

Agora, não posso deixar de observar: qual teria sido a reação do sujeito que ouviu o material que enviamos ao festival “Fimp”? A qualidade sonora estava um horror, e a banda, longe de ser minimamente audível...
Eu fico a pensar sobre a força de vontade extraordinária que nós tínhamos, pois não era (é) fácil para ninguém começar da estaca zero, e ainda mais naquela época, onde o nosso padrão de influência musical, era altíssimo. Nós ouvíamos a “nata do Rock” e para chegar lá, naquele patamar que desejávamos, demandaria anos de estudo, e muita força de vontade. Portanto, louvo como algo simplesmente inacreditável essa vontade que tínhamos, pois o que tocávamos, era muito aquém do que gostaríamos de tocar.
Mas chegou a hora de contar sobre o nosso imbróglio com Ezequiel Neves, poucos dias depois de fazermos o nosso primeiro show.

Foi em fevereiro de 1977, que o “Made in Brazil” iniciou uma temporada em duas semanas no teatro Aquarius, em São Paulo. Então o Laert propôs que fôssemos, e apresentássemo-nos ao Ezequiel Neves, e quem sabe assim ele não interessar-se-ia em ajudar-nos de fato, visto ter publicado meses antes, ainda em 1976, que se considerava o nosso "padrinho?"
Essa dose de ousadia do Laert era muito salutar, mas contrastava com nossa ingenuidade juvenil, pois fora óbvio que o Ezequiel não houvera levado a sério esse suposto "apadrinhamento". Eu e o Laert chegamos decididos na porta do teatro, em um domingo, por volta das dezenove horas. Ouvíamos a banda a realizar o seu soundcheck ainda, quando falamos com o bilheteiro do teatro, ao perguntar-lhe se o Ezequiel estaria presente.
O bilheteiro deu-nos muitas evasivas e nós a insistir, até que vimos o Ezequiel em pessoa, a circular pelas dependências do teatro e o chamamos. Ele demonstrou uma certa irritação e ignorou-nos por um certo tempo. Mas como insistimos, ele enfim veio ao nosso encontro e o seu semblante foi o de alguém muito irritado. 
Mesmo assim, quando aproximou-se, o Laert educadamente apresentou-se e ao afirmar que éramos o "Boca do Céu", antigo "Injeção na Veia", e que houvera mandado-lhe exemplares do seu fanzine, "Sarrumorjovem" etc. Então, Ezequiel ficou possesso e aos gritos, dizia não lembrar-se de nada disso, e que nós deveríamos pagar os ingressos, se quiséssemos assistir o show. Foi quando o Laert (até hoje não sei se foi por ingenuidade ou deboche), falou que ele, Ezequiel, era o “nosso padrinho” e nesses termos, poderia pelo menos dar-nos ingressos em caráter de cortesia...
O Ezequiel ficou possesso e a vociferar que não era padrinho de "porra nenhuma", pegou dois ingressos, deu-nos com truculência gestual e advertiu-nos a nunca mais o abordarmos com essa argumentação, e que deveríamos pagar pelos ingressos, doravante. Garotos que éramos, não incomodamo-nos com o “chilique” e fomos ver o show... claro, perdermos um "padrinho", talvez para um concorrente tão juvenil quanto nós na época, um tal de Cazuza, por quem Ezequiel estava em vias de conhecer e encantar-se...
Essa foto acima, que eu achei na internet é de fato do show "Massacre", do Made in Brazil, que assistimos no Teatro Aquarius em 1977, porém, não necessariamente do dia em que fomos assistir tal show, mas da mesma turnê, sem dúvida
Animados com a perspectiva de participar de um festival com um nível muito alto para os nossos padrões daquele momento, resolvemos encorpar o som da banda, ao acrescentarmos um novo membro, a tornar-nos então, um quinteto com a entrada do guitarrista, Wilton Rentero. Ele surgiu oriundo de uma indicação que o Laert recebeu, ao dar conta de um garoto que era estudante de violão clássico, e apesar de ter pouca familiaridade com guitarra, ser um Rocker genuíno, como nós. 
Apesar do Osvaldo não ter apreciado muito a ideia, pois fora o membro fundador e acostumado a ser o “lead guitar”, foi convencido pelo Laert e por eu mesmo, que seria benéfico para a banda haver a presença de um outro guitarrista e assim, o som da banda dar encorpar-se. Dessa maneira, marcamos uma audição com o Wilton Rentero, e a sua técnica era tão superior à dos demais, que nem precisamos consultarmo-nos verbalmente. Aprovadíssimo estava, sem reservas.
Wilton Carlos Rentero, ou Wil, como ficou conhecido entre nós, em foto de 1976, um pouco antes de ingressar em em nossa banda. Acervo e cortesia: Wilton Rentero

Foi por volta de março de 1977, que isso ocorreu e conhecemos o Wilton Carlos Rentero. Ele apareceu com sua guitarra, "Ookpik", modelo SG, branca e disposto a mostrar-nos os seus dotes musicais mediante um teste. A sua presença tornar-se-ia a grande oportunidade para catapultar a banda para outros degraus, mais altos. Como quinteto e a contar com um guitarrista que fazia solos desse nível, consideramos que a boa base feita pelo Osvaldo, cresceria, também.

Além disso, tínhamos o Laert Sarrumor, que apesar da inexperiência nessa época, era um diamante bruto, a ser lapidado sob passos largos. E fora o fato de que eu crescia muito no baixo, pela minha força de vontade que era imensa para evoluir o quanto antes. Em março de 1977, eu já tinha quase um ano completado  com esforços empreendidos para vencer a barreira inicial do aprendizado, e posso dizer que melhorara muito. O que menos crescera musicalmente entre nos foi o amigo, Fran Sérpico, porém, mesmo mais lentamente, ele também apresentava os seus progressos.
O Wilton Rentero morava em Engenheiro Goulart, um bairro da zona leste de São Paulo, próximo da Penha. Esta localidade parecia uma cidade do interior, com pracinhas e estação de trem etc. Era (é), bem longe para ele deslocar-se para os nossos ensaios, mas a sua força de vontade nunca tirou-lhe o ímpeto para ensaiar e participar das atividades da banda. 

Logo que entrou, Wil já deu-nos a perspectiva de inscrevermo-nos em outros tantos festivais. Espertamente, o Laert sabia que faltava esse detalhe para a banda pleitear participar de festivais estudantis mais gabaritados, e de fato, ficamos muito enriquecidos com sua guitarra. 

Ele era estudante de violão clássico, mas detinha também uma forte formação Rocker, ao gostar de tudo o que gostávamos, praticamente. Mas a sua predileção era mais pelo Blues e Rock'n' Roll, do que o Hard-Rock e Progressivo. A sua predileção pendia maios para o som de “Janis Joplin”, “Rolling Stones”, e outros artistas próximos dessa sonoridade. Não que não gostasse de Prog Rock, aliás gostava bastante do “Yes”, mas na hora de tocar, o seu estilo era mais Rolling Stones, via Mick Taylor. 

Todavia, o som mais pesado também fazia-se presente, e nesse caso, o “Led Zeppelin” era de fato a sua banda de cabeceira. Apesar de ter pouca familiaridade com a guitarra, Wil logo adaptou-se e os seus solos cheios de veia bluesy, transformaram a banda, ao proporcionar-nos um salto quântico de qualidade. E obviamente, todos motivaram-se a estudar mais, e assim provocar a subida geral do nível musical do Boca do Céu.
O festival “Fimp” não deu certo, infelizmente, mas tínhamos mais duas perspectivas interessantíssimas: o Festival do meu colégio, "Femoc" (Festival Estudantil de Música do Colégio Oswaldo Catalano"), e o Fico (Festival Interno do Colégio Objetivo), este sim, promovido sob um grande porte, com eliminatórias realizadas no salão de festas do Palmeiras e com direito à transmissão pela TV Bandeirantes. Começamos então a ensaiar e prepararmo-nos dessa maneira, para gravarmos as músicas com a melhor qualidade possível, a fim de podermos ter condições de classificação. 

Continua...

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