Foi com essa banda iniciante que eu transmutei um sonho impossível na verdade, ao estabelecer a transição do onírico à matéria. Responsável pelo impulso inicial, que tirou-me do sonho à realidade, essa banda teve um papel fundamental nessa transição. Tenho muita saudade desse tempo, principalmente os primeiros instantes, entre 1976 e 1977, onde a força de vontade foi o motor que manteve-me nessa senda.
O Boca do Céu tem um significado muito especial na minha trajetória, conforme saliento novamente. Apesar de ter sido tecnicamente uma banda com parcos recursos, pelo fato de seus membros terem sido iniciantes na música, naquela ocasião (principalmente eu mesmo). E certamente por isso, é que possui esse valor sentimental enorme para a minha carreira.
Tenho muito carinho por esse tempo primordial, por tudo o que vivi e não foram poucas as impressões e vivências: foi o ambiente de meio/final dos anos setenta e ainda tive o privilégio de vivenciar o final de uma Era.
Se eu fosse fazer valer-me pela vocação, aptidão natural, ou ouvido musical, eu jamais conseguiria. Eu só tornei-me músico e construí uma carreira com dezoito discos lançados no mercado (na somatória de todas as bandas, até 2016), por que tive uma vontade ferrenha. E o Boca do Céu teve esse papel como mola propulsora, inicial e fundamental.
Mesmo sendo uma banda formada por jovens sem as melhores condições técnicas ideais para começar um trabalho autoral (com exceção do guitarrista, Osvaldo Vicino, que já tocava e o Wilton que entrou a posteriori e tinha técnica, graças aos seus estudos pregressos), acho que essa força de vontade não foi exclusividade minha e nós tivemos mesmo essa vontade coletiva ao conseguimos sair da inércia inicial, e levar a banda para patamares muito significativos, ao considerar-se as nossas condições técnicas e pela ingenuidade juvenil dos membros, eu incluso, logicamente.
O fato de termos tocado em festivais, principalmente o FICO, com direito à transmissão televisiva, foi uma grande vitória coletiva, que eu particularmente, orgulho-me. Sei que o Laert pensa o mesmo, e acho que o Osvaldo também, para citar os dois que tenho contato até hoje (recentemente, 2013, retomei o contato com Fran Sérpico, também).
Com a sua inteligência, cultura, perspicácia e talento nato, impulsionou a banda. Sem ele, não teríamos evoluído tão depressa. Claro que o grosso do material que produzimos, ficou aquém do que faríamos no futuro, tanto eu, quanto o Laert, em bandas futuras em que seríamos membros, mas chegamos a ter músicas interessantes no Boca do Céu, apesar de sermos tão fracos tecnicamente. Músicas como: "Revirada", "No Mundo de Hoje", "Centro de Loucos", "Serena", "Diva", "Na Minha Boca" e “Instante de Ser”, tinham qualidade, ao considerar-se as condições pelas quais foram compostas. Anos depois, as músicas: "Na Minha Boca" e “Instante de Ser” entraram para o repertório do Língua de Trapo, e fizeram sucesso nos shows dessa banda, por exemplo.
Foi uma época em que eu fui um consumidor voraz de cultura em geral, mas a amálgama sempre foi o Rock, e os ideais hippies, contraculturais etc. Tenho saudade da alegria que sentia quando acordava na manhã de um sábado, e sabia que ensaiaria naquele dia. Cada ensaio representava mais um passo em direção ao sonho. O cabelo pela cintura, as batas indianas, e a calça boca de sino, com a utilização de remendos coloridos... pois é, os meus pais achavam que aquilo era fantasia de festa junina, mas eu achava o máximo andar vestido a parecer com ícones meus que assim trajavam-se, em seu cotidiano, tais como Roger Daltrey ou Neil Young...
Os colegas que gravitaram nos primórdios da formação do Boca do Céu em 1976, invariavelmente foram colegas da oitava série do curso fundamental da Escola Municipal Maria Antonieta D’Alckmin Basto, na Vila Olímpia, zona sul de São Paulo. Além dos que foram membros da banda, cito Gabriel, Nelson e Toninho que foram colegas de classe e acompanharam com constância no início, a nossa movimentação para formar a banda, além de outros tantos, incluso colegas que eu conhecia desde 1968 (Grupo Escolar de Vila Olímpia) e outros tantos de 1973 (Ginásio Estadual de Vila Olímpia), em diante e que com maior ou menor profundidade, observaram os nossos esforços nessa mesma determinação.
Sou muito grato à família do Osvaldo Vicino, na figura de seu pai que era/é um gentleman, sua mãe (in memorian), e irmãs que torceram bastante e apoiaram-nos, além de Nelson Gravalos, namorado (e marido até os dias atuais), de sua irmã, Beth Vicino, pela filmagem da banda em um celuloide Super-8, em junho de 1977.
Das turmas do meu colégio, Oswaldo Catalano, em que fui aluno entre 1977 e 1979, além do quase vizinho, mas morador da mesma rua, cujo nome esqueci-me completamente (mil perdões, amigo!), mas que aparentava ser um "freak" e só por ver-me cabeludo a chegar para morar na Rua Jacirendi, no início de 1977, mostrou-se hospitaleiro e sem nem conhecer-me direito, tocou a campainha de minha nova residência e emprestou-me os seguintes LP’s: o triplo a conter a trilha do filme sobre o Festival de Woodstock e Mutantes ao Vivo...ou seja: ”I wanna take you higher”, que os "Anjos do Sul" já vão chegar...
Aproveito, e estendo o agradecimento aos meus tios e primos que apoiaram diretamente essa etapa, inclusive por ceder a sua residência para o Laert estudar no piano da família, fora o apoio e entusiasmo pela banda. Grato, família Barretto Turci, tios José Rubens & Hortência e meus primos: José Rubens Junior, Marco Antonio, Siomara e Alcione Turci.
Chegou a hora de agradecer a cada personagem dessa etapa inicial da minha trajetória musical. Começo a falar sobre os que tiveram participação menor com a banda.
Em 2006, eu ainda não acessava a internet, quando soube que ele mandou um depoimento bonito, a relatar ter me visto em ação com o Pedra, quando abrimos o Uriah Heep, na casa de espetáculos, Via Funchal, em São Paulo, através do site dessa banda. Mas apesar de eu ter respondido rápido, ninguém ajudou-me de imediato a postar isso e a resposta demorou tanto a ser digitalizada e enviada, que ele deve ter ficado bravo comigo, pois não respondeu depois. Se estiver a ler este relato, fica aqui a minha sincera desculpa por essa falha de comunicação, e esteja convidado a adicionar-me em qualquer rede social onde eu estiver! Vamos relembrar os bons tempos da nossa escola, sobre o nosso time de futebol, o "Universal", e a nossa paixão mútua pelo Rock.
Fica aqui uma menção ao primo dele, que chamava-se, Sidnei Miranda (estendido à sua então namorada e hoje, esposa, Adelaide Giantomaso), e que deu muito apoio ao Boca do Céu. Além de ser uma referência para nós, por ser mais velho e hippie dos primórdios do movimento, tendo muitas histórias para contar e com uma bela coleção de discos que colocou à nossa disposição para ouvirmos. Saudade das visitas que fazíamos à casa dele, no bairro da Casa Verde, na zona norte de São Paulo, onde varamos madrugadas juntos a ouvir sons incríveis na vitrola, "Gradiente" (Syd Barrett - Madcap Laughs...).
Ao falar de sua participação conosco, foi incrível a sua trajetória ao instrumento sem o uso de uma caixa (snare drum), peça fundamental no kit, mas mesmo assim ele levou adiante. A sua generosidade em transformar a própria residência em nosso “QG”, foi imensa. E cabe aqui também um agradecimento à sua família, que aturou-nos por um bom período, com ensaios semanais barulhentos, com direito ao entra-e-sai de convidados etc. Saudade dos ensaios na residência dele, no bairro do Campo Belo, com direito às idas ao recém inaugurado Shopping Ibirapuera, onde causávamos estranheza pelo nosso visual hippie, ao contrastar com os playboys ali presentes.
Poucos dias antes do natal de 2016, Fran Sérpico deu-nos um presente de natal inesquecível ao providenciar enfim a digitalização e edição do histórico vídeo em formato Super-8, que filmamos com a banda no quintal de sua residência, no dia 12 de junho de 1976. Tal documento tornou-se o único, raro e histórico registro da nossa banda em ação, portanto, nem sei o que dizer para agradecer-lhe por tê-lo guardado nesses anos todos e providenciado a sua digitalização para apresentação pública, ad eternum.
Sou-lhe grato também, pois prestou um bonito depoimento no Facebook, ao falar do Boca do Céu, e enaltecer o Laert e eu, Luiz, também, por termos profissionalizado-nos e construído carreira artística, incluso com pontos em conjunto, caso do Língua de Trapo.
Laert Júlio Pedro Jesus Falci... com esse nome de imperador do século XIX, mediante essa profusão toda. Laert tem talento nato, criatividade, força de vontade, poder de organização, espírito empreendedor e mostra-se como um visionário.
Com o Laert, saímos do patamar de uma banda sem condições mínimas nem para ensaiar com um mínimo de organização, para algo palpável, ao ponto de fazer planos auspiciosos para a nossa expansão etc.
Laert Sarrumor tornou-se anos depois, conhecido pelo Língua de Trapo, mas também pela carreira como ator (já atuou no cinema várias vezes), especiais de TV, apresentador de programa de TV, dublador do personagem, Topo Gigio (versão anos 1980), escritor de livros com sucesso "best seller", redator de humor, radialista (está a atuar desde 1983 com o programa: "Rádio Matraca" no ar, pela USP FM), cartunista, ilustrador, garoto propaganda em comercias de TV...
O responsável pela pedra fundamental da fundação da banda e a quem quero agradecer efusivamente, é Osvaldo Vicino, meu colega da 8ª série, que formulou o convite para formarmos uma banda de Rock, em abril de 1976. Foi ele também que teve a paciência para esperar eu aprender o be-a-bá da teoria musical, e adestramento mais básico ao baixo.
Seu segundo impulso para ajudar-me, foi tentar adaptar uma guitarra Gianinni velha que ele possuía, como baixo e santa ingenuidade de nós dois, claro que não deu certo.
Depois, foi ele que viu um baixo usado, “handmade” na vitrine de uma loja de instrumentos velhos e baratos. Se tratou de um baixo "imitação" da renomada marca, Hofner, e foi o meu primeiro instrumento. Ele só afinava com o uso de um alicate, pois as tarraxas estavam emperradas, era muito grosseiro no seu acabamento e tinha captadores horríveis, mas foi o meu primeiro baixo. Adoraria tê-lo comigo hoje, como uma peça histórica de memorabilia, pois não daria para tocar com um negócio daqueles, mas por outro lado, que importância sentimental teria se estivesse comigo...
Pois então, eu tenho essa dívida moral com Osvaldo Vicino, por que ele foi efetivamente o amigo que abriu-me as portas para a música de uma forma concreta, a fazer-me ir além dos devaneios que tivera até então, antes de ter aceito o seu convite para entrar em uma banda "real", em meio a um dia de abril de 1976...
Com o Osvaldo, eu retomei contato pela extinta rede social, Orkut, em 2010. Ele viveu no Nordeste por muitos anos, tendo morado em Fortaleza, e também no Recife. Tem três filhos, trabalhou em vários hospitais como administrador, e nunca deixou de tocar, apesar de eu ter pensado isso, quando ele saiu da banda (ainda bem, que nunca parou!).
Com os rapazes do Lovehunter Whitesnake Tribute, Osvaldo é o quarto, da esquerda para a direita em foto de 2015. Acervo e cortesia: Osvaldo Vicino
Quando retomamos o contato pelo Orkut, fiquei muito contente por saber que ele não parou, e teve por anos, uma banda cover do grupo britânico, Whitesnake, chamada: "Lovehunter Whitesnake Tribute". Ele também desenvolveu-se no baixo, e hoje em dia toca os dois instrumentos com desenvoltura. Em 2015, voltou a morar em São Paulo e participou da festa de aniversário do Laert, em maio, ocasião em que infelizmente não pude comparecer por estar adoentado na mesma época. Mas em agosto do mesmo ano, ele foi ver-me a tocar com a Magnólia Blues Band e conversamos bastante sobre os velhos tempos.
Osvaldo Vicino e Laert Sarrumor na festa de aniversário do Laert em maio de 2015, na primeira foto com seu autor do click desconhecido. Luiz Domingues e Osvaldo Vicino sob um feliz reencontro ocorrido em agosto de 2015. Fotos: Lara Pap
O Boca do Céu em ação, em 12 de junho de 1977, único documento de imagem da banda e o mais remoto da minha própria carreira. Filmagem em Super-8 de Nelson Gravalos em 1977. digitalizado em 2016 por Fran Sérpico. Cortesia de Fran Sérpico e pós-produção de Jani Santana Morales
Eis o link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=LHiL27bRGOs
A vida prosseguiu, e logo, eu
estaria envolvido com o Grupo de Poesia e Música da Faculdade Cásper Líbero,
que na prática foi o embrião mais remoto do Língua de Trapo.
É daqui que segue a
minha história, portanto... Língua de Trapo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário