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domingo, 25 de janeiro de 2015

Boca do Céu - Capítulo 4 - Ao Viver o Fim do Sonho Hippie - Por Luiz Domingues

A amizade com o guitarrista, Wilton Rentero foi instantânea e logo, eu (Luiz), Laert e ele, Wil, passamos a frequentar juntos o mesmo circuito freak da cidade. Shows, cinema, teatro e exposições e lá estávamos nós na porta, a usarmos o visual dos hippies, e aquela euforia por estarmos envolvidos sob aquela atmosfera setentista maravilhosa. 
 
E nem desconfiávamos que estávamos no final do processo, com aquela vibração a precipitar-se para o ralo, na prática... mas aí é uma outra história. 
 
Um exemplo vívido disso que eu acabei de dizer anteriormente, ocorreu por exemplo no dia seguinte ao nosso primeiro show, quando fomos ao Teatro Municipal de São Paulo, para assistirmos juntos o show: "Mutantes/O Terço tocam Beatles". 
Atmosfera mágica de anos setenta, aquele perfume de patchouli, todo mundo vestido como hippie chic, cabeludo e com aquela esperança utópica de se estar a transformar o mundo cinzento com a força do amor...
Toda essa atmosfera “Woodstockeana” que chegara atrasada ao Brasil, alimentava os sonhos do Boca do Céu, e certamente foi o fator de incentivo em nossa trajetória. Sem esse clima, não teríamos tido tanta força de vontade, não tenho dúvida disso.
E no ano de 1977, o Brasil dava seus primeiros passos tímidos em direção aos shows internacionais. Após shows sazonais de Santana; Herman Hermit's, Jackson Five, Steve Wonder, Ray Charles, Ravi Shankar e Alice Cooper... mas creio que após o show de Rick Wakeman em 1975, a perspectiva começou a tornar-se mais concreta e nesse ano de 1977, tivemos duas surpresas agradabilíssimas desse porte internacional, e que tiveram suma importância no fator motivacional do Boca do Céu. Comentarei no decorrer da cronologia dos fatos. 
 
Em 1977, a cidade de São Paulo fervilhava com shows. Essa dinâmica vinha desde antes, pois em 1976, houvera várias maratonas de Rock que prosseguiram em 1977, por exemplo.
Foi em alguma noite de maio de 1977, cujo dia correto, não recordo-me, que eu; Wilton Rentero e Laert Sarrumor fomos ao Tuca (Teatro da Universidade Católica - PUC), para assistirmos um show dos Novos Baianos. O show foi eletrizante do primeiro ao último segundo, como era a praxe daquela banda sensacional. Na primeira parte, eles tocavam os temas mais acústicos com ritmos brasileiros e na segunda parte, ficava só a sessão elétrica no palco, a que chamavam de "A Cor do Som". 
 
Era como se fosse uma banda dentro da outra, mas logo a seguir, o ex-baixista dos Novos Baianos, Dadi, fez uso do nome para fundar outra banda com o mesmo teor artístico e a história todo mundo conhece. 
 
Nessa hora, a veia Rocker deles explodia, literalmente, pois Pepeu, Jorginho e Didi, os três irmãos, simplesmente destruíam seus instrumentos para humilhar os Rockers radicais, que desdenhavam dos Novos Baianos por conta de não serem cem por cento Rock'n' Roll (supostamente), e terem esse lado brasileiro bem acentuado. 
A palheta que o nosso guitarrista, Wilton Rentero, apanhou das mãos de Pepeu Gomes, durante o show dos Novos Baianos no Teatro Tuca de São Paulo, em maio de 1977. Acervo e cortesia de Wilton Rentero 

Lembro-me que o Wilton Rentero conseguiu a palheta do Pepeu na última música e o quanto ficou eufórico por essa conquista. Foi quando o Laert Sarrumor teve que ir embora e eu e Wilton Rentero resolvemos ludibriar os seguranças do teatro, e tentamos assim ficarmos para assistir a dita "sessão maldita", gratuitamente. Naquela época, eram comuns as sessões duplas com shows de Rock, com o primeiro show às nove da noite e a segunda sessão à meia-noite, daí a alcunha: "Sessão Maldita". 
 
Conseguimos burlar a segurança, subimos ao palco e ao fingirmos estarmos a pedir autógrafos dos componentes dos Novos Baianos, foi quando surgiu uma brecha, e assim entramos coxia adentro, e escondemo-nos nos camarins do Tuca. 
Foi uma experiência lúdica, pois o Paulinho Boca de Cantor e a Baby Consuelo ao invés de ficar bravos com a nossa invasão, solidarizaram-se e acobertaram-nos, por deixar-nos no camarim, sob a instrução de voltarmos à plateia, assim que o show da meia-noite estivesse para começar. 
 
Lembro da Baby a brincar conosco, daquele seu jeito despachado e dizer-nos alguma coisa do tipo : -"olha os dois malucos aí, estão assustados... relaxa aí, bicho, pode ficar aí numa boa, e assistir a sessão maldita"...
Estávamos de fato assustados por estarmos a burlar a segurança do teatro, mas muito mais, na verdade, emocionados por estarmos nos camarins dos Novos Baianos, ao vê-los pessoalmente em um momento pós-show, e a preparar-se para o segundo show, sem contar a movimentação dos roadies e técnicos a fazer reparos, e checar o equipamento etc. 
 
Aquilo foi por demais lúdico para dois garotos sonhadores com dezessete anos de idade. Então, pouco antes de abrir as portas para o público da sessão maldita, um roadie do grupo conduziu-nos à plateia, e dessa forma nós assistimos novamente aquele petardo chamado: "Novos Baianos"...
Na saída, por volta das duas horas da manhã, não tínhamos outra alternativa a não ser descer a Rua Monte Alegre, até a Av. General Olímpio da Silveira, e esperar um ônibus para a zona leste, onde eu iria para o bairro do Tatuapé, e ele, Wilton Rentero, seguiria para Engenheiro Goulart, adiante da Penha. 
 
Porém, não fomos somente nós, pois havia nesse comboio, pelo menos cerca de cem "freaks" que tinham o mesmo objetivo, naturalmente. Chegamos ao ponto do ônibus, enquanto esperávamos a linha Penha/Lapa, e eis que surgiu um pequeno comboio com diversas viaturas da polícia militar. Com a truculência que lhes era  peculiar naqueles tempos de regime autoritário, chegaram a enquadrar todo mundo. 
 
Fomos revistados, humilhados e os que portavam drogas, apanharam muito. E naqueles tempos de arbitrariedade respaldada por atos inconstitucionais, eles poderiam mesmo fazer isso ao seu bel-prazer. 
 
O oficial que comandava a  operação, parecia alucinado, e expressava em sua fala tresloucada, o desejo em colocar todo mundo dentro de um ônibus a visar prender-nos. 
 
Todavia, por uma sorte inesperada, ele resolveu enquadrar somente os que portavam drogas (ao meu lado, havia um hippie desconhecido e que estava com pelo menos trinta comprimidos de “Mandrix” em sua bolsa, a tratar-se de uma droga popular na época). 
Então, após um sermão moralista a exortar-nos a: tomarmos cuidado, cortarmos os cabelos e pensarmos em "Deus, família, e Brasil", deixou-nos em paz, finalmente. Foi uma experiência que durou cerca de trinta minutos, mas que pareceu-nos horas, ali no calor em que transcorreu...
Essa foto acima é o mais remoto registro fotográfico da minha carreira na música. Trata-se da formação em quinteto do Boca do Céu, quando o guitarrista, Wilton Rentero entrou para a banda, aproximadamente em março de 1977. Não tenho a data exata da foto, mas pelos trajes leves, deduzo ser ainda de março, ou mais tardar o início de abril de 1977. Foi clicada no corredor lateral de minha residência na época, que dava acesso independente à edícula onde realizávamos os nossos ensaios, nessa fase da banda. Da esquerda para a direita: Laert "Sarrumor" Julio (voz e teclados), Fran Sérpico (bateria), Wilton Rentero (guitarra), Osvaldo Vicino (guitarra e voz) e eu (Luiz Domingues) (baixo). A camiseta do Laert e a minha, foram pintadas manualmente por ele mesmo, Laert. Na dele, havia uma ilustração de seu próprio rosto e na minha, apesar de pouco visível na foto, trata-se do logotipo da banda britânica, "Rainbow". Apoiado nas minhas pernas, está o meu primeiro baixo, que eu já citei anteriormente nesta autobiografia. Tratava-se de um baixo "handmade", imitação de Hofner.
Apesar desse baixo astral em ter tido contato direto com a repressão do regime de então, aquele período foi um dos mais luzidios que eu tive em vida, culturalmente a falar. Aliado à euforia por verificar a minha banda em franco crescimento, embora aos olhos de hoje, é claro que eu considero as limitações artísticas que tínhamos. 
 
Foi também uma época onde eu fui ver dúzias de shows, cinema, teatro, exposições e palestras, as mais variadas. Quando não foi com o pessoal da banda, foi na companhia de outros amigos ou com os meus primos. 
Além disso, foram inúmeras ocasiões em que eu ajudei o Laert a vender a sua revista, "Sarrumorjovem", em lugares bem interessantes sob o ponto de vista cultural da cidade. 
 
Lembro-me que nesse mesmo mês em que vi os Novos Baianos no Tuca (em duas sessões), ter visto também uma sensacional maratona no Sesc Vila Nova, no Teatro Pixinguinha. Nessa noite, assisti “Jorge Mautner”, “Made in Brazil”, “Bendengó”, “Papa Poluição”, “Flying Banana” e “Hermeto Paschoal”.
Em um outro sábado, maratona de Rock no ginásio da Portuguesa de Desportos, com “Mutantes”, “O Terço, “Made in Brazil”, “Sindicato”, “Novos Baianos”, “Joelho de Porco”...
Nas fotos acima, o nosso guitarrista, Wilton Rentero, ao lado de Rita Lee (primeira foto) e Gilberto Gil (segunda foto), no camarim do show dos "Doces Bárbaros", no Palácio das Convenções do Anhembi em São Paulo, em momento retroativo à esta narrativa, em 24 de junho de 1976. Acervo e cortesia de Wilton Rentero. Click: Nelson Rentero
Mas foi ao final de maio, foi que enlouquecemos de vez. Um gigante do Rock Progressivo aportava na terra tupiniquim: “Genesis”... 
 
Tratara-se da turnê do disco: "Wind and Wuthering", lançado em 1976 e este a significar o segundo trabalho sem a presença do mítico vocalista, Peter Gabriel, que deixara a banda recentemente. 
 
Apesar da desconfiança inicial em torno do fato do baterista, Phil Collins, ter assumido o vocal solo da banda, essa continuidade do Genesis, pós-Peter Gabriel esteve aprovada, pois o baterista, Collins, deu conta do recado, plenamente, pelo que apuramos ao ouvir os dois discos recém lançados pela banda. 
 
E nessa fase, a orientação da banda ainda era pelo Prog-Rock que consagrara-a. Tal banda perdeu, é bem verdade, com a falta da teatralização toda que era promovida pelo performático, Peter Gabriel, mas o Phil Collins revelou-se não apenas um excelente vocalista, mas também um "frontman" desinibido e muito carismático. 
Eu (Luiz), Osvaldo Vicino e Laert Sarrumor fomos ao Ginásio do Ibirapuera na noite do dia 20 de maio de 1977. Eu já havia assistido o show de Rick Wakeman em 1975, mas o Genesis foi algo ainda mais impactante em minha percepção. 
 
Ouvir um tema épico como: "Supper's Ready", ao vivo e no alto de seus gloriosos vinte e três minutos de duração, foi um “desbunde”, para usar um termo típico da época a denotar uma autêntica revelação advinda de uma outra realidade. Quando chegou naquele trecho em que canta-se: "Flower", duas flores infláveis imensas surgiram nas laterais do palco. E "desbundes" assim, só davam-me mais ânimo para sonhar com o Boca do Céu a crescer...
Lembro-me que apesar do frio de rachar, ostentei orgulhosamente uma camiseta que o Laert desenhara-me, manualmente, com a capa do LP "Rising", do “Rainbow” como estampa.  
 
Assistimos na arquibancada, como pobres mortais, mas víamos na ala vip, Rita Lee e membros do Tutti-Frutti, o Jet Set do Rock Brasileiro, uma outra lembrança incrível: foi o primeiro show de Rock no Brasil com um artista internacional a usar raio laser, como efeito especial. 
Nesse vídeo acima, um trecho filmado com uma velha filmadora "Super-8", a conter uma música do show do Genesis, no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo.

Esse é o link para assistir no YouTube:
E acima, o áudio do show de 21 de maio de 1977, no Ginásio do Ibirapuera de São Paulo, que um abnegado fã gravou e com boa qualidade. É bem simpático ouvir o Phil Collins a esforçar-se para falar em português com o público e a constatação que a banda vivia grande fase, com o som redondo, apesar dos ventos serem tenebrosos para o Rock Progressivo em 1977, mas aqui no Brasil nós nem percebíamos isso, naquele instante... ainda bem! 

O link para ouvir esse show do Genesis em São Paulo, na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=Q4EvL2vNWNg

Quando os raios laser foram acionados, o público teve uma reação ao estilo do personagem, “Jeca Tatu”, ao soltar em uníssono um som onomatopaico do tipo : "OOOOHHH", que foi engraçado, por exacerbar o nosso terceiro-mundismo envolto no atraso...
A banda só cometeu uma falha estrutural, mas na verdade quem errou feio o público brasileiro com o seu fanatismo despropositado. Aconteceu que quando os membros da banda voltaram ao palco para o bis, estavam todos a usarem camisetas do Santos F.C. 
 
O raciocínio dos britânicos deve ter sido: -"qual é o time do Pelé? Deve ser o mais popular, certamente"... mas eles não contavam com a reação de repulsa dos corintianos, palmeirenses e sãopaulinos alojados na plateia...
Uma vaia mastodôntica deixou-os atordoados e rapidamente eles voltaram ao camarim para retornar, então, com as camisas amarelas da seleção brasileira... mais um atestado de “caipirice” que assinamos... mas alheias às nossas reações prosaicas, foi um grande show perpetrado pelos membros do Genesis!
Foi uma das melhores lembranças de 1977, sem dúvida. E além do prazer pelo show em si, nós considerávamos todos os shows como um curso universitário para as nossas pretensões... observávamos cada detalhe, da organização do show à performance da banda.  
 
Ficávamos atentos ao som, a movimentação dos técnicos, iluminação, cenário, equipamento, efeitos, enfim, conversávamos o tempo todo sobre cada detalhe e constantemente o Laert emitia um boletim manuscrito, que líamos com atenção.  
 
Neles, ele escrevia minuciosamente todos os aspectos relativos à produção da nossa banda. Esse boletim agradava-me muito, pois eu pensava igual à ele nesse aspecto. Sou normalmente um adepto da organização, método e foco no trabalho com planejamento. 
E através desses boletins, organizávamo-nos da melhor maneira possível mas claro, dentro de nossas limitações.
Apesar dessa euforia toda pela profusão de coisas que vivenciávamos à época, incluso os progressos da banda, havia um ponto de preocupação. 
 
O baterista, Fran Sérpico, demonstrava ser o músico da banda que menos evoluía em comparação aos demais e isso denotava ser um claro reflexo de seu menor entusiasmo pela aspiração maior que movia-nos. 
Tal fator preocupava-nos, pois estávamos a dar o máximo de nós, e ele parecia não ter a mesma energia, disposição. Mas enfim, sempre relevamos, ao atribuir tal falta de foco aos fatores escolares e / ou familiares que norteavam a sua vida.

Sim, por que na idade em que estávamos, essas questões pautavam o nosso livre arbítrio, ou falta de, na verdade.
 
Com exceção do Laert que já caminhava para os seus dezenove anos de idade, todos nós estávamos sujeitos às amarras familiares, e a banda corria riscos de perder membros, em casos de mudança de humor de nossos respectivos progenitores...

Contudo, chegamos à conclusão de que no caso do Fran Sérpico, não havia esse tipo de impedimento, mas sim uma certa apatia pessoal da parte dele, por naturalmente ele nutrir uma outra visão sobre a banda. Digamos que o entusiasmo dele tinha uma graduação menor em relação aos outros quatro. Dessa forma, convocamos o Osvaldo Vicino para conversar de forma reservada com Fran, que era seu primo e assim, esclarecer o seu posicionamento.


Outro fato ocorrido nesse mês de maio, foi que o Wilton Rentero mostrou-nos um som de viola, com nítida influência nordestina, que ele havia composto. 
 
Na época, o Alceu Valença fazia sucesso com seu disco ao vivo, que convenhamos, era visceral e com “pegada de Rock”, visto que a sua banda era praticamente o "Ave Sangria" inteiro, a tratar-se de uma ótima banda nordestina de Hard-Rock, que era um tanto quanto obscura no sudeste/sul, mas que os Rockers mais antenados, conheciam e apreciavam.
Infelizmente, o Osvaldo e o Fran rejeitaram essa sonoridade, por radicalismos típicos da época, mas sob uma votação, eu e Laert apoiamos o Wilton. Desse riff a lembrar o baião nordestino, surgiu "Revirada", uma música com letra forte do Laert, a atacar a ditadura, ainda que com os devidos disfarces metafóricos que havia aprendido a usar com Chico Buarque, principalmente. 
E com uma parte B, bem Rock'n' Roll, composta posteriormente pelo Laert, tal música tornou-se o nosso maior trunfo no repertório, nos meses seguintes. Essa rejeição ao riff nordestino, fora fruto do radicalismo juvenil de Osvaldo e Fran. 
 
Não recrimino-os de forma alguma, pois haviam muitos Rockers que eram radicais nesse sentido, durante os anos setenta. Foi uma manifestação de garotos que éramos em 1977, e no caso deles, por ter seu espectro de gostos musicais mais fechados, do que os demais. Eu era mais aberto, pois apreciava a MPB, via Caetano; Gil; Novos Baianos, entre outros, e portanto, estava mais acostumado à essa sonoridade.
Mas essa pequena crise logo dissipou-se, pois a música ficou muito boa. De certa forma, "Revirada" usou a mesma fórmula que o "Pedra" (minha banda em boa parte dos anos 2000), seguiria em 2010, quando lançou a canção: "Queimada das Larvas nos Campos Sem Fim", onde existe uma parte “A”, bem calcada na sonoridade nordestina, e uma “B”, a contrastar, com nítida pegada a evocar o Hard-Rock setentista. 
 
Além do mais, "Revirada" tornou-se rapidamente o nosso "carro-chefe", portanto ao tornar-se muito importante em festivais que participaríamos, logo a seguir. 
Sim, ao considerar-se que éramos uma banda criada por músicos que estavam na verdade a aprender a tocar, é para louvar-se essa característica da diversidade que atingimos, em apenas um ano.

Claro, havia desníveis. No início, somente o Osvaldo sabia tocar um pouco e os demais estavam na estaca zero, absoluta. Com a entrada do Laert, deu-se um salto de qualidade, com ele a trazer composições muito avançadas para o nosso nível baixíssimo de musicalidade. Isso fez-nos crescer, evidentemente.
E com a entrada do Wilton Rentero, que fazia aulas de violão clássico, o nível subiu ainda mais, ao empurrar a banda para a frente. A questão da diversidade foi mérito do Laert, que enxergava na frente, sem dúvida. 
 
A energia foi total nessa época, e foi assim, com determinação e obstinação, por anos a fio. Sempre esforcei-me para manter intacta essa energia nutrida nessa época, pois foi a minha força motriz. 
Os meus pais não perceberam a dimensão da importância que eu dei para essa meta, nessa época, por isso eu não tive conflitos simultâneos. Como não eu era rebelde e não cometia nenhuma estripulia juvenil, eles achavam que esse negócio de banda e visual de hippie, seria uma fase efêmera em minha vida, e que nos estertores da conclusão do curso colegial, e época de vestibular, tudo esvair-se-ia naturalmente.

O clima esquentaria, no entanto, com o meu pai, somente por volta 1979 / 1980. Em 1977 e 1978, as pressões foram mínimas, e eu tive paz de espírito para desenvolver-me ao instrumento e sonhar com o sucesso do Boca do Céu, apesar de que, ao analisar hoje em dia, a banda só evoluiria para valer, se os cinco membros fossem cem por cento fechados nesse objetivo. Existem exemplos assim na História do Rock. 
Contudo, o Boca do Céu não detinha essa característica, a começar pelo baterista, Fran Sérpico, que não alimentava o mesmo objetivo, Infelizmente. Dessa peneira natural, só eu e o Laert persistimos mais incisivamente e o Osvaldo de uma maneira mais branda. Wilton Rentero, soube pelo Laert (em maio de 2011), tornou-se professor de letras na Universidade de Guarulhos-SP (a posteriori, reaproximei-me do Wilton e soube que ele sobreviveu como professor de violão erudito, por muitos anos). 
 
Osvaldo toca em bandas cover até hoje, mas como hobby, pois trabalha em uma indústria farmacêutica e Fran Sérpico tornou-se um executivo (nota: retomei contato direto com Fran Sérpico em 2012, através da rede social, Facebook, onde aliás, ele disponibilizou duas fotos raras do Boca do Céu, e fez uma bonita homenagem pública, ao citar-me e ao Laert com muito carinho, ao afirmar que tornamo-nos músicos profissionais de fato e seguimos carreira). 
Em 1977, a minha certeza mostrava-se absoluta e irreversível. O mesmo valeu para o Laert. A diferença entre nós é que ele nasceu artista, com um talento absurdo, e eu lutei contra a minha total inabilidade para tal.

Não quero dizer com isso que o Laert não lutasse, muito pelo contrário, a sua determinação sempre foi ferrenha. Só realço que em meu caso, eu precisei lutar também contra a minha inaptidão. Só tornei-me músico porque tive muita força de vontade, visto que apresentava talento zero para a música.

Se eu tivesse passado por um teste vocacional à época, certamente teria sido desestimulado a tentar a carreira artística.
Animados com as perspectivas do Boca do Céu, mas cheios de euforia pelos shows de Rock e MPB, que víamos toda semana, praticamente, inscrevemos as músicas: "Serena" e "Revirada" no Festival do colégio estadual, onde eu estava a cursar o primeiro ano colegial, chamado, Escola Estadual de 2° Grau Oswaldo Catalano, no Tatuapé, bairro da zona leste de São Paulo, onde fui morar no início de 1977.
 
O Festival estudantil chamava-se, "Femoc" (Festival de Música Oswaldo Catalano). Desta vez, ao contrário do festival "Fimp", onde mandamos um material muito mal produzido, caprichamos um pouco mais, e agora reforçados pelo Wilton, o som estava mais encorpado e com solos mais técnicos em seu bojo.
No mês de junho de 1977, o namorado da irmã do Osvaldo Vicino, (Beth Vicino), chamado, Nelson Gravalos, propôs-nos uma filmagem. Munido de uma câmera Super-8, ele ofereceu-se para filmar uma apresentação nossa. Como não tínhamos nada em vista e apenas a possibilidade em classificarmo-nos para o festival do meu colégio, em agosto, nós marcamos uma filmagem na casa do baterista, Fran Sérpico.
Nesse dia da filmagem no quintal da residência dos Sérpico, Brasil e Alemanha fizeram amistoso no Maracanã (terminou com empate em 1x1). Enquanto arrumávamos o equipamento, víamos o jogo sob soslaio... 
 
Então, no dia 12 de junho de 1977, montamos o nosso simplório equipamento no quintal da residência, e tocamos algumas músicas. Depois ele filmou-nos em cenas casuais, a conversar e andar a esmo pelo quintal. Essa filmagem ocorreu exatamente quatro meses depois de nosso primeiro show, no mesmo "palco". 
 
Em dezembro de 2016, o Fran Sérpico deu-nos de presente de natal a digitalização desse material. Em princípio, conteve uma trilha sonora internacional (Van Halen), só para cobrir a lacuna, pois não existe o áudio de nossa banda nesse vídeo (que pena). Mas logo some e ficam apenas as imagens da banda. Incrível, mesmo muito inexperientes, não é que tínhamos uma postura de mise-en-scène, boa? Uma demonstração enorme da nossa vontade que era imensa. Trata-se portanto, do único registro em vídeo e histórico do Boca do Céu!

Eis abaixo o Link para assistir no You Tube :
E abaixo, o link do mesmo vídeo, sem áudio algum e com ficha técnica mais detalhada, sob produção de Jani Santana Morales, em dezembro de 2016.
Eis o Link para assistir no YouTube:
O Colégio Estadual de Segundo Grau Osvaldo Catalano, localizado no Tatuapé, zona leste de São Paulo, onde eu, Luiz Domingues,  estudei em 1977, ao cursar o primeiro ano do 2° grau (colegial). E onde o Boca do Céu classificou-se para tocar no festival, "Femoc".

E ainda ao final de junho de 1977, tivemos uma boa surpresa: a nossa música, "Revirada", havia classificado-se para o festival do meu colégio. A eliminatória seria no dia 13 de agosto de 1977, e esse passou a ser o nosso maior objetivo então. Colocamo-nos a ensaiar com afinco em torno dessa meta em apresentarmo-nos o melhor possível, e classificarmo-nos para a final de tal festival.

Uma resolução também foi tomada nessa época: a família de Fran Sérpico estava cansada em ter os seus dias de sábado estragados pelos ensaios do Boca do Céu, e dessa forma, eu convenci os meus pais a tornar a minha residência, o novo "QG"/sala de ensaio da nossa banda.                                     
Foto clicada na entrada lateral de minha casa no Tatuapé, mais ou menos em março de 1977. O portão ao fundo era o caminho para a rua, e no lado oposto, do fotógrafo, ficava a edícula que tornou-se o QG de ensaios do Boca do Céu. Um mistério : não lembro-me, nem ninguém que estava nessa foto, quem foi o autor do "click". Desconfiamos ter sido a prima de Wilton Rentero, Adelaide Giantomaso
 
De fato, nessa casa em que havia mudado-me, no início de 1977, tínhamos uma edícula, com entrada separada em sua lateral, e a conter banheiro privativo, portanto, dos males o menor, incomodaria um pouco menos a minha família. Mas a transição foi suave, pois os pais do Fran Sérpico eram pessoas dóceis... estavam cansados daquela rotina perturbadora, mas tiveram a devida paciência para eu confirmar a mudança e dessa forma, ficou combinado passarmos a ensaiar em minha casa, a partir de agosto, às vésperas de nossa apresentação no Festival. Nesse ínterim, continuamos a ensaiar aos sábados na casa da família Sérpico, e após os ensaios, íamos a shows, cinema e/ou teatro.

Lembro-me de nessa época ter visto grandes filmes no saudoso Cine Bijou, o cinema mais "freak" de São Paulo. Filmes de arte, geralmente sob motivação contracultural, e documentários de Rock, eram programados para a exibição, toda semana. 
Era uma alegria tomar contato com essa produção audiovisual em tempos pré-internet, fora o aspecto social em conhecer pessoas “antenadas” nos mesmos ideais. 
Eram dúzias de "Freaks" que encontrávamos em todos os lugares, do Bijou, às portas de shows de Rock. O aroma de Patchouli em todos esses lugares, é uma das referências mais maravilhosas que eu guardo na lembrança... 

Em maio de 1977, o "Festival Balanço", da TV Bandeirantes de São Paulo, foi um outro grande evento Rocker que vimos.
 
"Balanço" foi um programa da TV Bandeirantes de São Paulo, que seguia mais ou menos a linha dos programas, "Sábado Som" e "Rock Concert", que foram exibidos na TV Globo. 
 
Na primeira metade daquela década (o "Rock Concert" ainda existia em 1977). E para comemorar o aniversário do "Balanço", foi feito um festival ao melhor estilo das maratonas de Rock setentistas, no Teatro Bandeirantes. Lembro-me que eu fui acompanhado de Laert Sarrumor, Wilton Rentero e vários amigos freaks do meu bairro. 
Chegamos ao Teatro Bandeirantes, ainda sob a luz do dia, e o teatro já estava completamente lotado. Assistimos inicialmente sentados no chão, bem próximos ao palco. Das várias atrações, gostei demais do “Papa Poluição”, “Bendegó”, e “Jorge Mautner”. Entre as atrações mais "leves" da noite.
O Jorge Mautner fez um grande show. Foi ele, acompanhado apenas do violão de Nelson Jacobina, e vez por outra a fazer pequenos solos de violino, mas os freaks adoravam a sua performance, cheia de energia e estímulos intelectuais em suas falas. O “Som Nosso de Cada Dia” foi impecável. Estavam a tocar algumas músicas Prog-Rock tradicionais de seu repertório, e muitos "Funks" (o verdadeiro), extremamente bem tocados, do recém lançado novo disco,"Sábado e Domingo". O “Casa das Máquinas” também fez um show muito energético.
O “Made in Brazil” fez um show bom, bem naquela toada do Rock básico, sem grandes arroubos em seu arranjo. Lembro de estarmos eu e o Laert bem na frente do palco e em um dado instante, alguém aproveitou-se do fato do vocalista, Percy Weiss, estar com a boca bem aberta, em um momento de esforço vocal, e assim, algum vândalo da plateia, arremessou-lhe uma bola de confetes comprimidos, visto que a produção do Made in Brazil havia jogado do teto, uma chuva desses artefatos, anteriormente, para provocar um bonito efeito visual, aliás. 
 
Ele, Percy, ficou furioso, tirou o pedestal de lado e soltou um palavrão, ao xingar o arremessador com truculência, fora do alcance do microfone, mas todo mundo ouviu ali na frente, mesmo a brigar com a massa sonora provocada pela banda, tamanho o berro que ele deu. 
Lembro-me também do baixista, Tico Terpins, do “Joelho de Porco”, a azucrinar o Oswaldo atrás da coxia, e este, mesmo ao perceber a provocação, não revidar, ao continuar a tocar, focado em sua performance. 
Além da ótima performance da banda curitibana, “A Chave”. Gostei bastante do som dos Rockers paranaenses, que sob uma primeira impressão, lembrou-me o Hard-Rock do "Budgie". A Chave foi uma das primeiras bandas dessa noite festiva. 
 
E teve também uma banda de Blues-Rock, chamada: “Bagga's Guru”, onde tocava o futuro baixista da Patrulha do Espaço, Serginho Santana. Mundo pequeno, nem o Serginho imaginaria que seria baixista da Patrulha do Espaço, poucos anos depois, e muito menos eu, que também seria baixista da mesma banda, vinte e dois anos depois dessa noite no Teatro Bandeirantes. O Joelho de Porco já estava com o argentino, Billy Bond (ex-“La Pesada de Rock and Roll”), no vocal e o Billy foi o mestre de cerimônias da noite. 
Como mestre de cerimônias, o Billy foi ótimo, mas o seu sotaque porteño incomodou alguns xenófobos idiotas que ironizaram-no, ao pedir-lhe para "falar português". Um exagero, pois ele falava bem, só a observar o sotaque, o que foi algo compreensível. Ficamos muito perto do palco (o Joelho de Porco tocou logo após o Made in Brazil), e o Laert que era um grande admirador da banda, chamou pelo Tico, por várias vezes, que atendia-o ao fazer gracinhas cênicas, bem naquela onda de humor que caracterizava-o. Mais uma ironia do destino, apenas cinco anos depois, o Língua de Trapo estaria a gravar o seu primeiro disco no estúdio do Tico Terpins!
Outra boa surpresa, foi o show dos “Pholhas”. Aqui cabe explicar melhor. O fato foi que o Pholhas, se tratava tradicionalmente de um conjunto de bailes que ao aventurar-se no mundo da música autoral, optou por fazer um som Pop quase no limite do mau gosto popularesco. Tal banda lançou vários trabalhos na primeira metade da década de setenta e o público Rocker desprezava-os por isso. 
 
Mas em 1977, o grupo resolveu lançar um LP sob forte apelo progressivo, e foi o material desse disco que a banda tocou no Festival, para tentar ganhar o público Rocker, ali presente. Infelizmente, o público revelara-se irredutível e radical, pois mesmo ao ver/ouvir os membros a tocarem um Prog-Rock muito competente, hostilizou-os do começo ao final.

Nesse momento eu estava no fundo do teatro e via freaks a evadirem-se do teatro, contrariados e a xingar a banda, por acusá-la de supostamente ser popularesca e "a tentar" fazer Rock progressivo etc. Uma pena, pois eles tocavam muito bem, e as músicas daquele disco são excelentes. Eu tenho esse disco, e a despeito das letras serem muito fracas, aí sim um fator débil e concreto, a parte instrumental e vocal é muito boa.

E assim foi o "Festival Balanço" da TV Bandeirantes. Mais uma maratona Rocker em que estivemos presentes, com muitas atrações, naqueles saudosos anos setenta.
Lembro também em ter assistido ao final de junho, uma peça teatral impactante no teatro do Sesi: a biografia de Noel Rosa, com o ator Ewerton de Castro, sob uma caracterização incrível. Isso para você ver, amigo leitor, que nós não éramos Rockers radicais...
Aquela época, vista hoje em dia com o devido distanciamento histórico, foi na verdade o final da utopia hippie. Eu e a maioria das pessoas, não tínhamos essa percepção e vivíamos a euforia hippie em mudar o mundo, muito por que, naquela Era pré-internet aberta ao público (já existia a internet, mas circunscrita a poucas universidades norte-americanas e europeias e ainda em fase experimental), as mudanças demoravam mais para pulverizar-se. 
Portanto, somado ao regime político endurecido, o movimento hippie havia chegado com atraso no Brasil, e em 1977, havia ainda muitos indícios de sua força. Foi de fato uma juventude que buscou a música de qualidade e ligava a questão da música a outros ramos da arte. Gostávamos de cinema; teatro; artes plásticas; literatura... ou seja, foram as tais portas da percepção que buscávamos o tempo todo...
Cabe tocar em um assunto diferente, agora: a questão do apelido, "Tigueis" que eu ostentava nessa época e que perdurou por muitos anos, foi da seguinte maneira pela qual iniciou-se : em 1974, eu estava a cursar a sétima série, e em uma conversa entre amigos da escola, o assunto enveredou-se sobre a origem de cada um ali. Ao indagar-me, respondi que os meus avós paternos eram portugueses. Dessa forma, começaram a chamar-me como : "português". Daí em diante, sabe-se bem como funciona a cabeça de adolescentes de treze, quatorze anos, não é? Começaram as brincadeiras, geralmente a fazer alusão ao fato de eu não deter muita inteligência por conta de possuir sangue luso. Daí as corruptelas : "Português" tornou-se "Tigueis", "Tiga" etc. 
Fixou-se em "Tigueis", enfim, e eu deixei que popularizasse-se. No entanto, esse apelido causou-me inúmeros aborrecimentos, principalmente quando eu comecei a usá-lo como nome artístico, determinação essa que jamais deveria ter feito. 
 
Rompi com isso em 1999, assim que comecei a trabalhar com a Patrulha do Espaço. Sei que gerou estranheza inicialmente, mas fico feliz por ver que hoje, muita gente nem saiba dessa particularidade de minha carreira.

Ainda em junho, assistimos mais um show multifacetado e rodeado por improvisos, no Crusp, um alojamento para estudantes da USP.
Eles sempre promoviam shows para arrecadar fundos e assim conter um pouco mais de qualidade de vida, visto que geralmente eram estudantes de origem simples e oriundos do interior de São Paulo ou de outros estados. 
O problema é que em 1977, a repressão política ainda rugia forte, e foi em uma noite dessas em que assistíamos artistas como “Jorge Mautner”, o grupo de chorinho do bandolinista Isaías e o “Bendengó”, entre outros, que a polícia apareceu para quebrar o bom astral pacífico que ali observava-se. Teve tudo para tornar-se um enquadro geral, com artistas e público a ir parar no xilindró, quando por milagre, uma mulher de um metro e meio de altura, convenceu os policiais de que ali seria apenas uma manifestação cultural inofensiva, e sem conotação política. 
Tratou-se de uma atriz ainda não muito famosa na ocasião, mas a caminhar para tal, chamada : Bruna Lombardi. Ela estava ali para declamar os seus poemas, que vendia em livretos mimeografados, coisa bem artesanal e hippie ao extremo.

Ainda nesse mês de junho, assistimos mais uma maratona de Rock, desta feita realizada no ginásio de esportes do Corinthians, no Parque São Jorge, localizado no bairro do Tatuapé, zona leste de São Paulo. Lembro-me em ter ficado encantado com o som do “Humahuaca”, um grupo orientado pelo Jazz-Rock, afiadíssimo, onde tocavam três ex-músicos de apoio dos “Secos e Molhados”: Willie Verdarguer, John Flavin e Emílio Carrera.
Dudu Chermont, em dois momentos : nos anos 1970, com a Patrulha do Espaço, e a tocar com a sua ex-banda em 2003, pouco antes de falecer. Dá para ver o braço do meu baixo, ao fundo, na foto de 2003. 

E eu vi também a nova banda do ex-vocalista do Made in Brazil, Cornélius "Lúcifer", denominada, “Santa Fé”, onde um guitarrista muito jovem chamava a atenção, chamado, Dudu Chermont, futuro guitarrista da Patrulha do Espaço. Em um mundo que dá muitas voltas, eu jamais imaginaria que no longínquo ano futuro de 1999, eu seria um membro da Patrulha do Espaço, e o Dudu como ex-membro, faria algumas participações especiais em nossos shows. Pior ainda, como poderia imaginar em 1977, sentado em uma arquibancada de um ginásio de esportes, e ao vê-lo a tocar, que eu estaria presente, lamentavelmente, em seu velório e enterro, ocorrido em 2003?
As visitas ao cine Bijou continuavam frequentes. “Mad Dogs and the English Man”, “Janis” (famoso documentário a cobrir a vida e obra de Janis Joplin), “Monterey Pop Festival'1967”... enfim, só petardos, sem contar os filmes de diretores como Al Ashby, Werner Herzog, Dario Argento etc. Assistimos, “Fearless With Vampires” do Roman Polanski, a imaginar como a “família” de Manson pôde matar Sharon Tate, a cinebiografia do astro Folk, Woody Guthrie e por aí afora, aproveitávamos ao máximo a sua programação incrível.

Em julho, surgiu a ideia em ficarmos uma semana em uma casa de praia, propriedade da família Vicino. Seria a nossa primeira aventura intermunicipal como banda...
E assim, tiramos uma semana para essa viagem recreativa. A casa de praia da família Vicino, nos foi cedida, e ali ficamos por uma semana. Isso ocorreu na cidade de Itanhaém, litoral sul do estado de São Paulo. Somente o Wilton Rentero não pôde ir conosco nessa viagem, mas o quarteto esteve presente. 
Foto da viagem que o Boca do Céu fez à Itanhaém, no litoral sul de São Paulo, em julho de 1977.

E com dois violões, pudemos trabalhar mais músicas. A despeito de eu não gostar de praia (é nítido, até pela foto do Boca do Céu na praia, pois sou o único vestido formalmente, sob um ambiente praiano), eu apreciei muito a viagem, é claro, pois representava uma semana com a minha banda, como se estivéssemos em uma turnê. Foi algo lúdico que estimulou a imaginação. Sentia-me como se estivesse a participar de um episódio da série de TV: “The Monkees”.
Vista da cidade de Itanhaém, no litoral do estado de São Paulo

Naturalmente tocamos muito, principalmente pelas madrugadas, na praia, com um céu incrivelmente estrelado e inspirador, mas apesar desse exercício todo, isso pouco acrescentou tecnicamente à banda, pois nós éramos muito fracos, é um fato inexorável. Eu e Fran Sérpico ainda mais que os demais. Mas no cômputo geral, foi muito agradável. Rimos e conversamos bastante. Lembro de fazermos caminhadas por algumas trilhas. Itanhaém era uma cidade litorânea pequena, diferente de Santos que mantinha porte de cidade grande. Hoje em dia, Itanhaém cresceu demais, como outras cidades vizinhas. Creio não haver mais no litoral paulista, cidades pacatas com caiçaras e pescadores. A especulação imobiliária tratou de acabar com esse bucolismo remoto. 
Levamos também um aparelho de som, e muitas fitas K7. O Rock embalou nossa estada naquela casa, naqueles dias de julho de 1977...

Continua...

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