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segunda-feira, 13 de junho de 2016

1966 - Minha Ligação Inicial com o Rock na Infância e Começo da Adolescência - Já Dava para Sentir o Clima de Magia dos Anos Sessenta! - Por Luiz Domingues

Com muitos fatos a acontecerem simultaneamente, a efervescência dos anos sessenta nesse ponto de 1966 esteve realmente a borbulhar, e eu ali, a crescer, a ter vencido a barreira limitante da primeira infância, para entrar na metade do caminho para me tornar um "menino grande", como se dizia na época.  

Ao final de 1965, eu havia mudado de residência, como mencionei no capítulo anterior, mas foi uma situação provisória, pois em poucos meses uma nova mudança já estava programada pela família, e desta feita, seria radical, ao mudar de bairro e quadrante da cidade, ao nos instalarmos em um bairro da zona oeste de São Paulo.  

Nesse ínterim, assim que se realizou o Reveillon de 1965, eu fui passar uma temporada na casa dos meus avós maternos e em tese, foi a primeira aproximação concreta que tive com eles, além das visitas ocasionais que mantive anteriormente e foi uma oportunidade para começar também a interagir não só com os meus avós, mas também com tios e primos desse rama matriarcal, quando a seguir, uma série de viagens ao interior se tornou uma rotina, para visitar e estreitar relação de amizade com esse lado da minha família materna.

Meus avós maternos moravam no coração da Vila Pompeia nessa época, na zona oeste de São Paulo e essa temporada de férias que ali passei, serviu como uma adaptação ao bairro, pois pouco tempo depois eu passaria a morar ali, também. Esse período na casa dos meus avós também tratou de estabelecer uma carga muito forte de influência cultural que eu passaria a receber da parte do meu avô materno. 

Homem com convicções firmes, ele era austero por natureza, mas também muito culto, algo que eu admirava muito e a sua carga pessoal fora adquirida mediante um esforço pessoal notável, como um autodidata, visto que não teve oportunidade para concluir o curso superior que iniciara, como gostaria de ter feito, pelas circunstâncias de sua vida.

Pois foi dali, início de 1966, em diante, que o meu contato com ele, se estreitou e sem dúvida que foi mais um agente influenciador sob o ponto de vista cultural, muito forte. Claro, nem tudo foram flores, se por um lado o peso cultural positivo que recebi foi muito grande por ouvir as suas citações de textos e autores da literatura clássica, muitas aulas que ele me deu sobre história, ciência & espiritualidade, além das suas ponderações sobre a música erudita, bem embasadas pelo seu forte conhecimento e respaldadas por uma coleção de discos incrível, que possuía, houveram por outro lado, discordâncias (no campo da política e gestão pública, por exemplo), e que acentuar-se-iam a posteriori quando me tornei adolescente, naturalmente, mas em forma de debate respeitoso, jamais com rispidez. 

Por ser bastante conservador e austero por natureza, ele enxergava os movimentos libertários que eclodiam ali naquele calor de início de 1966, com contrariedade, e por força de ser um amante da música erudita, detestava o Rock, por que o considerava como uma mera manifestação efêmera, mas sobretudo pela sonoridade que classificava como algo desagradável, um "barulho" cacofônico, além de abominar as mudanças comportamentais que vinham no bojo, notadamente o advento dos cabelos longos para rapazes, que o contrariava em demasia por desafiar os paradigmas com os quais ele vivera a vida inteira a seguir.

Curioso, nessas semanas que desfrutei de sua companhia, ao caminharmos pelas ruas do bairro nas tardes de sábado, achava engraçado quando ele resmungava entre os dentes, a reclamar que haviam bandas de Rock aos montes a ensaiarem pelas garagens residenciais. 

De fato, nessa temporada de férias e a reincidir tal percepção, assim que me mudei com meus pais para o mesmo bairro a seguir, o ato de caminhar pelas ruas da Vila Pompeia em uma tarde de sábado entre 1966 e 1967, fora constatar que dificilmente se achava um quarteirão onde não houvesse ao menos uma banda a ensaiar em uma garagem. 

Cartão de visitas para receber 1966, pela ótica de gente idosa e avessa às transformações daquela década, a lembrança do meu avô a resmungar entre os dentes com desdém: -"esses cabeludos"... nunca mais saiu da minha memória, ainda mais por eu mesmo vir a me tornar um Rocker e cabeludo, de fato, alguns anos depois...

Meus avós maternos moravam na Rua Ministro Ferreira Alves, no quarteirão entre as Ruas Augusto de Miranda e Dr. Miranda de Azevedo, perto da Praça Tupã, onde havia uma feira livre semanal e bem perto da Praça Cornélia, com a presença da Igreja Católica (Paróquia de São João Maria Vianney), e a ostentar ares bem interioranos, ainda mais nessa época. 

Assim que nos mudamos, apesar de ter vivido a minha (então bem curta) vida inteira no Belenzinho e adorar aquele bairro, passei a gostar muito da Vila Pompeia, também, mas não foi uma novidade inteiramente, pois além dos meus avós maternos, várias tias da minha mãe, irmãs do vovô, moravam pelas ruas desse bairro e mesmo como visitante, eu já possuía uma familiaridade e simpatia por ele, com aquelas ruas, praças e seus símbolos, como a "moderna" loja de departamentos, Sears, local onde muito anos depois, nos anos noventa, passou a funcionar o West Plaza, um dos Shoppings Centers mais charmosos da zona oeste de São Paulo. 

E claro, o Parque Antarctica, a sede esportiva e social do Palmeiras, com o estádio Palestra Itália, incluso e hoje reformado e modernizado como: Allianz Parque.  

Bem, aquelas ruas montanhosas e ainda pavimentadas por paralelepípedos e que eu já tanto gostava, respiravam Rock'n' Roll quando lá fui morar em 1966. Ver cabeludos a caminharem pelas ruas, também se tornou um fato rotineiro, além do som das bandas a ultrapassarem as portas das garagens de tantas residências das redondezas.


A minha residência ficava situada na Rua Clélia, no quarteirão entre as Ruas Mariquita de Toledo César e Tibério. Antes que corrijam-me, sim, eu sei que esse quadrante é na verdade parte da Vila Romana, um subdistrito do bairro da Lapa e teoricamente, ali não é mais a Vila Pompeia. Mas por ser uma divisa de bairros e ficar tão perto, realmente todo mundo que mora ali se considera dentro da Vila Pompeia e a Vila Romana é uma extensão natural de transição entre a Pompeia e a Lapa, portanto. 

Eu, Luiz Domingues, em 1966, com seis anos de idade, em frente a mais um Volkswagen que o meu pai teve na década de sessenta (esse era marrom claro, coloração de fusca popularmente conhecida como: "café com leite", nessa década).
 
A minha nova residência ficava localizada a dois quarteirões da Praça Cornélia. No outro sentido da Rua Clélia, mais dois quarteirões adiante, existia uma fábrica imensa de refrigeradores e máquinas de lavar roupa. Ao meio dia (e às 18 horas, também, para marcar a hora da saída), a sirene tocava alto, para anunciar a hora do almoço e centenas de funcionários ficavam sentados pelas calçadas das Ruas Clélia, Barão do Bananal e Venâncio Aires, a degustarem a comida caseira de suas marmitas. Muitos anos depois e essa fábrica tornar-se-ia um super equipamento cultural para o bairro e para a cidade, o Sesc Pompeia, ou para muitos, Sesc "Fábrica" da Pompeia. Muitos anos depois e eu tocaria várias vezes nos dois teatros que ali seriam montados. 

Acostumado a viver em uma casa grande, desde sempre, foi estranho em princípio ir morar em um apartamento, mas para amenizar, se tratara de um imóvel espaçoso e por ser a unidade do térreo, continha um quintal, como se fosse uma casa. 

E como viver em condomínio nunca foi fácil, eis que eu presenciei rusgas geradas, com o meu pai tendo que reclamar constantemente aos vizinhos de andares superiores, um maior rigor para coibir que pontas de cigarros e copinhos de plásticos com restos de bebida caíssem no nosso quintal, fora o barulho de festas que ultrapassavam o horário aceitável, com falatório, risadas e música sob alto volume a ecoar de vitrolas etc...

Nessa época, a Rua Clélia já continha um trânsito muito forte de veículos e que se agravara com o fato de que ainda não existiam as Marginais Tietê e Pinheiros, portanto, todo o fluxo do tráfico, incluso ônibus de viagens intermunicipais e estaduais (caminhões, também), que chegavam das estradas vindos do interior, entravam em São Paulo pelo bairro da Lapa e seguiam pela Rua Clélia, como seu curso natural, ao buscarem a direção do centro velho da cidade, para atingirem a rodoviária antiga, na Praça Julio Prestes, perto da Estação da Luz.
A Praça Cornélia em dois momentos: 1935 e 2011. Infelizmente não encontrei fotos da Praça nos anos sessenta e melhor ainda se fosse do período de 1966 & 1967, época em que a frequentei.  

Aos domingos, com ares super interioranos, mesmo para uma cidade gigantesca como São Paulo já se impunha, muitas famílias se reuniam na Praça Cornélia, a aproveitarem o fato de que o padre da Paróquia São João Maria Vianney, havia mandado colocar serviço de som espalhado pelas árvores. Ali o som ecoava a tarde inteira, entre as missas dominicais matutinas, até a missa das 18 horas.

E por incrível que pareça, apesar dessa deliberação vir de um padre católico e naturalmente conservador, ele não interferia na execução em si e assim, a tarde toda tocava música com qualidade, tanto a MPB, quanto o cancioneiro Pop internacional. 

Foi ali em um desses domingos de 1966, que eu ouvi o LP "Rubber Soul" dos Beatles, na íntegra, pela primeira vez e este sendo a última novidade do "Fab Four", a sair do forno. Deviam ser jovens os que comandavam a discotecagem, naturalmente, não há outra explicação. 

Artistas da Jovem Guarda também batiam o ponto ali. Alguém devia adorar o Ronnie Von, pois suas músicas eram bem repetidas ali. E compositores que começavam a despontar por conta dos festivais de MPB na TV, casos de Chico Buarque, Edu Lobo e no ano seguinte, Gil, Caetano, Tom Zé e outros. 

Como em todo bairro da cidade, haviam muitos cinemas espalhados. O mais próximo era o da própria Rua Clélia, alguns quarteirões no sentido da Lapa e se chamava: "Cine Nacional". Alguns anos depois, essa sala de cinema, que era enorme, veio a se tornar a casa de shows, "Olympia", onde eu pude assistir inúmeros shows internacionais e me apresentei, também. 

Mas ao falar sobre 1966, me lembro claramente em ter ido com minha mãe nesse cinema, certa vez, para assistirmos a película: "The Sound of Music" ("A Noviça Rebelde"), mega clássico dos musicais e apontado como um ícone sessentista por excelência, mas que nessa oportunidade, me entediou sobremaneira. 

Compreensível, ali no alto dos meus cinco anos e meio aproximadamente, ainda analfabeto e diante de um filme longo ao extremo, falado em inglês e entremeado por canções tão adocicadas... realmente foi muito cansativo suportar a longa projeção. 

Tempos depois eu assisti o filme novamente, desta feita com uma outra percepção e mesmo ao não dizer que o adoro, longe disso, o considero um musical razoável, com algumas boas canções, é verdade e algumas cenas que são boas, até antológicas. 

Julie Andrews e Christopher Plummer foram bons atores, a então garotinha, Angela Cartwright, estava por um triz para se tornar uma figura querida na minha percepção pessoal por conta de uma personagem que ela interpretaria em um dos seriados que mais me empolgou naquela década, e claro, Robert Wise foi um tremendo diretor. 

Admito tudo isso, mas mesmo adulto, continuo a não morrer de amores pelo filme, e de certa forma, além de entender a minha contrariedade ao vê-lo pela primeira vez em 1966, ainda o acho longo em demasia e aborrecido, no cômputo geral.  

Lembro-me de meus pais terem ido assistir: "Dr Zhivago" ("Dr. Jivago"), no cinema, e voltarem para a casa, tão encantados com o filme (não foi para menos, uma obra de David Lean), que o meu pai comprou, poucos dias depois, o LP com a trilha sonora, dele. Meu pai adorava comprar discos com trilhas sonoras de filmes e creio que me passou esse prazer também, via DNA. Mas eu só fui ver o filme, Dr. Jivago, anos depois pela TV, todavia, o "Tema de Lara" já me soava como uma (bela) canção familiar há bastante tempo...

Ao avançar sobre os aspectos culturais desse ano, já que mencionei, sim, os festivais de MPB na televisão começaram a ganhar força. Muito pela música em si, mas como já mencionei em capítulo anterior, igualmente pelo aspecto da guerra ideológica perpetrada entre conservadores e progressistas e todos contra os Rockers "alienados". Alheio a isso, é claro que eu gostava de assistir pela música em si e não podia ser diferente, com seis anos de idade.

O "Mug" foi possivelmente um dos maiores ícones do ano de 1966, no Brasil. E o que foi isso? Bem, se tratou de um boneco criado por uma agência de publicidade e que caiu nas graças da classe artística, ao se tornar uma febre total no país, inclusive considerado como um precursor das técnicas de formação de opinião, dentro do meio publicitário brasileiro. 

Todo mundo possuía um "Mug" e claro, o meu pai tratou de comprar um desses também, adaptado para ser pendurado no retrovisor do carro da família, na época, um Citroen dos anos quarenta, apelidado como, "Prefet", por muitos.

Escrevi uma matéria a falar sobre a febre do "Mug", no meu Blog 1, em 2012. Eis abaixo o link, onde tem mais informações detalhadas sobre o tal boneco, e assim não preciso me alongar neste capítulo:

http://luiz-domingues.blogpot.com.br/2012/06/mug-febre-de-1966-por-luiz-domingues.html

Na TV, as novelas começavam a ganhar maior popularidade, mas ainda eram pesadas, com textos ao estilo de folhetins "mexicanizados", melodramáticos além da conta para o gosto brasileiro, apesar dos elencos constituídos por atores que formavam a fina flor da dramaturgia, com muitos, para não dizer a maioria, com grande tradição no teatro e no cinema.

Uma novela chamada, "Redenção", foi exibida na TV Excelsior, e conquistou retumbante sucesso na época, ao contar com o ator, Francisco Cuoco, ainda bem jovem, como o seu protagonista. Apesar dessa atenção toda despertada, novelas não eram ainda, no entanto, uma instituição massiva e hipnótica como vieram a se tornarem pouco tempo depois, mas tais produções começavam a ganhar espaço.

Desenhos como: The Flintstones e The Jetsons já existiam antes, mas foi em 1966, que eu passei a apreciá-los mais detidamente. Johnny Quest já era o meu predileto, sedimentado em minha mente, mas eu estava pronto para as novidades e no caso, os chamados: "Beatles Cartoons" entraram com tudo na minha vida. 

Com os quatro cabeludos de Liverpool adaptados como personagens de desenhos animados e claro, a conter suas músicas como mote, só auxiliaram na tarefa para que eu me tornasse cada vez mais fã do quarteto britânico.  

Um dos primeiros desenhos japoneses a se tornar muito querido no Brasil, foi "Speed Racer". Tratava-se de uma produção mais antiga, mas foi em 1966 que o descobri e passei a segui-lo. 

Mais que uma animação centrada no universo das corridas de automóveis, teve o mérito de possuir muita ação, por conta dos bastidores das corridas e invariavelmente a envolver drama, casos policiais e até aventuras com certo ar de misticismo, ao estilo Indiana Jones, Tin Tin, Allan Quatermain etc. 

O "Mach 5", carro do protagonista, mostrava recursos extraordinários, a insinuar uma tecnologia futurista para a época e outros personagens secundários da equipe de Speed Racer, além do misterioso oponente, o "Corredor X", foram personagens queridos do imaginário de quem se encantou com tal animação. E claro, música tema animadíssima e icônica: Go, Speed Racer, go! 

Desenhos das produtoras, Depattie-Freleng e Mirisch também estavam a entrar com tudo na grade da TV brasileira. Outra produtora que também existia e passei a acompanhar com atenção, foi a UIP (United Productions of America), cujo desenho principal, "Mr. Magoo", me arrebatou. 

Pois eis que figura sensacional desse velhinho míope a cometer loucuras e a se meter em confusões, sem perceber nada, por enxergar mal, e assim não notar os perigos pelos quais passava. Mais que isso, o brilhantismo dos roteiros e da elaboração dos diálogos a lhe garantir sacadas geniais, exatamente por não estar a enxergar corretamente os objetos ao seu redor e a interagir com desenvoltura, como se os visse.

Da Depattie-Freleng/Mirisch, claro que já estava ligadíssimo na Pantera Cor de Rosa e Inspetor Closeau, dois clássicos dessa produtora.
A Jovem Guarda deslanchara, enfim. Em 1966, já possuía uma audiência enorme e estava a viralizar de uma forma muito grande. Eu assistia, contudo, não vou dizer que vibrava, mesmo por que, apesar de minha pouca idade e consciência, achava a maioria dos artistas que ali se apresentavam, fracos e a partir do segundo semestre desse ano, passei a ter um motivo forte para desejar que tal atração musical encerrasse a sua exibição o mais rápido possível, pois o horário das 19:00 horas, se tornou sagrado, doravante durante as noites de domingo, depois que um seriado norte-americano orientado pelo mote do Sci-Fi, passou a ser exibido na TV Record.
Chamado como: "Lost in Space", literalmente, "Perdidos no Espaço", em português, este seriado me enlouqueceu instantaneamente pelo seu caráter Sci-Fi, misturado ao gênero das "aventuras".

Foi o meu primeiro contato direto com o mundo fantástico do produtor, Irwin Allen, do qual me tornei um fã incondicional, doravante, logo ao descobrir também, o seriado: "Voyage to the Bottom of the Sea" ("Viagem ao Fundo do Mar"), outro seriado de sua alçada e que já era exibido, desde 1964 por aqui, mas eu não havia percebido isso antes. 

Passei a adorar a ambos e logo viriam mais produções queridas, desse grande realizador. A saga da família Robinson, que nada mais fora do que a transposição da famosa história da literatura sobre a família de náufragos que sobrevivera sem recursos em uma ilha deserta, para o espaço sideral. Lost in Space se tornou uma febre mundial, ao elevar os seus personagens, incluso o ultra simpático, Robot, à categoria de ídolos mundiais.

Até mesmo um personagem que fora um vilão com todos os defeitos possíveis, juntos em um único Ser Humano (ardiloso, sabotador, covarde, manipulador, intrigueiro, invejoso, indolente, mentiroso, egoísta e aproveitador, entre outras coisas), passou a ser adorado por todas as crianças, no caso, o "Dr. Smith", muito pelos méritos pessoais do ator, Jonathan Harris que criou "cacos" (improvisos que atores criam por conta própria, fora do script), os quais o produtor, Irwin Allen, aprovou e incentivou que o ator os usasse em cena. Seus gritos exagerados mediante expressões faciais e gestuais histriônicas, amplificaram o seu personagem a um nível absurdo. 
Ainda a falar de Lost in Space, não apenas o personagem do Dr. Smith, mas a identificação que todo menino da minha idade teve com Will Robinson (interpretado por Billy Mumy), foi imediata. São muitos os amigos da minha faixa etária que já me relataram que se projetavam no personagem do Will, na base do: "eu era o Will", o que me fez ter a constatação de que não fora somente eu, que pensara assim em 1966...
Fora os alienígenas sensacionais que interagiram com a família ao longo dos episódios, e o fato de todo mundo inteiro ser apaixonado pelas irmãs do Will e nutrir simpatia pelo patriarca e líder da expedição, John Robinson, além do piloto da nave (Júpiter 2), o sisudo Major West (Mark Goddard), nas cenas de ação, quando a família corria perigo ante a presença de alienígenas hostis etc.
E uma observação não da época, pois com seis anos eu não percebia isso, mas ao ver a matriarca da família, Maureen Robinson (June Lockhart), a cuidar dos afazeres familiares com aquela naturalidade, como se a vida transcorresse no subúrbio de uma cidade norte-americana com casinhas sem muros e gramado, ao melhor estilo, "American Way of Life", para cuidar da roupa, cultivar horta e elaborar torta de maçã, mas tudo isso feito em planetas inóspitos e com fenômenos estranhos a acontecer o tempo todo, fora no mínimo algo bizarro, mas era apenas uma ficção, ora bolas!
E sobre, "Voyage to the Bottom of the Sea" (Viagem ao Fundo do Mar"), tratava-se das missões de um submarino nuclear ultra moderno e equipado com artilharia de ponta (chamado: "Seaview"), com o objetivo de cuidar da segurança dos Estados Unidos e países aliados, a coibir conspirações vindas da parte de "nações hostis" (leia-se: "União Soviética"), principalmente. Mas claro, por se tratar de Irwin Allen, esse mote da "guerra fria" durou apenas no decorrer da 1ª temporada, praticamente, pois logo os roteiros começaram a enfocar fantasmas, invasões alienígenas, monstros bizarros etc. Enfim, coisas do mundo fantástico de Irwin Allen...
Geralmente eu não gosto de atrações que sejam ambientadas no mar. Todavia, tal seriado, com tanta aventura, fantasmagorias & alienígenas, me cativou sobremaneira e figura, desde então, entre os meus prediletos.
E admirador de militaria que eu já era por conta dos filmes de guerra que adorava, claro que me identifiquei com os personagens, sendo uma tripulação militar. O Almirante Nelson, Capitão Crane, Tenente Chip Morton, Sargento Chef Sharkey e os marujos: Kowalski, Patterson, Rilley e Sparks, além de outros atores de apoio, se tornaram figuras icônicas, para sempre.
Isso sem contar os ruídos típicos do submarino, Seaview. Trata-se de uma sonoplastia que quando ouço, me remete imediatamente aos anos sessenta (Lost in Space também tem sua sonoplastia e trilha sonora maravilhosa, aliás, essas duas séries e as demais que Irwin Allen lançaria no futuro e das quais falarei nos próximos capítulos, são todas assinadas por um maestro/compositor sensacional, chamado: John Williams, que fez inúmeras trilhas para filmes super famosos, incluso o clássico tema principal de "Star Wars", que o tornou famoso mundialmente, na década seguinte, anos setenta).  

Ainda a falar dessa área de atrações da TV, foi em 1966 que eu tive uma alegria enorme motivada por uma produção desse veículo. Foi um acontecimento singelo, simples ao extremo, mas que produziu um efeito psicológico gigantesco para a minha satisfação, se amparada pela minha percepção infantil, logicamente.

Foi o seguinte: como muitas promoções que existiam na época e geralmente vindas de empresas no ramo de produtos alimentícios, a fábrica de pudins, gelatinas & flans em pó, "Royal", oferecia um Kit a conter artefatos baseados na animação de marionetes, "Thunderbirds", que era queridíssima da criançada brasileira, eu incluso, como eu já havia dito em capítulo anterior. 

A meta seria juntar uma quantidade com caixinhas vazias do pudim desse fabricante (dez ou doze, não me recordo com exatidão), e enviá-las pelo correio, para em troca, receber o tal Kit, relacionado à animação. Não pedi isso diretamente à minha mãe, mas ela o fez sem me contar nada e quando em um dia útil qualquer do inverno de 1966, o carteiro passou pela nossa rua, eis que deixou um pacote a conter um volume considerável na nossa caixa de correspondência. 

Quando a minha mãe abriu a caixa e me deu o pacote, eu o rasguei com o típico ímpeto infantil e assim, a minha alegria na hora em que vi os produtos ali dispostos, foi inenarrável. Fora tudo muito simples, é claro, dado o caráter dos custos que mal deviam compensar a indústria em questão, pelo esforço empreendido, mas aos olhos de crianças contempladas como eu e tantas outras que marejaram os olhinhos ao abrir o pacote da Royal, não teve preço...

Tratou-se de uma faixa abdominal, igual à dos personagens da animação, o quepe e um cinturão com o coldre da arma (um revolver estilizado como "futurista", a simular uma arma ao estilo de um "raio laser"). 

Como fator para mexer com o emocional de cada criança, veio também uma carta padrão, com partes de citações pessoais datilografadas, em tom solene, ao me conceder a honraria de eu poder vir a me considerar doravante, o "Tenente" Luiz Antonio Domingues, membro da frota Thunderbird. 

Ou seja, um gesto simples, respaldado por brinquedos baratos de plástico vagabundo e tecidos de chita, mas que mexia com o ego das crianças de uma forma absurda. Tanto que ao recordar desse evento singelo, acontecido há cinquenta anos atrás, gastei cinco parágrafos para tentar passar um pouco da emoção que senti na época, dada a sua importância naquele instante, em minha vida.

Ainda a falar sobre TV, seriados como: "Guerra, Sombra & Água Fresca" ("Hogan's Heroes"), uma visão divertida sobre a II Guerra Mundial e "O Agente da U.n.c.l.e.", entraram para a minha lista, além de muitos motivados pelo velho oeste. "Laramie" e "O Homem de Virginia" ("The Virginian"), me chamavam a atenção, assim como: "Gunsmoke" e "Maverick".

A saga de uma bruxa para lá de bonita e gentil, que tudo o que desejou foi viver como uma dona de casa normal, também passou a me agradar bastante. "Bewitched" ("A Feiticeira"), mostrava além da inverossimilhança (o anti jeitinho brasileiro. digamos assim), de uma pessoa com um poder sobrenatural a se recusar a usar o seu poder para levar vantagem na base da malandragem, também um mundo asséptico que se desmanchava em pleno curso dos anos sessenta, ou seja, a glorificação do "American Way of Life", que no começo da década ainda se mostrava como um padrão normal e perpetuado.

Porém nesse instante, no calor das mudanças de mentalidade provocadas pelas múltiplas revoluções sessentistas, ficara anacrônica sob uma velocidade espantosa. Contudo, a despeito dessa análise que faço agora como adulto e distante cinquenta anos do impacto inicial, digo que sempre gostei e continuo a gostar de tal produção. 

Gosto da mensagem implícita e da produção em geral com as maluquices inerentes de uma família na qual a esposa dedicada e "Housewife" padrão, era na verdade uma bruxa poderosa e mais que isso, cercada por familiares e parentes igualmente bruxos, mas os mais atrapalhados possíveis, ao criarem situações embaraçosas para ela e seu marido (um sujeito todo certinho que sabia de tudo, mas detestava as facilidades da magia e queria sustentar a família como qualquer pai, ou seja, a trabalhar para ganhar dinheiro).

Entre a Ponte do Rio Kwai e Lawrence da Arábia, fico com ambos... o grande, David Lean! 

Os filmes continuavam a me cativar. E mais velho, eu conseguia cada vez mais acompanhar filmes com complexidade maior, ao melhorar a minha capacidade de entendimento. Já dava para assistir obras de diretores como: George Stevens, Robert Wise, Jean Negulesco, David Lean e claro, Alfred Hitchcock.

Nessa altura, além do efeito acumulativo que já vinha a trazer na minha bagagem pessoal que estava grande, apesar da minha pouca idade, quanto mais eu assistia, eu mais gostava e dessa forma, só continuei nesse caminho de cinéfilo inveterado, ao acrescentar cada vez mais filmes na minha memória.

Apesar de estar a morar a três quarteirões do Estádio Palestra Itália, por não ter tido incentivo algum do meu pai, que detestava futebol, ainda não foi nessa época que apaixonar-me-ia pelo manto sagrado verde. Entretanto, faltava pouco para eu começar essa saga, apesar dos esforços incansáveis que meu avô materno fazia para me tornar um sãopaulino, fanático como ele o foi. Enquanto não prestava atenção, o meu time ganhou mais uma taça... era difícil não ganhar com aquela esquadra, chamada de Academia. 
E sim, teve Copa do Mundo em 1966 e já deu para acompanhar ao entender melhor, fator que não havia sido possível na Copa anterior... 
 
Lembro-me dos comentários mais generalizados, pois não houve transmissão ao vivo, mas apenas vídeo tapes dos jogos do Brasil. Os comentários sobre a preparação bagunçada ainda no Brasil, com 44 jogadores convocados, os "frangos" do goleiro, "Manga" (que era ótimo goleiro, mas como Valdir Perez em 1982, deu azar por falhar na hora errada), os portugueses a caçarem Pelé, até contundi-lo, a polêmica expulsão do argentino, Ratin, que depois de sair de campo fez uma grave desfeita ao Reino Unido, a "zebra" vergonhosa da Itália ao perder para a fraca equipe da Coreia do Norte e finalmente, a Alemanha ao ser assaltada na final contra a Inglaterra (I'm so sorry my british friends, but it's true...).
Foi a Copa mais psicodélica, com a Swinging' London a entrar no seu auge. E para muito historiador que mistura o conceito do Rock com o do futebol, não poderia ter sido melhor a escolha de um país sede para a Copa do Mundo em 1966, do que a Inglaterra... perfeito, foi onde as coisas estavam a acontecer, de fato no planeta...

The Kinks, a magistral banda dos irmãos Daves, orgulho britânico!

E no rádio, sempre ligado em cima da geladeira da cozinha, o som a tocar as canções dos Beatles, Rolling Stones e mais uma enorme quantidade de bandas de Rock que eu não sabia o nome ainda, mas simpatizava cada vez mais com todas elas. 

O percussionista a usar a "queixada de burro", gerou polêmica na TV

Na TV, o Festival da Record de 1966 foi bem apreciado em casa, através da TV da sala de estar de minha casa, por toda a família. No meu caso, gostei muito do cantor, Jair Rodrigues ao defender a música: "Disparada". Gostei da canção e do entusiasmo de seu intérprete, mas o que me impressionou mesmo foi a "queixada de burro", um instrumento exótico usado por um percussionista que acompanhou o Jair. 

Criança, claro que achei sensacional o sujeito usar uma arcada de um animal para tirar um som muito peculiar. Morbidez a parte, a incrível sonoridade obtida com os dentes do animal ao se chocarem, mediante a ação do músico a desferir um golpe na mandíbula, para provocar o choque das arcadas dentárias, foi espetacular. 

Anos depois, tal artimanha foi substituída por instrumentos construídos com madeira para imitar tal sonoridade e hoje em dia, as "queixadas de burro" são instrumentos de percussão vendidos em lojas de instrumentos com variedade de tamanhos e timbres, mas 100% feitos com madeira e sem utilizar crânios reais desses animais para tal finalidade. 

Tudo a ficar colorido, a música cada vez mais colorida também...1966 teve uma vibração toda especial, difícil até de explicar por palavras. 

Digamos que fora resultado de um clima de euforia de véspera. Ao estabelecer uma analogia com o futebol, lembra aqueles segundos que antecedem a concretização de um gol, com a massa de torcedores a se levantarem instintivamente na arquibancada e já a emitir ruídos, aquele "zum-zum-zum" prévio e típico que antecede a explosão de euforia quando a bola estufa de fato, a rede do time adversário.

Eu, Luiz Domingues, em 1966, em uma foto totalmente fortuita e clicada na antiga loja de departamentos, Pirani, no Bairro do Brás, zona leste de São Paulo. Por sugestão do fotógrafo, ele me ofereceu um acordeom ou violão de brinquedo para eu usar como ornamento. Eu nem pensava em tocar um instrumento nessa época e foi engraçado eu ter preferido o simulacro de violão, que como se vê, tem quatro cordas e não seis como deveria ter, e também não se trata de um cavaquinho, mas de um brinquedo mesmo, a simular um prosaico violãozinho. Enfim, tal foto ficou profética, porque dez anos depois eu iniciaria uma trajetória musical, real, através de um instrumento com quatro cordas, no caso, o baixo elétrico.  

Isso foi tão nítido que até um menino de seis anos de idade, meu caso em 1966, percebia... como seria esse clima mágico a se multiplicar então, em 1967?
Continua...    

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