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sexta-feira, 17 de junho de 2016

1968 - Minha Ligação Inicial com o Rock na Infância e Começo da Adolescência - 1968: O Ano que Nunca Termina na Minha Vida - Por Luiz Domingues

Ao me sentir um "menino grande", quando 1968 entrou, eu estava enfim prestes a iniciar a vida escolar, sem entraves burocráticos de ocasião como houvera enfrentado em 1967. 

Queria muito me alfabetizar e abrir um novo mundo de possibilidades, certamente (isso se revelara como um fato, eu queria devorar a leitura), mas a ideia de frequentar as aulas em si, não me animou, e pelo contrário, me desagradava tal perspectiva de socialização forçada. 

Tímido ao extremo, eu tive uma dificuldade grande para me ambientar e fazer amigos. Definitivamente, eu não tinha o perfil de um menino a desejar brincar na rua, como a maioria, e portanto, não fui nem um pouco acostumado a participar de brincadeiras coletivas tradicionais, primeiro pela falta de companhia de crianças da minha faixa etária (uma boa desculpa), e depois, pelo desinteresse em participar de atividades lúdicas mediante características a envolver força física e muito mais afeito portanto, às cerebrais, no sentido de usar a imaginação para brincar e não o esforço físico. 

Dessa maneira, jogar futebol só entraria na minha vida no ano seguinte, 1969, evidentemente ao me colocar como um entusiasta do ludopédio, doravante.

Foto clássica e típica nas décadas de cinquenta e sessenta, fotógrafos apareciam nas escolas e ofereciam um pacotão de descontos para fotografar cada aluno, a pulverizar o custo para os pais. Pelo fato de eu estar a usar uma malha de lã, nessa foto acima (que era azul marinho, conforme o regulamento da escola, exigia), e que a minha madrinha, Nancy, me presenteara ao confeccioná-la pessoalmente na máquina, "Lanofix", deduzo ser essa tal foto do outono ou inverno de 1968. É absolutamente ridícula a presença de uma lista telefônica sobre a mesa. Tudo bem que queriam improvisar algo que desse a ideia de leitura/estudo dos alunos, mas convenhamos... uma lista telefônica?  Eu, Luiz Domingues, em 1968, finalmente a me alfabetizar e a ter a oportunidade de absorver com muito mais velocidade, informações e cultura.

Portanto, quando a minha mãe me matriculou na escola estadual do bairro, que era muito próxima de casa e me comunicou que no início de fevereiro começariam as aulas, foi um misto de esperança pelo fato de poder aprender a ler e escrever a atender uma primeira necessidade básica, mas também a gerar uma profunda contrariedade por ser obrigado a perder horas do dia confinado sob um ambiente fechado, em meio a um contingente formado por estranhos e a obedecer regras. Nenhuma contra-argumentação dos adultos ao me dizerem que "seria positiva" a perspectiva de adquirir amigos da minha idade (e isso foi uma verdade, é claro), me convencera de que passar por isso não tivesse conotação de uma prisão e consequente incômodo, pelo que já observei anteriormente.

E foi mesmo o que aconteceu, nos primeiros dias, ao comparecer às aulas e me colocar bastante contrariado e assim a demorar bastante para enfim me enturmar e estabelecer amizades. Logo que entrei e por não ter sido pré-alfabetizado como algumas crianças que mantinham um avanço adquirido por terem frequentado curso pré-primário, eu (e a imensa maioria ali presente), tive que me submeter a um teste prosaico para que a direção da escola estabelecesse um critério inicial de distribuição dos alunos em classes, com uma sala para os mais "adiantados" e três outras para os que estivessem sob um estágio mais atrasado, digamos assim. 

Eu, Luiz Domingues, em 1968, com o meu terninho cinza e todo orgulhoso por estar a fazer a transição social da ocasião ao poder usar "calça comprida" bem antes do "tempo", ainda a viver uma época onde esse costume era arraigado, culturalmente. Era de bom tom que meninos usassem calças curtas até pelo menos os 12 anos de idade e o início do uso das calças compridas era comemorado como o fim da infância para os garotos. Mas tal hábito sociocultural estava a decair, a reboque das transformações sessentistas, e logo entraria em desuso. Foto do acervo familiar.

E tal critério foi pedir a cada criança, um desenho com o tema "família". Não sou pedagogo, nem professor e tampouco psicólogo, portanto, não tenho como opinar se essa metodologia foi correta ou não, com embasamento na pedagogia. Contudo, ao analisar como cidadão comum e leigo em educação escolar, creio que não, pois não consigo imaginar o que um desenho possa revelar sobre o nível intelectual de uma criança, quando no máximo serviria para revelar uma aptidão. 

Um desenho "feio" não poderia desabonar ninguém, ao meu ver, ao ponto de induzir o avaliador para que ele elaborasse um juízo de valor sobre a sua capacidade intelectual. Mas foi o que me aconteceu, pois sou assumidamente um péssimo desenhista, portanto, mediante o melhor que eu pude fazer na ocasião e que fora um horror, eis que eu entreguei à professora tal peça e dessa forma, foi inevitável que a direção colocar-me-ia na pior classe possível.  

Inocente, tímido e extremamente pacato por natureza, o meu perfil não era (é) de forma alguma o de uma criança irrequieta, com impulsos para destruir objetos, agredir física ou verbalmente quem quer que fosse, afrontar adultos etc. 

Dessa forma, no dia seguinte, quando eu me vi em meio àqueles verdadeiros "Diabos da Tasmânia", a subirem nas carteiras, a se agredirem mutuamente e a praticarem atos de vandalismo com os materiais disponíveis ali dentro da sala, eu contrastava de uma forma absurda daquela turba, ao permanecer quieto na cadeira, sem esboçar reações intempestivas, a não ser eventualmente para me defender da colisão de objetos que eram arremessados a esmo, ou dos socos e chutes desferidos pelos agressivos colegas. 

Com muito custo (foram muitos berros ensandecidos e vários golpes de régua sobre a sua mesa), a professora conseguiu obter minúsculas pausas, não de silêncio "trapista", mas apenas momentâneos períodos de arrefecimento daquela fúria exacerbada, incontrolável, eu diria.  

Dois dias depois, uma outra professora, que na verdade devia ser alguém da diretoria, entrou na sala, chamou pelo meu nome e solicitou que eu a acompanhasse, quando me colocou em uma outra sala, e com alívio, verifiquei que a maioria das crianças eram discretas, calmas como eu e salvo alguma infantilidade natural e sazonal, não havia ali nessa nova sala, nem de longe o clima de tumulto pelo qual eu fora submetido nos dois primeiros dias de atividade escolar, em meio àqueles vândalos idiotizados.

Doravante, a minha professora em 1968 e também em 1969, no segundo ano, foi uma mulher atenciosa, bondosa e calma, que tratava as crianças com um respeito muito grande e estimulava cada pequeno progresso que cada uma apresentava. Deixo aqui registrado o seu nome e meu eterno agradecimento à Dona Maria Tereza Rebouças da Silva, a minha primeira e muito importante professora, responsável pela minha alfabetização.

E ali, mais calmo, pude enfim aprender o conteúdo curricular proposto, e a duras penas, por conta de minha timidez, fazer algumas poucas amizades. 

80 ou 90% das crianças que estudavam naquela classe, permaneceram comigo em 1969 e 1970 e após três mudanças de colégio que eu tive de fazer entre 1971 e 1973, as reencontrei como adolescentes em 1973, quando voltei a estudar na Escola Estadual de Vila Olímpia, já a fazer parte do curso ginasial.  

O bairro da Vila Olímpia, na zona sul de São Paulo, para onde eu e minha família nos mudamos em novembro de 1967, era totalmente residencial nessa época. Haviam poucos estabelecimentos comerciais no bairro, e assim, as pessoas costumavam fazer as suas compras em bairros vizinhos como: Moema, Brooklin, Vila Nova Conceição e Itaim-Bibi. 

Somente na Avenida Santo Amaro, que era a referência mais comercial do bairro, havia um movimento forte de trânsito, por ser um corredor viário importante, a cruzar muitos bairros, vindo desde o centro por conta da junção com as Avenidas 9 de julho e São Gabriel, para se ligar ao Largo 13 de maio, em Santo Amaro. 

E como era tradição na cidade de São Paulo, em todos os bairros, na Avenida Santo Amaro haviam inúmeros cinemas. Bem perto de casa, existiam pelo menos cinco ótimas salas de cinema e entre 1968 e 1970, eu conheci todas.  

Outras características do bairro: a parte mais baixa, perto das margens do Rio Pinheiros, era completamente desabitada, por existirem algumas chácaras e muitos terrenos cercados, a denotar estarem loteados, mas sem perspectiva de construção alguma para aquela época. 

Era uma parte do bairro onde havia a presença de brejos e muita gente mantinha costumes prosaicos com espírito interiorano, como por exemplo, a "caça às rãs", por exemplo, além dos muitos campinhos utilizados de uma forma livre para se jogar futebol, com traves improvisadas pela criançada. Havia também uma central energética da "Light", a antiga companhia que controlava a distribuição energética na cidade de São Paulo. 

As três fotos acima mostram como a parte baixa do bairro, a beirar o Rio Pinheiros, mudou completamente, para ostentar nos dias atuais (2016), construções com alto padrão imobiliário.

Muitos anos depois, aquela parte do bairro se tornou um ambiente de alto padrão imobiliário, com a presença de muitos escritórios, shoppings de luxo, e boites frequentadas por jovens burgueses oriundas da alta burguesia paulistana.

Aeronave da Varig em foto dos anos sessenta, na pista do aeroporto de Congonhas. Essa aí da foto, chamada: "Electra", com a presença de hélices, servia à Ponte Aérea São Paulo-Rio de Janeiro, que já era super movimentada na época. Mas também passavam outras aeronaves e jatos maiores sobre as cabeças dos moradores dos bairros da Vila Olímpia, Moema e Campo Belo, no percurso final de voo de chegada à São Paulo e na observância do protocolo de procedimento de pouso no aeroporto de Congonhas.

E a mais famosa marca registrada desse bairro, desde 1936, quando se inaugurou o aeroporto de Congonhas e tendo o bairro da Vila Olímpia, como rota de chegada da pista de pouso, passou a ter a presença dos aviões, com as suas passagens já em altitude muito baixa, em processo de pouso em direção à cabeceira da pista do aeroporto e inevitavelmente com um barulho inacreditável. 

Logo, eu e minha família nos acostumamos e hoje em dia, quando eu ando por aquelas ruas e ouço o barulho daqueles jatos enormes a voarem muito perto das nossas cabeças, sinto muita nostalgia, por incrível que pareça, ante algo tão insalubre. 

Pois na escola, em 1968, e por todos os anos em que ali estudei, me acostumei, assim como todo mundo à minha volta, incluso os professores, a interromperem falas, para esperar o barulho passar e dado o volume de voos que já existiam em Congonhas nos anos sessenta, se tratava de uma questão de poucos minutos entre uma onda de barulho e outra...

Outra característica atrelada à escola: as árvores nas calçadas que circundavam os quarteirões das Ruas Baluarte e Gomes de Carvalho, com esta última a abrigar o portão principal da escola, ostentavam flores amarelas e violetas belíssimas e com um aroma delicioso. Aquele perfume era muito particular (desconfio que sejam espécimes estrangeiras ali plantadas, pois nunca senti perfume semelhante em nenhuma outra árvore que tenha conhecido em outros bairros de São Paulo, e nem mesmo nas centenas de cidades que eu conheço do Brasil, por as ter visitado ao me apresentar com as bandas pelas quais eu atuei), que se tornou tão icônico quanto o ruído dos aviões, e ambas as sensações, olfativa e auditiva, me remetem imediatamente às lembranças múltiplas que eu ali colecionei em dois períodos da minha vida: de 1968 a 1970 e de 1973 a 1976.  

A nossa residência se tratava de um sobrado amplo, de esquina, com duas garagens e um anexo com vários cômodos, onde pudemos fazer múltiplo uso, como nos tempos em que vivemos também em uma casa ampla no bairro do Belenzinho, no começo da década.  

Na Vila Olímpia, morávamos na Rua Quatá, esquina com a Travessa Uberabinha. A nossa casa, assim como pelo menos mais vinte casas vizinhas, foram demolidas por volta de 2005 e hoje em dia, funciona naquele espaço enorme, um edifício portentoso, sede de uma empresa poderosa. 

Tal travessa terminava de fato no córrego Uberabinha, que não era canalizado nessa época e vinha desde a sua nascente, nos lagos do Parque do Ibirapuera, a fluir em direção ao Rio Pinheiros. Em frente à entrada principal da nossa residência, na Rua Quatá, havia uma fábrica de televisores, de uma marca obscura. Era um galpão industrial grande, com duas construções, mas com poucos funcionários. Não sei dizer, mas acho que fora construído com outra finalidade, para outro tipo de indústria e talvez estivesse alugado ou arrendado para essa pequena fábrica, que realmente era minúscula no mercado.

               Sal Mineo e Vic Morrow em cena do seriado "Combat!"

Alguns meses depois da minha estada na Vila Olímpia, fiquei amigo dos filhos gêmeos do zelador dessa fábrica e que tinham um pouco menos de idade do que eu, apenas. Ali, a convite de meus amigos, brinquei de "guerra" (sob uma dinâmica parecida com o jogo "Paintball", mas não tínhamos armas que disparavam balas de tinta e apenas brinquedos similares) algumas vezes em tardes de sábado e domingo, com a fábrica totalmente vazia e dessa forma, me sentia em um filme ambientado na II Guerra Mundial, com aquelas paredes de tijolinhos a remeter às ambientações do interior da França, e que me davam a ilusão de estar dentro do seriado de TV,  "Combate". 

O tabuleiro clássico do jogo "Banco Imobiliário", versão de 1953 e com o qual eu muito brinquei em 1968

E por falar em brincadeiras, fora os jogos de guerra e o Forte Apache que eu adorava, um jogo entrou com tudo na minha vida nesse ano e do qual me tornei um fã inveterado. Chamado como: "Banco Imobiliário" (em inglês, se chamava: "Monopoly", ou Monopólio na tradução literal ou seja, uma ode ao capitalismo predatório), que se tratava de um jogo clássico de tabuleiro, com a possibilidade de ser jogado por até seis jogadores, com o objetivo de cada um, ao decorrer de cada rodada, comprar imóveis residenciais e comerciais em ruas e bairros paulistanos (Jardim América, Avenida Paulista, Avenida 9 de julho etc), até equipamentos públicos (Estádio do Pacaembu, Parque do Ibirapuera, Aeroporto de Congonhas e outros), e cada vez que um adversário caía em uma casa onde você era o proprietário de um imóvel, um aluguel era cobrado. 

Portanto, vencia quem mais comprava imóveis e obrigava os adversários a pagarem aluguel a cada vez que paravam em sua propriedade. Em suma, as crianças eram estimuladas a desenvolverem a ganância e um certo prazer mórbido de se provocar a bancarrota dos adversários. 

A versão que eu usava, era do meu primo mais velho, um Banco Imobiliário da fábrica de brinquedos, "Estrela", lançado em 1953, e que detinha também ícones urbanos do Rio de Janeiro (Cassino da Urca, Maracanã, Corcovado, Pão de Açúcar, ruas de Copacabana, Ipanema e Leblon etc). 

Cada jogador iniciava com um cacife inicial em dinheiro, ou "dinheirinho" como a criançada falava, que era uma imitação de cédulas com vários valores. Com o andar do jogo, inevitavelmente alguém ficava muito rico pelo acúmulo e os demais iam à falência...

 

Claro que os movimentos eram feitos mediante dados, com cada jogador  a ter a possibilidade para avançar de uma a seis casas e a sorte assim era lançada, embora houvesse a clara intenção dos jogadores a estabelecerem as suas estratégias pessoais, portanto, ao se usar o raciocínio lógico, embora o mote embutido como máxima do jogo, fosse abominável em torno da usura, acumulação de bens e falta de empatia com quem não ostentava o mesmo status. 

Aprendi a jogar e confesso que me viciei no jogo, ante a minha completa ingenuidade para discernir o que realmente estava em jogo em termos de formação de opinião, e assim, embora ao analisar hoje em dia o quanto eu questione totalmente a permissividade de um jogo que estimule crianças a serem especuladoras imobiliárias e que cresçam a "considerarem positivo" levar outras pessoas à falência, não posso deixar de registrar que adorava esse jogo, como uma lembrança lúdica inocente...  

A falar dos signos culturais de 1968...

Por ter me alfabetizado rapidamente, me tornei um voraz leitor de jornais, revistas, livros e gibis. Eu já era fã inveterado do universo Marvel, e não só gostava dos inúmeros heróis e das suas aventuras em caráter solo, mas d'Os Vingadores, uma reunião com vários deles a trabalharem em conjunto, para a construção de histórias épicas. 

E passei a gostar do universo DC Comics, também, a concorrente maior da Marvel, mas confesso, não na mesma intensidade. Colecionei as revistas do Batman, Superman e Aquaman, além da Liga da Justiça, a união dos heróis da DC a trabalharem em equipe, tal qual Os Vingadores, da Marvel.

Na TV, a minha saga pelos seriados, filmes e animações ganhara o reforço de também começar a acompanhar o futebol, enfim com interesse declarado, fora os documentários que passaram a me interessar bastante.
Nessa altura, eu já estava enlouquecido pelos episódios do seriado: "The Time Tunnel" ("O Túnel do Tempo"), outra série sensacional produzida pelo grande, Irwin Allen. Neste caso, ao misturar Sci-Fi e ação, além de ser totalmente baseada no mote da História oficial, representou tudo o que eu gostava em um seriado só.  
Sobre a sinopse, se trata da história de dois cientistas a viajarem pelo tempo, ao caírem aleatoriamente em algum momento da história e sob qualquer localização geográfica, com a agravante da máquina do tempo construída pelo governo norte-americano, ainda não estar 100% pronta e segura, portanto, a se gerar assim a angústia de a cada episódio, não haver meios concretos para trazê-los de volta em segurança, e dessa forma, fica garantida a tensão necessária para o seriado cativar a atenção do telespectador.  
Roteiros sensacionais, ainda que a privilegiar a mentalidade norte-americana a predominar, ou seja, ao enxergar o mundo nos limites de seu umbigo apenas, com mais episódios a mencionar a sua história interna do que aspectos da história geral, mas isso nunca me incomodou decisivamente.  

Tony Newman (interpretado pelo ator, James Darren), e Douglas Phillips (Robert Colbert), são os cientistas que caem nessa ciranda de se viajar nesse lapso de tempo e assim enfrentam situações as mais perigosas, ao interagirem com pessoas que no mínimo os consideram loucos por afirmarem serem viajantes do tempo vindos do "futuro" (de 1968). 

Mas que na maioria das vezes eles nem podiam mencionar isso e o simples fato de aparecerem com roupas estranhas ao ambiente e época em que caíam, já os colocava em situações sob perigo de vida. 

Bem, sobre o Túnel do Tempo, eis aí um dos seriados que mais apreciei nos anos sessenta, e que aprecio até os dias atuais.

Em 1968, eu também gostava muito da saga de uma outra garota com poderes mágicos, desta feita vinda do mundo das "1001 Noites das Arábias" e dentro de uma lâmpada, tal qual o gênio de Aladin!
Como não rir das maluquices e não se encantar com a beleza estonteante de Jeannie (interpretada pela atriz Barbara Eden)?  
A piada mais óbvia e que durou em todas as suas temporadas: como aquele astronauta imbecil (major Anthony Nelson, interpretado por Larry Hagman), não percebia que ela era apaixonada por ele (?) e ao ir além, bem dentro da nossa percepção machista e típica de povo latino-americano, essa piada foi ainda mais amplificada.  

"The Mod Squad", uma das mais emblemáticas séries do final dos anos sessenta e que gosto muito

Outra série que comecei a assistir e da qual me encantei completamente, foi: "The Mod Squad". 

Acho difícil haver um seriado sessentista mainstream e tão engajado subliminarmente, ao ter sido ambientado bem no centro daquele furacão da contracultura de final de década.

Mesmo não sendo explicitamente baseado no assunto (e pelo contrário, ao ter sido baseado como quase um contraponto pró-sistema, pois na verdade se tratava de um seriado com teor policial), e que mesmo assim, tenha refletido tão bem a "vibração" do movimento Hippie e o caminhão de mudanças comportamentais e culturais que vieram a reboque.  

Apenas por mostrar o que acontecia nas ruas, sem ser declaradamente apoiador das ideias, "The Mod Squad", teve esse poder.  

E para não dizer que os personagens não detinham o espírito um tanto quanto "hippie", há algo de transgressor neles, pela ficha pregressa de cada um na construção das suas respectivas personalidades e mesmo no visual despojado, mais próximo dos hippies do que baseados no conservadorismo ao estilo "wasp" da polícia norte-americana.  

A origem da história é a seguinte: três jovens são presos por transgressões de pequena monta e um capitão da polícia de Los Angeles propõe à justiça que as suas penas sejam abrandadas, se eles trabalharem a paisana para ele, como informantes (caramba que constrangimento... seriam espiões alcaguetes a serviço do sistema?

Eles aceitam a oferta, mas qualquer julgamento moral sobre a atitude desses três jovens cai por terra abaixo, pois o os três jovens se mostram na verdade mais que leais, porém muito éticos na função, por incrível que pareça. 

Ao ir além, se revelam totalmente bem-intencionados, ao trabalharem para prender malfeitores e muitas vezes a "limpar a barra" dos cabeludos que pagariam o preço pelo preconceito, tão somente, sendo inocentes em muitas questões. 

Mediante uma trilha sonora maravilhosa e com cenas de rua em tomadas sensacionais a se mostrar a face de Los Angeles entre 1967 e 1973, com a presença de freaks, Hippies & Rockers aos montes pelas ruas, bandas de Rock, festas psicodélicas regadas a lisergia etc.

Ficou tão famoso o seriado na América do Norte que chegou em um ponto onde os atores mal conseguiam andarem pelas ruas, ovacionados como astros de cinema. Link Hayes (interpretado por Clarence Williams III, um rapaz negro com cabelo Black Power e cheio de atitude Black), Pete Cochran (interpretado pelo ator, Michael Cole), um ex-playboy revoltado com a vida burguesa e que agora cabeludo, foi para as ruas viver o Flower Power e Julie Barnes (Peggy Lipton, uma das mais belas atrizes da América do Norte na época), além do Capitão Greer (Tige Andrews, um ator com bons serviços prestados ao cinema, aqui a interpretar um policial durão e típico dos seriados policiais clássicos norte-americanos, mas que se afeiçoa aos três jovens e os trata como verdadeiros filhos).
Veja acima a abertura oficial da série, na sua primeira temporada, 1967-1968

Icônico demais, não tenho dúvidas que ao assistir o seriado com grande interesse e por fisgar todas as mensagens subliminares ali contidas, tal influência só reforçou o meu conceito sobre o movimento hippie e no reboque, a apreciar todos os signos inerentes sob o ponto de vista cultural.
E claro, o nome da série já denotava tudo: "O Esquadrão "Moderno"..."que curtição, bicho!"
E por falar em ambientação Rocker, nada mais incisivo do que o seriado, "The Monkees". Eis uma série baseada no cotidiano de uma banda de Rock, com os seus membros a praticarem um som que transitou entre o Bubblegum de meio de década e a psicodelia emergente.
O que dizer de um seriado que fez com que os atores se animassem tanto com os personagens que interpretavam, que resolveram romper com a produção da TV e buscaram se firmar como uma banda real, para empreender carreira, a gravar discos?
Como seriado, não há muito o que falar a não ser que era hilário, anárquico, ao se parecer em muitos aspectos com o humor ácido dos Irmãos Marx, misturado com os Três Patetas, mas tudo ambientado no universo do Rock sessentista, com direito a muitas maluquices psicodélicas, incríveis.
               Veja acima a abertura do seriado: "The Monkees"

Não nego, se "The Mod Squad" me causou simpatia pela contracultura em termos amplos, com "The Monkees", foi de fato a primeira vez que passou pela minha percepção (como semente bem primordial), a ideia: "quero ser componente de um grupo de Rock, quando eu crescer"...
Não vou afirmar que foi em 1968 que isso se tornou uma resolução concreta na minha vida, mas uma semente foi plantada ali, ao verificar a interação criativa dos quatro cabeludos entre si e com o mundo, os bastidores e sobretudo ao ouvir músicas tais como: "Last Train to Clarkesville", "Daydream Believer" e tantas outras canções dos Monkees... 

Um seriado ambientado na época da independência norte-americana, por isso um pré-Western e que eu passei a acompanhar em 1968, foi: "Daniel Boone" ( com o protagonista interpretado por Fess Parker). 

Gostava muito das aventuras do pioneiro, ao lidar com as dificuldades inerentes dos tempos difíceis em uma América do Norte ainda toda fragmentada e por ser desbravada. 

O índio "Mingo" (interpretado por Ed Ames), seu melhor amigo, detinha a particularidade de ter a sua voz interpretada por um dublador brasileiro com uma voz ultra grave, com impostação de locutor de FM, e assim, toda a criançada (eu, incluso), de fato eu gostava de imitar as falas do índio, por conta dessa voz super "cavernosa"...   

"Maya", um seriado ambientado na Índia, a narrar as aventuras de dois adolescentes e um elefante, caiu no esquecimento para a maioria das pessoas, mas ali em 1968, muita gente gostava de ver e dentro dessa audiência, eu me incluo.

Miriam Makeba a se apresentar na TV Record em 1968, acompanhada de uma banda brasileira. Nota-se a presença do famoso músico, "Sivuca" a tocar violão. "Pata Pata" em urso, provavelmente

Fato musical de 1968, a consolidação de Wilson Simonal como um artista mega popular, mas com um nível artístico excelente, sem cair em apelações popularescas, muito pelo contrário. 

Notável também, foi a presença de Miriam Makeba, uma artista sul-africana, sensacional, em aparição na TV brasileira a apresentar a sua irresistível canção de sucesso: "Pata Pata", seu grande sucesso que a tornara mundialmente famosa.

1968, também marcou a revolução na dramaturgia das novelas, com "Beto Rockfeller", uma trama moderníssima para a época, ao largar mão dos dramalhões mexicanos e partir para um tipo de novela coloquial, perto da nossa realidade social e com muitos ícones jovens, a mostrar o astral quase hippie em alguns aspectos. Isso sem contar a notoriedade do personagem defendido pelo ator & dramaturgo, Plínio Marcos, neste caso chamado como: "Vitório", amigo do Beto (interpretado por Luiz Gustavo), e que era divertidíssimo, ao ser adorado pelas crianças, com aquele sotaque ultra paulistano, igual ao da Miriam Batucada: -"Ô Beto... orra, Bitcho"...

Sobre Miriam Makeba, escrevi uma matéria para falar sobre sua carreira e citar sua passagem pelo Brasil em 1968, para o meu Blog 1:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2015/09/a-ginga-e-coragem-de-miriam-makeba-por.html
E "Divino Maravilhoso", um programa completamente anárquico, comandado pelos "tropicalistas" Gil, Caetano, Mutantes, Tom Zé e visitado por outros artistas avantgarde da ocasião. Não durou muito, infelizmente, pois calhou com o momento em que a ditadura de direita apertou o cerco e passou a usar a censura com mão de ferro, para tirá-lo do ar. Mas eu gostava daquela loucura total que faziam, com muito experimentalismo e nonsense.

Sobre desenhos animados, um que descobri em 1968, e adorava, por ser baseado em uma obra de Julio Verne, foi: "Viagem ao Centro da Terra", uma produção da "Filmation". Incrivelmente interessante por ser baseado na obra homônima de Verne, eu o adorava. 

Logo a seguir a mesma produtora "Filmation" lançou um outro desenho nessa linha Sci-Fi, que eu também gostava muito: "Viagem Fantástica", baseado na história da nave miniaturizada que era injetada no corpo humano, a entrar dessa forma no sistema sanguíneo de um ser humano e por conseguinte, a manter o tamanho de uma célula, e assim a promover ações dentro do organismo da pessoa, a fim de destruir células cancerígenas. 

No desenho (ao contrário do filme que fizeram, também dos anos sessenta), as missões não eram necessariamente dessa espécie, com enfoque na medicina, mas eram igualmente muito interessantes. 

Ainda a falar sobre animações, uma nova safra com personagens criados pelos estúdios Hanna-Barbera chegava ao Brasil. Peter Potamus, Magila (Maguila, o gorila), e outros. Eram infantis para o meu tamanho na época, mas eu os achava bons. 

Mais compatíveis comigo, a saga do Quarteto Fantástico, assim como do Homem Aranha e do Homem Pássaro, vieram através da Marvel, mas estas produções foram animadas de fato, ao contrastar com a safra dos "desenhos desanimados de 1966", que eu já havia mencionado. Todavia, os traços eram idênticos aos dos gibis, portanto, bem fidedignos aos gibis.

The Herculoids, Mightor (um troglodita com poderes, acompanhado de um dinossauro, e não o Deus do Trovão, da Marvel, não confunda), Space Ghost, Shazam ("ho ho ho, meus amiguinhos"...), e mais alguns outros, formaram uma boa safra de cartoons ao final da década de sessenta. 

Fora a obviedade dos Beatles Cartoons, uma nova safra com outros desenhos animados com personagens que evocavam a atmosfera do Rock sessentista, começou a surgir. 

Foi uma tendência que se iniciara e prolongar-se-ia até os anos setenta. Um exemplo forte dessa tendência, foi a animação: "The Impossibles" ("Os Impossíveis"), cujos personagens eram três super-heróis com poderes para combater o crime e cujas identidades secretas eram três músicos que compunham um grupo de Rock (sei que ele não é de 1968, mas foi nesse ano que passei a acompanhá-lo), portanto, quando estavam a se apresentar, eram estilizados como cabeludos, a usarem figurinos psicodélicos, tocarem e cantarem sobre um palco que se transformava em seu carro/nave.

"Coil", o Homem Mola, Multi-Homem e o Homem-Fluído eram heróis e Rockers, simultaneamente, já para reforçar a ideia dos conjuntos de Rock estarem na crista da onda e consequentemente absorvidos pela sociedade ao ponto de chegarem às crianças no formato de animações, como conceito um bem contemporâneo. 

E não fora um processo decadente de aceitação por osmose, mas pelo contrário, foi nítido que os produtores estavam a absorver os sinais contraculturais no ar, e jogá-los de pronto em sua linguagem, sem esperar o tempo passar. E ainda sobre "Os Impossíveis", o grito de guerra desses personagens era: "Tally-Ho" (!), traduzido para o português como: "E vamos nós!" 

Assisti no cinema, embora já fosse um filme "velho" (1965), o meu primeiro filme do gênero, "Spaguetti-Werstern", chamado: "O Dólar Furado". Era bem diferente dos "westerns" normais que eu tanto assistia na TV, porque parecia mais lento, mais detalhista. 

Mas só anos depois que eu pude conhecer bem o gênero e a me tornar um fã da arte de Sergio Leone e de seus pares. Suprema ironia para os norte-americanos, se reflete como diz Clint Eastwood: "ninguém faz western melhor que os italianos"... mamma mia, é vero!

Outra lembrança de 1968, na dita tela grande, foi: "O Calhambeque Mágico" ("Chitty Chitty Bang Bang"). Meus pais me levaram novamente à sofisticada sala de cinema: "Comodoro/Cinerama", para ver algo com som estéreo e projeção "cinemascope". 

Pena que tal filme seja um musical um tanto quanto enfadonho e não um filme de guerra bem acabado tal qual eu tanto desejei ter visto naquela tela impressionante. Tratava-se de uma fantasia sobre um cientista maluco que inventava engenhocas e se metia em muitas confusões etc. Dick Van Dyke é um ator até interessante, mas salvo uma ou outra cena bem-feita, eu saí frustrado da sala de cinema, ante aquela obra histriônica.

Na música, 1968, foi o ano em que assumi que a acompanhava de fato e embora não tendo nenhuma intenção de romper com vários estilos que ouvi por influência dos pais, avós e pessoas mais velhas em geral, por "rebeldia", mesmo por que nunca tive esse perfil enquanto traço de minha personalidade, nesse ano comecei a nutrir simpatia explícita pelo Rock, Folk-Rock e a Black Music em geral.

Além de todas as fontes que já eu citei e a ter o veículo do rádio como uma delas, se tornou um hábito não mais escutar as emissoras de rádio que meus pais gostavam, mas ao possuir o meu próprio radinho, procurar a programação que mais me interessava. 

E nesse caso, eis que eu fui parar no dial da Rádio Excelsior de São Paulo, que tinha como seu slogan: "A Máquina do Som". Ali, efetivamente, lancei o meu primeiro mergulho espontâneo, ao ouvir com bastante regularidade a programação. Fiquei arrebatado por artistas como: Otis Redding, Wilson Pickett, The Mamas and the Papas, Donovan, The Lovin' Spoonful, Procol Harum, Petula Clark, The Animals, Os Mutantes, além de muitos outros e claro, Beatles e Rolling Stones, inclusos.

Ouvia o belo R'n'B: "Sittin' of the Dock of the Bay" com o já saudoso naquela época, Otis Redding, inúmeras vezes e nunca me cansava de reescutá-la. "Monday, Monday" e "California Dream", com The Mamas and The Papas, "Whiter Shade of Pale", com Procol Harum e muito mais!

Ouça abaixo (Sittin'On) The Dock of the Bay", com o grande, Otis Redding, um dos meus cantores de Soul Music prediletos, senão o maior deles. 
Gostava imensamente de "Batmacumba" e "Ave, Genghis Khan" d'Os Mutantes, que tocaram muito na programação, assim como Gilberto Gil e Caetano Veloso e outros artistas mais obscuros, mas muito instigantes como por exemplo, "De Kalafe", e o cantor Fábio, este, muito citado na biografia de Tim Maia, e que em 1968, lançou uma canção de uma ousadia e tanto, chamada: "Lindo Sonho Delirante", muito psicodélica, e claro, assim denominada para gerar o acrônimo desse título que diz toda a intenção desse freak paraguaio e que só podia mesmo ser amigo do Tim Maia...  

Ouça abaixo, "LSD"..."Lindo Sonho Delirante", com Fábio: 
Outro sucesso do Fábio, em 1968, foi: "Stella", uma canção que tocou muito no rádio, cujo uso de um "delay" quando ele pronunciava o nome de "Stella", era comentado e imitado por todo mundo na época. Ouça abaixo a canção "Stella", que tocou bastante na "Máquina do Som", um blues bonito, ainda que tenha um certo ranço popularesco no arranjo.
E assim foi, considero o ano de 1968, quando eu realmente assumi que gostava e procurava conhecer o Rock, de fato.

Mais maduro por ter chegado aos oito anos de idade, o noticiário me interessou bastante nessa altura. Alfabetizado, eu devorava os jornais, revistas de atualidades e já a me interessar muito pelo noticiário cultural, a falar sobre filmes e música, principalmente.  
Em 1968, a notícia de que os hippies paulistanos estavam a montar uma feira, todo domingo na Praça da República, no centro de São Paulo, despertou comentários de repulsa de parte da opinião pública conservadora, mas eu não me deixava contaminar tão cegamente  com a formação desse conceito contrário da parte dos adultos tradicionalistas, nesta altura, e no embalo que estava a ganhar com tudo o que absorvia e citei neste capítulo até aqui, simpatizei de pronto com a ideia.

Escrevi uma matéria a contar a história da Feira Hippie da Praça da República, no meu Blog 1. Eis o Link abaixo:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2015/08/feira-hippie-da-praca-da-republica-de.html

Foto da Feira Hippie de Portobello Road, em Londres, por volta de 1968 

E por falar em freaks, foi em 1968 que eu também vi pela primeira vez na vida um Hippie muito cabeludo de fato a caminhar na rua, e fiquei impressionado pela sua roupa, absolutamente incrível. 

Sobre o figurino do rapaz, se tratou de uma casaca militar ao estilo do século XVIII, que ao pensar hoje em dia, aonde esse sujeito arrumaria uma peça tão incrível assim, senão na Portobello Road de Londres, ou no "mercado das pulgas" de Paris? 

Fora isso, ele usava uma bota de cano longo, muitos colares hippies ao estilo miçangas no pescoço, uma echarpe muito psicodélica amarrada no pescoço e mantinha uma cabeleira até quase o meio das costas e a usar uma barba espessa. 

Ao analisar hoje em dia, quase cinquenta anos depois, o sujeito se parecia com o George Harrison em fotos de 1970, por ocasião do lançamento do seu LP solo: "All Things Must Pass".

Foto do George Harrison em 1970, e o freak que eu vi na rua em em 1968, estava bem parecido com ele, nessa foto acima.
 
Fiquei tão surpreendido em ver essa inusitada figura em uma tarde de um dia útil qualquer de 1968, quando me dirigia para a escola, que o meu semblante de estupefação lhe causou um sorriso típico daqueles de quem acha graça do espanto alheio. 

Aconteceu na Rua Baluarte, nos quarteirões entre as ruas Quatá e Casa do Ator, no caminho da minha escola. Não digo que a partir desse dia deixei o cabelo crescer e pedi peças de figurino ao estilo "hippie" aos meus pais, mesmo por que, eu era um simples garotinho, ainda nem tendo completado a troca da dentição infantil, pela definitiva, mas tal impacto que tive só reforçou a simpatia pelos signos Rockers, Hippies & Freaks, ainda mais, por ser mais uma gota a reforçar o oceano, quando no futuro, eu mergulharia. 

Outro fato forte de 1968, foi a tremenda polêmica que o disco solo lançado por John Lennon em parceria com sua então nova namorada (a artista plástica japonesa, Yoko Ono), ao fazer muito barulho na imprensa. Lembro-me bem das discussões acaloradas, embora só fosse tomar contato com o disco em si, muitos anos depois, já nos anos setenta. 

O casal retratado inteiramente nu na capa e contracapa, causou furor, e como se não bastasse esse choque visual, se tratou de uma obra não musical, mas totalmente experimental, a conter a gravação de ruídos produzidos pelo casal, como grunhidos e gritos.

Isso gerou nitroglicerina para a imprensa atacar com virulência, ao usar todo o seu arsenal de comentários conservadores possíveis e imagináveis, a evocar preconceito, incompreensão e tomada de posição em tom de reação, como sempre é esperado da parte de quem tem tendências assim, digamos, regressistas.  

Na política, os acontecimentos do fim do ano tornaram a atmosfera sombria. Ao ler o noticiário, eu não entendi com propriedade, é óbvio, mas deduzia que o AI-5 decretado, fora um ato que trouxe medo generalizado. Independente das opiniões dos simpatizantes e opositores às medidas tomadas pelos ditadores militares, a minha impressão e dedução infantil teve fundamento.

Foi também em 1968 que eu assumi enfim gostar de futebol, a despeito da contrariedade de meu pai que odiava o ludopédio e também assumi meu amor pelo verde esmeralda.


A persona de Ademir da Guia a flutuar com a cabeça erguida e jogar futebol com a fleuma de um jogador cerebral de xadrez, se tornou um ícone tão forte quanto meus ídolos na música, cinema, seriados, histórias em quadrinhos etc. Ao pensar na posição em que ele jogava e por não compará-lo com jogadores como Pelé e Maradona, penso que só vi até hoje (2016), um único jogador com a mesma técnica, fleuma e elegância semelhante ao Ademir da Guia: Zinedine Zidane, o astro franco-argelino que demoliu o Brasil nas Copas do Mundo de 1998 e 2006. 
Em uma década tão vitoriosa para o Palmeiras, justo no ano que passei a ver VT de jogos e acompanhar as transmissões tradicionais do rádio, eu tive uma decepção, mas que no futebol é algo corriqueiro, e por isso, de fato, é o maior esporte do planeta, pois neste caso, um time ser superior tecnicamente ao seu adversário, ao contrário de outras modalidades, não garante vitória e assim, a segunda chance de ser campeão sul-americano foi para o ralo, e não que o time do Estudiantes de La Plata, da Argentina fosse um time ruim, pelo contrário, era forte, campeão argentino e com vários jogadores convocados na seleção de seu país. Todavia, a Academia I do Palmeiras era uma máquina de jogar bola e sob uma forma muito bela, portanto, foi uma pena perder essa final. Paciência, não me considero "pé frio" por isso, e no ano seguinte o meu time dar-me-ia alegria, conforme contarei no próximo capítulo. 

Ainda a mencionar o esporte, houve uma nova edição das Olimpíadas e desta feita, a Cidade do México foi a cidade-sede. Se tornou marcante a comemoração dos atletas negros norte-americanos que ganharam medalhas e no pódio, fizeram a saudação gestual do movimento "Black Power".  
Lembro-me bem dos comentários nos noticiários a falarem sobre isso, para exaltar a afronta política que representara contra o conservadorismo racista, mas radicalismos dos "Black Panthers" a parte, teve o peso das reivindicações justas pela igualdade racial e direitos civis assegurados aos negros na América do Norte e certamente para servir de exemplo para todos os povos que ainda achavam normal a segregação racial.

A Rainha da Inglaterra, Elizabeth II, a desfilar pela Avenida Paulista, em São Paulo, em frente à nova sede do Masp (Museu de Arte de São Paulo), na qual a sua Majestade havia acabado de inaugurá-la oficialmente, em 1968

Quando a Rainha Elizabeth II veio em visita oficial ao Brasil em 1968. A minha escola foi pré-escolhida para figurar juntamente com outras, na massa de estudantes que seriam perfilados para verem o cortejo de sua Majestade em seus compromissos oficiais pela cidade de São Paulo e entre eles, creio que o mais marcante foi quando ela em pessoa inaugurou a nova sede do MASP (Museu de Arte de São Paulo), na Avenida Paulista. Ficamos eufóricos com essa perspectiva e chegamos a receber bandeirinhas de plástico do Brasil e do Reino Unido, que usaríamos na manifestação, mas a nossa participação foi cancelada e isso gerou muita frustração...

Escrevi uma matéria para comentar sobre a vinda da Rainha da Inglaterra à São Paulo em 1968, no meu Blog 1. Eis o Link abaixo:

http://luiz-domingues.blogspot.com.br/2015/08/quando-rainha-andou-pela-pauliceia-por.html

Um outro evento de 1968 e que estabeleceu a conexão com a minha vida escolar, eu já contei previamente no capítulo relativo à 1963, por conta de que falara a respeito de uma coleção de livros que ganhei dos meus pais naquele ano (a coleção: "Trópico"), ter motivado algo que realizar-se-ia em 1968. 

Ao relembrar, portanto: em 1963, fiquei tão impactado pela coleção de livros chamada, "Trópico", que assim que me alfabetizei bem superficialmente, o suficiente apenas para poder registrar as minhas ideias em um papel, tratei de começar a escrever um livro nos mesmos moldes daquela coleção enciclopédica.

A capa do meu singelo livro inacabado: "O Mundo em Qualquer Época", que comecei a escrever em 1968...

Nomeei-o como: "O Mundo em Qualquer Época", a conter uma série de pequenas dissertações sobre passagens da história geral da humanidade, e claro, sob a visão muito simplória de um menino de oito anos de idade, absolutamente ingênuo e com a agravante da caligrafia sofrível e parcos recursos de redação, além da precariedade gramatical e ortográfica de alguém que apenas iniciara o processo de alfabetização, poucos meses antes. Guardo com carinho, portanto, como uma relíquia de memorabilia, essa brochura singela e escrita a lápis.

Um exemplo dos textos que estão escritos em forma de micro dissertações, desse livro que cito. Na página 12, eis uma micro redação a falar sobre a civilização egípcia e na 13, um relato a "explicar" a Guerra de Secessão norte-americana. 

A relação com a escola foi singela também, pois a minha mãe levou o meu "livro" para a professora, a meiga, Dona Maria Tereza avaliá-lo e mesmo a relevar todas as ressalvas óbvias que eu fiz acima, ela ficou tão entusiasmada com minha iniciativa que muito me incentivou a escrever redações no ano seguinte, quando do avançar do 2º ano primário e me falou várias vezes que na opinião dela, eu tinha uma aptidão para escrever. 

Só fui investir fortemente nesse lado escritor, quando em 2010 comecei a interagir na internet, e em 2011, assim que mergulhei mesmo na produção de textos, para escrever como convidado em vários Blogs, para em seguida abrir os meus blogs particulares etc. Todavia, mesmo que tardiamente, sou muito grato à Dona Maria Tereza pelo incentivo, que em tese, nunca saiu da minha memória.    

Ao final de 1968, a minha escola organizou uma bandinha prosaica que apresentar-se-ia em um teatro, como forma de celebrar o final do ano letivo. Eu não pensava em tocar instrumentos musicais como uma determinação, embora sutilmente esse conceito já estivesse lá no fundo do meu subconsciente, por tudo o que já citei neste capítulo, principalmente pelos fatos que fizeram com que eu me aproximasse cada vez mais da música e do Rock em específico, com o seriado "The Monkees", incluso como influência forte.

E nesses termos, quando a professora de artes começou a organizar a bandinha, lá por outubro de 1968, ela perguntou a cada criança se sabia tocar algum instrumento musical e salvo lapso de memória de minha parte, não haviam menininhas pianistas, fator comum ao se imaginar a cultura tradicional em que vivíamos, quando no passado não tão remoto, era considerado de bom tom colocar as meninas na tenra idade para estudar piano, ou tampouco garotinhos violonistas.  

Portanto, todos nós fomos colocados como "percussionistas", de uma forma muito simplória, é evidente, a percutir instrumentos a esmo, sem noção musical alguma e com a missão de cantarmos acompanhados de uma professora ao piano. As canções propostas foram peças do cancioneiro infantil e folclórico brasileiro, do tipo: "Atirei o Pau no Gato" e coisas do gênero, e não foram muitas, três ou quatro somente, pois foi algo bem óbvio que as crianças não decorariam um repertório complexo e extenso...  

E no meu caso, fui designado para tocar "triângulo", um instrumento tradicionalmente usado nos combos de música nordestina. Com timbre muito agudo e bom para manter ritmo contínuo, no caso eu fui instruído a tocá-lo da forma mais simples possível ao se considerar que eu não detinha noção musical alguma. 

Aliás, foi o que ocorreu com todos e com a professora só a tratar de coibir a caótica tendência das crianças para atravessarem a condução do piano, a atrapalhá-la e claro que o único elemento realmente musical que foi ouvido ali, se tratou do seu piano, a amenizar os efeitos devastadores de um coral infantil desafino e certamente da percussão sofrível executada pelos pequenos simulacros de músicos incautos...

Entrada principal do Teatro Paulo Eiró, com o seu famoso painel em alto relevo.

Feitos esses "ensaios" prévios em sala de aula, completamente infrutíferos, a apresentação foi marcada para dezembro de 1968, no Teatro Paulo Eiró, localizado no bairro do Brooklin, quase divisa com o bairro do Alto da Boa Vista, na zona sul de São Paulo. 

Teatro muito bonito e de propriedade da prefeitura, era e ainda o é, mais um desses teatros municipais que a cidade de São Paulo mantém espalhados por vários bairros da cidade. Evidentemente que a plateia foi formada exclusivamente por familiares dos alunos e não haveria outra expectiva que não fosse essa. E assim aconteceu sob uma noite de dezembro de 1968...

Ilustração a mostrar a parte interna e bem mais atual do Teatro Paulo Eiró

É óbvio que eu não possuía ainda a determinação assumida de ser artista nessa época, quando eu "crescesse", mas de fato, foi a primeira vez em que eu pisei sobre um palco na minha vida. E não foi um palco qualquer, mas o de um teatro bem estruturado, com cenotécnica, iluminação profissional, coxia, com ótimos camarins e palco estilo "italiano", com dimensão grande.  

Ele não foi usado de forma integral, não apenas pelo caráter prosaico da atração que representamos, no entanto por se tratar de uma celebração fechada e de ordem escolar, naturalmente. Por isso, e também porque o teatro estava a ser usado para encenações teatrais, havia um cenário parcialmente desmontado atrás das coxias e isso eu me lembro bem, pois observei a presença de vários objetos de cena que me chamaram muito a atenção.

E claro que na época eu não estava atento em nada desses pormenores que se referem sobre produção de espetáculos artísticos, mas ao analisar hoje em dia, é óbvio que a direção do teatro nos permitiu usarmos a carga mínima de iluminação e na minha lembrança, me lembro de luzes brancas em sua maioria e poucos spots com gelatinas azuis e vermelhas, talvez só para dar um acabamento muito sutil e assim privilegiar mesmo a brancura em clima de "luz de serviço", como se fala no jargão da iluminação de espetáculos.  

Meus pais nem pensaram em fotografar a apresentação e não me lembro de outros pais que tivessem feito o mesmo. Eu nunca soube de nenhuma foto oficial providenciada pela escola, tampouco.
 

Todavia, em 2015, eu tive uma surpresa incrível e foi da maneira mais fortuita possível. Já a trabalhar fortemente na formatação dos capítulos da minha autobiografia na música através dos meus Blogs, eu jamais pensaria que seria possível achar uma foto desse evento tão remoto. 

Mas eis que em uma determinada madrugada desse ano citado, ao olhar as notícias em um site da internet, me deparei com uma matéria que falava sobre uniformes usados na rede pública estadual de ensino do estado de São Paulo, ao longo de muitas décadas. 

Estava a olhar fotos do início do século XX e fui a acompanhar a evolução dos uniformes através de fotos em sua maioria, provenientes de acervos particulares etc. Separei a matéria entre os "favoritos", e no dia seguinte, convidei a minha mãe para ver também, por considerar a exposição, interessante. 

Foi quando uma foto do final dos anos sessenta, me chamou a atenção, pela sua legenda: "bandinha musical do Grupo Escolar de Vila Olímpia, em apresentação de 1968"... 

Não podia ser! Foi inacreditável estar a olhar para aquela foto! Não havia crédito, sinto muito, pois adoraria citá-lo, mas o importante é que esse tesouro estava diante de meus olhos. Identifiquei-me e também muitos coleguinhas da minha classe (alguns inclusive dos quais eu me recordo de seus nomes) e ali representamos a turma do 1º ano do curso primário, turma "M" do Grupo Escolar de Vila Olímpia, de 1968...

Eis a foto abaixo:

Sou o quarto menino, à direita, na fila mais alta, e ao se considerar que há uma criança encoberta na mesma fileira. 

1968, se fechou com essa experiência de eu ter subido no palco pela primeira vez. Onze anos mais tarde, em novembro de 1979, eu estaria nesse mesmo palco novamente, para tocar na banda de apoio do cantor/pianista/compositor, Tato Fischer, um trabalho avulso que realizei fora de uma banda autoral minha, mas em tese, a se caracterizar como o meu primeiro trabalho profissional, pelo fato de ter sido remunerado para tal, em quatro apresentações ali no Teatro Paulo Eiró, sob uma mini-temporada. 

Para saber detalhes dessa passagem de 1979 que citei, procure os capítulos referentes aos "Trabalhos Avulsos" no texto da minha autobiografia, que se encontram nas postagens de março de 2015, no arquivo deste Blog.  

Eu, o menino, Luiz Domingues, aos 8 anos de idade em 1968... acervo familiar
  
1968, foi um ano dos mais ricos para a minha formação pessoal e do qual tenho lembranças das mais queridas da vida inteira. Não só pelas questões pessoais & familiares e nem mesmo as mais prosaicas dentro do espectro infantil, mas pela carga cultural que foi avassaladora e praticamente ao dar início a um processo irreversível de paixão pela música e pelo Rock em específico.  

Tenho uma saudade imensa de 1968, e mesmo ao saber que muitas pessoas nutrem a imagem pesada desse ano por conta da política no Brasil, no meu caso, a lembrança pessoal é muito querida.

Continua...

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