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terça-feira, 21 de junho de 2016

1970 - Minha Ligação Inicial com o Rock na Infância e Começo da Adolescência - 1970: Pra Frente, Brasil na BR 3! - Por Luiz Domingues

 

Cheguei aos dez anos de idade em meio a um bombardeio de informações. Estava cada dia mais empolgado com tudo o que envolvia a cultura em geral e ao mesmo tempo, a começar a projetar a adolescência com sentimentos paradoxais, em certos aspectos. 

Pois ao mesmo tempo em que estava por apreciar crescer e ter mais contato com todas as possibilidades que se apresentavam, um lado meu ficara triste por estar a abandonar certos signos infantis que tanto gostava. Tal crise de identidade começou mais ou menos no ano anterior, 1969, e durou até 1972, aproximadamente, quando completei doze anos de idade.

Eu, Luiz Domingues, em foto 3/4 para a carteirinha da escola, aos 10 anos de idade, em 1970, a bordo de uma camisa pseudo-psicodélica da marca "Gledson", confecção essa que nesse ano fez a seguinte promoção: "compre três camisas psicodélicas e ganhe um poster de um Beatle". Foto do acervo familiar.
Tais posters, eram gigantes de fato, e as estampas disponíveis foram as fotos individuais dos quatro Beatles, provenientes do encarte do "Álbum Branco", de 1968. E no meu caso, eu escolhi a foto do Ringo Starr, ou seja, nada melhor do que uma "Photograph", não é mesmo?  Eu queria ter os quatro posters, é claro, mas ser obrigado a adquirir doze camisas não foi possível na ocasião e logo a promoção se extinguiu.

No futuro bem próximo, eu perceberia que nada do que eu gostava na infância seria perdido pelo simples fato de crescer ser algo inexorável. 

Sei que a maioria das pessoas pensa dessa forma, e quando atinge a adolescência e conseguinte vida adulta, abandona o elo com a infância totalmente, por vários motivos, mas não foi o meu caso, pois não penso que eu seja apenas o presente, mas me sinto como um ser integral, ou seja, o resultado da somatória de todas as experiências acumuladas desde o berço até o último suspiro, que espero seja na velhice bem avançada. 

Mas em 1970, obviamente que eu não possuía essa maturidade, e assim, estive a viver esse pequeno dilema existencial. E havia bombardeio social o tempo todo a me influenciar. 

Fumar, por exemplo, foi um signo social fortíssimo nos anos sessenta, a se revelar como uma tradição cultural massacrante que se arrastava há décadas, talvez desde o século XIX, acredito e ao ouvir a criançada à minha volta na escola e a observar o comportamento dos adolescentes do curso ginasial, que eu via a fumar no pátio da escola, mais o bombardeio midiático, me sentia pressionado, mesmo por que, houve o mote da transição da infância para a adolescência e o cigarro (com as bebidas alcoólicas, incluso nesse rol), fora uma espécie de símbolo desse ritual social, para que se demonstrasse coragem para abandonar a infância e se assumir como adulto.

Meu pai foi um fumante inveterado. Eu o conheci a fumar desde sempre, e mesmo com ele ao não dar a entender que incentivar-me-ia abertamente, se eu começasse a fumar, ele não opor-se-ia, sei disso, mas não aos dez anos, embora ele mesmo tenha começado aos onze, nos anos quarenta. 

Essa foi uma das preocupações que passei a nutrir nessa crise existencial que citei, pois mesmo por ser uma criança inocente e sem discernimento algum, eu já nutria verdadeira ojeriza ao tabaco e não pretendia de forma alguma sequer experimentar, pois já achava o cheiro e a fumaça, deprimentes.  

Nesses termos, como seria se me pressionassem na escola e mesmo que isso não acontecesse ainda no curso primário, eu deduzia que ao ingressar na etapa escolar a seguir, o "curso ginasial", isso seria quase inevitável e mesmo por não conhecer a palavra inglesa,  "bullying", naquela época, isso de fato já existia e os boatos que eu ouvia entre os coleguinhas, a narrar sobre fatos ocorridos com seus irmãos mais velhos, me preocuparam.

Paralelo a isso, as conversas dos adultos sobre as drogas, beiravam o ridículo, com os boatos que se espalhavam sobre traficantes que colocavam drogas nas guloseimas vendidas em cantinas escolares e mesmo por conta de vendedores ambulantes de pipocas na porta da escola, com o objetivo em viciar novos "clientes". Cheguei a ouvir gente idosa a afirmar isso, como se fosse um fato concreto que tal disposição seria obra dos "subversivos" que a ditadura militar estava a combater, à guisa de uma maquiavélico plano para estabelecer o domínio do "mal".

Ao ir mais ou menos nessa linha, neste caso foi através da mídia mesmo que eu li uma reportagem em uma revista de atualidades, a dar conta de que o governo estudava "proibir" o uso de algumas gírias que os jovens estavam a usar, pois todas seriam alusivas às drogas e isso seria portanto, um plano diabólico dos oponentes do regime, para minar a nossa sociedade. Palavras como: "Barato", "Curtição", "Careta", "Grilo", "Cafona" e "Transa" (que nessa época não tinha conotação sexual), estavam na mira das "autoridades". Sem comentários...

A mudar de assunto, logo no início de 1970, eu adquiri um hábito que geralmente é mais popular entre idosos, mas que enriqueceu demais o meu vocabulário. Tornei-me fã das palavras cruzadas, ao passar a comprar não só gibis e figurinhas nas bancas, mas também as edições da revista, "Coquetel". 

Na escola, o 3º ano do curso primário transcorreu com alguns percalços. Primeiro, que a professora nova que nos foi designada, apesar de ser uma boa pessoa (e que se chamava, "Dona" Valquíria), não tinha o temperamento dócil e com a característica pedagógica de incentivar os alunos, a elogiar os seus pequenos progressos, como a anterior, que a turma toda adorava, Dona Maria Tereza. 

A Valquíria nunca foi rude, gritou ou foi desagradável conosco, mas era bem menos paciente e as suas aulas foram ministradas a toque de caixa, ao nos passar o conteúdo didático tradicional e sem maiores preocupações extracurriculares. 

Curioso isso, pois seria para se esperar que fosse o contrário, visto ser a Valquíria, uma mulher muito mais jovem, eu diria, a aparentar ser recém-formada do curso do magistério, com 19 ou 20 anos de idade, apenas.   

Minha escola fazia um enorme "L" entre as Ruas Gomes de Carvalho (portão principal), Baluarte (face lateral), e Casa do Ator (portão dos fundos), mas com a divisão do terreno entre o Estado e a Prefeitura, em 1970, perdemos toda a face dos fundos e a metade da face lateral. Esse mapa acima, que é bem mais moderno (não existia a avenida Hélio Pellegrino na época que descrevo, por exemplo, e pelo contrário, justamente ali corria o córrego Uberabinha), dá uma ideia boa do que falo e o balão verde mostra a entrada antiga da escola e que hoje em dia (2016) se tornou uma escola de enfermagem da Prefeitura, conforme mostra a foto abaixo, e claro, a entrada da escola está muito modificada nos tempos atuais.

Outro fato ocorrido no âmbito escolar, foi que nesse ano de 1970, fomos comunicados que haveria uma separação do imenso terreno que ocupávamos, com aquele pátio que mais parecia um sítio, cheio de árvores, a ser diminuído drasticamente. 

A nossa escola teria redução de espaço, para passar a existir até o galpão onde ficava o teatro e o outro lado seria dividido por um muro, onde construir-se-ia ali uma nova escola, que seria gerida pela prefeitura, sendo que a nossa escola permaneceria sob o comando estadual. 

Então, durante todo o ano de 1970, as nossas aulas, que já possuíam a interferência habitual dos aviões (por voarem muito baixo, em processo de pouso, ao chegarem no aeroporto de Congonhas), conviveram também com o barulho ensurdecedor das obras da construção do outro colégio que passaria a funcionar a partir de 1971, com a sua entrada principal, voltada para a Rua Casa do Ator.  

        Foto de um lance do jogo, Brasil x Romênia, Copa de 1970

Fora esse incômodo, o 3º ano do curso primário transcorreu com tranquilidade. Um fato marcante aconteceu em junho, durante a realização da Copa do Mundo, quando na véspera do terceiro jogo do Brasil, na fase de grupos (Brasil x Romênia), a criançada quis bater em um garoto que afirmara que torceria contra o Brasil. Ali foi meu primeiro contato real, com o conceito do ufanismo.

Não participei do bullying que lhe impingiram, mesmo por que eu abominava tal tipo de ação covarde, mas aquela afirmação me fez pensar bastante, pois eu fiquei chocado, sem mensurar nada a respeito da negativa com qualquer embasamento conjuntural da situação política do país à época e talvez esse menino tenha inocentemente expressado tal sentimento, por ter ouvido conversas dos adultos de sua família e que talvez fossem antipatizantes do regime autoritário em voga no país, naquela ocasião e que acintosamente usara a Copa do Mundo e seu ufanismo barato como peça de propaganda do seu regime. 

Mas certamente eu não tinha esse embasamento nessa época, para ter tal leitura dos fatos. Apenas fiquei chocado, pois não achava ser possível alguém por ser brasileiro, admitir abertamente e com tal convicção, que não torceria para a seleção do Brasil, vencer.  

E já que falei de Copa do Mundo, e a viver a emoção do futebol desde 1968, ao compreender não só o jogo em si, mas por acompanhar os bastidores, via rádio, TV e jornais, claro que assisti a competição com total interesse e a torcer muito. Já tinha assistido as partidas das eliminatórias, em 1969, e como quase todo pequeno torcedor, orgulhava-me em ver jogadores do meu time a ser convocados. Hoje em dia, e já faz muitos anos na verdade, quando convocam algum jogador do meu time, fico muito indignado, mas... isso é assunto para matérias sobre futebol que escrevo para colaborar com Blogs como o "Futebol Apaixonante" e "Planet Polêmica", e que republico no meu Blog 1, portanto não vou desviar o foco neste momento 

Portanto, assisti todos os jogos que pude, não só os do Brasil, mas incluso o jogo de abertura com direito à cerimônia, em 31 de maio de 1970 (México 0 x 0 URSS).  

A festa do Brasil Tricampeão mundial foi impressionante. O povo estava contagiado pelo massacre ufanista, embalado pelo hino da seleção ("noventa milhões em ação, pra frente Brasil, do meu coração"...), e a pensar exclusivamente em futebol, manipulação midiática e política a parte, aquele time ganhou e encantou pela beleza plástica do futebol apresentado, portanto, a euforia foi justificável.

Só não entendo até hoje algumas escolhas na escalação, apesar da excelência do meio de campo para frente, a defesa era frágil na minha avaliação e não precisava ter sido assim. Ao se excetuar a presença de Carlos Alberto Torres que foi de fato, o melhor lateral direito do país, uma defesa com Brito, que era um zagueiro tosco, e Piazza que era volante, a jogar improvisado como quarto zagueiro, além de um goleiro mediano como Félix e com todo o respeito ao saudoso, Everaldo, na lateral esquerda, mas que era fraco, de fato, realmente com tantos jogadores mais categorizados a atuarem no país nessa época e muitos que sequer foram convocados, realmente a sorte foi mesmo que havia muita genialidade, do meio de campo para a frente.  

E não me execrem, sei que o Gerson jogou muito e foi fundamental como um meia-esquerda que também era volante, mas Ademir da Guia era muito superior tecnicamente e deveria ter sido o cérebro daquele meio de campo. Talvez com o Gerson a jogar como ponta de lança no lugar de Tostão (que foi bem na função é verdade, também), mas creio que com Ademir da Guia, como maestro, a orquestra teria tocado ainda melhor, se é que possível pensar nisso diante do que aquela seleção de 1970, jogou, efetivamente. 

Após a vitória acachapante e consagradora na final, os meus pais e eu fomos dar uma volta pelas ruas do nosso bairro para vermos o carnaval do povo e digo que nunca vi tanta euforia, sob um foguetório e buzinaço incrível, mediante carreata, gritaria etc. Acredito que tal euforia se espalhou no Brasil inteiro, talvez com maior ou menor empolgação em algumas localidades, mas ali, no entorno do meu bairro, onde vi e ouvi a manifestação popular, foi algo retumbante.  

Cerca de um mês depois, no caminho que eu fazia para ir à banca de jornais mais próxima de casa, para comprar os meus gibis, havia um outdoor com a propaganda de uma indústria de lâminas de barbear, a enaltecer a conquista da seleção, com os dizeres: "O caneco é nosso", e a foto da Taça Jules Rimet, símbolo do tricampeonato. E tal outdoor ficou meses sem ser trocado. Até o início de 1971 ele esteve em exibição, embora já bem descascado pela ação do tempo.

Para encerrar o assunto futebol, o meu time esteve em fase de transição, com aquela máquina sessentista por ser renovada e tal fase a marcar o início à uma reformulação, que só engrenaria a partir de 1972. Então, em 1970, o máximo que conseguiu foi o vice-campeonato brasileiro, mas pelo menos com o consolo de mais uma Taça Libertadores da América para disputar em 1971, garantida. 

E só mais um adendo, a misturar minha a vida escolar e o futebol. Eu ainda era bem "grosso", não tinha desenvolvido técnica, mas joguei no time da minha classe, no campeonato interno da escola. E fiquei muito empolgado, porque o gol da vitória do meu time, no jogo final (acabou 3 x 2, para o meu time), surgiu no fim do jogo, graças a um passe meu. Não foi uma jogada calculada, tampouco nada refinada, mas impulsionada por um chutão que eu dei no desespero de fim de jogo. Contudo, o fato é que esse "chuveirinho" desesperado fez a bola cair no pé do nosso atacante e aí... foi aquela euforia infantojuvenil gerada, em uma tarde de fim de novembro de 1970...

Sobre os signos culturais que me influenciar em 1970, eu já era um fã declarado da Soul Music e nesse campo se englobava o R'n'B e o Funk e que fique claro, o verdadeiro Funk e não essa manifestação abjeta que usa o mesmo nome, infelizmente, desde o fim dos anos noventa, acredito. 

Eu já gostava muito de inúmeros artistas dessa seara da Black Music, mas em 1970, havia descoberto o Jackson Five, do qual me tornei fã, pela sua óbvia qualidade musical. E sim, aprecio o baixo tocado pelo Jermaine Jackson, com aquele swing Soul, de primeira qualidade.

E mesmo com o Otis Redding falecido, infelizmente, ainda o apreciava muito (na verdade, nunca deixei de gostar de sua obra, é claro) e muitos outros como Stevie Wonder, Wilson Pickett, Aretha Franklin, James Brown, Marvin Gaye, Diana Ross & The Supremes, The Ronettes, The Miracles e mais uma série de artistas da pesada da cena dos anos de ouro das gravadoras, Motown e Stax.

A Black Music respingou forte no Brasil, também e assim eu passei a apreciar muito o som do Tim Maia que explodiu nas rádios e TV. A reboque, o som do Roberto Carlos, nessa fase 1969 & 1970, também entrou de cabeça na Soul Music (por influência direta do Tim Maia, que o alimentou com músicas e ideias de arranjos). 

E para fechar a trinca, quando o festival FIC (Festival Internacional da Canção, que foi provavelmente o último suspiro dos festivais sessentistas, a se arrastar até 1972), realizou-se em sua edição de 1970, um cantor negro e com uma cabeleira Black Power enorme, se notabilizou por defender uma canção Soul, chamada: "BR 3".

Ator de ofício, mas com muito talento para a música, o tal "Toni Tornado" se tornou febre nacional em 1970 e claro que eu gostei muito, com todo aquele mise-en-scène a imitar descaradamente o James Brown, e daí passei a acompanhar a sua carreira com entusiasmo.

Fora a delicadeza R'n'B do Trio Ternura, o Soul abrasileirado dos Golden Boys e Wilson Simonal que estava bandeado para a Black Music desde o final dos anos sessenta, todos esses fatores somados, tornavam a atmosfera de 1970, na minha ótica, muito negra, e sensacional. 

Não era negro, pelo contrário, era um rapaz britânico e branco, mas posso acrescentar o som do Tom Jones nessa onda. Não era tampouco uma novidade de 1970, mas foi mais ou menos nessa época em que eu passei a acompanhá-lo para valer.

Foi nesse ano também que eu ouvi falar do Led Zeppelin pela primeira vez, mas sem computar o seu som como deveria e gostaria que tivesse sido possível, ao pensar hoje em dia...

Assisti pela TV muito promos de artistas como: Ten Years After, Slade, Grateful Dead, Jefferson Airplane, The Who, Mungo Jerry e Iron Butterfly e achava tudo incrível. 

Mas ainda não tinha melhores meios para me ligar nisso tudo, além do radinho e dos promos esporádicos que passavam praticamente a esmo na TV Cultura, desde 1969, e que alguns anos depois, aglutinar-se-iam sob um programa específico para tal finalidade, chamado: "TV 2 Pop Show" (a primeira "encarnação" do "Som Pop", que viria anos depois, na mesma emissora).

Entre as peças mais exibidas, figurava um promo de um cantor com visual hippie, a ostentar uma voz rouca e muito potente e que se contorcia todo para cantar, como se estivesse a sofrer um ataque espasmódico. 

Se tratava sempre da mesma música que era exibida e eu a achava incrível. Não só ele e a canção eram estimulantes, mas a banda que era enorme, com muitos instrumentistas e um coral de vocalistas de apoio. Em 1970, eu tinha poucas informações sobre tal artista, mas logo descobriria se tratar de: Joe Cocker, um cantor britânico sensacional e aquele promo em questão, fora um excerto de um documentário que no futuro eu iria adorar, a cobrir a sua turnê pelos Estados Unidos, ocorrida naquele ano, 1970. 

Joe Cocker com aquela banda maravilhosa, a cantar, "Cry me a River", me arrepia-me até hoje. Que os Deuses do Rock abençoem sempre os "Cães Raivosos e os Homens Britânicos"...

Eis aí o Status Quo, uma das bandas cujos promos passavam no Brasil, em 1970 e me impressionaram. 

Na TV Bandeirantes também eram exibidos promos com bandas de Rock, mas de maneira fortuita, ainda não fechados sob um programa exclusivo para tal.

O "Som Imaginário", uma banda eclética, criativa e muito técnica

Na MPB, tirante os festivais que ainda persistiam, creio que foi nesse ano pela primeira vez que ouvi falar do Som Imaginário, Zé Rodrix, e Taiguara.

                        Os 3 Moraes: excelência vocal impressionante

Bem fora do esquadro contracultural e hippie, mas eu também gostava de um trio vocal que costumava fazer malabarismos vocais impressionantes, a usar o recurso da onomatopaica em cima de jazz e da música erudita. Eu os assisti muitas vezes na TV, a cantarem "Fugas" de Johann Sebastian Bach, com contrapontos que hoje eu sei se constituírem de peças de dificílima execução pela sua complexidade musical. Eram três irmãos, dois rapazes e uma moça, e o trio se chamava: "Os Três Morais", em uma alusão ao sobrenome familiar. Anos depois, a mocinha partiu para uma carreira comercial com um pé no apelo popularesco, ao fazer dupla com o seu marido, um cantor chamado: Herondy. Sim, foi a Jane..."Não se vá"...

Com o fim da Jovem Guarda, Roberto Carlos entrou de cabeça na Black Music, mas muito em breve partiria para o romantismo popularesco do qual nunca mais saiu. Erasmo, Wanderléa e outros nomes se aproximaram mais do Rock, a deixarem o ranço popularesco que o movimento possuía, na contramão do Roberto. São muito bons os discos desses artistas todos, de 1969 e 1970, e no caso do Erasmo, bem além disso.

                O ótimo trabalho solo do cantor e compositor, Leno

Ronnie Von, que também havia lançado dois discos psicodélicos sensacionais ao final dos anos sessenta, entrara nesse rol, assim como Eduardo Araújo & Silvinha e Leno, da dupla Leno e Lílian, que lançou trabalhos bem interessantes nessa fase.

A decepção veio por conta d'Os Incríveis, que tiveram tudo para deslanchar como uma super banda de Rock nos anos setenta, pela excelência de seus componentes, mas eles continham amarras com empresários e gravadoras e sei que não foi culpa deles, mas seus álbuns mesclavam materiais muito bons (como por exemplo a homenagem que fizeram a Jimi Hendrix, logo após sua morte, "Adeus Amigo Vagabundo", com uma tremenda introdução Hard-Rock de respeito, ao fazer menção à canção, "Foxy Lady" do próprio, Hendrix), mas em 1970, também lançaram um hino do regime em voga: "Eu Te Amo, meu Brasil", que extrapola todas as fronteiras do suportável e do qual eu peguei trauma, pois fui obrigado a cantar essa pérola ufanista, todos os dias no pátio da escola, entre os anos letivos de 1970 e 1971, ao fazer "ordem unida". Mas ressalto, sei que não foi culpa deles e houve pressão para que lançassem essa peça infeliz.

Gostava muito da Elis Regina nessa fase e daí em diante, foi nítido como ela se modernizara ao abraçar um repertório mais antenado com a realidade internacional e assim sair do nicho mais fechado do Jazz-Samba que professava em sua carreira, anteriormente. Dessa forma, do seu disco de 1970 em diante, passei a apreciar muito o seu trabalho, além também da cantora, Claudia, que seguira a mesma linha e para muitos, foi uma rival e concorrente de Elis.

                             Os irmãos Valle, sensacionais compositores

Nesse bojo, o som dos irmãos Valle, Marcos & Paulo Cesar, que também era fechado no Samba-Jazz/Bossa Nova, inicialmente, mergulhou na Soul Music e com esse balanço sensacional, me conquistou. 

E fora dessas novidades todas, eu continuava a consumir as trilhas sonoras de filmes antigos e modernos (claro que gênios como Henry Mancini, Ennio Morricone e Burt Bacharach, já estavam devidamente computados em minha percepção, portanto.

Na TV,  uma propaganda a usar um mote e um personagem fixo, fez enorme sucesso e os bordões repetidos por tal figura, se tornaram tão populares quanto os que eram repetidos pelo povo, quando se repercutiam os proferidos pelos humoristas, em programas popularescos da TV.

                               Theobaldo, o "Boko-Moko" do guaraná

Tratou-se de um personagem que fora criado para agregar uma imagem "jovem" ao tradicional Guaraná Antarctica, que perdia terreno para refrigerantes estrangeiros que usavam tal mote, como a Coca-Cola, Pepsi-Cola e Fanta. 

Por conta do Guaraná ser muito atrelado ao público infantil e também aos idosos, a campanha criou o conceito do: "Boko Moko", um termo fantasia e inventado para designar tudo o que fosse "fora de moda", obsoleto, ultrapassado. 

E assim, a ideia foi forjar o conceito de quem consumia Guaraná era "anti-Boko Moko". Theobaldo, um humorista egresso de programas populares da TV, encarnou tal personagem e de fato, isso se tornou icônico em 1970.

Um programa da TV Tupi que eu gostava de ver, se chamava: "Pinga-Fogo", com um tema diferente a ser discutido semanalmente e um grupo de debatedores a argumentarem pró e contra tal temática. Bem menos agressivo e tendencioso do que "Quem Tem Medo da Verdade" (?), da TV Record e também mais sério e não fechado com a ideia de ter que "destruir" uma pessoa ou um conceito, apesar disso, em certas ocasiões ficava tenso no calor das contrariedades de opinião ou se esbarrava em questões que desafiavam os costumes tradicionais arraigados e nos anos sessenta, a contestação foi a mola mestra da juventude que ansiara por liberdade. 

Muitas vezes foram feitos debates para atacar os valores do movimento hippie, do Rock, da contracultura e diversos aspectos correlatos disso tudo e nessa altura, com dez anos de idade, o meu discernimento já estava maior, portanto, apesar de ainda possuir mentalidade infantil, logicamente, eu via aqueles "velhos" a destilar preconceitos inconcebíveis, armados de uma moral arcaica e já os considerava, "por fora", para usar uma gíria "jovem", da época...

Sobre seriados, "Here Comes the Brides" ("E as Noivas Chegaram"), ambientado em uma vila de lenhadores no estado de Washington, era bem adocicado, mas eu gostava.

"Julia", foi um dos primeiros seriados com uma protagonista negra na América do Norte. Mostrava a luta de uma mãe viúva (cujo marido fora da aeronáutica e morrera em combate na guerra do Vietnã), para criar o seu filhinho, a trabalhar como enfermeira em um pequeno posto médico de uma fábrica. Gostava de ver a boa índole da personagem, a dobrar todos os preconceitos e com os brancos a se afeiçoarem a ela e ao garotinho, seu filho.

Entre as séries policiais que descobri em 1970 (e algumas já eram antigas), relaciono: Dragnet, Hawaii 5-0 (só pelo tema musical de abertura, já valia a pena), "The Untouchables" ("Os Intocáveis"), que eu adorava por ser ambientada nos anos vinte / trinta e portanto super familiar para o meu gosto tão sedimentado pelos filmes dessas décadas que eu adorava, desde pequeno e "Judd For Justice" (um advogado que saia às ruas para buscar provas, a visar preparar a defesa de seus clientes e se envolvia ele mesmo em confusões com a bandidagem. Em muitos aspectos me lembrava um pouco o mote de "The Mod Squad", embora não fosse a intenção igual desse personagem estar antenado na contracultura que repercutia pelas ruas.

Sobre desenhos animados, creio que a safra que gostei em 1970, foi boa, com Karatê & Batfino, Super Mouse, Scooby Doo (apesar do enredo dos desenhos ser sempre o mesmo e ter se tornado até motivo de piada por isso: ao final, toda a fantasmagoria fora uma farsa protagonizada pelo vilão improvável), e uma nova aventura de Dick Vigarista e seu cão debochado, Muttley, baseada em aviadores da I Guerra Mundial, chamada: "Máquinas Voadoras" (Dastardely and Muttley and Their Flying Machines"). 

Apesar de todos esses que citei serem infantis em essência e eu já não me aficionar tanto, acho que são boas animações e que me remetem à época.

 
 

E assim como no caso do desenho, "The Impossibles", que citei anteriormente em outro capítulo, mais algumas atrações com personagens que eram componentes de um grupo de Rock, surgiram na TV. "Josie and The Pussy Cats", "The Archies" e "Banana Split" (este com atores a usarem fantasias em tamanho natural, como bichos de pelúcia estilizados). 

Este último por sinal, se desdobrava em outras atrações, tendo embutidos, animações bem bacanas como uma versão da história dos Três Mosqueteiros e Arabian Knights, um desenho inspirado nas "1001 noites das Arábias" etc.

O Rock, mesmo ao se mostrar infantilizado nesse caso, estava a ser absorvido pela sociedade. Para fechar o assunto sobre TV, tenho quatro relatos importantes a registrar e mesmo que ainda não houvesse de minha parte, nenhuma determinação em vir a me tornar artista, nessa época, eis que foram incursões que teu tive e muito interessantes por me colocarem-me diretamente em tal veículo. 

A minha experiência mais próxima de estar perto da difusão cultural até então, fora em 1965, como eu já relatei no capítulo sobre esse ano, quando acompanhei meu pai que liderava um comitê eleitoral de um candidato a prefeito de São Paulo, por estações de rádio para que este candidato, concedesse entrevistas.  

Depois disso, o contato mais próximo foi feito em esporádicas e fortuitas vezes em que vi artistas pelas ruas, a circularem, em ocasiões fortuitas, junto aos meus pais a bordo de um automóvel, ou mesmo a pé. Mas em 1970, fatos mais contundentes me aconteceram:  
1) A primeira ocorrência foi fortuita como a que descrevi acima, em termos de ver um artista de perto, por mera coincidência. Só que desta feita, não foi algo efêmero, por uma questão de segundos, mas durou pelo menos uma hora e aconteceu na esquina da minha casa, do outro lado da calçada. 
 
De minha residência, por várias janelas, eu pude acompanhar como se estivesse instalado em um "camarote". Eu poderia ter feito como as mais de vinte crianças da vizinhança fizeram também, mas tímido, não me juntei a elas, que cercaram o carro do artista em questão, que ali apareceu, tampouco quis ir me pendurar no muro da residência em que este artista entrou. 
Tratou-se de Ronald Golias, um humorista dos mais celebrados dos anos sessenta e setenta e que gozava de um momento de mega popularidade nessa época, dado o sucesso que o programa: "A Família Trapo" fazia em todo o Brasil, ao massificar o seu personagem, "Bronco Dinossauro", que foi um típico vagabundo e ardiloso "bon vivant" que morava sob favor na casa da irmã, e azucrinava a vida do cunhado, o dono da casa, vivido pelo italiano, Otelo Zeloni.  

Pois foi em um dia de 1970, que Golias estacionou o seu belo Ford Galaxie, branco, na esquina da Rua Quatá com a Travessa Uberabinha. A minha residência também era de esquina, e a que ele visitou ficava no outro lado da calçada que pendia para a travessa citada. Alguma criança viu quem era a celebridade que desceu do carro e tocara a campainha da residência e o boato se espalhou no quarteirão, rapidamente. 

Eu notei pelos gritos e murmurinho, mas fiquei em casa a observar de longe. E ali, tive uma primeira constatação importante sobre o mundo artístico. Nem tudo o que vemos a brilhar na tela da TV, representa a verdade sobre a pessoa que o artista seja na vida real.

Claro que nenhum artista está isento de sofrer aborrecimentos, como qualquer pessoa normal e portanto, é passível de ter os seus momentos de mau humor e nesse caso, não querer conversar amenidades com ninguém. 

Atores e principalmente humoristas, tendem a viver tal dilema da dualidade em serem engraçados no palco, na TV e no cinema, mas não necessariamente procederem assim, no cotidiano.  

Ronald Golias era adorado pela criançada, eu incluso, mas naquele dia em específico, não estava bem e diante disso, foi muito decepcionante vê-lo ao sair de tal residência com um mau humor horrível e ter gritado com os seus pequenos fãs, que o assediaram, a caçarem autógrafos.  

Foi um choque ver um artista que eu admirava por considerá-lo hilariante na TV, a gritar asperamente com as pessoas e ainda fazer gestos bruscos em sinal de descontentamento etc. Ao expulsar as crianças, que cercavam seu carro, aos gritos e com gestos hostis, ele foi vaiado após a decepção geral que causou.  

Bem, eu nunca soube o que ele fazia ali. Boatos deram conta que ali morava uma tia dele e de fato, era uma casa bem antiga, a aparentar ter sido construída nos anos vinte, pelo menos, e de fato morava uma senhora idosa, isoladamente. Anos depois, já adulto, cheguei a conclusão de que deve ter sido um mau dia para o artista, e que talvez estivesse contrariado por alguma razão pessoal e quem sabe, se aborrecera ainda mais após a visita. Quem nunca passou por isso? E aí, o assédio só o incomodou mais ainda.  
Foi portanto uma lição importante nesse dia: artistas são seres humanos iguais a qualquer pessoa e sujeitos portanto a terem aborrecimentos a qualquer momento e não necessariamente a expressarem contrariedades com resignação. E podem mesmo não serem pessoas agradáveis no dia a dia, a deixar a graça ou a docilidade para os personagens que interpretam na dramaturgia, quando fingem serem outras pessoas que não o são na vida real. Simples assim...


2) A segunda questão veio por intermédio da escola. Em um determinado dia de aula, a diretora da escola entrou na minha classe e pediu para falar com a professora. Em princípio, todos acharam ser uma blitz dos agentes de saúde que sempre chegavam de surpresa para vacinar a criançada, exatamente para nos apanhar desprevenidos e assim a resistência à terrível sessão de injeções, ser mais fácil para se lidar e facilitar o trabalho dos enfermeiros da secretaria de saúde. 

Mas não foi nada disso, e logo a professora nos comunicou que uma equipe da Rede Bandeirantes de TV visitara a nossa escola e comunicou à direção, que desejavam ver um debate de crianças a discutirem sobre a construção da rodovia "Transamazônica", um dos maiores monstrengos que o governo autoritário da época, criara, ou melhor, anunciava estar a criar.

Então, a professora escolheu seis crianças, três meninos e três meninas e entre tais crianças, eu fui um dos escolhidos.
No dia seguinte, acompanhados da professora e da diretora, seguimos em uma viatura da Rede Bandeirantes de TV, para o seu estúdio no bairro do Morumbi, na zona sul de São Paulo. 

Lá na sede da Rede Bandeirantes, nos colocaram sob um imenso estúdio que parecia um hangar e um produtor nos organizou a nos sentarmos em um círculo. Então, ele começou a conduzir a experiência do debate, ao nos estimular a opinarmos livremente sobre o que pensávamos dessa estrada que o governo pretendia fazer, que supostamente cortaria a selva amazônica, ao pretender estabelecer uma rota rodoviária, até o oceano pacífico e atravessar países vizinhos, logicamente. 

Bem, a minha lembrança do improviso que fizemos foi de que se mostrou pífio e mesmo ainda a ser uma criança ingênua, eu notei os olhares de contrariedade desse mediador em cumplicidade com um grupo de produtores que acompanhava o desenvolvimento dessa conversação livre. 

Encerrado o debate, nos levaram para a escola novamente e pelo menos a professora foi honesta conosco, ao nos dizer que havíamos sido reprovados pela produção do programa e que iriam testar turmas de outros colégios.

Ficamos chateados, pois em nossa inocente imaginação infantil, quando do primeiro contato, no dia anterior, ficamos certos de que nossa ida ao estúdio da TV Bandeirantes já seria para gravarmos o programa e foi o que eu disse aos meus pais, que já se mobilizaram para avisar parentes e amigos, com as vovós a ficarem encantadas pela minha suposta aparição na tela da TV etc. 

Lição número dois dos bastidores da difusão cultural: só acredite que alguma participação sua, no rádio ou TV, vai dar certo, depois que for ao ar...  

3) O terceiro caso que tenho a relatar, foi de fato, a minha primeira aparição na tela de uma emissora de TV e na verdade, se desdobrou em uma segunda oportunidade, uma semana depois e poderia ter representado um caminho, visto que gerou a quarta ocorrência, a qual, eu relatarei depois. 

Foi assim: o meu pai conheceu uma senhora chamada: Nair, que era costureira do departamento de figurino de atores, na TV Record, e que apesar de ser uma funcionária bem simples dentro daquela organização, tinha consigo muitos contatos.

Apresentador, humorista, ator, redator, cantor e palmeirense fanático: Moacyr Franco

Um dia do final de 1970, o meu pai me perguntou se eu aceitaria participar de um programa ao vivo como figurante, e mesmo ao me sentir ultra tímido, eu aceitei a oferta por que queria muito conhecer os bastidores de um programa de TV. 

Mais alguns dias depois e com minha participação acertada, Dona Nair perguntou ao meu pai se não teria como lhe arrumar um outro menino para indicar, pois a produção da TV precisava de mais um, mais ou menos de minha idade e assim, o meu primo, Marco Turci, embarcou junto nessa aventura, e claro que eu gostei muito de ter a companhia dele, que eu sempre tive como um irmão. 

Então, lá fomos os dois para o Teatro da Record, participarmos do programa, "Moacyr Franco Show", que era bem baseado no estilo pessoal desse artista, ou seja, a se mostrar multifacetado pelo fato dele ser humorista, cantor e apresentador, ou seja, a se tratar de um show de variedades bem eclético, eu diria.

Foi inacreditável estar naquele teatro, aonde tantas produções famosas dessa emissora ocorreram. Ali ocorreram os grandes "Festivais da MPB" que sacudiram o Brasil e também fora o palco da "Família Trapo", "Show do dia 7" e tantas outras produções que eu assistira durante toda aquela década ("A Jovem Guarda" era realizada no outro teatro da emissora, na Rua da Consolação). 

Ao chegarmos lá, estávamos munidos de uma muda de roupa velha, bem puída, que seria o nosso figurino e lá seria ainda mais  "estragada", segundo a produção nos informou.  

Para um menino de dez anos de idade (meu primo Marco tinha, doze), que eu era, fiquei impressionado com o clima caótico dos bastidores, com técnicos a trabalharem apressadamente, coristas a ensaiarem em espaços improvisados, funcionários a circularem apressadamente e tudo a parecer estar muito atrasado, pois dava para perceber o clima tenso esparramado pelo ar. 

Fomos levados então para uma saleta, onde uma produtora nos explicou como seria a nossa atuação, com o próprio Moacyr Franco.

Era uma sketch de humor, onde ele faria um de seus personagens famosos, o "mendigo". A ideia seria que aquelas crianças (éramos sete ou oito crianças ali reunidas, não me recordo com exatidão), representassem o papel de filhos do mendigo e que nós receberíamos presentes pela ocasião por estarmos próximos ao Natal (e de fato era próximo mesmo do natal de 1970) e que a seguir, quando um outro ator entrasse em cena, a se apresentar como o dono da loja onde os brinquedos foram comprados, mas não pagos pelo mendigo, este homem arrancar-nos-ia das mãos os pacotes e assim ficaríamos cabisbaixos, a fazermos expressão facial de choro. 

Assim permaneceríamos e fomos advertidos a evitar o riso provocado pelas piadas que o Moacyr usaria através do diálogo com o outro ator coadjuvante e ao final, o sujeito da loja ficaria com pena das crianças e deixaria que ficássemos com os presentes, em nome do espírito natalino, enfim, algo absolutamente simples e que não requeria de nenhuma criança, nenhuma técnica teatral de interpretação. 

Ensaiamos e tudo pareceu ser fácil, ao nos dar a segurança. Mas quando chegou a hora de irmos ao palco para a encenação ao vivo, sem preparo algum, e por não ser ator e só a possuir uma experiência pífia de palco, ocorrida em 1968, com a apresentação singela da bandinha infantil da minha escola no, Teatro Paulo Eiró (relatado no capítulo sobre 1968), claro que eu senti um tremendo calafrio no estômago, ao ouvir os aplausos vindos do público daquele teatro que era enorme, estava lotado e ainda por cima, sob os holofotes da iluminação reforçada por canhões de luzes brancas, por conta do forte contraste das imagens que haviam nas transmissões em preto e branco, naquela época no Brasil. 

Se houvesse alguma fala eu penso que teria gaguejado, ficado ofegante, com taquicardia e pernas bambas, muito provavelmente, mas por ser uma performance singela e muito simples, eu cumpri o combinado, assim como o meu primo, que também atuou sem problemas. 

Moacyr Franco e seus filhos que também atuavam ao seu lado. Fonte: Internet

Só tivemos contato com o Moacyr em cena, mas foi tudo bem, apesar da bagunça incrível que eram os bastidores de um programa ao vivo, em um teatro com público grande a assistir in loco a gravação. 

Ainda ali no teatro, a produtora nos informou que gostaram de nós (como assim? Se não éramos atores infantis com um mínimo de bagagem e pelo contrário, sob uma primeira experiência na vida, gostaram do que, exatamente? Só se nos acharam adequados por não termos sido inconvenientes como meninos dessa idade normalmente seriam, nesse ambiente super excitante de um bastidor de TV). 

Sendo assim, fomos convidados a participar do programa da semana seguinte e desta feita, não participaríamos de uma sketch de humor, mas de um número musical do Moacyr. Aceitam? Claro que aceitamos e assim ficou marcado.

Infelizmente, o meu primo, que já se sentia-se febril no dia da nossa primeira aparição, dias depois caiu de cama, foi diagnosticado com hepatite, e foi tal fator que o tirou de circulação por algumas semanas e estragou a sua participação no segundo programa e certamente também em relação às suas férias escolares de 1971. 

Sem a companhia dele, eu fui mais inseguro para a segunda participação, por ter que lidar com crianças estranhas, mas paciência!

O esquema foi o mesmo, ao chegarmos no período da tarde no teatro e a se verificar aquela bagunça incrível nos bastidores. Apesar daquele ambiente parecer caótico, eu estava a gostar muito de tudo aquilo e de fato, anos depois, quando comecei a frequentar bastidores de TV, com as bandas pelas quais eu atuei, eu prossegui a apreciar muito a oportunidade de observar tudo o que acontecia e nos relatos dessas minhas aparições na telinha, há muitas histórias pitorescas, relatadas nos diversos capítulos da minha autobiografia na música, e basta consultar o arquivo deste Blog para ler ou mesmo reler. 

Nessa segunda participação que fiz no Moacyr Franco Show, seria mesmo um número musical em que participaria, conforme havia me explicado a produtora, uma semana antes. Nessa tarde, eu fiquei empolgado por ver artistas famosos do humorismo da TV Record, que circulavam por ali e participariam de outros quadros, casos de: Walter Stuart e Walter D'Ávila. 

Em cena, usei figurino próprio e a minha mãe houvera sido informada para me orientar a usar "roupa de festa", e assim, lá fui eu todo "arrumadinho".

Juntaram as crianças que participariam do número e nos levaram a uma saleta onde havia um piano. O pianista nos ensinou a música em si, que era uma canção muito melodramática, bem ao estilo do cancioneiro do Moacyr como cantor, e nesse aspecto, mesmo ao reconhecer que ele cantava bem e ao ir além, acho que tinha um vozeirão potente bem acima da média e afinado, as suas canções pendiam para um certo mau gosto estético, ao pender para o espectro popularesco, mas pelo viés da velha guarda da MPB, com aquelas impostações vocais exageradas, a esticar notas desnecessariamente, no afã de mostrar virtuosismo e dramaticidade etc. 

Bem, a intervenção das crianças seria singela. A instrução que recebemos foi para ficarmos ao lado do piano e fazermos um coro em uníssono e ali, ao menos que eu soubesse, ninguém era cantor mirim testado previamente, portanto, a participação seria muito simples, apenas a reforçar o refrão e deixar o Moacyr fazer a sua interpretação em paz, nas outras partes da canção, sem ter que aturar a nossa desafinação coletiva e inevitável.

Não haviam microfones individuais para cada um (ainda bem), mas apenas um ou dois microfones postados na posição "overall" (um tipo de posicionamento de microfone, que visa captar a ambientação geral, sem maiores requintes no áudio), para captar uma massa coletiva das vozes infantis ao fundo, e hoje eu sei, proposital, para não comprometer o Moacyr, que certamente atrapalhar-se-ia a cantar se tivesse que ouvir um coro infantil desafinado ao seu lado.

Passamos a música por cerca de três vezes, naquela saleta com o pianista e quando fomos chamados ao palco, confesso, eu mal conseguia me lembrar da melodia que deveria entoar e muito menos da letra, com as palavras a serem cantadas...

Quando mal cheguei ao lado do piano, com aquele holofote fortíssimo a me esquentar absurdamente, olhei para um camarote à minha esquerda e vi os meus pais ali instalados e a sorrirem e acenaram. Deu para ver nos seus semblantes o orgulho que estavam a sentir e isso me desestabilizou por alguns segundos.

Lembro-me que disfarcei, a cantar poucas partes que realmente consegui memorizar naquele "ensaio" caótico, feito poucos minutos antes, nos bastidores. 

E outra lembrança ficou nítida: os olhares de reprovação do Moacyr para as crianças que desafinaram bastante, mas desse vexame, eu me isento, pois mais fingi do que cantei, de fato!

Muitos aplausos sucumbiram ao término da canção, a denotar que o público achou tudo bom, sem perceber a insegurança das crianças. Hoje em dia eu penso que a presença das crianças foi uma bobagem, absolutamente descartável ali. Apesar do tema ser a "esperança" (por dias melhores), visto ser um programa a evocar o ano novo que se aproximava, e por isso a produção insistiu nessa participação a buscar a pieguice certamente. 

Nesse caso em minha ótica, se eu fosse o produtor do programa,  teria sido muito melhor o Moacyr cantar acompanhado apenas do pianista, com um número musical intimista e seguro, sem essa artimanha, mas... foi assim que aconteceu e não foi ideia minha!

Por conta dessa segunda aparição no "Programa Moacyr Franco Show", o contato que tínhamos na TV Record, na pessoa da valorosa, Dona Nair, me convidou e ao meu primo, para fazermos teste como atores para uma novela que a emissora faria em 1971 e essa é a quarta ocorrência sobre TV que eu vivi em 1970.

4) Atores em uma novela... eu e meu primo aceitamos o desafio. Não éramos atores, não tínhamos preparo algum e nem teatrinho infantil de escola havíamos feito na vida, mas gostamos da participação no programa do Moacyr Franco. 

Demos o sinal verde para a Dona Nair que alertou os nossos pais que em caso de aprovação da produção, nós teríamos obrigações a cumprir com as gravações da novela, participações em outros programas da grade da emissora e talvez até ações fora da TV, para promover a mesma. 

Com isso, talvez perdêssemos algumas atividades escolares, mas muitas crianças conseguiam conciliar a "vida artística" com as atividades escolares normais e que não haveria prejuízo. 

Dessa forma, os meus pais já não gostaram muito dessa conversa, devo dizer. Mesmo assim, eu cheguei a receber um script para decorar e que se tratava de alguns diálogos da personagem que defenderia. Achei o material volumoso e me preocupei se conseguiria de fato decorar tudo. 

Sem técnica teatral alguma, nem mesmo o básico da expressão corporal, o simples fato de ter capacidade de decorar o texto, seria um reles detalhe nesse cômputo final, pois desprovido de qualquer indício de talento para ser ator, com aquela timidez infernal que eu detinha desde o berço, é claro que não passaria no teste.  

Kadu Moliterno na primeira foto e Nádia Lippi na segunda. Fonte: Internet

A novela em si, fora uma adaptação do romance do escritor, Mark Twain, chamada: "O Príncipe e o Mendigo". Tal versão adaptada estava a ser elaborada pelo escritor, Marcos Rey e a direção seria de Dionísio Azevedo. 

O elenco tinha grandes atores, veteranos e tarimbados do teatro, da própria TV e do cinema. O protagonista seria um jovem ator chamado, Carlos Eduardo, que poucos anos depois ficaria famoso na TV com o nome artístico de: Kadu Moliterno. A mocinha seria interpetrada por uma atriz ninfeta chamada: Nádia Lippi, que também ficaria famosa nos anos setenta pelas novelas e pelos filmes que faria. 

O meu primo desistiu por que ainda estava doente, a se recuperar e eu, por um misto de fatores. Primeiro que me convenci que ser ator não seria de meu agrado e mesmo que eu achasse que fosse, me faltava talento, estudo e técnica e pesou também que os meus pais acharam bonito eu ter feito dois programas na TV, mas daí a isso se tornar algo sério, já não haviam apreciado a ideia.

Bem, tenho 99.9% de certeza de que não passaria no teste, mas digo que ali, no final de 1970, foi um primeiro vislumbre que tive concreto com o mundo artístico, bastidores de TV etc.  

A novela só foi ao ar de fato, em 1972, mas aí eu já estava em outra, a começar a minha muito sutil aproximação mais contundente com a música e nesse caso, ser ator teria sido algo totalmente fora de questão, certamente, mas quando eu percebi que a novela finalmente foi ao ar, claro que me lembrei do episódio vivido em 1970 e pensei que poderia estar ali. 

Poucos anos depois, a música e o Rock em específico, levar-me-iam para esse mesmo mundo, não na profusão que me deixasse mega popular, mas ao me fornecer impulsos significativos para aproveitar o veículo e nessa linha de pensamento eu englobo também o rádio e a imprensa escrita. 

Foi assim então, a minha incursão em quatro episódios ligados ao mundo da TV, em 1970. 

Para falar sobre cinema, me lembro dos outdoors espalhados pela cidade inteira, para anunciar um filme chamado: "Ana dos Mil Dias", que contava a história de Ana Bolena, uma das seis esposas do Rei Henrique VIII. Só por ver o cartaz, já fiquei com muita vontade para assisti-lo, visto ser um filme a enfocar a História europeia, pós-Medieval. Não deu certo para eu assistir ali no calor de seu lançamento, só pude conhecê-lo muitos anos depois, pela TV, mas a lembrança dos outdoors e dos "tijolos" nos cadernos de cultura dos jornais, ficou na minha memória. 

Mais um filme que despertou a minha curiosidade para assistir ao ver a divulgação pelos jornais e revistas, foi: "M.A.S.H.", que foi uma película a trafegar pela via do humor negro a satirizar a Guerra da Coreia, nos anos cinquenta, mas que subliminarmente, cutucara o conflito da vez, e que foi muito maior, no Vietnã. 

Porém eu só fui conhecê-lo anos depois pela TV, e já com o seriado derivado em pleno curso, sendo exibido também.

Um outro filme que eu assisti no cinema e foi compatível com a minha idade, foi o segundo filme do Roberto Carlos, chamado: "O Diamante Cor-de-Rosa". 

Ainda naquela predisposição sessentista para se produzir filmes com astros da música a misturar aventura & espionagem, tal película mostrou Roberto Carlos, Erasmo Carlos & Wanderléa sob uma aventura hilariante para desvendar o mistério a envolver uma estatueta que sinalizaria a existência de um tesouro e mais do que isso, provaria cabalmente que os Fenícios teriam descoberto a América e em especial o Brasil, séculos antes de Colombo/Espanhóis e Cabral/Portugueses. 

É um filme muito divertido a grosso modo, feito para o público infantojuvenil e claro que aos dez anos de idade, o achei muito bom e ao citar a sua trilha sonora, foi bem no auge da fase "Soul Music" do Roberto, portanto, ao meu ver, foi sua melhor fase, antes de mergulhar no mundo da música dita "romântica", isto é, um tremendo eufemismo para designar o "brega".

No mundo dos quadrinhos, estava eu firme e forte a colecionar gibis da editora Ebal, e assim consumir avidamente os universos Marvel e DC Comics, quando comemorei a criação de um herói 100% brasileiro, chamado: "Judoka". Só muitos anos depois, eu fui saber que outros super-heróis genuinamente brasileiros houveram sido criados antes do "Judoka" ("Dínamo", "O Flama" etc), mas foi positivo ter essa euforia por ver um herói mais identificado com a nossa cultura, luso-brasileira.

Na euforia da Copa do Mundo e por ser enfim, um palmeirense praticante, colecionei outra despesa para o bolso do meu pai. Além dos muitos gibis, pacotes de figurinhas e das palavras cruzadas da Coquetel, passei a consumir uma revista que acabara de ser lançada no mercado, chamada: "Placar", totalmente fechada no mundo do futebol. 

Tal revista acompanhar-me-ia por muito anos no futuro e provocaria um certo dilema, como um choque cultural interessante, eu diria, mas do qual não falarei agora. Prefiro dissecar esse fenômeno em capítulos posteriores quando enfocar os anos setenta e falar sobre a minha adolescência.

Bem, acho que 1970 foi um ano em que recebi uma forte carga cultural e que ao ir além, me colocou sob uma fase de despedida da infância e a provocar um vislumbre do que seria a adolescência. 

A minha ligação com o Rock estava cada dia mais forte, mas em 1970, creio que o laço com a Black Music se intensificou muito, também. Fim de década, fim de um ciclo pessoal na minha formação pessoal, eu estava a dizer adeus à década que assumidamente mais gosto, a de sessenta, mas a aprender a lidar com a ideia da mutação inexorável do tempo, o que não deixou de ser uma tremenda lição.

Como dizia Joe Cocker, em 1970, na canção, "Space Captain": -"Until we die, until we die... Learning to live togheter"...

Ooh... Aah... Ooh... Aah... until we die, until we die... Learning to live togheter... learning to live togheter...

Que viesse 1971: a década de setenta mais a adolescência e o aprofundamento nas questões culturais em geral, sobretudo o Rock.
Continua... 

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