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domingo, 17 de janeiro de 2016

Pedra - Capítulo 11 - Filme de Terror - Por Luiz Domingues

Com um incentivo desse porte, ou seja, a oportunidade de sermos destacados dentro de uma reportagem com várias páginas, na maior revista semanal do país daquela ocasião, claro que não poderíamos perder tal chance. Dessa forma, o Xando teve a ideia ótima em contatar o nosso amigo, Junior Muelas, o baterista d'A Estação da Luz, banda sensacional de São José do Rio Preto-SP, e assim ele lhe propôs dois shows compartilhados no interior de São Paulo, aonde Muelas possuía contatos, e nesse caso ele poderia nos auxiliar nessa tarefa para nos propiciar condições mínimas para tocarmos.

       Foto promocional do espetacular grupo: "A Estação da Luz"
 

A contrapartida seria a oportunidade para "A Estação da Luz" tocar conosco e mesmo que fosse um dos shows em questão a ser realizado em sua própria cidade, aonde estavam habituados a se apresentarem, seria uma oportunidade boa para eles também no sentido de realizar um show com uma banda da capital e mesmo ao estarmos no mesmo patamar artístico deles, sob o ponto de vista da qualidade acrescida ao trabalho, nós tínhamos muito mais mídia agregada, e isso seria interessante para eles, também. E no caso de um segundo show em outra cidade interiorana, a vantagem seria óbvia para as duas bandas.

Tirante tais considerações, a grande motivação mesmo seria a presença do jornalista e de seu repórter fotográfico, juntos conosco, e que mesmo indiretamente, haveria de olhar para a banda dele, também, e claro que isso animou Muelas, ao pensar na oportunidade que também respingaria em sua banda. 

Sobre a casa onde tentar-se-ia fechar um show, além do Muelas ter contato com seus mandatários e costumeiramente ali se apresentar com a sua banda, haviam possibilidades ótimas para as nossas duas bandas em adendo.

Em primeiro lugar, se tratou de uma casa de espetáculos atípica no interior de São Paulo, exatamente por abrir as suas portas com frequência para artistas autorais de fora do mainstream, caso raro por se tratar da mentalidade generalizada da parte de proprietários de casas noturnas. 

O segundo ponto, foi que esta possuía uma ótima estrutura pelo equipamento de som e iluminação, portanto, seria possível se produzir um espetáculo com qualidade em seu palco. 

E uma terceira vantagem, foi que tal casa mantinha uma filial em outra importante cidade interiorana, no caso, Ribeirão Preto-SP. Portanto, qualquer artista ao se apresentar na matriz de São José do Rio Preto-SP, geralmente proporcionava a possibilidade de se agendar automaticamente um segundo show, na filial de Ribeirão Preto-SP.

Tal casa se chamava: "Vila Dionísio" e além de abrir as portas para artistas do patamar underground, esse estabelecimento também promovia shows com artistas no degrau do médio porte e até alguns que já detinham tido espaço significativo no mundo mainstream e naqueles dias já não gozavam dessa prerrogativa. 

Bem, para agendar os shows do Pedra, não foi uma negociação fácil, pela obviedade de não sermos artistas a militar no mainstream, portanto, convencer os dirigentes da casa a usar a fortuita argumentação de que éramos uma "boa banda" e municiada por discos "bonitos" e elogiados em órgãos especializados, não seria garantia de nada em termos de persuasão. 

E nessa altura, nem pensávamos em pleitear um cachê digno, mas estávamos convencidos de que se conseguíssemos verba suficiente para cobrir as despesas operacionais, já estaria bom demais.

Foto a esmo, não é de nossa apresentação, apenas a ilustrar como era o espaço próximo ao palco da casa, em questão

Muelas tinha consciência plena sobre todas as dificuldades inerentes nessa negociação e ao usar de seu poder de influência com os proprietários, utilizou o argumento mais premente como cartada definitiva e logrou êxito. 

Ou seja, foi mencionado o fato de que um jornalista da Revista Veja, estaria a cobrir os shows com total foco, a visar uma reportagem e que fatalmente as duas casas seriam citadas e retratadas em fotos, nas páginas da maior revista brasileira dessa ocasião. Diante de tal perspectiva alvissareira, os dirigentes da casa se convenceram de que valeria a pena nos contratar e assim, graças aos esforços do Xando Zupo e de Junior Muelas, que foi incisivo como agente de campo e hábil negociador.

Habemus turnê, assim comemoramos nos primeiros dias de janeiro de 2009! A fumaça branca se espalhou no céu da Vila Mariana...

Faríamos dois shows no interior de São Paulo, nas cidades de São José do Rio Preto-SP e Ribeirão Preto-SP, a compartilharmos o palco com a ótima banda, "A Estação da Luz". 

Ligamos para o jornalista, Sérgio Martins e lhe demos a boa nova que tínhamos os shows marcados para fora de São Paulo e portanto, estávamos prontos para atender o mote de sua reportagem. 

Nessa altura, ele já havia viajado com uma mega estrela mainstream em uma etapa de sua turnê, plena de mordomias pantagruélicas, havia concluído matéria com um artista mediano e popular, no caso, o grupo de pagode, "Inimigos do HP", ao viajar com um ônibus confortável e agora ele teria que enfrentar a dureza de uma banda com infraestrutura muito aquém das que experimentara, a ralar em uma van, castigada pela ação do sol a pino em pleno verão interiorano paulista, e ao lado de um grupo de Rock a contar com uma equipe modestíssima de apoio etc. 

Enfim, a dura realidade do "Pobre Star", o Rocker brasileiro marginalizado entre os marginalizados seria exposta de uma forma desnuda por nós. Bem, neste caso fora exatamente o que ele queria, já que a reportagem apresentara como pauta expor as diferentes realidades do show business brasileiro.

O Pedra em fotos de 2007 e 2008. Clicks de Grace Lagôa

O acerto que Junior Muelas conseguiu com a direção das duas casas aonde apresentar-nos-íamos, representou em termos financeiros, um pouco mais do que gastaríamos com toda a nossa despesa logística para viajar à essas duas cidades interioranas. Portanto, sob outras circunstâncias, seria bastante discutível aceitar tais condições, apenas baseado na efêmera perspectiva de se viajar para angariar novos fãs e se obter um eventual apoio de mídia local. 

Pagar um aluguel caro para uma van nos servir através de uma pequena turnê de cerca de mil Km de rodagem, só mesmo pelo investimento concreto de carreira que seria em estarmos inseridos em uma mega reportagem com muitas páginas de uma famosa revista semanal de circulação nacional e com forte chance de ser a reportagem principal da edição, com direito a capa.

                                         As capas dos CD's Pedra e Pedra II

Preparamo-nos a ensaiar um bom set list, para executarmos um mix de nossos dois álbuns já lançados e se houve um fator que não nos preocupou nesse esforço, foi a parte musical. 

Contratamos a van e mais uma vez o Rodrigo Hid nos indicou aquele senhor que nos conduzira para as cidades de Piracicaba-SP e Araraquara-SP, no ano interior. Tratava-se de um motorista bastante competente, seguro na direção e gentil, e conforme já relatei anteriormente, quando se empolgava, gostava de contar "causos" que são impublicáveis aqui, mas que invariavelmente tornava o percurso, um show ao estilo, "stand up comedy", como bônus do seu serviço de transporte. 

Sérgio Martins chegou na hora combinada, acompanhado de seu repórter fotográfico, um rapaz chamado, Otávio Dias, que estava junto com ele nessa pauta e também viajara com os outros artistas que eu mencionei antes, também. 

Seguimos viagem com muita tranquilidade, a assistirmos vídeos que o Xando levou de sua casa, mas muito mais focados em conversarmos animadamente. Paramos em um posto de gasolina na altura de Rio Claro-SP e a primeira ocorrência engraçada da viagem aconteceu sob uma árvore. 

Estávamos do lado de fora do seu restaurante, enquanto esperávamos alguns companheiros que ainda estavam a pagar a conta da refeição. Lembro-me que eu, Luiz estava com Xando e o roadie, Edgard Veçoso (que substituíra Daniel "Kid", que não pode viajar conosco dessa vez), além do fotógrafo, Otávio, da revista "Veja", quando alguns pássaros que estavam alojados na árvore em que abrigáramos para usufruirmos da sua sombra, resolveram soltarem os seus dejetos escatológicos sobre nós, de uma única e súbita vez, como se fosse uma traquinagem combinada entre eles de uma forma proposital. 

Fomos ágeis para evitarmos o mal pior e ninguém se sujou efetivamente, mas a cena foi das mais hilárias, isso eu posso garantir. Nem Mel Brooks, a parodiar Alfred Hitchcock, poderia conceber uma "gag" tão engraçada.

O diretor e ator, Mel Brooks em cena do seu filme: "Alta Ansiedade" ("High Anxiety"), lançado em 1977, e em que ele parodiou a filmografia de Alfred Hitchcock.

Seguimos em frente e quando a tarde começara a cair, avistamos a bela, São José do Rio Preto-SP à nossa frente, com o seu porte de cidade grande, mediante uma pequena selva de pedra urbana e bem proeminente. 

Encontramo-nos com o pessoal d'A Estação da Luz em um ponto previamente combinado e estes nos conduziram como guia até a porta do estabelecimento. 

Que prazer foi rever Junior Muelas, um amigo leal nos ideais, como poucos que conheci nesses meus tantos anos de carreira. Muelas é um ferrenho Rocker aquariano e vive o sonho, não tenho dúvida disso.

Junior Muleas a atuar com "A Estação da Luz". Fonte: Internet

Com ele, esteve presente nesta comitiva de recepção, a vocalista da banda e sua esposa, Renata Ortunho, que na época ainda era a sua namorada. Simpática ao extremo, foi (é) a companheira ideal que os Deuses do Rock designaram para Junior Muelas. 

Alberto Sabella, o tecladista da banda e um multi-instrumentista brilhante, na verdade, esteve junto também. Descarregamos a van e rapidamente fizemos o procedimento para o soundcheck. Com apoio do equipamento d'A Estação da Luz e de sua camaradagem ímpar, foi tudo muito prazeroso nesse processo, a atenuar o cansaço pela viagem e o forte calor que fazia, marca registrada de toda aquela região do estado, e ainda mais por ser janeiro, ou seja, vivemos um mormaço incrível naquele momento.

Estabelecimento bem montado, pareceu ser a típica casa noturna que devia atrair a juventude burguesa da cidade e de localidades vizinhas. Entretanto, Muelas nos garantiu que apesar dessa aparência haver sido uma realidade, os Rockers locais a frequentavam regularmente, e que pelo fato dos proprietários serem generosos com a cena Rock autoral, havia uma tradição de shows de Rock na casa, apesar do aspecto burguês. De fato, logo nos informaram que os gaúchos do "Cachorro Grande" haviam tocado ali, uma semana antes, com a casa lotada, e a apreciar o som deles, neste caso, bem influenciado pelos anos sessenta.

Pedra ao vivo no Blackmore Rock Bar de São Paulo em junho de 2006. Click: Grace Lagôa

Enfim, tudo apontava para uma noitada prazerosa, com uma estrutura propiciada por um áudio razoável e com a possibilidade do jornalista, Sérgio Martins, assistir uma boa performance de nossa parte e também d'A Estação da Luz, que era (é) uma banda que eu gostava (gosto) muito e sabia que lutava com enorme dificuldade para se manter ativa, em meio a uma cena muito hostil. 

Bem, sobre esse panorama, não houve nenhuma novidade na minha percepção, e eu na época já passava dos quarenta e oito anos de idade, a caminhar para os quarenta e nove, portanto tinha experiência. 

No decorrer da viagem, Sérgio agiu como um amigo, que de fato já o era, a conversar e rir sobre vários assuntos que surgiram dentro da van, mas nesse instante posterior, ele nitidamente estava a trabalhar, pois observava tudo e eu o flagrei a fazer anotações em um clássico bloco de jornalista. Nesse instante, o fotógrafo, Otávio Dias, me notou a observar o seu colega e me disse: -"o Sérgio observa e anota tudo. Não se engane, por que durante o percurso, dentro da van, ele prestou atenção em todos os detalhes, ele não para nunca de trabalhar, mesmo quando parece relaxado e distraído".

Achei incrível, pois apesar de não haver me formado, eu sempre admirei o jornalismo e o destino me impeliu a interagir com inúmeros profissionais dessa área, desde os remotos tempos da formação do Língua de Trapo, portanto, eu apreciei muito observar a metodologia de um jornalista da estatura profissional de um Sérgio Martins, em ação.

Brincamos muito durante o percurso, sobre ele ser "o inimigo", ou seja, a se revelar como uma menção aos jornalistas que costumavam cobrir turnês de bandas de Rock nos anos sessenta e setenta e que o cineasta Cameron Crowe tão bem retratou no seu filme autobiográfico, "Almost Famous" ("Quase Famosos"), ao relatar a sua trajetória pessoal antes de se envolver com o cinema, como crítico de Rock, da Revista Rolling Stone.

               Cena do filme "Almost Famous", de Cameron Crowe

O próprio Sérgio se divertira com as piadas formuladas nesse sentido e brincou também, e assim, não deixou de ser lúdico estarmos a viajar com um jornalista de uma revista de primeira linha do mercado editorial brasileiro em uma situação parecida com esse glamour de outrora. 

E mesmo ao ter se constituído de uma pauta focada no mote das comparações, entre três artistas a trabalharem sob condições muito diferentes do show business e não se prestar atenção à nossa obra e performance em si, claro que se criou uma tremenda expectativa, ao sabermos que dois jornalistas estavam ali a cobrir o nosso simulacro de turnê e prestar atenção em tudo.

Feito o soundcheck, nós jantamos e fomos para o hotel para descansar e nos prepararmos. O casal de fãs fiéis do Pedra, Fausto & Alessandra Oliveira, viajou para nos ver ao vivo nos dois dias e se hospedou no mesmo hotel que nós ocupamos. 

Foi impressionante a fidelidade que ambos demonstraram possuir, por estarem presentes em quase todos os shows que fizemos, desde 2006, e até em cidades distantes de São Paulo, portanto, eles não se furtavam à oportunidade de estarem sempre presentes e inclusive uniformizados, sempre a ostentarem camisetas com o logotipo da banda.

Sergio Kaffa, já envelhecido, como o vi em São José do Rio Preto-SP, em 2009 

Fomos para a casa noturna e logo que entramos, notamos que ali havia um ambiente reservado, com uma outra banda a tocar. Foi uma atração paralela que tocara em um lounge distante do palco principal. 

Reconheci no veterano baixista que ali tocava, uma figura conhecida do Rock brasileiro setentista. Tratou-se de Sergio Kaffa, que tivera passagem pelo "Terço", ao final dos anos setenta. Muelas me disse que conversava sempre com ele, mas que ele se mostrava arredio com Rockers mais jovens que queriam que ele contasse histórias sobre os anos setenta. Bem, o melhor foi respeitar o sentimento dele, que deve ter tido os seus motivos para não gostar de se lembrar do passado. 

A Estação da Luz começou o seu show. Tal banda mesclou canções próprias do futuro CD que planejavam gravar, com vários clássicos do Rock brasileiro setentista e logicamente que aos meus ouvidos foi uma experiência sonora agradável ao extremo. 

Sou suspeito para falar, pois conhecia Muelas e Sabella desde 2001, e agora com os ótimos, Vagner Siqueira no baixo e Christiano Carvalho na guitarra e mais a voz doce de Renata Ortunho, o quinteto ficara ao meu ver, simplesmente espetacular, pela excelência musical, acrescido das intenções retrô que particularmente, eu apoiava (e apoio), certamente.

Como seria possível em uma casa noturna, em pleno 2009, ouvir uma banda a tocar: "Os Pingo da Chuva" ("Pingo" no singular, propositalmente), dos Novos Baianos, com uma excelência dessas? Falei para o Muelas depois do show: -"eu não ouvia essa música a ser tocada ao vivo, desde os shows dos Novos Baianos que assisti nos anos setenta"...

Bem, foi um show impecável da parte d'A Estação da Luz, a aquecer bem o público, apesar de não ter havido muitos Rockers presentes na casa, nesta noite e assim, a predominância ter sido em torno dos jovens burgueses no saguão. 

Chegara a nossa vez e ao ver o Sérgio Martins a se ajeitar em um lugar com boa visibilidade para nos assistir e Otávio Dias com as suas câmeras a postos, eis que começamos o nosso show.

Na falta de material ilustrativo desse show de São José do Rio Preto-SP, que eu narro nesses parágrafos próximos, eis duas fotos do Pedra por ocasião do show no Teatro X de São Paulo, em março de 2008. Clicks de Grace Lagôa

Iniciamos com uma energia muito forte, no afã de ganhar o público não acostumado à nossa música e o Pedra detinha essa carência por não estar exposto na mídia e dessa forma, quando enfrentava uma plateia desconhecida, padecia por não conseguir estabelecer uma sinergia adequada. 

Não havia nada de errado com a nossa música, muito pelo contrário, o padrão de excelência de nossas composições era ímpar, modéstia a parte, todavia, a mais simplória das razões fazia com que a empatia não fosse conseguida imediatamente, e isso fora uma grande pena, e claro que nos frustrava.

Pedra por ocasião do show no Teatro X de São Paulo, em março de 2008. Clicks de Grace Lagôa 

E tal razão, foi que o Pedra nunca foi uma banda que se encaixava em casas noturnas orientadas para abrigar "baladas". A sua música cerebral e extremamente bem elaborada & arranjada, não era passível de ser absorvida para plateias não interessadas em desejar receber tal carga artística. Portanto, o que aconteceu foi que o ânimo da plateia se arrefeceu paulatinamente a cada música que tocamos.

Independente disso e sabedores que a despeito do frenesi que seria ótimo causarmos, mas não conseguimos, o que esteve em jogo ali, também seria imprimirmos uma boa performance para os repórteres da revista Veja, que cobriam o nosso show. 

Não seria o mote da reportagem, sabíamos, mas claro que uma performance boa deveria impressioná-los e muito provavelmente respingaria na matéria. E naturalmente que tal predisposição haveria de ser muito importante para nós. 

Lembro-me do fotógrafo, Otávio Dias, a me falar a posteriori, que logo que começou o show, ele havia considerado que eu fui o mais efusivo entre os componentes no início do espetáculo e naquele conceito bem do métier dos audiovisuais e cuja fotografia também se insere, ele focou os seus clicks mais em minha performance, por considerar que eu estava a "explodir".

Eu, Luiz Domingues, em foto promocional recortada do Pedra, no ambiente do estúdio Overdrive em 2007. Click: Grace Lagôa

Foi verdade, eu atesto e confirmo tal impressão da parte dele, pois a necessidade de imprimir uma boa performance e tentar ganhar o público, não haveria de ser pelo repertório que eles ignoravam retumbantemente, mas pela explosão do mise-en-scène, e devo esclarecer que todos os demais tocaram para dar o seu máximo, não fui só eu, embora o Otávio tenho captado um entusiasmo maior da minha parte, naquele instante inicial. 

Enfim, tocamos o set list completo e apesar da sinergia não ter sido conquistada em São José do Rio Preto-SP, a missão foi cumprida em minha avaliação, pois demos o nosso melhor. 

Voltamos para o hotel, completamente extenuados pela somatória de esforços empreendidos entre a viagem e o show em si e pudemos descansar bastante, visto que a distância entre São José do Rio Preto e Ribeirão Preto constitui-se em apenas duzentos e três Km, cravados, portanto, não careceu que viajássemos logo pela manhã para a outra cidade, e assim, tivemos uma boa noite de sono reparador.

O cartaz do show de Ribeirão Preto-SP, no dia seguinte. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Acordamos refeitos do cansaço, almoçamos ainda em São José do Rio Preto-SP e partimos para Ribeirão Preto-SP no início da tarde.
Por ter que voltar para Rio Preto e nós para São Paulo no pós-show, o pessoal d'A Estação da Luz viajou em carros particulares para Ribeirão Preto, em comboio conosco. Foi uma pena pois havia espaço em nossa van para o quinteto viajar conosco, e teria sido um enorme prazer viajarmos juntos, a aproveitarmos a desfrutar um clima de turnê, algo tão raro para as nossas respectivas bandas, infelizmente.
Um fato assustador nos ocorreu durante esse percurso e foi algo absolutamente insólito. Conversámos e ríamos, bastante despreocupados, pois a condução do "seu" Valdir se mostrara ótima ao volante da van, quando sentimos que ele freou bruscamente e um objeto indefinido sob um primeiro instante, com cor preta, surgiu inesperadamente a voar em nossa direção e foi tão rápido que se tornou impossível evitar o impacto no para-brisa da van.

Tratou-se de um enorme urubu que morrera em pleno ar e veio a mergulhar em nossa direção, no entanto de uma forma tão repentina, que o motorista não pode evitar a colisão com o seu corpo desfalecido. 

O impacto foi tão grande que além de produzir um barulho enorme, naturalmente, avariou o para-brisa, mas por sorte, não o estilhaçou. Paramos, logicamente para avaliar o estrago e de fato, o "seu" Valdir se assegurou de que seria possível prosseguirmos e assim, bastou jogar uma água básica para tirar o sangue da pobre ave, para seguimos em frente. 

Segundo o "seu" Valdir e também na percepção do fotógrafo, Otávio Dias, que viajava no banco da frente, a ave deve ter morrido por causas naturais, talvez motivado por um infarto, pois voava normalmente ao lado de outras aves, quando mergulhou subitamente, para estabelecer uma queda mortal. Enfim, mundo animal a parte, tínhamos um show de Rock para fazer em Ribeirão Preto.

Depois do susto com o urubu e talvez a contrariar a superstição generalizada a dar conta de que tal animal impregna azar (na verdade, acredito que quem deu azar foi ele, que morreu daquele jeito triste ali na estrada), chegamos em Ribeirão Preto assolados por aquele calor típico que é marca registrada da cidade, o ano inteiro, mas em janeiro e com o verão no auge, realmente fazia um calor muito forte naquele instante. 

Ficamos muito surpreendidos, positivamente a observar, com as instalações da filial da casa Vila Dionísio, de Ribeirão Preto, pois era nitidamente mais bem decorada, com tudo novo em folha e segundo apuramos, fora por essa mesma a razão, ou seja, se tratara de uma unidade bem mais nova em atividade.

O palco era infinitamente superior, ao nos dar a impressão que houve planejamento ali e dessa forma, me lembrou os palcos de casas com médio porte que existiram em São Paulo nos anos oitenta e noventa, casos do Aeroanta e Woodstock, por exemplo. Havia também um bom camarim e com direito a um caminho labiríntico que ligava à ótima cozinha industrial, ali instalada.

O equipamento possuía qualidade e se mostrou nitidamente superior ao da matriz de São José do Rio Preto. Comum sistema de PA a conter porte, já nos animamos por saber que haveria uma pressão sonora de show de Rock para ambiente de teatro, portanto, claro que isso nos motivou ainda mais. 

E havia um bom backline na casa, portanto, sobre o som estava tudo certo e a luz também se revelou boa para o tamanho do salão, mas com a ressalva de que a iluminação depende muito da criatividade do iluminador e por não conhecer o trabalho do Pedra, tampouco d'A Estação da Luz, dificilmente seria algo além de uma iluminação mecânica, sem nenhum tipo de mapeamento inteligente. Feito o soundcheck com relativa rapidez, ficamos satisfeitos e o técnico foi solícito, e bastante objetivo, sem postergações.

Deu tempo para aproveitarmos um bom período de descanso, ali mesmo na casa, antes de voltarmos ao hotel para nos recompormos.

Localizada em um bairro nobre daquela cidade interiorana, chamado: Sumaré, em uma rua paralela da Avenida 9 de julho, portanto, eu já esperava que a casa atendesse aos anseios da jovem burguesia local, e assim, não haveria por atrair Rockers em tese e além do mais, as duas bandas não gozavam de grande projeção midiática, em suma, não tínhamos grande ilusão sobre tocarmos mediante uma casa lotada e formada por Rockers inveterados. 

Ficamos alojados em um ótimo e moderno hotel no centro da cidade, perto da Praça XV de novembro, e quando voltamos ao Vila Dionísio, começava a escurecer e já chegavam as primeiras pessoas na casa.

Estação da Luz em ação, no Vila Dionísio de Ribeirão Preto-SP. Acervo e cortesia de Junior Muelas

A Estação da Luz subiu ao palco e começou o seu show. Assisti o início da apresentação deles pela coxia e o som de palco, mesmo com o retardo típico do áudio (refiro-me ao "delay"), pareceu estar com um bom nível. Fui assistir mais um trecho de sua apresentação pelo viés da plateia, a fazer aquele caminho tortuoso pela cozinha e na frente estava muito bonito, com uma pressão sonora boa, mas com equalização bem equilibrada, com tudo a soar bem mixado e com altura agradável, sem agressões sonoras para o público. 

Sobre a iluminação, exatamente como prevíamos esta deixou a desejar, manipulada por um iluminador preguiçoso, praticamente a operar a mesa como se fosse uma iluminação sequencial de árvore de natal e ao não observar os pontos de escuridão no palco, por que, claro que ele não se deu ao trabalho de afinar os spots, conforme o mapa de palco previamente entregue à casa, pelas bandas, ou seja, bataria que ele cumprisse o básico do básico, entretanto, ele optou pelo desleixo, seguramente. 

Não entendo a postura de um iluminador que não tenha a hombridade de fazer uso de uma escada e pessoalmente ir afinar os spots disponíveis, pois se está ali, se pressupõe que desejou ser iluminador em sua vida, como uma escolha pessoal, portanto, se não afina os spots, como é possível obter prazer de trabalhar com um sistema de iluminação com as luzes fora de foco? Bem, é incompreensível, mas é o que mais acontece quando se lida com iluminador que não esteja comprometido com o trabalho do artista e opta por tralhar burocraticamente tão somente. 

  A Estação da Luz em ação. Acervo e cortesia de Junior Muelas

O show d'A Estação da Luz foi encantador ao meu ver. O seu repertório próprio era muito bom, com ótimas intenções, influências e lembrava muito a determinação que eu tive com o Sidharta e consegui implantar com a Patrulha do Espaço, a estabelecer um conceito marcado pelo compromisso total com o Rock retrô, com o conceito vintage através do resgate não só musical, mas amplo, sob múltiplos ícones contraculturais envolvidos. Pois A Estação da Luz vivia (vive) isso intensamente e na minha percepção, foi algo muito estimulante e emocionante que eu presenciei ali naquele instante.

A Estação da Luz em ação no Vila Dionísio, de Ribeirão Preto-SP, em janeiro de 2009. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Voltei para o camarim, quando notei que o show d'A Estação da Luz caminhava para o seu final e lá aguardei pelos seuws componentes no seu momento de pós-show, quando os cumprimentei efusivamente sobre a sua ótima performance. 

Chegou a nossa vez e digo que fizemos um show melhor que o de São José do Rio Preto-SP. Talvez pela maior qualidade do equipamento disponibilizado, a nossa performance foi muito mais robusta, pela minha lembrança pessoal.

Pedra em ação em Ribeirão Preto-SP. 25 de janeiro de 2009. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Não houve um bom público presente na casa e certamente foi bem menor que o que assistira o nosso show na outra cidade e claro, se tratou de um domingo, portanto um dia mais difícil para atrair público. 

Entretanto, ao contrário da juventude dispersa e "baladeira" que nos vira em ação na noite anterior (e que se pôs a dispersar pelo fato de não encontrar motivação na nossa música desconhecida aos seus ouvidos, e assim não gerar a euforia que sempre esperavam encontrar nas baladas de sábado a noite), o público de Ribeirão Preto se mostrou igualmente jovem, mas não necessariamente adolescente e dessa maneira, educadamente nos assistiu com as pessoas sentadas pelas mesas e a aplaudir com educação a cada música encerrada.

            Pedra em ação. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Um momento que poderia haver se tornado um baixo astral para nós, soou, no entanto, até leve pela abordagem ingênua de um rapaz, que mandou um garçom nos enviar um recado manuscrito, em que nos perguntou: -"vocês não tocam nenhuma música do Creedence Clearwater Revival?"

Quando o bilhete chegou para nós, o Xando se antecipou e lhe respondeu ao microfone, que éramos uma banda autoral e que infelizmente não tocaríamos nada do "Creedence", mas que esperava que ele, o rapaz, estivesse por apreciar as nossas músicas próprias. 

O rapaz respondeu em voz alta de sua mesa que: -"tudo bem e que éramos uma banda muito boa"...

Pedra em Ribeirão Preto. Janeiro de 2009. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Sendo assim, isso refletiu bem o tipo de público educado que esteve ali presente e mesmo que não possuísse sintonia com o nosso trabalho, teve ao menos paciência e educação para apreciar uma banda com qualidade a tocar, o que no mínimo foi muito respeitoso, ao se considerar toda a situação. 

Para efeito da matéria da revista "Veja", isso fora uma síntese da nossa situação em estarmos submetidos às agruras do underground da música e por ser o Sérgio Martins um jornalista com sexto sentido muito aguçado, eu conjecturei em silêncio comigo mesmo que não poderia ter sido uma situação melhor, como fator de impressão perante aos seus olhos, pois muito mais desastroso para a nossa imagem teria sido nos depararmos com um ambiente hostil.

Pedra em Ribeirão Preto-SP, janeiro de 2009. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Claro, sei perfeitamente que Sérgio relevaria um revés desse porte, mesmo por que, ele possuía um bom conceito sobre a nossa banda e obra, portanto, teria o discernimento para separar as coisas como um homem culto e profissional experiente que o era (é). 

Todavia, eu comemorei internamente o fato da reação ter sido bastante educada da parte daquele público ali presente. O meu primo, Emmanuel Barreto, estava na cidade e avisou um outro primo nosso em comum, chamado Rogélio (com "L" mesmo, eu não errei), que era proprietário de uma produtora de vídeo, na cidade. Claro que show de Rock não era a sua especialidade, pois costumava filmar festas particulares, cerimônias de casamento e afins, mas gentilmente ele compareceu ao Vila Dionísio e filmou o nosso show, e o d'A Estação da Luz, também.

"Longe do Chão" no Vila Dionísio, de Ribeirão Preto-SP em 25 de janeiro de 2009

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=04AEWu6mDpk


Algumas músicas desse nosso show foram postadas no YouTube, posteriormente, mas não todas. Torço para que o Xando Zupo, lance as demais e o show inteiro, posteriormente, na sua versão na íntegra, desse show. E assim foi o nosso show no Vila Dionísio de Ribeirão Preto, em 25 de janeiro de 2009, com cerca de oitenta pessoas presentes nessa casa. 

Um casal que se deslocara de uma cidade vizinha chamada, "Sertãozinho", veio especialmente para ver em ação e nos abordou no camarim no período pós-show. Eram fãs da Patrulha do Espaço e ao saber que eu e Rodrigo Hid, éramos egressos daquela banda, se interessaram em conhecer o Pedra e se tornaram fãs, ao adquirir os dois discos. 

Fomos para o hotel com o sentimento do dever cumprido. Foram shows bons, tecnicamente a se descreverem, e o nosso principal objetivo nessa empreitada interiorana fora alcançado, sem dúvida, pois viajáramos com um jornalista de alto nível a representar uma revista de primeira grandeza, acompanhado de seu repórter fotográfico que nos clicara, não apenas durante os shows em si, mas documentara todos os bastidores da viagem, soundcheck, check in e check out de hotéis, as nossas refeições etc. 

"Reflexo Inverso" no Vila Dionísio de Ribeirão Preto-SP em 25 de janeiro de 2009

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=FwpFA06Zxko

Em suma, Sérgio detinha em suas anotações e respaldado por amplo material fotográfico, uma reportagem em mãos, em seu estado bruto, e assim que chegasse à redação de sua revista, ele teria em tese, apenas que se sentar em frente ao seu monitor de computador e digitá-la. 

E por falar em Martins, ali no saguão do hotel nos despedimos, pois ele não voltaria conosco, visto que tinha passagem de avião comprada e de Ribeirão Preto ele foi direto para o Rio de Janeiro, onde na segunda-feira entrevistaria um figurão do mundo do samba. 

Acordamos na segunda-feira e nos despedimos dos amigos d'A Estação da Luz que seguiriam para São José do Rio Preto. A sua boa vontade para viabilizar essa micro turnê fora notória, principalmente da parte do amigo, Junior Muelas, um daqueles "amigos, irmãos de fé e camarada" que prazerosamente eu fiz durante a minha trajetória musical inteira, eu diria. Muelas vibra o Rock como se deve, é um Rocker com "R" maiúsculo.

Pedra em Ribeirão Preto-SP, janeiro de 2009. Acervo e cortesia de Junior Muelas

A viagem de volta para São Paulo foi tranquila, a se revelar sem urubus para trazerem mau agouro à nossa vida e mais silenciosa pelo fato de estarmos cansados pela somatória do final de semana todo, marcado pelo trabalho e rodagem cansativa na estrada. 

Chegamos em São Paulo e levamos o fotógrafo, Otávio Dias até a sua residência no bairro do Brooklin, na zona sul da cidade. O tempo passou e o Sérgio não sinalizara que a matéria na revista fosse publicada e claro que não o pressionaríamos para saber dessa informação. Mas o tempo se pôs a passar ainda mais e nada aconteceu. 

Eu não sou jornalista, mas como o leitor já sabe desde os primeiros capítulos da minha autobiografia musical, eu sempre tive uma relação estreita com essa profissão e seus bastidores, portanto, claro que eu deduzi que a revista em questão, apesar de ostentar uma linha editorial ampla, mantinha na política e na economia, os seus principais pilares, portanto, matérias grandes sobre cultura em geral, só aconteciam ali quando não havia nada bombástico a ocorrer em Brasília, ou no mundo, para se abordar a política, sobretudo.

Para ir além, com o tempo a passar, tal matéria, mesmo antes de ser publicada, envelheceu e assim, se chegou em um ponto que ela nem fazia mais sentido, jornalisticamente a descrever, e foi o que aconteceu. Uma grande pena, pois nós nos esmeramos para realizar esses shows e por se considerar que éramos uma banda castigada por graves problemas gerenciais, foi uma raridade termos dois shows em cidades diferentes, seguidos, ao dar a sensação sequencial de uma "turnê". 

Dessa forma, o nosso esforço foi em vão nesse sentido da matéria não ter sido publicada, mas valeu pela tentativa e esforço e claro que nem eu, e nenhum dos companheiros lamentou por nada. E sobre o Sérgio Martins, este sinalizaria com uma oportunidade tão boa quanto, ao final de 2009, e dessa vez ela aconteceria de fato, mas somente no momento oportuno da cronologia eu detalharei, certamente. 

Vida que seguiu, teríamos um novo compromisso em março de 2009, porém, matérias e resenhas a analisar o álbum Pedra II, estavam a aparecer nas bancas de jornais ou "on line" pela internet.

Na primeira foto, no teatro X de São Paulo em março de 2008. Click de Grace Lagôa. Pedra em Ribeirão Preto-SP em janeiro de 2009. Acervo e cortesia de Junior Muelas

Passada a tentativa em contarmos com uma abertura sem precedentes dentro de uma revista com circulação nacional do jornalismo mainstream e já a saber que não lograria êxito por fatores alheios à nossa vontade (e também da parte do jornalista, Sérgio Martins), estávamos novamente a enfrentar a nossa realidade "underground", permeada pelos seus obstáculos inerentes. 

Os meses de fevereiro e março foram escassos em termos de oportunidades, só a conter um show e logo mais, o menciono. O que nos animou um pouco, foram as matérias e resenhas a exaltarem o CD Pedra II, mas naquela altura, com a internet solidificada e a maioria das pessoas a gastar o seu tempo nas Redes Sociais, notadamente o Orkut (esta rede já em franco processo de desgaste, em 2009, é bem verdade, mas ainda a conter com relativa força), publicações impressas tradicionais estavam a perder espaço e por ter sido assim, uma boa resenha foi comemorada por nós, logicamente, mas na prática, não repercutia publicamente como em épocas passadas, infelizmente. Eis alguns exemplos:

 
1) Roadie Crew n° 120 

Logo no início de 2009, em uma enquete promovida pelos colunistas da revista, Roadie Crew, o jornalista, Antonio Carlos Monteiro, nos citou duas vezes entre os melhores de 2008, em sua opinião, nas categorias: "melhor álbum" e "melhor capa".

2) Roadie Crew nº 123

"O som é calcado no Rock dos anos 60 e 70, com o maravilhoso órgão Hammond, à frente - se bem que a turma não se constrange em colocar em vários momentos aquele groove gentilmente cedido por gêneros como Soul Music e Funk. 

Já as letras são em português e vez por outra enveredam por temas que tem tudo a ver com a psicodelia dos mesmos anos 60 e 70. E aí que vem a questão : como fazer tudo isso funcionar sem soar datado, sem gosto de comida requentada ou cheiro de naftalina ? Pois é isso o que faz o segundo disco do quarteto paulistano ser especial ser especial. 

Rodrigo Hid (guitarra, vocal, violão e teclados), Xando Zupo (guitarra e vocal), Luiz Domingues (baixo e vocal) e Ivan Scartezini (bateria) são veteranos na cena rockeira brasileira, e já aprenderam, na base da abnegação, do sacrifício e de uma autêntica paixão pela música, como operar esse tipo de, digamos assim, pequeno milagre. 

Então, "II" consegue evocar aqueles tempos que, para muitos, foram determinantes e inesquecíveis na história do Rock deixando claro que se trata de uma produção do Terceiro Milênio. Ousado, o Pedra se permitiu até mesmo abrir o disco com "Filme de Terror", tema do "maldito" Sérgio Sampaio, compositor à frente do seu tempo e que jamais conseguiu o seu devido reconhecimento. 

Como se o repertório impecável, a execução irretocável, e até uma produção eficientes não bastassem, a banda ainda se deu ao luxo de ser diferente na "embalagem", que vem em formato inovador e traz uma história em quadrinhos assinada pelo ilustrador Diogo Oliveira".

Nota 9,0

Antonio Carlos Monteiro 


Bem, já falei diversas vezes ao longo da minha autobiografia que tenho muita consideração, respeito e uma admiração enorme pela categoria do jornalista, Antonio Carlos Monteiro. Ele, nessa altura, 2009, já acumulava muitas resenhas de discos meus, em bandas diferentes, desde 1985, sempre a enxergar com o seu olhar clínico, cada obra, e com isenção ética exemplar, visto que a nossa amizade pessoal, sedimentada desde os anos 1980, nunca obscureceu a sua opinião sobre qualquer resenha, entrevista ou matéria que escreveu sobre quaisquer trabalhos que eu realizei e não foi diferente nessa resenha sobre o CD Pedra II. 

Outro ponto que eu já destaquei quando o citei em capítulos anteriores, foi o fato de que por trabalhar em publicações mais fechadas no nicho do Heavy-Metal (Revista "Metal", Revista "Rock Brigade" e Revista "Roadie Crew"), Tony Monteiro tinha por hábito situar ao seu leitor padrão, duas questões que são verdadeiras obsessões para os adeptos do Heavy-Metal: cantar ou não em português e a respeito da contemporaneidade do artista. 

Não fora sua culpa, naturalmente, mas eu compreendi a sua necessidade de sempre tocar nesses dois pontos que são nevrálgicos para os amantes do Heavy-Metal e só lastimo que isso o fizesse perder espaço valioso na lauda em que tinha direito de usar, para poder eventualmente falar de outros aspectos do nosso disco, e sei que ele gostaria de assim proceder. Fora isso, só tenho a agradecer por uma resenha tão bem escrita a enaltecer a nossa obra.


3) Revista Guitar Player nº 155

"Se o trato visual de um disco fosse suficiente, Pedra II estaria no topo das paradas. A banda caprichou e colocou o CD dentro de uma história em quadrinhos. mas, como o que conta é a qualidade das músicas, vamos em frente. 

No caso do Pedra, a banda já havia mostrado a sua competência no trabalho anterior.

A banda é a mesma: Rodrigo Hid (guitarra, voz e teclados), Xando Zupo (guitarra, voz), Luiz Domingues (baixo e voz) e Ivan Scartezini (bateria). Os principais compositores das 12 faixas, são os guitarristas Zupo e Hid, mas há faixas de outros músicos, como "Filme de Terror", de Sérgio Sampaio- figura lendária da música brasileira. Tudo bem que há o "II" no título do disco, mas Pedra II vai além de apenas uma continuação.Está repleto de boas ideias e vitalidade. 

A sonoridade do repertório está mergulhada na sonoridade dos anos 1970. O Rock do Pedra mantém seu peso, mas ganha o groove de Soul, a ginga do baião, pitadas de Folk e a sombra do Deep Purple. 

Se "Rock'n Não" tem um solo cuspindo faísca, a balada "Longe do Chão" se desenrola no belo riff amarrado por um solo denso. A dobradinha de solos em "To Indo a Mil", também ficou legal. No miolo do disco está a instrumental "Megalópole", que emoldura alguns dos predicados técnicos da banda. 

O suingue da levada nos encara a encarar a saraivada de solos. O clima é meio Tommy Bolin. Depois, Zupo e Hid se alinham em uma elegante sequência de guitarras harmonizadas. Uma música que chama atenção".

H.I.S.


Uma excelente resenha escrita pelo colunista, cujas iniciais não consegui identificar (desconfio se tratar de Henrique Inglêz de Souza). Ele exaltou a capa, a sonoridade, o potencial técnico e a qualidade das músicas, além de destacar a ideia de haver uma releitura de uma obra do Sérgio Sampaio. 

Revista especializada em guitarra e assuntos análogos, claro que prestou mais atenção nesse quesito e seus protagonistas em nossa banda, casos de Zupo e Hid. No entanto, ao contrário do que pensar-se-ia, não exagerou em analisar com minúcias tal quesito e a sua resenha foi construída sob um formato tradicional, sem se ater apenas à performance dos guitarristas, seus equipamentos e instrumentos usados etc.

4) Revista Rock Brigade nº 259

"A alquimia ficou popular por misturar elementos da química, física, astrologia, arte, metalurgia, medicina, misticismo e religião. E a música, seja como límpida expressão artística ou como força particular interior, continua cada vez mais como uma espécie de elixir da vida. 

Seja na tradição da Yoga ou da própria alquimia, a busca do elixir da imortalidade provém de práticas de purificação espiritual- que pode ocorrer através da música. Num mar de energias e emoções, a música da banda Pedra transmuta metais inferiores em ouro; criando uma panaceia musical universal.

Se depender dessa Pedra II, todos os males musicais que atormentam o mundo atual serão erradicados de forma sublime e prazerosa. Os capitães dessa missão são Rodrigo Hid (violão, guitarra, teclados e voz), Xando Zupo (guitarra e voz), Luiz Domingues (baixo e voz) e Ivan Scartezini (bateria e voz).

Em seu segundo registro, o Pedra traz um som único, esbanjando frescor pelos poros, como na instrumental, "Megalópole", ou no clima único de "Longe do Chão", uma faixa com mais de sete minutos de pura inspiração e com uma linha de baixo como há muito não se vê por aí...

"Projeções" tem um leve aroma de Rock Rural, só que com um viajante som de cítara para embalar; enquanto que "Jefferson Messias" nos remete aos deliciosos e incomparáveis anos sessenta.
Se recusando a ficar amarrado nas influências do passado, o Pedra avista o horizonte com "Letras Miúdas", se recusando a acreditar em algo que não venha do coração. 

Outra agradável surpresa é a versão da banda para a clássica "Filme de Terror", peça chave da carreira de um dos nossos maiores compositores, Sérgio Sampaio. Falando em música brasileira, "Meu Mundo é Seu" é um exemplo vigoroso da qualidade da música que continua sendo cunhada aqui na Terra do Sol. Acompanhando as vibrações sonoras, o Pedra alarga ainda mais as possibilidades interativas desse novo ainda século, fornecendo também uma história em quadrinhos que acompanha o CD, cortesia do artista multimídia, Diogo Oliveira. 

Para esse grupo paulistano, a busca pela Pedra Universal, ou pelo Santo Graal chegou ao fim. Não é exagero dizer que Pedra II é a Opus Magna da banda; ou seja, sua grande e mais definitiva obra".

B.A.


Bem, aqui eu sei quem é o resenhista e dessa forma, "B.A." designa: Bento Araújo, um jornalista que eu admiro muito e tenho o prazer de desfrutar de sua amizade pessoal. Editor da espetacular revista, Poeira Zine, nessa época ele assumira o cargo como editor da revista Rock Brigade, que passava por uma profunda reformulação em sua redação. 

Alheio aos maneirismos do mundo do Heavy-Metal, que sempre caracterizaram a linha de conduta dessa publicação, Bento não se ateve aos paradigmas típicos de jornalistas desse nicho, tampouco se preocupou com os paradigmas enraizados da parte de seu leitor padrão, portanto, ele não tocou em tópicos "tabu" como o fato de "cantarmos em português", ou sermos ou não "datados".

Por ser uma persona a transitar fora desse nicho, tais questões nem passavam pela sua imaginação e assim, a sua resenha foi escrita como se estivesse a publicar em outro tipo de revista, quiçá na sua própria, o Poeira Zine. 

Outro fato a ser destacado, foi que esta resenha se tratou de uma das mais poéticas que eu já li. Inspirado ao extremo, ele fez várias citações subliminares baseadas em trechos de letras de nosso disco, a evocar aspectos místicos, sendo assim, a sua linha mestra de raciocínio, versada pela alquimia & busca da elevação, via Santo Graal, se justificou. 

Ao ir além, creio que a inspiração nesses aspectos, digamos, "iniciáticos", ficou muito bonita ao meu ver, embora eu seja obrigado a expressar a ressalva de que o Pedra nunca desfraldou tal bandeira, e se houve misticismo embutido em nossa obra, foi algo sutil e perpetrado pelas letras do Rodrigo Hid nesse sentido, poucas aliás, pois o Xando Zupo não gostava dessa linha de criação na parte das mensagens emitidas pela banda em termos de palavras. 

Mas em suma, eu gostei muito que o jornalista, Bento Araújo, tenha tido essa visão do álbum, Pedra II e convenhamos, apesar de alguns aspectos destoantes, há sim um misticismo implícito, não apenas pela canção: "Projeções", mas também pela capa em alguns signos desenhados pelo artista plástico, Diogo Oliveira, principalmente no tocante à mandala. 

Sobre as considerações mais musicais, Bento foi preciso e isso não me surpreendeu, pois eu sabia de antemão e há muito tempo, aliás, sobre a sua avassaladora cultura sobre o Rock das décadas de sessenta e setenta e por isso, foi óbvio que a sua antena aguçada haveria por pinçar diversas influências nas nossas músicas e arranjos, nesse aspecto. 

Por fim, a se revelar como um quase voto de esperança para que o Pedra atingisse os seus objetivos, mas ao se estender a uma súplica, para que dias melhores viessem para a música (e se em 2008 & 2009 esteve difícil aguentar o panorama mainstream, o que dizer sobre 2016, quando escrevo este trecho e testemunhamos com estupefação uma queda vertiginosa em relação ao panorama da época que citei?).

É um teste de resiliência e tanto para quem cresceu a absorver a música em geral e o Rock em específico, sob patamares estratosféricos. Não por que ele falou bem da nossa obra, pois o leitor atento que leu toda a minha autobiografia, sabe muito bem que eu aceito crítica negativa, desde que feita com embasamento e senso construtivo, mas esta resenha foi uma das melhores que eu já tive sobre um trabalho meu, e creio que para o Pedra, também, em sua história.

5) Revista Guitar Player nº156 

Uma excelente entrevista, específica com o nosso guitarrista, Xando Zupo, em que perguntas técnicas foram feitas, a honrar as tradições de uma revista setorizada, obviamente. Todavia, se mostrou com bastante espaço para o artista falar sobre aspectos mais subjetivos da criação da banda e do novo álbum como foco, naturalmente.
O próximo compromisso foi marcado para acontecer em março de 2009, em uma casa de espetáculos rústica, localizada em Santo André-SP, no ABC Paulista. Tratou-se do "Central Rock Bar", uma casa com orientação Rocker e que abria as suas portas para bandas autorais, e só por esses dois fatores, já seria algo a ser comemorado na cena Rocker agonizante do underground, daquele fim de primeira década de novo século/milênio, tamanha foi a sensação de estrangulamento que todos, não apenas o Pedra, sentiu em crescente, e muito preocupante, progressão.

O lado desanimador, foi se tratar de uma casa simples, sem uma infraestrutura razoável, em termos de equipamento de som & iluminação e portanto, mesmo ao usarmos o nosso backline, a sonoridade para o público não seria das melhores, graças a um PA insuficiente e sob má qualidade. 

E a iluminação ali disponível, também se revelava extremamente deficiente, portanto, nos desanimou sabermos que tocaríamos quase inteiramente sob a penumbra, quiçá, total escuridão. Por outro lado, o Pedra mantinha um histórico permeado pelas dificuldade em agendar shows e sempre que tal escassez de oportunidades começava a deteriorar o clima interno da banda, a semear discórdias, chegávamos à conclusão de que deveríamos deixar de lado as preocupações mais técnicas no sentido de apenas realizarmos shows em casas munidas por condições melhores em termos de infraestrutura, e assim, a abraçarmos a estratégia de bandas coirmãs nossas como o "Tomada", "Carro Bomba", "Baranga" e "Cracker Blues", para ficar nas mais próximas de nós pelas relações de amizade, que adotavam a sua política de atuarem em qualquer lugar que lhes abrissem as portas, sem se preocuparem com a infraestrutura disponível, portanto a se adaptarem às dificuldades. 

É bem verdade que essas bandas que citei, atuavam em um espectro musical a transitar entre o Blues-Rock, Rock tradicional e o Heavy-Metal, portanto, as suas necessidades para soarem bem, eram muito mais simples do que as nossas, devido à nossa característica em elaborar uma música com muito maior número de sutilezas nas composições e arranjos, e sobretudo pela pretensão em manter nas letras das canções, um mote forte e daí, ser necessário contar com uma qualidade sonora para o público poder receber a total inteligibilidade nesse aspecto de nosso trabalho.

Então, quando ficávamos acuados, sem perspectivas para atuarmos como achávamos que deveria ocorrer, nos imbuíamos de um senso coletivo de boa vontade para aceitarmos shows realizados em locais inadequados, caso do Central Rock Bar. 

E nesse caso, teríamos a companhia de duas bandas muito boas, uma já amiga de longa data e cuja minha ligação pessoal remontava ao fato de eu ter sido professor de baixo de seu baixista (falo sobre Marcelo "Pepe" Bueno e seu "Tomada"), e a outra, com quem tocaríamos pela primeira vez, mas que já conhecíamos os seus componentes, o "Massahara". 

O pessoal do Massahara era extremamente simpático e o seu trabalho era 100% calcado em som retrô dos anos setenta, ao lembrar muito o trabalho que eu Rodrigo fizéramos na Patrulha do Espaço e mais remotamente no Sidharta. 

Era bem mais pesado que a sonoridade d'A Estação da Luz, mas igualmente fechado na ideia de recriar não só musicalmente, mas no visual de seus componentes, a atmosfera do Rock setentista, portanto, para o meu gosto pessoal foi um prazer tocar com eles. Claro que fiquei amigos dos seus membros, aliás até hoje, e certamente para sempre.

Houve um bom esforço de cooperação entre as bandas para a divulgação e apoio logístico no palco, com equipamento compartilhado. Outro fator desagradável do "Central", nessa época, foi o fato de se apresentar em termos de espaço físico como um salão de médio porte, mas o palco em si, era muito pequeno, portanto tal incômodo a mais, limitava qualquer banda que ali se apresentasse. 

Anos depois a casa passou por uma boa reforma, instalou som e iluminação com melhor qualidade é bem verdade, e eu chegaria a tocar ali com outra banda, no caso com Kim Kehl & Os Kurandeiros, em 2012, mas isso é uma história contada no capítulo adequado dessa outra banda. 

Então, no dia do show, o Massahara tocou primeiro e mostrou o seu som bem calcado no Hard-Rock setentista e semelhante de bandas como "Budgie", "Pink Fairies", "Sir Lord Baltimore" e "Toad", para não estender demais essa lista, e detinha também, influências do Rock Progressivo, ao soar como os Mutantes da fase: "Tudo Foi Feito Pelo Sol", o que foi bem agradável aos meus ouvidos simpáticos por Rock dessa alta estirpe.

Uma foto obtida na Internet, com a ambientação Rocker, porém rústica do "Central Rock Bar", de Santo André-SP, nos anos 2000
 
O Tomada ocupou o palco a seguir e fez o seu show sempre em alto astral, e com a qualidade que lhe era peculiar. Contudo, tanto o Massahara quanto o Tomada estavam por serem bastante prejudicados pelo som muito ruim, proveniente pelo PA da casa. Mesmo ao usar um backline com qualidade, o que ouvíamos fora uma quase maçaroca sonora e isso foi péssimo para as duas bandas e claro que o seria para nós, também.

O Pedra em foto posada no ambiente do estúdio Overdrive, em 2008. Click: Grace Lagôa

Portanto, antes mesmo de subirmos ao palco, o nosso ânimo já estava prejudicado, pois sabíamos de antemão que mesmo que observássemos uma postura de estabelecer uma dinâmica exemplar, o som não seria dos melhores para o público. 

E não deu outra, o nosso show foi marcado pela preocupação para se coibir exageros sonoros na parte instrumental, para fornecer a melhor condição possível às vozes. Acho que tal determinação fez com que tivéssemos tido uma inteligibilidade melhor que as demais bandas nesse quesito, pois nos esforçamos muito, mas mesmo assim, receio não ter sido o suficiente para coibir totalmente a maçaroca do pequeno e ruim PA da casa. 

A despeito disso, lembro-me que tivemos muitos momentos sob intenso "groove", em improvisos funkeados a la anos setenta, que fizemos e isso foi bem prazeroso, a arrancar aplausos de quem percebeu esse lampejo de criatividade extra que ali estabelecemos. 

Demos o nosso máximo e acredito que pela performance musical bem inspirada, saímos razoavelmente felizes do palco, por isso, mas no cômputo geral, a conclusão que tivemos nos dias posteriores, fora de que shows assim, realizados em locais sem uma melhor estrutura, não valiam a pena, pois pouco agregavam em termos de público, mídia e pior ainda, nos estressavam pela frustração em termos que lutar com as condições de palco inóspitas e por conseguinte, os espetáculos concluídos dessa forma precária, não deixavam uma boa impressão ao público, principalmente pelo quesito das "letras", praticamente impossíveis de serem entendidas sob um equipamento deficitário assim. Aconteceu no dia 7 de março de 2009, com cerca de cem pessoas presentes. Não tenho fotos e vídeos desse show, infelizmente.

A primeira foto, se trata de uma promocional do ano de 2007 e na segunda, Rodrigo Hid em destaque com o Pedra ao vivo no Avenida Bar de São Paulo, em agosto de 2007. Clicks de Grace Lagôa 

Passado esse show de março no Central Rock Bar, iniciamos a nossa gangorra emocional em meio a contradições, novamente. Ao fazermos o balanço das adversidades sofridas, foi óbvio que o Pedra não detinha um perfil artístico que lhe desse a versatilidade necessária para tocar em casas noturnas não adequadas para um som com a nossa complexidade instrumental e sobretudo pelo texto a ser conferido através das letras. 

E diante dessa conclusão, nos imbuímos da convicção de que não valeria a pena insistir para tocar em casas noturnas desse tipo, independente de possuir ou não qualidade na infraestrutura, caso das unidades do Vila Dionísio aonde tocamos no interior do Estado, e portanto, a tratar casos como o do Central Rock Bar, como uma agravante pelo equipamento inadequado. 

O que foi comum nos três casos, foi a falta de interesse do público em geral que frequentava tal tipo de estabelecimento em clima de "balada" e não para consumir música autoral complexa, sedento por arte, música & cultura, como quem vai ou deveria ir prestigiar um artista no teatro.

Menção honrosa ao Central por ter ambientação mais Rocker, é bem verdade, e apesar dos pesares, o público presente gostou do nosso show, ao contrário das unidades do Vila Dionísio, nos quais a qualidade sonora e de iluminação foram melhores. 

Entretanto, nos frustramos em termos uma sonoridade ruim e escuridão, portanto, foram condições inadequadas para darmos o nosso melhor ao público Rocker presente no Central Rock Bar. 

Quando chegávamos nessa conclusão, ficávamos na convicção de que a solução seria ter paciência e esperarmos para obtermos uma oportunidade melhor e assim, experimentávamos o outro lado dessa gangorra emocional angustiante que permeou a história do Pedra, de 2007 em diante, praticamente.

Ivan Scartezini em ação no Teatro X de São Paulo com o Pedra, em março de 2008. Click: Grace Lagôa

E quando chegávamos em tal conclusão, nos restava pensar em dar vazão à energia acumulada para criar músicas novas. E mesmo por termos o CD Pedra II, ainda quente em nosso imaginário e dos fãs do trabalho, começamos a trabalhar em novas ideias e assim, uma nova safra de composições começou a nascer.

Rodrigo Hid em destaque, com Ivan Scartezini atrás na bateria e eu, Luiz Domingues, visto apenas pela mão no braço do instrumento. Pedra ao vivo no Blackmore Rock Bar de São Paulo em junho de 2006. Click: Grace Lagôa

Por exemplo, Rodrigo Hid nos mostrou um riff que estava a trabalhar sozinho em sua casa e que nos agradou em cheio. Pareceu-nos algo bem regional, com sabor nordestino, mas com nítida pegada Rocker, algo psicodélico, e que remeteu aos compositores "malditos" da psicodelia nordestina, ao estilo de artistas que eu admiro muito como: Zé Ramalho, Lula Cortes, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Belchior e Ednardo, para citar alguns, apenas. 

Gostamos muito do riff e ao realizarmos jams, o Xando Zupo sugeriu uma parte "B", mais Rock, urbana e nitidamente influenciada pelo "Led Zeppelin". Tal junção aparentemente dispare, se aliou de uma forma muito feliz ao meu ver. 

Ao trabalhar na sua letra e melodia, o Rodrigo trouxe uma opção que teria tudo para nos desagradar (eu-Luiz- e Xando), por razões diferentes, baseado em nossas respectivas percepções pessoais e creio já ter explicado isso em capítulos anteriores. 

Em resumo, para o leitor relembrar: no meu caso, eu tendo a não gostar de regionalismos criados por artistas que não tem aquela realidade expressa, como verdade em sua vida. Como paulistanos, ultra urbanos que éramos (somos), não aprovávamos a ideia sobre compor letras a se usar expressões regionais e maneirismos de outras regiões do país onde não nascemos ou vivemos, portanto, a subtrair a "verdade" expressa na poesia & melodia entoada. Já o Xando, se mostrava avesso a essa questão, mas não por se ater ao meu ponto de vista, mas por simplesmente preferir temas existenciais para serem usadas como mote das letras.

                     Ilustração de Cordel, por J. Borges

Enfim, dois opositores contumazes para bloquear a tendência do Rodrigo a recorrer a esse tipo de expediente rural, que ele apreciava (aprecia), mas quando ele nos mostrou a letra, ficamos impressionados pela sua qualidade. 

Sim, era praticamente uma abordagem ao estilo da literatura de cordel, ultra nordestina e distante da nossa realidade/verdade cultural, mas se mostrara inegavelmente de uma beleza incrível no jogo de palavras e imagens propostas através da sua poesia. 

Tornou-se irrecusável, portanto e assim nasceu: "Queimada das Larvas dos Campos Sem Fim", que de tão forte que ficou em seu arranjo final, se incorporou imediatamente ao repertório dos shows e veio a se tornar querida do nosso público, instantaneamente.

Zé Ramalho e Led Zepellin, dois artistas que muito admiro e me influenciam

Quando o arranjo foi finalizado, ficamos com a impressão que tal canção significara uma "colisão" entre o som do Zé Ramalho e do Led Zeppelin, com partes distintas, mas que se completavamde uma forma até mágica.

Outra composição oriunda dessa safra, "Pra Não Voltar", se mostrara como um Hard-Rock muito vigoroso, cheio de partes interessantes, compostas pelo Xando Zupo e com forte influência setentista. 

O Xando logo demonstrou grande apreço pela letra que escreveu e da qual, particularmente eu não aprecio, pela visão "Bukowskiana" que eu não compactuo. 

Segundo ele, se trata de uma história baseada em fatos reais, sobre um amigo que teve problemas para se livrar da dependência das drogas e a letra versa sobre o tema, a falar da angústia, do vazio desse rapaz entregue ao vício, a viver em um quartinho fétido de um hotelzinho de quinta categoria etc. 

Não é o tipo de imagem ou abordagem que eu aprecie, pela obviedade de se mostrar antagônica aos meus princípios, mas admito que a música ficou boa. 

Uma terceira canção que surgiu nessa época, foi outra ideia boa do Xando, que se transformou em um Hard-Rock muito bem engendrado, com muita substância nos arranjos, a transitar entre o som do "Led Zeppelin" e o "Deep Purple", com bastante intervenção dos teclados etc.

Xando Zupo em ação com o Pedra no CCSP de São Paulo em 2006. Click de Grace Lagôa

Tal canção chegou a ser gravada posteriormente, mas só adquiriu uma letra muito tempo depois e lamentavelmente não entrou no disco, "Fuzuê", de 2015, tampouco foi lançada como single. 

Lastimo, pois é uma canção forte, com ótimos arranjos individuais e coletivos e contém grandes momentos de inspiração, que tenho certeza, provocariam comoção entre os fãs. Torço para que o Xando a lance um dia. 

Mais uma que veio da criação pessoal do Xando, demorou um pouco para ganhar contorno final e ficou, quando pronta, bastante cerebral, eu diria, pois contém uma certa influência do Jazz-Rock e do Prog- Rock setentistas, mas a conter também, diversos elementos da escola do Hard-Rock. 

Em um dado instante, o Xando teve uma ideia inusitada sobre a conclusão de sua letra e nós aprovamos tal resolução. Ele propôs que a cantássemos em uma língua estrangeira, para se buscar um diferencial, muito mais do que almejar com isso, se atingir o mercado internacional. 

Sob uma primeira instância, ele cogitou a obviedade do idioma inglês, mas a seguir, o Xando teve uma ideia melhor ao meu ver, quando sugeriu o castellaño/espanhol. 

De minha parte, eu sempre quis ter uma música jogada no meio do repertório, cantada em um idioma estrangeiro, como fator de diferenciação em trabalhos anteriores meus com outras bandas. Sei que isso não fora uma ideia original, pois muitos artistas já haviam cometido isso anteriormente, caso dos Mutantes, por exemplo, que mantinham peças em espanhol, inglês e francês, no seu repertório clássico.

No meu caso, cheguei a sugerir no meu tempo de Patrulha do Espaço, que aproveitássemos algum tema de estilo progressivo para inserir uma letra em italiano, para fazer uma menção clara aos artistas do Rock Progressivo italiano que gostávamos, e na ocasião, Marcello Schevano, Rolando Castello Junior e Rodrigo Hid me apoiaram na ideia. Não surgiu a oportunidade, mas teria sido lindo, auguri!

Então o Xando propôs criar em castellaño e evocar assim as suas raízes oriundas da sua família materna com descendência espanhola, e as lembranças advindas da sua convivência na infância com o seu avô/abuelo e tias-avós espanholas, ao trazer o sotaque ibérico que ecoara nos seus ouvidos etc. 

Apesar de ser italiano pela parte paterna, o lado espanhol calara mais fundo na sua formação e assim ele cravou escrever algo na língua de seu "abuelo".

Nasceu assim, "Mira", uma música tensa em linhas gerais e cantada aos gritos, sob um castellaño não muito convincente da parte do Xando, mas gramaticalmente todo checado, isso eu asseguro. Uma quarta música nasceu dessa safra, mais uma ideia do Xando. 

Uma outra canção que o Xando nos mostrou estar a trabalhar, nos pareceu uma balada quase Blues, e eu gostei muito da sonoridade que remetera, ao menos na minha percepção pessoal, aos compositores ditos "malditos" da MPB setentista, e sonoridade essa que tinha aquela influência do Rock e aura Hippie que eu aprecio muito.

Gostei muito da harmonia, melodia, e do primeiro esboço de letra, ainda que a temática mais uma vez não me agradasse, pois fora o enfoque novamente em uma visão de mundo que eu não aprovo, com aquela quase subserviência à comodidade diante de uma vida mundana, hedonista e tudo mais, com a ressalva que neste caso, seria pelo viés de um lamento da parte da personagem em torno de suas más escolhas na vida. 

Em um primeiro esboço, a parte "B" que ele concebera, era idêntica à cadência harmônica de uma música do George Harrison e eu identifiquei isso de imediato.

     O genial guitarrista, cantor e compositor, George Harrison

Eu o adverti sobre tal semelhança e mediante audição, ao procurar escutar a canção (falo sobre a música: "Isn't a Pity", canção oriunda no LP triplo, "All Things Must Pass", lançado em 1970), ele constatou e a suprimiu mas com pesar, pois já havia se acostumado a tal resolução harmônica. 

Demorou dias para que ele buscasse uma outra inspiração e nesse ínterim, ele chegou a nos dizer que desistiria da canção, mas nós o incentivamos a não tomar tal atitude e ainda bem, ele não a descartou, pois assim que achou uma solução alternativa para construir uma parte "B" inédita, eis que nasceu: "Só", uma canção forte, muito bonita e que o público do Pedra passou a acompanhar nos shows, doravante. 

E finalmente, uma música do Rodrigo, denominada: "Amém, Metrópolis", foi incorporada ao repertório do Pedra, embora a sua concepção inicial não tenha sido pensada com essa finalidade.

                               Lu Vitti: cantora & atriz

Explico: tal canção fora composta originalmente para fazer parte de um CD que Rodrigo e Xando tencionavam produzir, para a cantora & atriz, Luciane Vittaliano, ou Lu Vitti como ela é conhecida atualmente (2016). 

Nessa época, Lu era casada com o Rodrigo Hid e estava focada em lançar o seu primeiro disco. Mas tal produção culminou em não lograr êxito, por motivos alheios a esta narrativa em si e não cabe explicação, portanto. Mas no que nos concerne, tal música citada ficou disponível e o Rodrigo a ofereceu para entrar em nosso repertório e neste caso, ele e Xando a adoravam, mesmo por que estavam envolvidos com a sua gravação para o álbum da Lu, há semanas em trabalhos de estúdio.

    João Bosco, um compositor cerebral e violonista sui generis

Tratou-se de um samba sob alta tensão, com certa característica jazzistica e que lembrava, se tocada somente ao violão, o estilo do João Bosco, ou seja, uma espécie de Bossa Nova mais próxima ao Rock, pela pegada tensa, do que ao samba tradicional. 

Quando nos mostrou a música, nós gostamos da sua feição e o nosso arranjo tratou por imprimir uma pegada muito forte, sob óbvia influência Rocker e mesmo com o Rodrigo tenha feito a sua base com violão, a cozinha foi composta na premissa da pegada a lembrar a fúria dos Novos Baianos e mediante uma guitarra Rock imposta pelo Xando, que tornou a música, muito contundente.

Rodrigo Hid ao vivo com o Pedra no CCSP em julho de 2008. Click: Grace Lagôa

A nossa aposta foi na surpresa que causaria aos fãs, pois se tratou explicitamente de um samba, mas ao ser tocado por Rockers e com convenções complexas, portanto, claro que haveria por chamar demais a atenção. 

Outro fato, tal canção contém como temática uma letra com forte cunho sociopolítico, a criticar as falcatruas perpetradas pelas negociatas planejadas pelos poderosos de plantão, portanto, nós a considerávamos muito forte nesse sentido da denúncia contundente. 

Mais músicas novas seriam compostas e arranjadas dali em diante e esse foi o lado ameno de ficarmos sem grandes perspectivas para a realização de shows, pois nos fechamos no Overdrive Studio e criamos novidades.

Uma proposta interessante surgiu para dividirmos um show com os nossos amigos do "Tomada", no Centro Cultural São Paulo.
Um dos poucos lugares que ainda abriam as portas para artistas autorais do espectro extra mainstream, o Centro Cultural São Paulo se mostrava como uma garantia para se realizar um espetáculo digno, com boa infraestrutura de som, iluminação & instalações, mas depunha contra, o fato de impor uma burocracia massacrante. 

E um outro fator desagradável e que já remontava há anos, o espaço apesar de ser maravilhoso arquitetonicamente a falar e estar super bem localizado, com uma estação de metrô acoplada às suas instalações, não costumava mais atrair as multidões de outrora, mesmo com artistas consagrados do patamar mainstream ali a a se apresentarem. A grosso modo, era inexplicável tal fenômeno, mas a realidade foi essa e já fazia tempo que tal espaço apresentava essa dinâmica desagradável.

Independente disso, o Pedra já havia tocado ali várias vezes e mais uma oportunidade certamente que seria ótima para nós, mesmo ao se configurar como um show compartilhado, portanto a reduzir o nosso set list para quarenta ou quarenta e cinco minutos, no máximo. 

Sem perspectivas para shows, somente para nós em separado, tão cedo em nossa cidade, claro que aceitamos dividir o palco com o Tomada. Além do mais, os rapazes eram amigos de longa data e portanto, o clima de camaradagem seria total nos camarins e na cooperação pelos esforços na divulgação e backline compartilhado, mutuamente. 

No soundcheck desse show, tudo corria bem, quando começamos a cumprirmos os trabalhos preliminares na arrumação do nosso equipamento e set up. 

Nós tocaríamos por último, portanto realizávamos a praxe do soundcheck invertido para que o Tomada se aprontasse a posteriori e o seu set up ficasse arrumado para o seu show, inicialmente. Eu estava a caminhar pelo palco, e esperava pela microfonação geral ser testada e nesse momento, o meu equipamento pessoal já estava todo pronto. 

Foi quando de repente, ouvi um grito horripilante da parte do Xando Zupo, contudo, por conhecê-lo e saber que ele possuía um espírito brincalhão, por uma fração de segundos achei ser uma brincadeira de ocasião para chamara a atenção do Renato Carneiro, que estava a interagir com o técnico do teatro, nesse momento.

Aliás, eu e todo mundo, pensamos inicialmente se tratar de alguma brincadeira entre os dois, entretanto, algumas frações de segundo depois, todos perceberam que houve algo grave a ocorrer, pois o Xando se prostrou ao chão, a se contorcer e gritar, com um microfone, Shure SM 58, colado em sua mão! 

Instaurou-se o pânico geral e a gritaria com várias pessoas a darem voz de comando ao mesmo tempo e a maioria a clamar para que o técnico da casa desligasse o disjuntor geral que alimentava o palco inteiro, com o suprimento da energia elétrica.

O Xando berrava a agonizar e foi uma cena horrível. Eu já tinha visto músico levar choque no palco e eu mesmo já tinha experimentado isso algumas vezes, mas de leve, apenas a tomar um susto com a carga elétrica a passar pelo lábio, em eventuais encostadas da minha boca na cápsula de microfones, ao cantar ao vivo ou choques leves ao tentar arrumar um pedestal de microfone energizado.
Gary Thain, baixista do Uriah Heep, levou um choque violento no palco, durante um show em 1974, isso foi um fato histórico do Rock. 

Foi quando o Renato Carneiro, muito experiente por operar equipamento de PA gigantesco e alimentado por verdadeiras usinas de eletricidade, fez o mais óbvio e que ninguém pensara antes: puxou o cabo do microfone com força pela parte emborrachada e o destruiu, ao interromper a corrente elétrica... tudo bem, coloquem o prejuízo pelo cabo danificado na conta do Pedra, depois...

No camarim do CCSP, em 16 de maio de 2009. Da esquerda para a direita: Xando Xupo, o jornalista, Thomas Lagôa e eu, Luiz Domingues. Foto de Grace Lagôa

Tudo isso foi uma agonia que durou por cerca de dez segundos, não mais que isso, mas pareceu haver durado horas, principalmente para o Xando, que sofreu e se assustou muito, naturalmente. 

Chamaram o eletricista do Centro Cultural e se cogitou cancelar o show, pois tal anomalia estava além da percepção do técnico de som, pois fora uma questão de suprimento de energia e obviamente se tornara perigoso para todos. 

A enfermeira plantonista do Centro Cultural foi chamada e examinou o Xando, superficialmente, ao lhe medir a pressão arterial e o batimento cardíaco. Uma pequena queimadura em sua mão foi produzida, a se revelar incômoda, mas não sob uma gravidade maior.

O certo teria sido cancelar tudo, pelo estado de saúde do Xando, com ele a se dirigir a um Pronto Socorro, imediatamente. Mas valente, ele não quis de jeito nenhum fazer isso e pelo contrário, insistiu muito que não fosse cancelado o show, a não ser que o eletricista do CCSP o vetasse por razões de segurança.

Terminada uma checagem inicial, o eletricista alegou que não haveria mais risco, mas todos ficamos apreensivos. Depois do ocorrido, histórias começaram a serem contadas e nos deram conta que em um recente show do Golpe de Estado, ali apresentado, o guitarrista, Hélcio Aguirra fora vítima de um choque, também. 

Em suma, o Centro Cultural São Paulo estava com problemas, não adiantava os seus funcionários atenuarem os fatos e não demorou poucos meses, o teatro do CCSP fechou as suas portas para uma grande reforma, mais do que necessária. 

De volta ao ambiente do nosso show, o Xando ficou abalado, ao perder a sua costumeira maneira expansiva de se comunicar e brincar com todos. O susto fora grande e não foi para menos, com aquela corrente elétrica a trespassar pelo seu corpo e tratar por torrá-lo, literalmente.

Mesmo assim, ele insistiu em não ir ao médico e também não cancelar sob hipótese alguma a nossa participação. Foi uma atitude de uma hombridade ímpar e muito corajosa, sem sombra de dúvida. 

Ao descansar no camarim, ele refez o seu ânimo, mas mesmo com toda a boa vontade para prosseguir, a verdade foi que o episódio lamentável tratou por lhe estragar o dia. Ele tocou sem transparecer nada ao público e até brincou com o ocorrido ao microfone, mas de fato, esse ocorrido extraiu o seu humor habitual. 

O Tomada tocou, e eu assisti grande parte de seu show pela famosa escada que dava acesso ao camarim. Essa banda fez um show energético e nessa época, a banda estava em grande fase, com uma formação que continha muita química e uma garra de palco incrível, com a presença de Lennon Fernandes e Marcião Gonçalves nas guitarras. 

Eu sabia, informado pelo Marcelo Bueno, que eles haviam convidado um pessoal que estava a sondá-los para visar conversarem sobre suporte digital, venda de músicas virtualmente etc. Gentil como sempre, ele, Bueno nos indicara também para essa turma formada por jovens empreendedores, mas nós não havíamos recebido nenhum contato da parte deles, até então.

Leia uma resenha desse show, no site "Alquimia Rock Club", assinada pelo jornalista, Fabiano Cruz:
http://www.alquimiarockclub.com.br/resenhas/391/

Fizemos o nosso show e apesar do problema com o Xando Zupo e pela paranoia que ficamos nós quatro, para não encostarmos nos pedestais de microfones e sobretudo não tocarmos os nossos lábios em suas respectivas cápsulas quando fôssemos cantar, foi um show muito bom.

Pedra no CCSP em 2009. Eu, Luiz Domingues, no destaque. Click, acervo e cortesia de Fabiano Cruz

A minha lembrança desse show, foi a de uma das nossas melhores performances ao vivo, tamanha a sinergia que conseguimos estabelecer com o público, apesar de estarmos internamente abalados com a história do choque ocorrido e sofrido pelo Xando Zupo, durante a realização do soundcheck. 

Os jornalistas: Bento Araújo, Régis Tadeu e Sérgio Martins nos assistiram e o Bento nos revelou que o Régis Tadeu, que é um crítico muito exigente, se mostrara encantado com a nossa performance ao vivo. Ele conhecia o som dos discos do Pedra e inclusive escrevera resenhas ótimas ao nosso respeito, mas ao vivo, nós o surpreendemos pela coesão musical, intensidade e sinergia e segundo ele disse aos demais colegas, fazia anos que não via uma banda soar assim, ao vivo. 

Na segunda feira subsequente Régis nos enviou um e-mail, para nos comunicar que programaria uma entrevista e até ao exagerar, disse que enfocar-nos-ia nas suas quatro revistas, que editava. Isso nunca aconteceu de fato, mas eu sei que o mundo do jornalismo é volátil e alguma obstrução ocorreu e quando poderia ter acontecido, tal entusiasmo dele deve ter se arrefecido, portanto, sem problemas e sem mágoas, absolutamente, sei como isso funciona na dinâmica de uma redação profissional.

Pedra no CCSP em 2009. Xando Zupo no destaque. Click, acervo e cortesia de Fabiano Cruz

Ainda a tocarmos, já estávamos na execução do "bis", quando eu percebi que a reação do público super calorosa e a corresponder plenamente com a percepção dos três jornalistas de primeira linha que citei, deve ter impressionado igualmente o pessoal da tal proposta de mídia digital que comparecera ali para ver o Tomada, pois os flagrei a nos apontar e rapidamente a saírem da parte do mezanino superior, de onde assistiram os shows.

Rodrigo Hid no destaque. Click, acervo e cortesia de Fabiano Cruz

Não deu outra, assim que chegamos ao camarim com o show finalizado e a recebermos os amigos e fãs, fomos abordados por esse pessoal. Eles passaram então por cima de qualquer protocolo de aproximação e tampouco a estabelecerem joguinhos sociais dissimulados e assim, foram direto ao assunto: gostaram do nosso som, se impressionaram com a interação que criamos com o público e queriam nos contratar também, para o seu projeto de venda digital.

Still de vídeo a mostrar o Pedra ao vivo em maio de 2009 no CCSP

Ao assistir aquela cena e já a ostentar quase quarenta e nove anos de idade e com trinta e três anos de carreira, eu só presenciara manifestações desse porte em filmes, desses que fazem as pessoas acreditarem que artistas são abordados desse jeito, sem mais, nem menos, e contratados entusiasticamente por um empresário "Manda Chuva", que os alavancas para o mega sucesso, da noite para o dia.

"Se você for a Fim" no Centro Cultural São Paulo em 16 de maio de 2009

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=TMJ9PQlhH4I

"Sou Mais Feliz" no Centro Cultural São Paulo, em 16 de maio de 2009

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=AgS0U1ekN98


Eu nunca houvera presenciado uma abordagem tão direta assim e neste caso a prudência precisou prevalecer ou seja: Calma! Primeiro nos digam quem são vocês e o que pretendem, que ferramentas tem em mãos e depois veremos se aceitamos, ou seja, o básico do básico do manual da cautela.

"Filme de Terror" no Centro Cultural São Paulo, em 16 de maio de 2009

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=AJoC2fc_h7U


Lembro-me que eram todos muito jovens, a aparentarem ser universitários recém -formados, a se configurar tal grupo com três ou quatro rapazes e uma moça. 

De positivo, além da extrema objetividade com a qual nos abordaram, foi o fato de que demonstraram estarem extremamente motivados com o seu projeto. 

Isso em princípio nos pareceu ótimo, claro, pois eis que jovens empreendedores com vontade de fazer algo no mercado para vencer e ganhar muito dinheiro, haveria de ser no mínimo um fato positivo para somar aos nossos esforços. Contudo, do que se tratava afinal a sua proposta? 

Foi a noite de 16 de maio de 2009, Centro Cultural São Paulo, com duzentas pessoas e show compartilhado com os amigos do Tomada.

"Megalópole" no Centro Cultural São Paulo em 16 de maio de 2009

Eis o Link para assistir no YouTube:  

https://www.youtube.com/watch?v=Te8B4gQ4XmU

Após o show do Centro Cultural São Paulo, recebemos uma comissão desses jovens empreendedores que eu citei anteriormente, para uma conversa no estúdio, a fim de entendermos de fato, qual seria a sua proposta para nós.

Em meio a uma noite de segunda-feira, em nosso estúdio de ensaios, a moça que se chamava, Raquel, e era advogada, esteve acompanhada de dois rapazes bem jovens, cujos nomes não me recordo, mas que se apresentaram como recém-formados em análise de sistemas, e os três nos explicaram os seus planos.

Eles estavam a contratar bandas autorais, sob estilos musicais variados, mas 99% dessas ligadas ao Rock de uma forma geral, para montar um elenco ao estilo das antigas gravadoras, porém, a visar colocar tais artistas sob uma plataforma digital de vendas por faixas individuais e álbuns inteiros, em uma segunda instância. 

Tal turma formada por jovens empreendedores estava inserida dentro da equipe de trabalho de uma gravadora tradicional, que ainda trabalhava com plataforma de CD convencional e no caso, se chamava: "Atração".

Tal gravadora era relativamente nova no mercado, mas praticamente poderia ser considerada como uma continuidade do antigo selo Lira Paulistana, comandado pelos mesmos dirigentes que geriram o histórico Teatro Lira Paulistana, de São Paulo. 

A ideia desses veteranos empresários foi ótima ao fundar a gravadora "Atração", pois aspiraram ocupar o vácuo deixado pelo antigo selo, Lira Paulistana. Com o propósito de seguir tal linha artística ousada, a aposta foi basicamente contratar artistas do patamar underground e trabalhar em ritmo de parceria com todos, na mesma linha que norteou a velha gravadora, Lira Paulistana nos anos oitenta. 

No entanto, a Atração ainda rezava pela cartilha antiga da produção fonográfica e não estava com os olhos atentos ao então presente, com a cena de fim de primeira década dos anos 2000, a apontar o caminho digital, cada vez mais forte.

Dentro dessa prerrogativa, foi que esse grupo de jovens fez contato com os veteranos dirigentes dessa gravadora e lhes apresentou a ideia de que os veteranos precisavam se abrir à nova realidade do mercado fonográfico e nesse contexto, estabelecer uma parceria, ao assumir então um departamento digital dentro da empresa e com relativa autonomia, como por exemplo, a liberdade para a formação do seu elenco próprio. 

Sendo assim, pelo simples fato de representarem a gravadora, "Atração", que era uma empresa de pequeno porte, em fase de crescimento para vir a se tornar média em breve, talvez, mas principalmente por ser uma continuidade do antigo selo Lira Paulistana, e conter entre os seus principais mandatários, pessoas que eu admirava pela produção feita na década de oitenta, já houve uma credibilidade mínima, implícita.

Ao ir além, a ideia de se buscar formas modernas para se lidar com a indústria fonográfica e neste caso a discussão do dia, fora a mídia digital paga para "download", foi, portanto, bem-vinda e para arrematar a tese de que a conversa inicial se mostrara boa, a nossa impressão inicial sobre tais jovens que nos abordavam, se revelou ótima, em tese, ao pensarmos na sua juventude e vontade para buscar caminhos novos. E de fato, tais jovens pareciam muito entusiasmados com tal projeto. 

Além da simples ideia de comercialização de música sob plataforma virtual, eles tinham outras ideias e que nos interessaram bastante, ao abordar ações que até fugiam de uma atribuição normal de gravadora e assim a entrar no campo da produção de shows e divulgação.

Falaram-nos, por exemplo sobre produzirem shows bancados por patrocínios interessantes para promover o elenco que estivessem a representar e claro que achamos bem interessante a ideia. Lógico, apesar de todo o entusiasmo inicial de uma primeira reunião, pedimos tempo para pensar. 

Seguiram-se outras reuniões e a seguir, fomos conhecer as dependências da gravadora, "Atração", que na verdade usava o velho edifício da antiga gravadora, Continental, próximo ao Parque Dom Pedro II, no centro velho de São Paulo. 

Lá dentro desse edifício, ao observar as dependências quase vazias, com poucos funcionários, tal visão me impressionou por dois aspectos: a grandiosidade das instalações, ainda que naquele instante tudo parecesse um set de filmagens de um filme ambientado nos anos setenta pela decoração ultrapassada e a constatação de que apesar de estar tudo limpo e arrumado, se tratava de um edifício fantasmagórico na prática, com a gravadora, "Atração" a utilizar apenas um andar, e o restante estar inteiramente desocupado. 

Vou adiantar a cronologia para explicar a situação desse contato, depois volto ao ritmo normal da narrativa.

Várias reuniões foram feitas e nós aceitamos participar desse projeto. Ponderamos que não teríamos nada a perder em termos uma gravadora a cuidar das nossas vendas virtuais e pelo contrário, precisávamos desse tipo de suporte moderno a se projetar para o futuro, e além disso, apostamos nas ações prometidas pelos jovens em paralelo, como por exemplo, os shows coletivos para promover a gravadora e os artistas que fizessem parte desse elenco, e sob uma época muito difícil, em que as oportunidades foram raras, não se poderiam desperdiçá-las. 

Contudo, o tempo passou e mesmo com o contrato formal assinado, não víamos nada de concreto a acontecer. A boa desculpa fora até plausível no sentido que estavam a se esforçarem para fazer tudo funcionar a contento etc. e tal, contudo, mas na prática, nada acontecia.

A única movimentação que vimos efetivamente, foi que eles contratavam mais e mais bandas e estava a se chegar em um ponto, em que ficaria inviável trabalhar e cumprir as promessas, pois a demanda ficaria enorme para eles. 

Mais reuniões aconteceram e ao final de 2009, até um cocktail foi oferecido em sua sede, quando representantes de diversas bandas contratadas se agruparam para que os tais jovens executivos nos anunciassem quais resultados concretos aconteceriam no início de 2010, mas... quando 2010, chegou, "tudo continuou como dantes, no quartel de Abrantes"...

Para resumir, sei que essa rapaziada não era mal-intencionada e pelo contrário, esses jovens queriam muito trabalhar e a colocarem os seus planos em prática e sobretudo, ganharem muito dinheiro. 

Todavia, não bastava demonstrarem estarem sequiosos, pois a realidade do show business/indústria fonográfica, era bem diferente e assim ao lutarem internamente com os dirigentes veteranos da gravadora e as suas ideias mais conservadoras sobre o mercado, pareciam não estarem a conseguir o espaço que aspiravam. 

Ao assistir por fora e sem nenhuma intenção de estabelecer uma crítica ácida, mesmo por que, particularmente nenhum de nós nutrira queixa pessoal contra nenhum desses jovens, muito menos eu, mas a minha impressão foi a de que eles erraram em contratar tantas bandas, ao se preocuparem em rechear o elenco, antes de haver algo concreto a oferecer para tais artistas, incluso nós. 

Seguramente eles calcularam contar com muitos artistas promissores sob o seu poder, antes que outros concorrentes o fizessem, mas sem ter exatamente algo concreto para oferecer que não fosse apenas um projeto. 

Como um segundo ponto, não digo que fora uma intenção deliberada ou mesmo maquiavélica dessa rapaziada, mas ao contratarem tantos artistas simultaneamente, além da obviedade de se diluir a sua capacidade para atender cada um, individualmente, pareceu que criaram um sistema com várias torneiras para abastecer uma única cisterna... ou seja, se cada torneirinha produzisse uma gota que fosse, na base da quantidade, o tanque deles se enchia bastante.


Ora, isso passara a não ser interessante para as bandas, com tanta diluição, mas para eles, se mostrara um caminho aberto para uma situação em torno da acomodação, ao bastar sentar e esperar pelas gotinhas sofridas de cada artista, a verterem para eles sob uma quantidade significativa no cômputo geral. 

Essa situação se arrastou e avançou por 2010, quando resolvemos pedir pelo nosso desligamento do projeto, mas este estava tão inoperante que recebemos uma resposta engraçada de uma funcionária da gravadora: -"é só rasgar o contrato, senhor... não precisa promover burocracia jurídica para efetuar a rescisão"... então está bem... papel picado e jogado no lixo... vida que seguiu... volto à cronologia de 2009, aonde eu estava a narrar.

O próximo compromisso a ser cumprido, foi sui generis sob uma primeira leitura. Fruto de uma dica oferecida pelo nosso amigo, Marcelo "Pepe" Bueno, baixista do Tomada, nós fizemos contato com uma casa localizada em uma cidade do interior de São Paulo e agendamos uma apresentação em tal estabelecimento, para o final de maio de 2009. 

Vivíamos tempos de resolução tomada em termos de não mais tocarmos em casas noturnas com ambientação para baladas de jovens burgueses e/ou casas que ainda que fossem montadas sob orientação Rocker, não oferecessem infraestrutura mínima para o show sair tecnicamente a contento.

Contudo, segundo relatos de Marcelo, mas também reforçados por outros músicos que já haviam se apresentado nesse espaço, tal casa era diferenciada, pois oferecia uma aura interessante, como um mini centro cultural e além do mais, o seu proprietário era um colecionador de discos e Rocker assumido por conseguinte, que fazia de sua casa, um recanto para apreciadores muito especiais, pois tal mandatário disponibilizava o seu acervo para a degustação de seus clientes, mediante uma sala de audição super aconchegante, ao estilo europeu e tal dependência se colocava em um anexo da casa de shows, a poder ser desfrutada pelo seu público. Tal casa se chamava: "Acervo do Tuzzi".

Claro que nos empolgamos com essas notícias e dessa forma, tocar em um ambiente assim, seria no mínimo um prazer para nós, independente de haver a possibilidade de um bom resultado artístico e financeiro que justificasse a nossa ida à simpática cidade interiorana de Bragança Paulista-SP, distante cerca de cem Km de São Paulo, quase na divisa com Minas Gerais. 

Tudo seria prazeroso e estimulante para nós nessa produção, ao fugir do padrão de uma casa noturna tradicional, na qual o Pedra não se sentia a vontade para se apresentar, pelos vários motivos dos quais eu já expus anteriormente e tampouco seria um salão rústico para Rockers beberrões, em que também não sentíamos uma adequação para a nossa proposta artística. 

Todavia, houve um senão: ao falarmos com o proprietário do estabelecimento, ele foi sincero e nos alertou que não havia nenhum equipamento na casa, portanto, além do backline, teríamos que levar um PA e também não havia um sistema de iluminação de show disponível, e assim, teríamos que providenciar um equipamento de iluminação ou nos contentarmos em tocar sob a luz de serviço, como uma banda de entretenimento para restaurantes & afins. 

Em suma, estava bom demais para ser verdade, um Centro Cultural exclusivo para Rockers, portanto, a ideia da falta de infraestrutura tão básica freou o nosso entusiasmo inicial, mas ponderamos e naquele espírito sob mutirão e boa vontade, o Xando Zupo se prontificou a levar o PA de seu estúdio particular e dessa forma, fechamos com o rapaz. 

Uma banda de abertura foi sugerida pelo dono da casa, bem naquela predisposição de que a sua participação ajudar-nos-ia a reforçar a presença do público e sabedores que não éramos famosos no patamar mainstream ao ponto de chegarmos em uma cidade interiorana e causarmos comoção espontânea, aceitamos tal predisposição, por prudência. 

No dia do show, parecido com o que me ocorrera em junho de 2006, quando eu perdi uma prima querida no dia de um show, o Xando Zupo, desta feita recebeu a notícia do falecimento de um tio seu. 

Foi desta feita uma situação um pouco diferente em relação à que me acontecera, porque mesmo sabedor que o seu ente querido estava há dias na UTI de um hospital, em estado terminal, a notícia oficial de seu passamento lhe foi comunicada já a caminho da estrada, dentro da van e quando alguém lhe perguntou se desejaria cancelar o show e comparecer ao funeral, ele alegou que já havia se despedido de seu tio no hospital e que não ficaria com a consciência pesada em não prestigiar o rito do velório e sepultamento. 

Foi, portanto, mais uma atitude corajosa, ao denotar sacrifício pessoal, visto que dias antes fora protagonista de um grande susto no Centro Cultural São Paulo e também ali, fora destemido ao firmar compromisso para continuar com o show, em detrimento de sua situação pessoal desconfortável, fato narrado anteriormente. 

Bem, seguimos em frente rumo à estrada Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte. A van que contratáramos fora indicação do Rodrigo Hid e ao contrário do "seu" Valdir, o motorista que nos conduzira em viagens interioranas anteriores, desta feita ele não esteve disponível e assim, nos indicou um colega seu.

Eis que o nosso transporte estacionou na hora combinada e a se mostrar como uma van nova em folha, tudo sob controle, mas quando o motorista desceu para falar conosco, o seu porte físico era tão avantajado, que foi inevitável não cumprimentá-lo sob brincadeiras com o fato indisfarçável e as piadas começaram a girar em torno dele servir como segurança da banda doravante ou "é melhor não contrariá-lo de forma alguma" e bobagens do gênero. 

A nossa sorte foi que o rapaz era extremamente gentil e brincalhão, também, portanto, a empatia foi instantânea e ele entrou no espírito das brincadeiras, sem restrição, e por isso, riu conosco e também falou várias bobagens desse estilo. 

Mas a brincadeira tinha fundo de verdade, por que apesar de ser motorista profissional, ele também fazia trabalho como segurança em casas noturnas da zona leste de São Paulo e logo nos avisou que brincadeiras a parte, se nós precisássemos de seu apoio, nesse ou qualquer outro show, ele estava à nossa disposição para contemporizar "tempo ruim", segundo as próprias palavras dele. Piadista também, mas com aquele porte ao estilo Arnold Schwarzenegger, certamente que viajamos seguros ao extremo. 

Quando chegamos ao local, que se mostrara um pouco afastado do perímetro urbano da cidade, vimos que a entrada física para a van se revelara um pouco estreita. Com cuidado e paciência, o rapaz manobrou a van em um melhor lugar possível para se descarregar, porém, uma pequena diferença de metragem esteve a impedir a abertura total da porta do carro e assim a prejudicar o trabalho dos roadies, para descarregar o equipamento. 

Manobrar naquele espaço apertado seria um estorvo e aí o motorista mostrou a sua força, ao levantar a van na mão, como em demonstrações de fisiculturismo, ele arrancou aplausos dos funcionários da casa por tal façanha e foi hilária a cena. 

Montamos todo o equipamento e foi muito trabalhoso, pois a infraestrutura não era das melhores e vários improvisos precisaram serem feitos para ligar tudo e não sobrecarregar a fonte energética da casa, adaptada apenas para suportar a demanda residencial.

O lado bom foi que exatamente como haviam descrito para nós, o "Acervo do Tuzzi" se provara como um recanto cultural ultra aconchegante e a sua famosa sala de audição, fez jus aos comentários que havíamos escutado, pois mantinha à disposição, milhares de CD's e vinis, com um acervo do mais alto bom gosto, a predominar o Rock Progressivo setentista, em profusão. 

Não foi possível nos sentarmos naquelas poltronas estilo vitorianas e degustar um chá britânico para ouvirmos alguma banda adorável através do seu gigantesco acervo de discos, por que o tempo urgiu, mas constatamos o quão interessante foi o espaço do Sidney, o nosso hospitaleiro anfitrião. 

Já começava a anoitecer quando nos demos por satisfeitos com o auto-soundcheck. Se havíamos logrado êxito ao cometer uma loucura semelhante um ano antes, no Teatro X, em São Paulo, não nos preocupava repetir a dose em um ambiente nitidamente menor, embora com características diferentes, pois este em questão não se mostrara como totalmente fechado, mas a conter aberturas laterais, ao estilo de um grande quiosque. 

Ao contrário da maioria de bandas de abertura que eu já tivera na minha vida profissional antes, a banda que apresentar-se-ia antes de nós, foi absolutamente uma incógnita para nós. Até hoje eu não entendi a proposta artística daqueles garotos. Ao olhar e ouvir ali na hora, a grosso modo pareceu estar dentro de uma vertente "indie", mas ao ouvir mais detidamente, apesar da sonoridade acre e permeada por experimentalismos nada Pop, cheguei a pensar que talvez tivessem influência de bandas da vertente, Krautrock setentista e convenhamos, não seria nada difícil uma banda com tal proposta insólita para o mundo de 2009, a tocar dentro dessa escola estilística, ao se levar em consideração que o "Acervo do Tuzzi" seria antes de mais nada, um espaço para degustação de Rock e frequentado costumeiramente por colecionadores de discos e conhecedores da matéria.

Portanto, por incrível que pareça, especificamente ali, não seria por se admirar que uma banda fosse influenciada por Krautrock setentista. Como saber se aqueles garotos não eram fãs de grupos germânicos dos anos setenta tais como o "Guru-Guru", "Can", "Amon Düül II", "Neu", "Popol Vuh", "Tangerine Dream" e tantos outros exemplos de bandas dessa vertente alemã perdida no tempo? 

Só não aprovamos a postura pessoal dos tais garotos, que chegaram com instrumentos na mão e sem muita cerimônia foram a se aconchegar no palco e a fazer uso do nosso backline e bateria, sem pedir licença etc. e tal. 

Bem, passou sete anos do ocorrido em relação ao momento em que escrevo este trecho (2016), por isso, espero que tenham aprendido que não funciona desse jeito, e que conversar com os donos do equipamento, previamente, é um padrão de conduta profissional a ser observada. 

Tal banda se chamava: "Verticais Hussman", que talvez denuncie o que os seus componentes queriam realizar artisticamente, visto que tal nome denota refrigeradores e freezers de origem germânica. 

Há uma linha tênue entre o experimentalismo e a criatividade. Quem se arrisca nessa seara difícil, tem que ter muita consciência disso. Os rapazes deram o seu recado, pleno de estranheza blasé e chegou a nossa vez. 

Um pouco antes deles terminarem, o proprietário nos disse que a casa estava muito mais cheia do que as suas melhores noites na média e que estava surpreendido por isso. De fato, havia um congestionamento na pequena estrada vicinal que trazia pessoas da cidade para esse espaço semi-rural.

Enfim, positivo se fosse pelo esforço da banda de abertura, mas receio que não tenha sido, pelo som que praticavam e pela atitude em não trazer consigo nenhum amplificador que fosse para se apresentarem, a denotar que muito provavelmente nada haviam feito para ajudar na divulgação. 

Começamos a tocar e todas as mesas estavam preenchidas. Não foi um público Rocker, formado por entendidos do assunto e colecionadores de discos, público padrão da casa, mas na verdade se constituiu por várias famílias, com crianças até, como se fosse um restaurante em meio a um almoço dominical. Muito estranho, será que estavam ali por acaso?

Um grupo de amigos do dono, e que estavam ali desde a tarde durante a realização do nosso soundcheck, fora extremamente simpático e pela conversa que tivéramos nesse período vespertino, ao se mostrarem bem informados sobre a história do Rock e denotaram estarem muito interessados para conhecerem o nosso trabalho. 

Ao ouvirem rapidamente algumas faixas de nossos dois discos lançados, eles haviam demonstrado terem apreciado as sonoridades e por conta disso, fizeram observações precisas sobre as influências que captaram em nossa música, ao denotar possuírem grande conhecimento, mesmo.

Foi muito curioso, mas em nossa plena apresentação, já na segunda música, eles demonstraram no semblante que não estavam a gostar, se levantaram e foram aproveitar o resto da noite na discoteca da casa. 

Nunca entendi tal postura, visto que o som estava bom, a nossa performance foi correta, e no período da tarde, eles haviam gostado do som e nos disseram estarem ansiosos por nos ouvirem ao vivo. 

O que teria acontecido para se contrariarem dessa forma? Não que isso tenha subtraído o meu sono naquela noite, mas fiquei muito intrigado, pois estava acostumado a enfrentar plateias formadas por incautos e ser ignorado retumbantemente nessas circunstâncias adversas, mas aqueles sujeitos tiveram tudo para entender a proposta da nossa banda e ao abandonarem o show com aquelas expressões faciais a denotar um profundo desagrado de ambos, foi algo surpreendente na minha visão. 

Fomos aplaudidos educadamente pelos demais e curiosamente, se tratou de um gripo de pessoas que não aparentavam serem "experts" na história do Rock, e que ficaram até o final, a aplaudirem e sorrirem para nós. O mundo é surpreendente, mesmo. 

Ali, onde pensamos que o público diferenciado entender-nos-ia como raramente nos compreendia em outras casas noturnas, a sinergia não aconteceu como esperávamos, mas houve um calor humano!

Para uma banda com uma tremenda dificuldade para achar eco em seus anseios artísticos, esse show poderia denotar um verdadeiro "balde d'água fria" em nosso combalido ânimo. 

Por sorte, apesar dos pesares, o fator financeiro correspondeu a contento, ao minimizar a nossa frustração, ali. Outro aspecto animador, foi a hospitalidade extrema do proprietário, o Sidney. O lado bom foi que fez um frio de rachar no fim do outono daquela região ligeiramente serrana, e a ótima pizza que nos foi servida posteriormente, tratou por nos aquecer.

Tal experiência ao não se estabelecer uma conexão a contento com o público, pareceu nos perseguir e claro que tal fator haveria de ser um verdadeiro vírus a nos atormentar e não medíamos, mas corríamos o risco dessa predisposição vir a se tornar uma metástase.

Infelizmente, não tenho fotos, vídeos, tampouco material de portfólio desse show em específico. Dia 30 de maio de 2009, sábado. Acervo do Tuzzi, Bragança Paulista-SP, com cento e vinte pessoas na plateia, e três "entendidos" da história do Rock a não apreciar o nosso trabalho.

Uma foto informal do Pedra em um momento de ensaio em 2009 (click de Grace Lagôa), e o cartaz do festival PMW de Palmas-TO

Conforme eu já havia falado em capítulos anteriores, o Rodrigo Hid estava desde 2008, imbuído da estratégia de nos inserir no mundo dos festivais independentes. Dezenas de contatos foram feitos com festivais em todo o país e já havíamos participado de dois nesse ano de 2008, já amplamente relatados, ocorridos em São Caetano do Sul-SP e Araraquara-SP. 

A maioria dos demais dirigentes de festivais que abordamos, nem respondeu aos nossos contatos, alguns responderam educadamente, mas ao adotar uma postura evasiva quanto à nossa participação e houve até o caso de resposta sincera, no sentido de que consideravam a nossa banda "inadequada" ao espírito do seu festival, em si, e nesse caso, eu reconheço que a franqueza foi positiva. 

Eu particularmente agradeci aos Deuses do Rock, a nossa não inclusão na maioria deles, visto que na quase totalidade dos casos, foram festivais recheados por atrações do espectro do "Indie Rock", portanto, artistas desprovidos de qualquer técnica musical, mínima que fosse, para considerarmos as suas respectivas obras, como algo musical.

Foi quando mais ou menos ao final de abril que recebemos a comunicação de que estávamos escalados para o "PMW", um festival com maior porte, realizado em Palmas, a capital do estado do Tocantins. 

Claro que paramos para pensar, pois a proposta fora igualmente indecente: sem cachê e sem ajuda no transporte... o único suporte anunciado seria o traslado interno, hotel e restaurante. Pegam ou largam? 

Bem, Palmas não era logo aí, portanto, se cogitar a contratação de uma van ou a usarmos carros particulares, nem pensar. Ao fazermos as contas dessa operação e a cotar passagens aéreas, chegamos à conclusão de que a solução seria o avião, em que ganharíamos tempo, conforto e economia, sendo que o maior prejuízo seria a impossibilidade de bancarmos passagens para a nossa equipe técnica de apoio. 

Seria, portanto, uma viagem no espírito do escotismo, com todo mundo a se ajudar nas dificuldades inerentes de uma viagem e produção desse nível e a contar com a competência e boa vontade de profissionais locais para suprir as nossas necessidades básicas no show.

Diante dessa situação, a pergunta foi: valeria a pena viajar para tão longe, pagar a despesa do bolso e não ganhar cachê?

Pois é, tais perguntas entraram para a nossa ordem do dia, até a data limite que nos deram para confirmar ou desistir da participação no Festival. Ponderamos que seria um festival com maior porte dentro do esquema desses festivais independentes e apuramos o fato de que quem normalmente se dispunha a tocar nele, praticamente selava a participação em outros com maior porte em Goiânia, Recife e outras capitais do país. 

Pesara, no entanto, a nossa costumeira dificuldade para abrirmos frentes novas, formar uma agenda sustentável etc. Por isso, através de um gesto de boa vontade dos quatro membros da nossa banda, nós resolvemos assumir a loucura de viajarmos para tocar tão longe, a pagar tal despesa do bolso, mesmo com uma contrapartida muito fraca, como uma suposta vantagem artística a ser capitalizada, ou melhor, aventada como um investimento a visar uma situação futura mais vantajosa. 

Compramos as passagens aéreas e no dia 13 de junho de 2009, mergulhamos em uma aventura tresloucadas em realizarmos uma viagem ao estilo "bate e volta" para Palmas-TO, com "apenas" 3522 km na soma entre ida e volta. 

O nosso voo até Brasília saiu bem cedo de São Paulo e a conexão para Palmas-TO, foi por volta das onze horas da manhã, portanto ficamos parados no aeroporto de Brasília, por um tempo bem grande, a esperar pelo segundo voo e claro que isso nos cansou. 

Pelo saguão do aeroporto de Brasília, nós passamos pela comitiva do grupo Pop-Rock, "Pato Fu", que havia tocado no mesmo festival, na noite anterior. Finalmente entramos na segunda aeronave e o visual da paisagem nesse segundo trecho realmente me impressionou, pela natureza. Pela janela da aeronave, eu avistei um enorme espaço composto por mata e rio, praticamente até o nosso destino final. 

Chegamos ao pequeno aeroporto de Palmas-TO e uma equipe da produção nos aguardava conforme o combinado. Fomos levados para o hotel, localizado no centro da cidade. Extremamente plana, nos pareceu sob uma efêmera visão, uma cidade que estava a ser planejada para crescer, com um traçado permeado por largas avenidas, mas ainda desertas praticamente e a conter um centro tímido, a aparentar ser uma localidade do porte de cidades interioranas pequenas do estado de São Paulo. 

O calor esteve muito forte e batia na casa dos 34º, mais ou menos, segundo apuramos. Havíamos deixado São Paulo ao final da madrugada, sob 10º, portanto, um choque térmico.

Fomos conduzidos ao restaurante conveniado do festival e sem queixas até então, estava tudo a contento, com produtores subalternos educados a nos conduzirem, nos orientar bem etc. 

Não haveria soundcheck, e esse foi o primeiro ponto negativo. Que lástima, um festival grande e nós sem o suporte do nosso técnico próprio, também sem a presença dos nossos roadies e à mercê de um som desorganizado. 

Foi quando nos disseram que haveria um acerto de monitor minutos antes do show e não haveria problema, pois um outro show estaria a ocorrer em outro palco e assim, teríamos esse tempo mínimo. O sinal amarelo foi ligado, portanto.

Sem ter o que adiantar nesse instante pós-almoço, nós resolvemos descansar e a jornada aérea de fato fora cansativa. Mas como pegar no sono pesado com aquele calor e não haveria ventilador que amenizasse a situação, visto que não existia ar condicionado? 

Entretanto, muito pior foi constatarmos que havia um pequeno corredor que passava atrás do quarto onde nos alojaram e que dava acesso a um pequeno salão. Lastimavelmente, haviam alugado o salão naquela tarde para uma reunião de um partido político e mediante um pequeno PA, os palestrantes se puseram a discursar, discursar, discursar...

Foi quando a discussão se inflamou e aos berros, um vereador local falou: -"que se f... se sair na imprensa... se quiser publicar, que publique"... tal frase foi repetida entre nós, durante semanas a fio, principalmente pelo Ivan Scartezini que o imitava à perfeição e lhes asseguro, pareceu um diálogo escrito pelo Dias Gomes para o personagem de Odorico Paraguaçu, ou seja, algo absolutamente folclórico!

Tínhamos boa companhia no festival e no hotel. Os nossos amigos do "Baranga" estavam escalados também atuarem para aquela noite. Mas o restante das atrações foi formada por bandas Indie, predominantemente das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil, com a nossa exceção e algumas outras poucas vindas do sul & sudeste. 

Uma dessas até nos comoveu, de certa forma, pois os rapazes nos disseram que haviam se deslocado mediante o uso de um carro, um "Fiat Uno", para ser preciso, com a banda inteira e instrumentos, a virem de Curitiba. Ou seja, a sua participação nessas circunstâncias tão adversas só poderia ser explicada mediante a presença de uma esperança ferrenha em considerar tal festival importante para eles, ou puro espírito de aventura, vá saber.

As atrações "headliner" foram: "Mundo Livre SA, um grupo veterano dentro desse mundo incensado do "Indie" e B Negão, este, um ex-vocalista da banda carioca, "Planet Hemp". 

Fomos levados ao ambiente do festival e a estrutura para o público e os palcos para os artistas se mostraram boas, mas parou por aí. Camarins decentes só foram disponibilizados para os artistas headliners, pois artistas os considerados "menores" foram colocados em camarins improvisados, sem infraestrutura alguma. 

Tanto foi assim, que ao pedirmos algumas cadeiras de plástico para um funcionário do festival, este nos perguntou, a demonstrar estupefação: -"vocês querem cadeiras?" Ora, a reação do rapaz já explicou muita coisa por si só em relação aos tais festivais.

Ao ouvir a nossa resposta positiva e seria o mínimo para que pudéssemos esperar por horas, pelas nossas respectivas apresentações (o pessoal do Baranga estava conosco), o rapaz esbravejou que não faria nada disso e se quiséssemos cadeiras que fôssemos procura-las por aí...

Ninguém lhe respondeu com rispidez, apenas nos entreolhamos e rimos entre nós diante de uma grosseria tão fora de propósito. Cáspite, não havia uma pessoa mais graduada da produção por perto, e esse funcionário a agir assim para conosco, enfim, que bizarro.

Esquecemos da história rapidamente, mas logo vimos o rapazinho a arrastar algumas cadeiras, vindo de longe, mediante um carrinho de transporte para apoia-lo. Ele chegou perto de nós e se pôs a colocar as cadeiras no chão e quando chegou na última, teve uma atitude destemperada e a arremessou com raiva para fora do carrinho e esbravejou algum impropério que nem entendemos corretamente. Foi uma cena absolutamente bizarra. 

O tempo passou e o Xande Saraiva, vocalista & guitarrista do Baranga, veio até nós, diretamente da área dos palcos e nos disse que faltava pouco tempo para chegar a nossa vez, mas na contrapartida, nenhum, absolutamente nenhum produtor do festival aparecera para nos dar nenhuma informação, nem mesmo essa de cunho primordial.

Entre nós, membros das duas bandas, resolvemos nos ajudarmos em regime de mutirão e assim transportamos os nossos instrumentos e acessórios para perto do palco, já que estávamos convencidos de que ninguém da produção local, ajudar-nos-ia nesse sentido. 

Chegou a nossa vez, subimos ao palco e arrumamos o nosso set up, nós mesmos, sem roadies. O roadie do festival ofertou uma ajuda básica, mas sem nossos roadies acostumados com as nossas necessidades, realmente foi dureza fazer isso ali, apressadamente, naquela confusão total. 

A sorte, foi que um show ocorria no palco ao lado e o grande público estava entretido com essa apresentação e então, pudemos ter uma privacidade mínima em um momento delicado e um pouco embaraçoso para nós. 

Quando ficou tudo ligado, o técnico abriu só o nosso monitor e promoveu ajustes básicos e muito preliminares. Foi a dita "levantada" básica, como se diz no jargão dos músicos, muito longe de um soundcheck decente, mas diante das circunstâncias, nós até apreciamos a boa vontade do rapaz em nos dar um mínimo de condições, sendo que geralmente outros técnicos nem dar-se-iam a esse trabalho. 

Acabou o show do palco ao lado e o público veio a caminhar lentamente para a frente do nosso palco. Não se constituíra da mesma multidão que esteve presente no outro, infelizmente, mas foi algo previsível para nós. Naturalmente que nem todos ali presentes se interessavam em assistir todos os shows disponibilizados pelo festival e a dispersão foi natural. Quando nos deram o sinal verde para começar...

Começamos a tocar e a reação da plateia se mostrou acima da nossa expectativa, pois para um público que nunca ouvira falar sobre nós, percebemos nitidamente que estavam a gostar da nossa performance. Com uma sinergia boa, o fato do som no palco estar muito abaixo do ideal em termos de monitoração, nem nos perturbou, pois entramos em um embalo bom na performance. 

Foi um show de choque (incrível, "bate e volta" com quase quatro mil Km e para tocar por míseros trinta minutos), e já na primeira música, o Rodrigo Hid estava todo lambuzado por batom. 

Um vocalista de uma banda Indie, que tocara antes de nós, estava muito maquiado e havia empesteado a cápsula do microfone. O Rodrigo não prestou atenção nesse detalhe e assim que começou a cantar, ficou todo manchado e quando acabou o nosso show, um sujeito veio nos falar que achara a "atitude" do nosso vocalista incrível, ao cantar maquiado! Hilário, essa mentalidade dos indies era muito engraçada. 

Finalizamos o nosso show e arrancamos aplausos. Se houve uma recompensa para uma loucura desse tamanho, creio que a reação daquela plateia tratou por nos pagar com tal reação efusiva. 

Cansados e por termos que acordar muito cedo para embarcar rumo a Brasília, assim que se encerrou o show do Baranga, nós partirmos para o hotel, para tentar dormirmos por duas ou três horas, apenas.

No entanto, houve uma longa espera pela van que fazia o transporte para o hotel, aparecer, e assim, apenas ao término do show do B Negão nos conduziram à van. Fomos para o hotel na companhia do guitarrista da banda de apoio desse artista carioca, e as ruas estavam completamente desertas nesse instante. 

Não dormirmos nada, praticamente, e ainda estava escuro quando já nos colocamos a nos arrumarmos e com a van na porta do hotel, pronta para nos conduzir para o aeroporto. 

Voamos para Brasília, absolutamente cansados e desta feita, a conexão para São Paulo estava marcada para sair em um espaço de tempo curtíssimo em relação à nossa chegada na capital federal. 

Xando e Ivan eram fumantes inveterados (o Xando largou o vício algum tempo depois, ainda bem), e ambos saíram desesperados da aeronave para buscarem a famigerada tragada no maldito "bastão fedorento de antecipação da morte", e como para realizar tal desejo, só seria possível cumprir tal intento ao saírem do terminal, esses minutos perdidos nessa caminhada e tempo para fumar um pouco, quase nos fez perdermos a conexão para São Paulo.

Saímos em disparada com instrumentos e mochilas, mas os funcionários nos informaram que o avião já estava a encerrar o procedimento de entrada de passageiros e começaria a taxiar. 

Foi quando chegamos no corredor de embarque e a aeromoça já estava quase a fechar a porta da aeronave, mas deu tempo, enfim! Impressionante, pareceu cena clichê de filme em tom de comédia.

Chegamos em São Paulo e ainda tivemos um dissabor, mesmo que sob pequena monta. Ao passarmos pelo saguão do desembarque do aeroporto de Cumbica, aonde as pessoas esperam amigos e entes queridos, geralmente, havia uma multidão e dali ouvimos muitas pessoas a nos chamarem como "bichas e veados"... ao nos verem com as nossas cabeleiras Rockers (se bem que o Rodrigo e o Ivan estavam com os seus cabelos bem curtos nessa época), nos confundiram com a enorme quantidade de homossexuais que estavam a desembarcar em São Paulo, vindos através de vários voos, e cidades diferentes, para participarem da Parada Gay que aconteceria naquele dia na Avenida Paulista... só nos faltara essa...  

Exaustos e apesar do show ter sido bom (em termos), a sensação de que o sacrifício fora grande demais para um resultado tão pífio para a banda, nos levou de novo aos questionamentos que sempre traziam à tona, a questão das estratégias de atuação, para abrirmos novas frentes. 

Para agravar, houve a questão dos discos. Neste caso, um funcionário do festival nos abordara ainda quando da nossa estada no hotel e nos explicou que se havíamos levado discos da banda para vender, estes deveriam ser entregues à organização do festival que comandava uma barraca oficial de vendas. Um acerto seria feito a posteriori. 

Não se tratou de muitas cópias, cerca de vinte de cada, Pedra e Pedra II, mas sabíamos que eles haviam vendido algumas cópias, pois assinamos autógrafos após o show, em algumas capas para pessoas do público que os compraram e nos abordaram, certamente. 

Contudo, tal acerto financeiro não foi feito no momento pós-show e então eles nos disseram que receberíamos um e-mail com os números oficiais de tal contabilidade, depositariam o dinheiro devido e devolveriam as cópias não vendidas, via correio.

Já consideramos tal expediente excessivo, pois tamanha burocracia para se acertar um valor monetário tão baixo, deveria ter sido acertado ali in loco, com os discos não comercializados devolvidos de imediato etc. e tal. 

Todavia, os dias passaram e nada do e-mail da parte deles chegar à caixa postal eletrônica da banda. O Rodrigo mandou vários e-mails e nem resposta eles deram. 

Um dia, o Xando ficou muito indignado com a situação e ligou para Goiânia, na sede da tal associação que comandava esses festivais independentes e por sorte (ou azar, eu diria), foi atendido por um de seus mandatários, uma figura extremamente arrogante e que o destratou sem nenhum pudor. 

Ao atender e agir com soberba insuportável, esse rapaz lhe disse que as bandas deveriam mandar materiais por e-mail e que o Xando estava a perturbá-lo. Porém, o Xando insistiu, ao afirmar que não se tratava de nada disso e que só ligara para saber do acerto dos discos. 

O sujeito só piorou a situação quando lhe retrucou que "não acreditava que estava a ser importunado por causa de uns disquinhos" e em seguida, lhe bateu com o telefone "na cara". 

Em síntese: somado uma aos acontecimentos todos que vivemos em Palmas, esse ato foi a gota d'água para nos convencermos definitivamente, que o caminho dos festivais independentes era contaminado por uma mentalidade tão perniciosa quanto a que dominava o show business no mainstream. 

Se ainda mantínhamos a ingênua esperança de que os festivais independentes poderiam ser um caminho alternativo para a banda vir a se tornar mais conhecida, desse ponto em diante foi descartado tal recurso. 

E mais uma vez, nos deparamos com o dilema: esperaríamos oportunidades boas em teatros e/ou unidades do Sesc, ou submeter-nos-íamos a tocarmos em casas noturnas não afeitas a uma banda com proposta artística mais detalhada do que a média das bandas autorais de nossa época, ainda muito mais que qualquer banda desprovida de tais propósitos e a praticar apenas o entretenimento? 

Uma esperança bateria à nossa porta, menos de um mês depois dessa aventura que tivemos no Tocantins...

Um equívoco do jornalista que redigiu essa nota no Guia do "Estadão": o show estava marcado para o teatro e não para o "espaço de vidro", um salão anexo da galeria... por que não prestam atenção nos releases que recebem?

O famoso produtor fonográfico, Luiz Carlos Calanca, dono da loja/gravadora, Baratos Afins, era curador de um espaço na Galeria Olido, no centro da cidade de São Paulo, ao lado das Grandes Galerias, onde funciona a Galeria do Rock. 

Ali, ele costumava promover shows triplos, uma vez por mês em um espaço em anexo, chamado: "Galeria de Vidro", a se constituir de um recanto no andar térreo do complexo, todo envidraçado e que mantinha (mantém) comunicação com a rua, no caso, a esquina da Avenida São João, com a Rua Dom José de Barros.

Mas a notícia que o Luiz nos deu, fora melhor ainda, pois ele havia conseguido a liberação do espaço maior desse complexo, que consistia no teatro super bem aprumado, e que outrora fora a sala de cinema "Olido", clássica do centro da cidade de São Paulo em décadas remotas e passadas. 

Ficamos animados logicamente, por que o teatro possibilitava se empreender uma produção muito mais caprichada, com som e iluminação de qualidade e sem a famigerada aura de "balada" das casas noturnas, ou seja, tocar em teatros sempre fora o nosso ideal, a nossa meta.

Contudo, nada seria perfeito e o Luiz Calanca foi logo a nos avisar que a Secretaria Municipal de Cultura oferecia tudo, menos cachê!

Foi, portanto, um típico "show de investimento de carreira", isto é, eu ali perto de completar quarenta e nove anos de idade e a ter que ouvir essa balela, com essa idade. Foi rir para não chorar, mas por outro lado, por ter vindo tal afirmativa da parte do Luiz Calanca, que não teve culpa alguma nessa dinâmica e se tratava de um amigo de longa data, eu compreendi com resignação. 

Além do mais, baseado em uma experiência próxima pregressa, tocar gratuitamente, mas com uma estrutura toda favorável, haveria por ser muito mais vantajoso para o Pedra, do que ir até Palmas-TO, voar em quatro aeronaves para vivenciar um "bate-e-volta" maluco com quase quatro mil Km's, para fazer um show de choque, com apenas meia hora de duração!

No Teatro da Galeria Olido, aproveitaríamos para fotografar, filmar e quiçá gravar o áudio com condições superiores de qualidade. Fora o conforto de estarmos em nossa cidade, portanto, se tudo desse errado, seria rapidamente minimizado, ao bastar apenas entrarmos no carro e assim estarmos em casa em meia hora, a chamar uma pizza pelo telefone.

Um outro aspecto, foi por atrair público e mídia, portanto, fora a contumaz mania de se considerar que artista não precisa ganhar dinheiro, mas que deve agradecer por oportunidades para tocar (experimente falar para um técnico de som, que ele deve trabalhar a operar o áudio de um show, mas não vai receber cachê, pois a sua recompensa, supostamente, dar-se-á no tocante à boa impressão que algum eventual produtor de shows obterá por conta desse sacrifício de sua parte e assim ao reconhecer o seu valor profissional, irá contratá-lo a pagar, enfim, mediante tal boa lembrança que passara anteriormente). 

Bem, o fato é que aceitamos participar e fomos informados que duas bandas tocariam também, a compartilharem o espaço. Seriam estas: "Carro Bomba" e "Cavalo a Vapor". Conhecíamos as duas e o "Cavalo a Vapor" se tratava de uma veterana banda orientada pelo Hard-Rock, egressa dos anos oitenta e que estava de volta às suas atividades, nesses tempos.

Sobre o Carro Bomba, esta banda mantinha uma história de proximidade para conosco, por conta da nossa ligação de amizade com Marcello Schevano e também pelo fato de termos interagido bastante em 2006, a compartilhar shows, conforme eu já relatei. 

Tudo certo, fomos para o evento e este seria parte das festividades pelo indefectível: "Dia Mundial do Rock". Particularmente acho isso mais uma grande bobagem inventada pelo comércio para alavancar vendas, ao estilo de outras ações semelhantes tais como o "Dias das Mães", "Dia da Criança", "Natal" etc. e tal, mas sem reclamações, se esse foi o mote, fomos em frente. 

Chegamos ao teatro no horário combinado e além dos nossos roadies, só teríamos o apoio do nosso iluminador, Wagner Molina, pois os nossos técnicos de som, os dois Renatos, Carneiro e Sprada não poderiam nos auxiliar nesse dia. 

A solução foi confiar no técnico da casa e mesmo que ele fosse bom e solícito, por não conhecer o trabalho da banda, claro que não seria a mesma situação que poder contar com os nossos técnicos, que conheciam bem o trabalho do Pedra.

Na porta do teatro, havia uma equipe de reportagem da Rede TV. Estavam a gravar uma matéria na Galeria do Rock, ali ao lado, com o mote do "Dia do Rock" e o próprio Calanca os avisara que haveria um show de Rock por ele produzido no Teatro Olido. Mas os funcionários do teatro não haviam nem chegado para abri-lo e quando esses profissionais da TV, perceberam que o processo para montar o palco seria lento ao extremo e somente após tal espera eles teriam condições para filmar uma banda a tocar, desistiram de captar tais imagens. 

Infelizmente o repórter em questão fez um comentário bastante deselegante e desnecessário, ao se dirigir à sua equipe formada por um cinegrafista e um iluminador, ao proferir a frase: -"vamos embora, não vale a pena esperar tanto para filmar essas bandinhas"...

Ora, de fato, as três bandas que apresentar-se-iam ali, eram formadas por artistas a militarem na aspereza do underground, longe da badalação do mainstream e se ao menos uma entre nós, fosse minimamente conhecida nesse mundo maior, ele teria tido outra postura, certamente. 

Tudo bem, não aparecíamos nos programas populares, mas também não ficamos chateados em não aparecer sob uma forma anônima em um programa jornalístico e provavelmente com uma abordagem desdenhosa e jocosa, ao sermos tratados como retardados "Rockeiros a cometerem o infeliz sinal do "malocchio", mediante caretas faciais idiotas e constrangedoras para qualquer ser humano que tenha ultrapassado a faixa etária dos dez anos de idade.

Um lounge na ala dos camarins do Teatro Olido. Da esquerda para a direita: Ivan Scartezini, Marcião Gonçalves, eu (Luiz Domingues) e Diogo Oliveira. Pedra no Teatro Olido de São Paulo em julho de 2009. Foto de Grace Lagôa

Os camarins do teatro eram amplos, mas bastante bagunçados, pois ali nos dias úteis, o espaço costumava ser usado para se promover ensaios de diversas orquestras, entre as quais a Jazz Sinfônica e a Orquestra Municipal de São Paulo, além de diversos grupos de Ballet, patrocinados pela Secretaria. 

Portanto, apesar de ser um conjunto com diversos camarins amplos, eles estavam abarrotados por instrumentos e peças de figurino desses artistas que ali ensaiavam, costumeiramente. O Luiz Calanca chegou e nos deu a notícia de que o show não poderia passar das vinte horas, de forma alguma. 

Ora, como isso seria possível, se começaria às 18 horas, e seria dividido entre três bandas, além do tempo perdido entre as três a estabelecer as trocas de set up para cada banda?  

Por ser inviável, portanto, combinamos a cooperação máxima, ao enxugarmos os respectivos set list das três bandas, mas mesmo assim, uma catástrofe estrutural trataria por arruinar toda essa boa vontade ali proposta. 

O clima no camarim foi ultra amistoso entre o Pedra e o Carro Bomba, fora os amigos em comum das duas bandas, que ali estiveram conosco, casos de Diogo Oliveira e Marcião Gonçalves. Conhecíamos o guitarrista do Cavalo a Vapor, Luiz Sacoman, muito gentil, mas os demais componentes da banda eram da sua nova formação, e não os conhecíamos.

Jon Lord, o mítico tecladista do Deep Purple, na Virada Cultural de São Paulo, em 2009

Feito o soundcheck, achamos o som disperso, pelo fato de haver pouca estrutura de monitoração e o palco ser enorme em extensão e profundidade. De fato, ali ensaiavam e se apresentavam orquestras sinfônicas. Contaram-nos que os fantásticos tecladistas britânicos, Jon Lord e Rick Wakeman usaram o palco desse teatro para ensaiarem as suas respectivas apresentações, em edições da Virada Cultural de São Paulo. O Jon Lord, fora por uma questão de poucas semanas, antes.

Rodrigo Hid em ação com o Pedra no Teatro Olido, em julho de 2009. Click, acervo e cortesia de Fabiano Cruz

Sobre a iluminação, apesar do Wagner Molina estar no comando, não seria possível esperar pela sua costumeira criatividade em ação, pois ele não recebeu a cooperação do técnico do teatro e de seus assistentes para afinar os spots. 

Pelo contrário, o rapaz se colocou sob uma posição infantil e amadora ao ficar melindrado pela presença do Molina, o que se revelou bastante surpreendente, pois muitos artistas chegam para se apresentarem em teatros ou quaisquer outros espaços e levam consigo as suas respectivas equipes técnicas, normalmente. 

É praxe entre técnicos de som e iluminação, cooperarem com colegas que trabalham de uma forma fixa com artistas, mesmo por que, ninguém sabe operar melhor o som e a iluminação de um artista, do que os técnicos que trabalham exclusivamente com eles. 

Enfim, mesmo ao ter se provado tal tipo de atitude como algo bastante amadorístico da parte do rapaz, por outro lado, bem acostumado a lidar com isso, Molina relevou o mal-estar gerado e fez o que pôde para nos dar uma iluminação criativa, mesmo que tenha sido longe do que ele normalmente produzia ao nosso favor.

Pedra em ação no Teatro Olido em 2009. Click, acervo e cortesia de Fabiano Cruz

Antes dos shows acontecerem, havíamos combinado uma ordem de apresentação de comum acordo com todos, incluso o curador do evento, Luiz Calanca. Todavia, um fato novo ocorreu e o pessoal do Cavalo a Vapor pediu para tocar antes, ao mudar a ordem. Tudo bem, não atrapalharia nada, desde que não houvesse atraso, pois o tempo estava milimétrico e qualquer vacilo de uma banda, atrapalharia as demais. 

Então, ficou acertado que essa banda abriria o evento, mas ao faltar poucos minutos para o espetáculo se iniciar, o Luiz Sacoman nos disse que o baixista da sua banda estava com um problema de ordem de transporte e demoraria um tempo para chegar ao teatro. 

Naquele impasse, chegamos a cogitar mudar a ordem de novo e isso deveria ter sido feito efetivamente, mas ele insistiu que o rapaz estava a chegar e não haveria prejuízo às demais. 

O Luiz era (é) um colega sério, com ótima índole e jamais pensaríamos que estaria a prejudicar o andamento do cronograma para tirar vantagem para a sua banda, de forma alguma. Contudo, na prática, já estava conturbado todo o planejamento. Chegou-se em um ponto insuportável, com quase vinte minutos além das 18 horas, e o rapaz da banda que faltava ainda não havia chegado. 

Já ficara inviável trocar o set up para uma outra banda entrar e assim, sugerimos ao Luiz que a sua banda começasse imediatamente, sem o baixo mesmo. Coisa horrível para se pedir a qualquer artista, eu sei, para que ele entrasse no palco sem a sua formação completa, mas não houve outra alternativa diante da perda de tempo crucial. 

O Cavalo a Vapor entrou em cena e os seus membros ficaram chateados com a pressão que o Luiz Calanca fez e admito, nós também exercemos, mas não foi nada pessoal, tampouco para atrapalhar a apresentação da banda. Infelizmente o tempo urgia e se houve um culpado nessa história, se bem que isso é muito relativo também, foi o baixista do Cavalo a Vapor, por se atrasar em um compromisso de sua banda e a falar claramente, todos os demais estavam ali na hora combinada do soundcheck, ou seja, horas antes do espetáculo estar marcado para começar. Nós do Pedra, por exemplo, nos mobilizáramos para estarmos ali por volta das doze horas. 

Bem, mesmo contrariados, o pessoal do Cavalo a Vapor começou a tocar sem o seu baixista. Este chegou lá pela terceira ou quarta música em que já estavam a tocar, surgido a correr pela plateia, e com o seu baixo no "bag", às costas. 

Com a banda a tocar, ele se arrumou e assim que foi possível, passou a tocar junto com a sua banda. Fica o benefício da dúvida para o rapaz, pois pode ter tido problemas de locomoção, ou estava a vir de um compromisso, curso ou outra coisa qualquer, mas... que culpa tivemos diante da desorganização interna dessa banda em específico? 

E mais um dado, se nós ou o Carro Bomba tivéssemos tocado antes, nada disso teria ocorrido, teria sido mais simples. Quando encerraram o seu show, nos entregaram o palco com o tempo muito comprometido. 

Fizemos o possível para fazer a troca de set up a toque de caixa, e cortamos muitas músicas do nosso set list. O som estava disperso como eu já comentei, mas ao assistir nos vídeos, a mixagem do PA parece ter sido razoável para o público ali presente, pois deve ter havido uma boa pressão.

Eu, Luiz Domingues, a atuar com o Pedra no Teatro Olido, em julho de 2009. Click, acervo e cortesia de Fabiano Cruz

Tocamos uma mescla de músicas oriundas dos nossos dois discos iniciais e algumas músicas novas que já estávamos a serem incorporadas aos shows. 

Em dado instante da apresentação, vimos o pessoal do Carro Bomba na coxia e o Luiz Calanca a sinalizar para encerrarmos, imediatamente. O Xando viu e anunciou que faríamos a última música, ao cortar ainda mais o nosso set, mas nesse ínterim, eis que eu vi o vocalista do Carro Bomba, Rogério Fernandes, a me chamar perto do meu amplificador. Fui até ali, e ele me disse para fazermos o nosso som até o fim, que eles já haviam desistido de tocar.

Rodrigo Hid em destaque. Show do Pedra no Teatro Olido em julho de 2009. Click, acervo e cortesia de Fabiano Cruz

Até trocarmos o set up, eles seriam forçados a fazer um show com menos de dez minutos, abaixo do padrão de um show de choque.

"O Dito Popular", com menção a "Papa Was A Rolling Stone", com o Pedra, no Teatro Olido em 11 de julho de 2009

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=VJ8kxB45BWA

Foi lastimável a situação, fiquei muito envergonhado ali naquele momento, embora a culpa não fosse minha ou da minha banda, diretamente. 

"Rock'n Não" com o Pedra, no Teatro Olido em 11 de julho de 2009

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=oWai3hydrEs

Falei para o Xando Zupo tocar o show para frente e sob uma atitude simpática, ele chamou: Rogério Fernandes e Marcello Schevano no palco para tocarmos juntos em um improviso, e ali se aproveitou para explicar ao público que o tempo havia estourado e o show do Carro Bomba estava cancelado por conta desse fato. 

Alguns fãs específicos do Carro Bomba, que estavam na plateia, se aborreceram de pronto e se manifestaram mediante reclamações e tiveram razão para se contrariarem. 

Então, o Luiz Calanca surgiu no palco para pedir desculpas como o curador do evento em si, a lamentar pelo ocorrido e prometeu que sob uma nova edição o Carro Bomba tocaria sozinho, sem compartilhar o palco com outras bandas, a recuperar o seu prejuízo dessa noite em uma edição posterior a ser marcada. 

De fato, eu soube que isso ocorreu mesmo, tempos depois e não me surpreendi, pois conheço o caráter do Calanca, um amigo do bem e ele estava muito chateado pelo ocorrido, por ter sido o curador do evento.

Em suma, três bandas sob um tempo exíguo não seria possível... e dali em diante, o Calanca passou a marcar somente duas, um pouco melhor. Se eu fosse o curador desse evento, marcaria uma só, para reduzir a zero a possibilidade de se constranger o artista no palco, com pedidos para reduzir o show, a atormentá-lo a partir da coxia.

Leia uma resenha desse show escrita pelo jornalista, Fabiano Cruz, para o Blog Alquimia Rock Club:
http://www.alquimiarockclub.com.br/resenhas/570/

Apesar dos pesares, ao pensar no Pedra, acho que foi um bom show e por se levar em consideração o lastimável argumento falacioso do "investimento de carreira", claro que nada mudou em nossa vida doravante, a não ser pelo acréscimo de alguns vídeos postados no YouTube, pelos quais um palco imponente nos retrata com uma dignidade artística.

   Pedra no Teatro Olido em julho de 2009. Foto: Grace Lagôa

Aconteceu no dia 11 de julho de 2009, um sábado, no Teatro da Galeria Olido, na Avenida São João, centro de São Paulo.
A se lamentar também a baixa frequência de público. 

Em um sábado a tarde e com ingresso gratuito, a pergunta inevitável foi: por que apenas cem pessoas se dignaram a comparecer ao Teatro Olido para ver três shows, em plena, Avenida São João, com duas estações de metrô, muito próximas, ônibus para todos os lados e tempo bom? 

Pois depois, os faltosos ficavam com resmungos pelas Redes Sociais, a reclamarem que as bandas encerram as suas atividades... e por acaso esses que reclamam que os trabalhos perecem, as prestigiam?

Pedra ao vivo no Teatro Olido em julho de 2009. Foto: Grace Lagôa

Passada a experiência do Teatro Olido, os nossos amigos do Tomada e do Massahara nos convenceram a tocarmos em um show com caráter triplo, mais uma vez no Central Rock Bar, de Santo André-SP, no ABC Paulista. 

Nada contra a casa, aliás pelo contrário, pois os seus proprietários eram simpáticos e a ambientação Rocker, se mostrava agradável. 

Entretanto, nós já havíamos tocado ali anteriormente e nessa ocasião, estivemos convencidos de que não seria conveniente apresentar o nosso show para uma casa que não reunia condições melhores de som e iluminação a prejudicar a nossa execução e sob a nossa concepção nessa análise, já havíamos chegado à conclusão de que não valeria a pena tocar em condições insalubres, nas quais as pessoas receberiam a nossa música, prejudicada pelas condições técnicas desfavoráveis.

No momento pós-show, com os amigos: Da esquerda para a direita: Allan Ribeiro (baixista do Massahara), eu (Luiz Domingues), Marc Matherson (meu ex-aluno e hoje em dia, 2016, baixista da banda de Próspero Albanese) e Ricardo Schevano (também meu ex-aluno, e baixista do Baranga e Carro Bomba). Acervo de Marc Matherson. Pedra no Central Rock Bar de Santo André-SP, em 21 de agosto de 2009. Acervo e cortesia: Marc Matherson. Click: desconhecido

Outrossim, sucumbimos à animação dos amigos e se haveria um aspecto positivo em se tocar nessa casa, certamente seria pela sua ambientação Rocker e apesar dos pesares, no show anterior que ali cumprimos houve a presença de duzentas pessoas na casa e a relevarem a escuridão e o som ruim, por demonstrarem apreço. 

Certo, fomos então ao Central Rock Bar, com os nossos amigos, na noite de 21 de agosto de 2009, e usamos do mesmo expediente, ou seja, não levamos teclados, a pensar no palco com dimensões reduzidas e na falta de qualidade sonora disponível, e assim ao simplificarmos, faríamos um set list somente com músicas executadas pelas duas guitarras. 

O Pedra detinha essa versatilidade por ter esse dinamismo do Rodrigo Hid tocar vários instrumentos, portanto, havia a ala com músicas executadas pelas duas guitarras e também a com os teclados de Hid e a guitarra de Zupo.

Portanto, ao enxergar pelo lado da praticidade, sim, tínhamos essa possibilidade de fazermos shows otimizados. Todavia, o que nos parecia uma vantagem pela comodidade, também passou a nos incomodar internamente, pois a banda ficava incompleta se não mostrasse o seu potencial por inteiro e esse passou a ser também um argumento contra sobre se fazer shows em casas não preparadas, integralmente. 

Brincávamos entre nós, mas houve um fundo de verdade: fazer shows somente com as músicas executadas pelas duas guitarras, seriam shows de 1/2 Pedra... ou seja, a se configurar como um subproduto de nós mesmos. 

Enfim, a nossa banda era sofisticada artisticamente ao ponto de termos dificuldades para nos fazermos entender bem, sem condições mínimas da produção de som e iluminação, no entanto, palcos melhores com infraestrutura à altura dessa excelência musical não nos abriam as suas portas, normalmente.

Nos bastidores desse show no Central Rock Bar de Santo André-SP, com Marc Matherson, meu ex-aluno e mais um dos meus ex-pupilos dos quais muito me orgulho de ver como grandes músicos na atualidade. Acervo e cortesia de Marc Matherson. Click: desconhecido

Pedra no Central Rock Bar de Santo André-SP, em agosto de 2009. Click, acervo e cortesia de Fabiano Cruz

Sobre o show do dia 21 de agosto, houve uma agravante. Ao contrário do show anterior, no mesmo Central Rock Bar, realizado meses antes, ao menos o público fora bom, com duzentas pessoas presentes na casa, mas desta feita, o comparecimento baixo em uma noite fria de inverno, nos desanimou bastante. 

Com apenas cinquenta pessoas presentes, e a acrescentar o som ruim e iluminação deficitária, se caracterizou a certeza de que no decorrer da semana voltaríamos à inevitável "DR" (a popular "discussão de relação), em nossa próxima reunião semanal e a gangorra voltaria à tona: tocar ou não em shows com condições inadequadas?

Promo produzido nessa época, a mesclar diversas imagens de shows passados, para a música: "Rock'n Não"
 

Eis o Link para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=r3782u2SXzk

Xando Zupo no destaque, a atuar com o Pedra, no Central Rock Bar de Santo André-SP, em agosto de 2009. Click, acervo e cortesia de Fabiano Cruz

Leia a resenha sobre esse show, escrita pelo jornalista Fabiano Cruz, em seu Blog, Alquimia Rock Clube:
http://www.alquimiarockclub.com.br/resenhas/782/   

Hid & Zupo em ação com o Pedra! Central Rock Bar de Santo André-SP, em agosto de 2009. Click, acervo e cortesia de Fabiano Cruz

Mas uma notícia boa surgiu ao final de agosto de 2009, a dar conta de que estávamos a nos organizarmos para gravar as novas músicas compostas e entre elas, algumas que já faziam sucesso nos shows. E foi mais uma vez, uma safra com ótimo material composto.

Eu, Luiz Domingues em foto promocional recortada do Pedra em 2008. Abaixo, Xando Zupo em destaque com o Pedra no CCSP em outubro de 2007. Clicks, acervo e cortesia: Grace Lagôa

Entretidos com a gravação das novas músicas, passamos o mês de setembro e boa parte de outubro a cuidar dessa produção. Sem poder contar muito com o Renato Carneiro que estava muito ocupado, envolvido com os Mutantes, a excursionar, e logo mais ele voltaria a trabalhar com duplas sertanejas (foi trabalhar com Bruno e Marrone, quando engatou uma longa permanência com tais artistas populares, desde então), o Xando tomou a dianteira e resolveu se bancar como operador, a comandar a gravação e segundo ele, o Renato haveria de apoiar nas poucas brechas possíveis de sua atribulada agenda, quando compareceria para escutar e se necessário estabelecer correções técnicas e lhe fornecer sugestões.

Xando Zupo nos bastidores das filmagens em locação do clip da música: "Sou Mais Feliz" em 2006. Click: Grace Lagôa

Confiamos nele, pois nos dois primeiros discos, o Xando acompanhara todo o processo do trabalho do Renato, praticamente, e como um aprendiz, absorvera muita informação. Interessado em princípio em entender o mundo do áudio, tecnologia, equipamentos e técnicas inerentes, ele praticamente fez um curso intensivo ao acompanhar tais produções, exaustivamente. 

Então, sem medo de sua parte (e sob um ritmo de cooperação para ajudar modestamente, eu e Rodrigo também colaboramos com ações simples, como apertar os botões "play e rec" em eventuais overdubs da gravação das guitarras e das vozes do Xando, quando este estaria logicamente impossibilitado de operar, por ser humanamente impossível. 

Gravamos então as músicas que eu citei anteriormente, provenientes dessa safra nova que surgira em 2009: "Queimada das Larvas dos Campos Sem Fim", "Só", "Pra Não Voltar", "Mira", "Amém Metrópolis" e um Hard-Rock que foi gravado sem letra e título definido, mas que já apresentava uma melodia pronta e portanto, nós arriscamos gravar para não perder a produção e definirmos a letra a posteriori. 

Essa canção ganhou letra e título, enfim, todavia, o seu desfecho eu revelarei bem mais para frente, pois ela culminou em ser engavetada por um tempo enorme.

Xando Zupo nos bastidores das filmagens do clip da música: "Sou Mais Feliz" em 2006. Click: Grace Lagôa

Nesse ínterim, recebemos um convite da parte da diretoria do Central Rock Bar para mais uma apresentação. Desta feita, não teríamos a presença de bandas amigas, mas sim da parte de duas bandas novatas com a incumbência de abrirem o nosso show, em um sistema bem definido em torno do conceito do "Open Act" e "Headliner". 

Bem, as condições da casa não seriam as melhores, já expliquei isso amplamente, mas sem nenhuma outra perspectiva para um outro show em vista, a não ser um festival em que o Rodrigo havia mandado material (desde 2008) e a sua cúpula respondera, mesmo depois que resolvêramos não mais participar desse tipo de festival. 

Todavia, segundo o Rodrigo nos disse, tal festival não era ligado àquela organização do centro-oeste do país. Em princípio, pensamos em participar, pois as condições seriam um pouco melhores do que ocorrera em Palmas-TO, mas mesmo assim, não haveria cachê, uma praxe para esse tipo de produção e estava programado para acontecer em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. O grande chamariz desse festival seria a presença de um artista internacional com peso, no caso, Glenn Hughes, ex-baixista e vocalista do Trapeze e Deep Purple.

Xando Zupo ao vivo no CCSP com o Pedra em julho de 2006. Click: Grace Lagôa

Bem, viajar para tão longe, ainda que o transporte fosse pago por eles, não ajudar-nos-ia muito e ainda mais, o festival mantinha um clima a pender para a estética do "Heavy-Metal", portanto, tal fator nos motivou a entender a realidade: o que esse esforço poderia render para nós? 

Nessa época, o Xando passou por um problema de saúde e teve que repousar por alguns dias, portanto, mesmo que estivéssemos super motivados a participarmos, não daria mesmo para irmos e assim cancelamos. Ainda bem que não fomos, pois como dizia um grande guitarrista amigo meu, e que já partiu para uma outra dimensão: -"francamente"...

Fechamos então com o Central Rock Bar e de fato, foi a única perspectiva para nós dali, outubro, até o final do ano em termos de shows e para 2010, pelo menos haviam possibilidades a surgirem sob perspectivas melhores, mas nada estava oficialmente fechado, até então. Portanto, consideramos prudente cumprir tal show nessa casa, apesar dos pesares mediante tais fatores já amplamente relatados anteriormente.

As bandas que abririam o nosso show, eram bastante desconhecidas até nos subterrâneos do underground. Tudo bem, todo mundo tem que começar na estaca zero, eu também já passei por essa etapa duríssima de começo de carreira. Chamavam-se respectivamente: "Soulzeira" e "Neoprimatas". 

Assisti o show de ambas, para prestigiá-los naturalmente. O nome, "Soulzeira", já me soara bem e de fato, os garotos demonstravam ter uma influência da Soul Music, mas não com a total influência da Soul Music clássica produzida pela gravadora "Motown", como eu gostaria que fosse, porém mais a parecer possuírem influências mais "modernosas" dentro do universo da Black Music. 

Entretanto, eles tocavam bem e isso já fora um ponto positivo para eles. Já a segunda banda, com um trabalho fortemente norteado pela sonoridade indie, foi realmente sofrível a sua apresentação e espero que tantos anos depois, esses garotos tenham evoluído, ou desistido. 

Quando subimos ao palco tímido do Central Rock Bar, confesso, ocorreu um desânimo generalizado. O nosso show foi feito sob parcimônia desmesurada, diante das adversidades técnicas, mas também pelo fato da casa estar com pouco público presente. Aconteceu na noite do dia 17 de outubro de 2009. Não tenho registros visuais desse show, infelizmente. 

Ao sairmos da ilusão dos festivais, mas por outro lado pressionados pela escassez de oportunidades melhores, o Rodrigo arregimentou uma oportunidade de show em uma outra cidade e estado. Seria um show compartilhado com uma banda amiga de Joinville-SC, chamada: "Os Depira", formada por ótimos músicos que conhecêramos em nosso tempo a bordo da Patrulha do Espaço, em nossas andanças por ali, eu e Rodrigo.

Com apoio dos amigos, conseguimos marcar uma noite compartilhada com "Os Depira", em tal cidade, a tocar em uma casa noturna local, chamada: Don Rock. O cachê oferecido foi bem baixo, e na ponta do lápis, cobriria apenas a despesa da viagem, com uma pequena, modesta mesmo, margem para a banda. 

Teríamos hospedagem em um hotel de categoria, mas no cômputo geral, seria muito esforço para um resultado bastante duvidoso, na prática. Todavia, pressionados pela escassez de perspectivas para promovermos mais apresentações, embarcamos em mais uma loucura interestadual.

Fomos para Joinville no carro do Xando Zupo, que era um bólido com características de uma "quase van" e assim, com um backline mínimo e a contar com o apoio dos amigos d'Os Depira, ficou tudo acertado. Viagem bem tranquila, com cerca de 635 Km, o que não chegou a ser perturbador em um carro confortável e forte desse tipo, lá fomos nós...
Eu, Luiz Domingues, nas ruas de Joinville-SC, assim que chegamos à cidade, no dia 24 de outubro de 2009, a realizar um gracejo tolo para a câmera do Xando Zupo. Na frente, Rodrigo e Ivan, a caminhar. Click, acervo e cortesia: Xando Zupo
Muito bem recebidos pelos amigos d'Os Depira, na casa em questão (Don Rock), ficamos contentes por verificarmos a existência de uma pequena matéria que fora publicada em um jornal local e de certa forma, isso me lembrou dos tempos em que participei junto ao Rodrigo, de tantas turnês com a Patrulha do Espaço ali pelos estados do sul do Brasil. Mas o Pedra não tinha esse prestígio todo, e portanto não gerava expectativa em cidades e estados diversos, caso da Patrulha do Espaço.

Acima, fotos d'Os Depira em ação, e do seu público a acompanhá-los naquela noite em que também tocamos

O show d'Os Depira foi ótimo, super energético, mas deveríamos levar em consideração, ao compararmos com a reação do mesmo público a posteriori, em relação ao nosso show, que eles estavam a tocar na sua cidade, ante seus amigos e fãs, super acostumados ao seu trabalho, a conhecer a sua obra, e assim cantar os estribilhos das suas canções junto com a banda, de uma forma muito natural. 

Chegou a nossa vez e começamos a tocar com uma energia forte, mas já na terceira canção, o público se pôs a se retirar do local, de uma forma até constrangedora para nós. Chegou-se em um ponto, inclusive, em que não fazia mais sentido mantermos o nosso set list até o seu final, e assim, melancolicamente, nós encerramos o show com um corte substancial de canções anteriormente previstas na lista. 

Os nossos amigos d'Os Depira, contemporizaram a situação, ao nos dizer que a reação fora desagradável, mas que foi algo comum ali, e que as pessoas estavam bem embriagadas e costumavam ignorar qualquer banda que não conheciam, a dispersar, sem constrangimentos. 

Infelizmente, isso nos chateou, é claro, mas na minha visão, esta fora a bilionésima prova cabal de que o problema não éramos nós como músicos, tampouco o material artístico que produzíamos e muito menos a banda em si. Entretanto, o Xando estava bem contrariado com tal reação do público e fez um comentário a questionar o nosso trabalho e eu discordei da sua opinião, ao lhe responder que achava normal enfrentarmos situações assim, pelo simples fato de sermos desconhecidos do grande público. 

Contudo, nervos à flor da pele, ali começou uma discussão feia e que na rua se agravou com o Ivan e o Rodrigo também a entrarem no mérito e todos ficaram alterados, incluso eu mesmo, ao tentarmos achar culpa & culpados, o que foi na verdade, muito desagradável para todos. 

Já no hotel, com os ânimos mais serenados, todos pediram desculpas, uns aos outros, pelo destempero coletivo, mas a verdade fora uma só: a escassez de oportunidades estava a minar a nossa banda e sob tal processo corrosivo, assim vinha a se portar desde 2007, de fato, quando o embalo de 2006, se perdera, e nunca mais o recuperamos plenamente. 

Outrossim, apenas tivemos lampejos com bons sinais, todavia que apenas revelar-se-iam efêmeros na continuidade, a seguir. O show foi no dia 24 de outubro de 2009, no Don Rock, em Joinville, Santa Catarina. Sob a presença mais ou menos de oitenta pessoas no local, na hora que Os Depira fizeram o seu show, mas depois, durante o nosso, a dispersão geral ocorreu em poucos minutos.

Na viagem de volta para São Paulo, ainda em Santa Catarina, fotos engraçadas em um exótico posto de beira de estrada... Acervo de Xando Zupo

Já no dia seguinte, na viagem de volta, estávamos calmos uns com os outros, mas o nosso grande problema estrutural, permanecera sem solução aparente. 

Contudo poucos dias depois eis a nossa perspectiva deu mostras de uma possível reviravolta, ainda em outubro, pois recebemos um convite irrecusável e que teve toda a aparência de que tirar-nos-ia do momento sob desânimo que atravessámos e foi mesmo o que aconteceu em princípio!

O jornalista, Sérgio Martins, de fato havia se tornado um admirador do nosso trabalho. Já expressei anteriormente o quanto eu achava inusitado um jornalista de primeira linha a representar um veículo mainstream, manter esse tipo de visão de um artista "outsider" como nós, diante da postura normalmente antagônica que o jornalismo cultural mainstream fazia uso, há décadas para lidae com artistas como nós. 

Porém, Martins era isento, tampouco mumificado sob um conceito paradigmático que engessara o jornalismo musical, no setor do Rock, bem entendido, desde muito tempo.

Ele se lembrara de nós ao final de 2008, quando nos convidara a participarmos de uma mega reportagem que faria para a Revista Veja, o seu veículo de trabalho, a cobrir a nossa banda durante uma turnê, na estrada etc. e tal. 

Isso concretizara em janeiro de 2009, com a viagem a acontecer de fato, conforme já relatei, todavia, nos frustramos todos, incluso o próprio, Martins, pela não publicação da mesma reportagem. 

Pois neste momento de fim de 2009, ele abordar-nos-ia novamente, com outra proposta tão excitante quanto e portanto, irrecusável...

Peça promocional do programa produzido e apresentado por Sérgio Martins na ocasião: "Veja Música". Fonte: Internet

Fomos convidados a participar de seu programa audiovisual para a Internet, com a chancela da Revista Veja, chamado: "Veja Música".
Ora, programas de música na internet existiam aos montes. Programas para tocar ao vivo, talk-shows e um sem número de outras produções pulverizadas pelo mundo virtual. 

Mas um programa da Revista Veja, representava um outro patamar, por sinal, altíssimo. E claro que o nosso ânimo subiu imediatamente, depois desse convite.

Pedra ao vivo em fevereiro de 2007 no CCSP. Click, acervo e cortesia: Grace Lagôa

É evidente que aceitamos o seu generoso convite e uma troca de e-mails foi realizada durante vários dias entre outubro e novembro, a conversarmos sobre tal produção.

Ficara programado que nós tocaríamos quatro músicas e realizaríamos uma entrevista. Outro dado que Martins nos passou, foi que seria uma apresentação acústica. Diante dessa prerrogativa, pensamos em canções como: "Projeções" e "Meu Mundo é Seu", como opções naturais para se privilegiar o arranjo acústico e de fato tais canções já eram praticamente assim, em suas gravações originais mediante a presença de um padrão de eletricidade de forma delicada, ao não extrair o sabor quase acústico que estas peças possuíam, naturalmente.

O genial compositor e cantor: Sérgio Sampaio. Fonte: Internet

Conversamos muito sobre a terceira canção e por insistência do Xando, fechamos com "Filme de Terror", sob a alegação de que seria de bom alvitre expor a nossa versão do clássico de um compositor da decantada ala "maldita", da MPB setentista. Certo, um argumento bom, mas uma música de nosso repertório próprio, também teria soado muito bem, para nos mostrar mais como éramos, enfim...

Pedra em ação no Via Funchal de São Paulo em 2006. Click de Grace Lagôa  

E em relação à quarta música, ainda discutíamos entre nós as possibilidades, quando o Martins nos fez um pedido: -"façam uma releitura de algo que me surpreenda, com um arranjo de vocês, a mostrar a sua personalidade, mas sem mutilar a obra, seja de quem for". 

Pensamos bastante e já que a canção, "Filme de Terror" estava inclusa e representara a MPB, as nossas primeiras especulações sobre a quarta música recaíram sobre o Rock internacional. Ora, haviam milhares de opções que agradavam aos quatro componentes da nossa banda e que certamente influenciaram o Pedra, direta ou indiretamente. 

Pensamos também no vasto cabedal proporcionado pela Black Music, uma árvore cheia de galhos a nos influenciar de uma maneira explosiva, igualmente. Pensamos até em exemplos oriundos de fontes leves tais como o Soft-Rock e o Folk-Rock. Lembro-me que peças tais como: "Sitting of the Dock of the Bay", do Otis Redding e "Atlantis" do Donovan, foram bem citadas, entre outras.

Pedra em ação no Via Funchal de São Paulo em 2006. Click de Grace Lagôa 

Entretanto, não conseguíamos chegar a um consenso sobre nenhuma opção, embora particularmente, eu adore as canções acima citadas. Foi quando voltamos a falar sobre o espectro da MPB e a primeira opção que agradara a todos, sem reservas de um ou outro membro, poderia ter sido o material contido no "Clube da Esquina", de Milton Nascimento & Cia. 

Muitas músicas que gostamos dessa turma, foram citadas, e apesar de adorarmos todas, percebemos que seriam escolhas baseadas em clichês, tamanha a quantidade de regravações que esse material recebeu ao longo dos tempos. 

Xando Zupo sugeriu um compositor da MPB mais moderna, que ele apreciava muito, figura mais conhecida, nos anos 1990 & 2000 e comentou com Martins, sobre tal artista, mas deu azar, pois o nosso amigo jornalista, o detestava! 

Tornou-se até engraçada a reação do Martins ao falar mal desse artista como respeosta em e-mail e internamente, nós sabíamos que a opinião do Xando era diametralmente oposta. Não revelarei o nome do artista, que particularmente eu não achava que fosse assim tão abominável quanto o Martins o considerava, tampouco "genial", sob a avaliação do Xando, aliás, longe disso, bem longe. Mas deixa para lá... 

Xando Zupo em destaque. Click de Grace Lagôa  

Foi quando o Xando citou o Guilherme Arantes e o Rodrigo vibrou, imediatamente. Em torno de seu nome, foram feitas várias conjecturas em seu favor, sobre a trajetória e a personalidade artística do Guilherme, mas também sobre o quanto seria bom para nós, apostarmos em tal escolha. Demorou mais um tempo e escolhemos a sua música: "Cuide-se Bem".

Trabalhamos na composição de um arranjo acústico para executarmos tal canção e aí cabe destacar que não seria 100% acústico o conceito. 

A ideia de conter três violões e percussão, primeira opção natural nesse caso, foi descartada de pronto. Isso deixar-nos-ia sob uma situação mediante uma fragilidade musical e não poderíamos desperdiçar a oportunidade de aparecermos em um veículo da importância da "Veja", revestidos por essas circunstâncias técnicas, adversas.

Ivan Scartezini em destaque. Pedra em ação no Via Funchal de São Paulo em 2006. Click de Grace Lagôa 

Na obrigatoriedade para se constituir de um set "acústico", chegamos à conclusão que ao usarmos a cozinha tradicional, ainda que comedida, seria uma garantia para nos fornecer uma base firme, sem ficar leve demais. Além do mais, tocar "baixolão" não é da minha predileção natural. 

Tal instrumento não tem som de nada a priori e o Ivan também não estava a apreciar tocar instrumentos de percussão e aí, acho que fizemos a escolha certa. Já o caso do Xando foi ainda mais dramático nesse sentido, pois ele é um músico que tem pouca ou nenhuma afinidade com um violão. 

Claro que ele o toca, mas toda a orientação profissional dele, por gosto e por formação, fora direcionada para a guitarra, portanto, ele também considerava que tocar violão ali naquela apresentação, seria desconfortável e não representaria condizentemente a sua contribuição normal ao som da banda. 

Portanto, ele tomou a dianteira e comprou um violão elétrico, com um captador, a se mostrar como quase um híbrido de guitarra semi-acústica e com o braço do instrumento mais próximo da espessura de uma guitarra e cordas leves (acho que na medida, "009", que me corrijam se eu estiver errado), e assim, seria possível digitar como se fosse em uma guitarra, para que ele pudesse poder fazer "bendings" e usar o slide, se fosse o caso.

Rodrigo Hid em destaque. Pedra em ação no CCSP de São Paulo em 2008. Click de Grace Lagôa  

O único membro da nossa banda, totalmente à vontade com a sonoridade acústica, foi o Rodrigo. Grande fã da MPB da velha Guarda, Folk em geral e de música de raiz caipira, para ele, tocar com violão de nylon, aço, ou a fazer uso de um com doze cordas, foi mais do que natural e vou além: ele era (é), muito bom nisso. 

E assim, quando comunicamos que a quarta música escolhida seria "Cuide-se Bem", do Guilherme Arantes, Martins gostou muito da nossa escolha e se mostrou ansioso por ouvir a nossa versão acústica dessa canção.

Pedra em ação no Teatro X de São Paulo em 2008. Click de Grace Lagôa  

Ensaiamos com tranquilidade, pois seriam apenas quatro canções.
Então, Martins marcou a data e nos passou as coordenadas dessa produção. Seria gravada e filmada em um bom estúdio localizado na Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo, no início de dezembro de 2009.

Pedra em ação no CCSP de São Paulo em 2007. Click de Grace Lagôa  

Fechado o repertório e bem ensaiados nessa questão dos arranjos semi-acústicos especiais para a ocasião, só aguardamos as coordenadas do Sérgio Martins, a respeito da produção do seu programa, Veja Música. 

Mediante informações vindas da parte de fontes minhas, tal estúdio tinha como um dos seus proprietários, o tecladista, Constant Papineanu, que fora componente d'O Peso, banda brasileira seminal, dos anos setenta.

Não me recordo com exatidão sobre a data, mas tenho certeza que foi na primeira quinzena de dezembro de 2009 que ocorreu. 

Uma van disponibilizada pela produção veio nos buscar no estúdio Overdrive, o nosso QG, o que nos poupou da penosa missão de nos dirigirmos mediante o uso dos nossos carros particulares e a nos provocar o desgaste com questões pueris como encontrar estacionamentos nas imediações, por exemplo. 

O estúdio se mostrar amplo, com uma sala técnica à moda antiga dos estúdios de gravação, mediante a presença de um maquinário gigante, a conter inúmeros paramétricos e uma mesa daquelas onde bastava uma rápida olhada e imediatamente vinha à mente, um valor a demarcar milhares de dólares. 

A produção da revista Veja alugava tal estúdio para a filmagem, com um suporte de áudio excelente para o artista se apresentar bem e também terceirizava uma equipe de filmagem. 

Quando chegamos, fomos informados que outros artistas estavam a filmar a sua participação e demoraria um pouco para chegar a nossa vez. A dinâmica ali fora forjada a gravar dois programas completos por vez, a otimizar a utilização do estúdio e equipe de filmagem.

E os artistas que estavam a filmar naquele instante foram: Zezé Di Camargo & Luciano, a dupla sertaneja mega mainstream.
A sua equipe pessoal era enorme e os sertanejos haviam se dado ao luxo de montar um PA próprio, para prover um padrão de monitoração idêntico ao que estavam acostumados a terem em seus shows, com muitos roadies e seu técnico particular a trabalharem para tal. 

Não critico, pelo contrário, apesar de ter sido algo bem exagerado, pois o equipamento do estúdio era de primeira qualidade, eu, se estivesse no patamar da condição deles, com dinheiro e status mainstream, faria o mesmo, em prol da qualidade máxima do meu áudio.

E houve também bem visíveis os maneirismos típicos da parte de artistas que habitam o mainstream, notadamente nesse universo da música sertaneja, pois um verdadeiro séquito formado por funcionárias responsáveis pela imagem da dupla, estavam ali a trabalhar nesse sentido. Montaram uma sala de maquiagem e cabeleireiro, além de uma verdadeira "lavanderia/tinturaria", em que duas senhoras responsáveis pelo figurino da dupla, trabalhavam a todo vapor, a passarem as roupas deles e colocá-las organizadamente em araras, ao parecer uma produção de desfile de modas. 

O desafio de Sérgio Martins à dupla foi interessante. Acusados de serem artistas popularescos a se aproveitarem da inocência da música de raiz caipira, caso da maioria dessas duplas que dominam a difusão cultural mainstream há anos no Brasil, Martins os convidou a falarem sobre a verdadeira música caipira e não o cancioneiro popularesco que a maioria professa em suas carreiras, e mais que isso, a cantar clássicos desse universo, em arranjos absolutamente acústicos e condizentes com as suas tradições brejeiras. 

O Rodrigo, que entre nós quatro sempre foi o que mais se interessou em música de raiz, foi assistir a performance da dupla, dentro da técnica e voltou a nos dizer que o som estava super "redondo", como se fala no jargão dos músicos, a denotar estar com qualidade.

Terminada a filmagem da performance musical da dupla e também o seu bloco de entrevista com Martins, aguardamos a lenta desmontagem do equipamento extra que haviam levado consigo. 

Confraternizamo-nos com os músicos da banda de apoio da dupla, todos gentis e sem estrelismos, que bom. Ficamos então a observarmos o trabalho da equipe de roadies a conduzir os "cases" para o caminhão da dupla.

 Pedra em ação no Teatro X de São Paulo em 2008. Click de Grace Lagôa 

Perto de nós, pobre banda de Rock do mundo underground, aquele séquito de funcionários a trabalhar para a dupla, nos pareceu algo monstruoso a comprovar a disparidade total que nos separava de uma forma abissal. 

Ou seja, foi um bom "raio x" do que é ser artista no Brasil, mas não coadunado com a expectativa popular, todavia ao ir além, a demonstrar claramente como no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos, é impossível manter a sua dignidade artística respeitada fora do mainstream, portanto, estar no "Veja Música" fora uma rara oportunidade sobre a qual não estávamos acostumados, muito diferente da dupla em questão, que habitava (habita) o espaço de difusão de massa, há décadas e diuturnamente, diga-se de passagem. 

O meu raciocínio não contém nada contra tais artistas, mas apenas serve para se conjecturar como no Brasil é cruel essa disparidade, pois o monopólio esmagador é um horror. 

Não acho que o Pedra poderia ser mega popular como uma dupla sertaneja, ao comparar com o nível educacional e cultural do povo brasileiro que absorve com entusiasmo tal produção musical simplória, mas eu penso deveria haver um espaço mínimo, aonde artistas "outsiders" ao gosto popular, pudessem atingir o seu nicho e assim manterem uma difusão razoável que fosse, a gerar a possibilidade de subsistência sob um circuito mediano, mas com uma solidez sustentável. 

Bem, chegara a nossa vez e assim nos ajeitamos com a nossa modesta equipe de apoio, e a usar o equipamento do estúdio, sem nenhum problema, fizemos um bom soundcheck e sem direito a pausa, por que ao sinal verde dos técnicos, a equipe de filmagem foi orientada a entrar em ação.

Rodrigo Hid em ação! Instante da nossa participação no programa "Veja Música". Filmagem em dezembro de 2009. Acervo e cortesia: Xando Zupo. Click: Desconhecido

Tocar a canção: "Meu Mundo é Seu", nessa circunstância veio a calhar, pois já se tratava de uma canção com forte apelo no sentido da MPB mais tradicional e praticamente acústica em sua concepção final, como ficara registrada no nosso disco. 

Com o Rodrigo a conduzi-la em um violão tradicional, com cordas de nylon, a base soara quase como uma Bossa Nova. O baixo e a bateria comedidos, e ao não parecer nem de longe uma cozinha de banda de Rock, voluptuosa como eu e Ivan formávamos normalmente e com o Xando a reproduzir praticamente o seu arranjo de guitarra, delicado por natureza, da gravação original, e agora sob a ação de um violão eletrificado, enfim, tudo isso somado propiciou que tal canção soasse de uma forma bastante leve, exatamente como planejamos para a apresentação. 

Foi, portanto, em nosso imaginário uma maneira também para nos mostrarmos a um público imensamente maior em relação ao que normalmente nos conhecia e acompanhava, sob uma forma despojada de preconceitos para quem tem visão deturpada do Rock, e espera uma outra predisposição, quando dizemos sermos "Rockers". 

Portanto, foi uma forma para angariarmos simpatia e até a gerar surpresa para pessoas que acham que "Rockeiro" é um cabeludo retardado, que age eternamente como um adolescente defasado e que se expressa a usar um vocabulário medíocre por conta da ação do uso de drogas, fora a pobreza institucional do símbolo máximo da idiotia paradigmática, a se revelar o famigerado, "malocchio", um fardo dos mais infelizes, sem dúvida alguma.

Momento da nossa participação no programa "Veja Música". Filmgem em dezembro de 2009. Acervo e cortesia: Xando Zupo. Click: desconhecido

Tocamos: "Filme de Terror" e mesmo que tenha sido na prática um arranjo bem semelhante ao que fazíamos de maneira elétrica, por ter esse sabor semi acústico, eis que a canção ganhou uma natural aura em torno da "Country Music". 

Não que fosse a nossa intenção deliberada e esse estilo não fazia parte do espectro de influências básicas da nossa banda, mas os solos e dedilhados de certos contra-solos que os nossos guitarristas executaram, naturalmente trouxeram esse sabor à tal execução & performance. 

Foi uma aposta boa, na menção a um artista maldito da MPB setentista e possivelmente seria benéfico para a imagem da banda, perante um imenso público novo que conhecer-nos-ia através desse programa.

Momento da nossa participação no programa "Veja Música". Filmagem em dezembro de 2009. Acervo e cortesia: Xando Zupo. Click: Desconhecido

"Projeções", soou muito bem, igualmente, justamente por conter uma forte identificação com a música Folk, a emitir sinais de influências múltiplas dentro desse universo que é amplo por natureza, já que "folk", subentende raiz folclórica e isso, ao falar como um musicólogo que eu não sou, mas sobre tal matéria, tenho uma pálida noção, abre campo para várias interpretações sobre de onde vem as influências, etnicamente a falar. 

Portanto, fora toda essa questão teórica, na prática, o que nos importou ali, foi a qualidade da canção, seu arranjo, interpretação e a letra com sutil teor espiritualizado, escrita pelo Rodrigo, que nos possibilitara mostrar ao grande público, outra nuance nossa, ao denotar ecletismo artístico de nossa parte.

Momento da nossa participação no programa "Veja Música". Filmagem em dezembro de 2009. Acervo e cortesia: Xando Zupo. Click: Desconhecido

E finalmente, por sugestão de Martins, tocamos uma releitura que de fato o surpreendeu, mas que ali na hora, ao tocá-la pela primeira vez, não tivemos a noção de como repercutiria de uma forma estrondosa ao nosso favor. 

Fizemos um arranjo que privilegiou o uso do slide pelo Xando, para fornecer à canção, uma feição diferente de seu arranjo natural da parte do seu autor, Guilherme Arantes, com o piano na condução básica, e a eletricidade da banda de apoio. Chegamos a cogitar fazer uma versão semelhante à original e o Rodrigo tocaria piano, sem problemas, mas prevaleceu a ideia de a executarmos com dois violões para essa filmagem.

Instante de preparação da nossa participação no programa "Veja Música". Filmagem em dezembro de 2009. Acervo e cortesia: Xando Zupo. Click: Desconhecido 

Ficamos contentes com a performance e o resultado da captura ficou excelente, quando conferirmos o áudio gravado, na técnica, posteriormente. 

Na hora da entrevista, vi que Xando e Rodrigo se posicionaram para conversar com Martins e ingenuamente, pensei que eu e Ivan gravaríamos um outro bloco em separado, para conversarmos em duplas, ao visar não perder o foco da entrevista e não tumultuar o processo. 

Porém, ao término da filmagem do bloco com Xando e Rodrigo, percebemos que não houve tal intenção da parte de Martins e da sua produção, portanto, sem problemas, na edição do programa, apenas Xando e Rodrigo representar-nos-iam. Tudo bem, o recado foi dado com qualidade. 

Informaram-nos que a mixagem do áudio da performance ao vivo da banda ficaria pronta em uma semana, mas a edição do programa demoraria mais. Segundo Martins, com a incidência das festas de fim de ano, a tendência seria que o programa fosse lançado apenas ao início de 2010.

Momentos da nossa participação no programa "Veja Música". Filmagem em dezembro de 2009. Acervo e cortesia: Xando Zupo. Clicks: Desconhecido 

Estávamos muito felizes pela oportunidade adquirida e o nosso agradecimento ao Martins teve o peso da constatação que a sua lisura profissional como jornalista, o isentara totalmente de qualquer especulação de terceiros mal-intencionados, ao acusá-lo maliciosamente como um protecionista, por nos escalar para o programa, por ser nosso amigo, pessoal. 

Já o conhecíamos bem nessa altura e tivemos a convicção de que se nos convidara, fora pela sua percepção profissional ao enxergar em nossa banda e trabalho em si, dotado de uma qualidade adequada para tal. 

Isso nos animara ainda mais, pois pelo fato de estarmos ali retratados em um veículo de imprensa mainstream, não se constituíra de uma oportunidade qualquer, mas praticamente a se revelar como uma deferência. 

Começáramos o ano de 2009, com um forte indício de que a Revista Veja, dar-nos-ia um espaço sem precedentes para a história da banda, mas que se constituiu em frustração, por motivos alheios à nossa vontade e do Martins, também. 

Neste novo ponto, estivemos a encerrar o ano de 2009, com outra grande oportunidade no mesmo veículo e ficamos ainda mais animados com tal perspectiva que fez com que o fim de 2009 e início de 2010, se tornasse alvissareiro para o Pedra...

Na primeira foto, o Pedra no teatro X de São Pulo em 2008 (click de Grace Lagôa) e na segunda, Rodrigo Hid em destaque com o Pedra no Teatro Olido também de São Paulo em 2009. Click, acervo e cortesia de Fabiano Cruz

O ano de 2009, se encerrara e o balanço para o Pedra foi mediano.
Começamos o ano com a grande novidade que seria termos sido enfocados sob uma mega reportagem da Revista Veja, a maior do país na ocasião e consequentemente a se mostrar como uma oportunidade de ouro para que subíssemos um patamar, ao pleitearmos uma chance no mundo mainstream. 

Mas a matéria não se consumou, apesar do esforço que fizemos para podermos constar nela, e logicamente que isentamos o jornalista, Sérgio Martins e o seu repórter fotográfico, Otávio Dias, por essa ausência, por que obviamente que ambos não tiveram culpa alguma nesse processo frustrante da não confirmação da publicação. 

E ademais, jornalismo é assim mesmo e eles como profissionais experientes possivelmente também se chatearam na época, eu posso imaginar

Pedra ao vivo em Ribeirão Preto-SP, em janeiro de 2009. Acervo de Junior Muelas

Todavia, em nosso caso, como artistas "outsiders do underground", a perda de uma oportunidade dessa monta teve um outro significado, naturalmente. 

No entanto, resilientes pela longa labuta em meio à aspereza do estágio extra mainstream em que sempre trafegamos (e neste caso, ao raciocinar individualmente, eu devo computar a carreira inteira, pois neste caso, o comparativo se faz necessário para destacar a absoluta semelhança que o trabalho do Pedra teve, em termos de dificuldades, com trabalhos pregressos meus), a vida seguiu sem o glamour em estarmos nas páginas da Revista Veja. 

Voltamos ao nosso dilema crônico, quando nos vimo sem a ilusão da reportagem, ao nos obrigar a voltarmos a falar sobre a necessidade de se abrirem caminhos para nos apresentarmos. 

Sem um empresário dinâmico e astuto o suficiente para gerir tal necessidade que tínhamos, nos fizéramos representar por pessoas com boa vontade, porém sem traquejo algum com o show business para que tentássemos entrar de vez no circuito do Sesc. Mas, a despeito de sua boa vontade e esforço, não conseguimos lograr êxito.

Então, lá fomos nós de volta aos questionamentos internos, a nos submetermos sob uma desgastante sequência em torno das famigeradas, "DR's" ("discussão da relação"), que só minaram ainda mais a já não tão boa convivência interna da banda.

Tocar em qualquer casa noturna, como muitas em que bandas de amigos as realizavam sem parcimônia e a enfrentarmos plateias formadas por bêbados desinteressados em absorver uma música mais cerebral como a nossa, ou só tocarmos em palcos mais nobres dotados de uma infraestrutura condizente para a nossa arte mais sofisticada que o Rock festeiro ou peso-pesado que os nossos amigos praticavam, e que consequentemente não viam dificuldades para se expressarem e interagirem com tais plateias? 

Nessa gangorra emocional, a banda oscilava e isso aconteceu muitas vezes em 2009, pois com outras bandas a nossa volta a ostentar uma agenda mais robusta, nos frustrávamos em possuirmos tão poucas chances para nos apresentarmos ao vivo. 

E quando essa pressão aumentava, decorrente do fato das boas oportunidades mais adequadas às nossas necessidades técnicas, que não surgiam, nós partíamos para a experiência em nos apresentarmos em casas noturnas e então, ficávamos frustrados com a reação gelada de plateias formadas por rapazes e moças completamente desinteressados em ouvirem uma banda autoral cujo trabalho mantinha complexidades inerentes em sua proposta artística e sobretudo, de nossa parte, não havia nenhuma intenção em entretê-los em sua "balada" hedonista.

Além disso, a péssima qualidade da estrutura da maioria dessas casas foi um fator decisivo a nos atrapalhar e a nos frustrar duplamente. 

Entre a cruz e a espada, nos recolhemos novamente ao estúdio e criamos mais cinco músicas, sob extrema qualidade. Nesse aspecto, 2009, foi bom, não posso negar. 

E por fim, veio uma luz ao final do túnel, quando recebemos um convite irrecusável da parte do jornalista, Sérgio Martins, para que e participássemos de um programa de internet com a chancela da Revista Veja, portanto, uma oportunidade tão boa quanto a que tivemos no início do ano, da parte do mesmo profissional, a representar o mesmo veículo. 

E assim encerramos, 2009, com canções novas a conterem muita qualidade e prontas para serem lançadas em um eventual novo disco e com perspectiva para que efetuássemos um bom salto na carreira, ao sermos apresentados para um público muito maior que o do nicho do Rock underground, no qual transitávamos normalmente, graças a uma grande oportunidade que tivemos ao final do ano, mas que só foi repercutir mesmo, no início de 2010.

Eu, Luiz Domingues, ao vivo com o Pedra, no Teatro Olido, de São Paulo, em julho de 2009. Click, acervo e cortsia de Fabiano Cruz
 
Continua...

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