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sábado, 12 de dezembro de 2015

Patrulha do Espaço - Capítulo 12 - Alienígenas Lotados na Área 13 - Por Luiz Domingues

O Rolando Castello Junior havia feito contato com o nosso amigo, Junior Muelas, de São José do Rio Preto-SP e a informação que tivemos decorrente dessa conversação, deu conta de que um estúdio fora recém-montado nessa mesma cidade, por três sócios, todos eles amigos e interligados ao Muelas, por laços de amizade e parceria musical, de longa data. 

Com instalações bem montadas e equipamento de primeira qualidade de gravação, continha estrutura para gravar um álbum com qualidade, e melhor, ficava na instalado praticamente na zona rural dessa cidade, em uma espécie de chácara, onde haveria a possibilidade para hospedar bandas de fora da cidade, a estabelecer um regime de gravação, total, sem interrupções.

Foto do Chateau H'érouville, badalado estúdio nos arredores de Paris, onde Elton John gravou o LP "Honky Chateau", de 1972

Bem, eu nunca havia gravado um disco assim, nos mesmos moldes em que tantas bandas internacionais que eu gostava, haviam gravado, em estúdios montados em ambientes paradisíacos desse porte, em meio ao campo, castelos medievais ou localidades praianas desertas, localizadas em países exóticos. 

Não chegaríamos nem perto disso em termos de glamour, mas seria algo similar, se acertássemos o negócio, ao ficarmos entre dez e quinze dias hospedados em uma chácara interiorana e afastada do ambiente urbano da cidade, concentrados para gravarmos um disco inteiro.

Outro estúdio mítico, o Musicland, de Munique, Alemanha, onde o Led Zeppelin, Queen, e Rolling Stones gravaram álbuns, entre tantos outros artistas

Seria uma experiência muito próxima das que ouvíamos comentar sobre bandas clássicas que apreciávamos e claro que seria muito estimulante para nós. Então, antes um pouco de irmos excursionar por Santa Catarina, o Junior nos comunicou que havia feito um acordo com tal estúdio e que teríamos que decidir se aceitávamos gravar nesse estúdio interiorano, mas houve um empecilho estrutural para nos dificultar a operação. 

Desde que entráramos no ano de 2003, o nosso empenho fora despendido para lançarmos o CD ".ComPacto" e apesar da agenda de 2003, não ter tido o mesmo ímpeto de 2002, não constara dos nossos planos imediatos, parar a agenda de shows para pensarmos em músicas novas e consequentes sessões de ensaios para burilar um novo material. Portanto, a perspectiva para gravarmos através desse estúdio/chácara nos pareceu maravilhosa, mas nós não tivemos material inédito para gravar, de imediato.

Dessa forma, Marcello e Rodrigo afirmaram que continham algumas ideias novas em termos de riffs e que poderíamos marcar ensaios, a aproveitarmos o hiato de shows que teríamos até dezembro e dessa forma, verificarmos se conseguiríamos sob um tempo curto, relativamente, desenvolver tais ideias preliminares, ao transformá-las em músicas estruturadas, preparar arranjos e definir letras em tempo de cumprir a tarefa.

Ao contrário do CD "Chronophagia", que teve uma base em que eu (Luiz), Rodrigo e Marcello havíamos preparado com calma através do projeto Sidharta, entre 1997 e 1999, e que recebeu o acréscimo de algum material feito em conjunto já como Patrulha do Espaço e também no caso do CD posterior, ".ComPacto", que demorou uma eternidade para ser lançado, mas teve um tempo de criação relativamente curto, neste caso, não tivemos nada novo em mãos, a não ser ideias muito preliminares e advindas de ações individuais de criação da parte do Rodrigo e do Marcello e mesmo assim, que nunca havíamos trabalhado em conjunto.

Na verdade, somente uma única ideia que veio da parte do Marcello, nós estávamos cientes de sua existência e a começar a desenvolver coletivamente, pois tratara-se de um riff que ele nos mostrara em algum soundcheck de show e que costumávamos então brincar livremente como "jam", a culminar que a desenvolvemos na estrada e que esta peça fora incorporada ao set list dos shows. 

Entretanto, não pensávamos em gravar um novo disco, tão cedo. Neste caso, eu falei sobre o riff do que veio a tornar-se a canção:  "Universo Conspirante". 

Todavia, como sempre ocorreu na história da Patrulha do Espaço, muito por conta do senso de oportunismo do Rolando Castello Junior, visto que ele desenvolvera essa percepção ao também acumular a função de empresário cultural, as situações aconteciam muitas vezes de forma fortuita e por atuarmos forçosamente no patamar underground, a banda nunca pode se dar ao luxo de recusar oportunidades, desde o tempo do Arnaldo Baptista a constar na formação, nos anos setenta, e assim, a sua história se construiu por movimentos estratégicos abruptos, em via de regra.

Bem, não estou a reclamar, pelo contrário, apesar da situação nova que se apresentara de uma forma inesperada, gravar um disco novo seria uma perspectiva muito boa. 

Marcamos ensaios então, em um estúdio localizado no bairro da Saúde, na zona sudeste de São Paulo, em uma rua próxima a Rua do Cursino e Avenida Bosque da Saúde. Tal sala de ensaios chamava-se: "Outro Estúdio" e a sua instalação se encontrava em uma casa muito ampla, situada em uma zona residencial localizada em um ambiente bom, entre casas de alto padrão, e portanto, um ponto do bairro muito bom para se viver. 

O dono era um rapaz chamado, Eduardo, que morava ali e montara um bom estúdio de ensaio sob uma área desconectada da sua residência. Já havíamos ensaiado ali em 2002, algumas vezes, e em 2003, os ensaios para o show, "Tributo a Keith Moon", que o Junior organizara em outubro próximo passado, houveram sido realizados ali, também.

Marcamos ensaios, que foram realizados antes e depois da viagem à Santa Catarina (foram treze ensaios no total), e por conta disso, os riffs propostos pelo Marcello e Rodrigo foram apresentados à banda e então, começaram a tomar forma, ao se tornarem músicas de fato, com a consequente preparação de arranjos que foram elaborados para todas as novas canções. 

O material continha muita qualidade, sem sombra de dúvida e mais se coadunava com o espírito do CD "Chronophagia", do que o do CD ".ComPacto", com muitas incursões ao Prog-Rock setentista, e influência sessentista Pop, via Beatles, principalmente. 

Como tudo fora repentino em meio a tal propósito, o montante se concentrou nessas ideias que os dois disponibilizaram à banda inicialmente e não houve muita troca entre os quatro componentes da banda. 

Eu por exemplo, tinha de minha parte apenas uma ideia de balada, mas que não prosperou ali, tendo tal peça sido aproveitada dois anos depois, em uma outra banda da qual eu faria parte, o "Pedra", e que veio a se chamar: "Amanhã de Sonho". 

Mesmo assim, saliento que não posso reclamar, pois apesar do caráter emergencial com que tudo foi preparado, tais canções que fechamos mediante tais ensaios realizados ao final de 2003, se revelaram ótimas.

Entre essas canções novas, o Rolando Castello Junior teve a ideia de regravar uma música inédita da própria Patrulha do Espaço, em seus primórdios, de autoria do Arnaldo Baptista e que não entrara no repertório do primeiro LP da banda, o "Elo Perdido", de 1977. 

Chamava-se: "Sr. Empresário", um Rock'n' Roll bem visceral, mediante estrutura tradicional e quadrada, harmonicamente a falar, mas com uma letra plena de deboche e cinismo, típica da criação do Arnaldo Baptista e bem no estilo das letras contidas no seu LP solo, "Loki", de 1975. 

O Rolando Castello Junior ponderou que teríamos que falar com a Lucinha, esposa do Arnaldo e que gerenciava a carreira dele, além de procurar a Warner Chappell, que detinha (detém) os direitos de edição da canção, e certamente teríamos que pagar uma taxa para poder incluí-la no repertório do nosso novo CD, mas que pensaríamos nessa burocracia a posteriori, portanto, deveríamos aproveitar o estúdio, e gravá-la. 

Então foi assim que nos preparamos durante uma semana nessa sala de ensaios e fechamos o estúdio de gravação em São José do Rio Preto-SP, para gravarmos a partir da segunda semana de dezembro de 2003. Foi uma sandice total, ao pensar no caráter súbito em que se constituiu tal ação, mas como se dizia nos anos setenta: "loucura pouca é bobagem"...

Antes de falar sobre os próximos shows e do retiro místico & ufológico que faríamos para gravar um novo álbum, eu devo comentar a respeito de mais algumas matérias e resenhas que se publicou na imprensa.
1) Revista "Tatuagem" - Nº 31 - outubro 2003

"Novo trabalho de uma das mais importantes bandas do Rock nacional. O Patrulha está na ativa desde os anos setenta. Já passou por várias formações, mas continua fazendo um som de primeira. Escute este CD e comprove".

Neste caso da revista "Tatuagem", se tratou de uma resenha superficial ao extremo, aliás nem dá para classificá-la dessa forma, mais a parecer uma nota sobre o lançamento do disco. Mas não dá para reclamar, pois apesar disso, foi positiva na abordagem e toda publicidade era (é) válida, naturalmente, mesmo em uma revista não muito a ver conosco, focada no universo das tatuagens, tatuadores & tatuados. Para quem pensa que esse universo é "Rock'n' Roll", há um ledo engano na interpretação, mas não cabe aqui tecer explicações sobre tal.

2)  Rock Press - Nº 56 - setembro 2003

"O novo CD da decana banda Heavy Rock and Roll, apesar de ter sido nomeado e de vir embalado com capa de compacto, é um CD mesmo que cai de cabeça no som dos anos 70, aquele estilo que vai desde o Terço, até Triumvirat (só que com guitarra), até a velha reverência ao Led Zeppelin. A banda toca muito bem, mas o excesso de veneração ao passado, tanto em termos líricos (letras falando de minerais...), como nos clichês usados exaustivamente, nas composições, acrescida de uma sonoridade de ensaio, que não condiz com o conteúdo "progressivo"), dá uma soma com um som meio "passado" demais. O excesso de clichês soa, como diremos, excessivo. Apesar de tudo, "Nem Tudo é Razão" é uma boa composição".

CL

Bem, como eu já afirmei anteriormente, não tenho nenhum tipo de conflito em receber uma crítica desfavorável, desde que seja isenta, não se apoie em idiossincrasia e/ou preconceitos da parte do seu redator, contenha argumentação farta e plausível e acima de tudo, apresente uma clara intenção construtiva, em sua formatação. Não foi o caso desse rapaz, cujo nome não consigo identificar nessa sigla, "CL".

Vamos aos fatos para melhorar analisar a resenha escrita por essa pesoa:

1) O texto já começou mal ao usar o termo "decano". Sim, éramos uma banda que já ostentava longa carreira naquela altura dos acontecimentos, mas o termo usado em questão foi colocado sem nenhuma outra intenção a não ser nos depreciar e ao desnudar o comprometimento do resenhista com um preconceito descabido e que só me leva a deduzir que esse rapaz devia ser um entusiasta de artistas oriundos da estética do Pós-Punk, e naquela ocasião em específico, quem esteve em voga, foram os seus derivados, os indefectíveis  "indies"; ou por outro viés, se fora um adepto do Heavy-Metal, e portanto, obcecado em estabelecer limites para os artistas, com um carimbo em mãos sempre prestes a ser usado, com o dizer: "datado", a demarcar o que é "hype", do que deixou de ser "hype", sem se ater à qualidade musical em si, mas a usar como único critério efêmero, o tempo que passa ao piscar de olhos.

2) De onde tirou a ideia de que éramos uma banda "Heavy?" Neste caso lhe faltou preparo, estudo, cultura musical mais avantajada e claro, vontade para pesquisar, antes de escrever. O brasileiro padrão é mesmo "macunaímico", por excelência, Mário de Andrade teve razão em sua conclusão.

3) Tudo bem não ter achado a ideia da embalagem, criativa, tampouco ter percebido a sutileza tríplice do nome do álbum, mas do jeito que descreveu tais nuances, creio que se tornou autodepreciativo ao desnudar a sua própria ignorância. Em suma: ficou chato para ele mesmo arremessar o "boomerang" e não contar com o inevitável retorno do artefato bem no meio de sua própria testa.

4) Quer dizer que o "som dos anos 1970 é algo entre O Terço e o Triumvirat, e no máximo o Led Zeppelin?" Somente isso, tão simplório assim? É o tal negócio, eu não vivi os anos cinquenta, mas tenho plena consciência que naquela década, aconteceram inúmeras tendências importantes e muitos artistas surgiram, aliás, aos borbotões. Os anos cinquenta não foram "algo entre o Elvis Presley e o Chuck Berry"... ou seja, estudar é bom, mas esse rapaz definitivamente não gostava de fazer a sua "lição de casa"...

5) "Letras falando em minerais"... ora, aceito sem problema que não tenha gostado do teor dessa, e de outras letras do disco, mas tenha dó, garoto... foram citações de ruas do bairro onde a maioria dos componentes da banda residiam, apenas isso, uma homenagem. Citar isso é quase como malhar o Adoniran Barbosa, que nomeou bairros de São Paulo em suas canções, ou o Tim Maia por enaltecer as praias do Rio de Janeiro, do Leme ao Pontal...

6) Aceito humildemente a ideia de que esse disco deixa a desejar no quesito áudio em meio à sua qualidade de gravação e nos capítulos da minha autobiografia concernentes à sua gravação e finalização, eu expliquei com detalhes os motivos pelos quais ele não pôde ter ficado melhor. 

Todavia, não aceito a insinuação maldosa e fora de propósito de que a execução da banda tenha sido ruim, como o rapaz escreveu, ao desdenhar de uma forma bastante deselegante, e pior, mentirosa. 

Primeiro, porque a performance da banda ou de qualquer um de nós instrumentistas, individualmente, foi pautada sob alto nível nessa gravação e a despeito das deficiências do áudio, estas foram alheias à nossa vontade, e neste caso, em nada nos desabona como músicos. 

Esta é uma observação que eu estabeleço não como uma demonstração de soberba, prepotência ou presunção de minha parte, mas por ser um analista crítico, testemunha ocular & participante do processo dessa gravação. 

Fora isso, se desvela a incoerência do autor da resenha, que linhas abaixo em seu texto, afirmou que nós "tocávamos bem". Afinal, tocamos bem, sim ou não, em sua percepção ginasiana? 

Segundo, por que entre tantas críticas que recebemos, essa foi a única em que um disparate desse porte foi escrito. Críticos renomados e consagrados no jornalismo musical brasileiro, registraram opinião frontalmente oposta a desse rapaz, portanto, não teve nenhum cabimento sustentar essa tese estapafúrdia. 

"Sonoridade de ensaio que não condiz com o conteúdo progressivo" foi uma colocação de uma infelicidade atroz da parte do resenhista. Se achou divertido escrever isso em tom de corrosão intencional e maldosa por intenção deliberada, errou feio, e pelo contrário, atirou no seu pezinho "indie' ou "metaleiro", quem sabe o que esse provocador gostava de ouvir no seu "headphone em suas horas de lazer?" E mais uma observação: as aspas na palavra "progressivo" desmascararam o preconceito do rapaz. Creio que seja desnecessário explicar o porquê.

7) "O excesso de clichês soa, como diremos, excessivo. Apesar disso tudo, 'Nem Tudo é Razão' é uma boa canção".
Ora, tivemos ali um redator de humor, em potencial! Ele deve ter se sentido um "gênio" por cunhar essa frase de efeito, no uso de um pleonasmo para nos satirizar, mas nada como um dia após o outro... o que dizer, então? 

A sua resenha é um clichê que copiou de algum ídolo seu da revista Bizz, mais preocupado em se mostrar "brilhante" na fina ironia "Oscarwildeana", do que analisar uma obra artística com isenção. 

É uma pena que existam jornalistas ou simulacros de, a abundarem as redações de órgãos difusores culturais, com essa mentalidade destrutiva. Há maneiras dignas de se escrever sobre pontos negativos de uma obra, isso eu aceito. Agora, crítica injusta, baseada em preconceitos idiotas e odiosos, aí eu realmente não posso dar crédito. Tomara que esse rapaz tenha crescido na carreira e adotado doravante uma postura mais profissional e preparada para resenhar discos, porque isso aí que ele assinou em 2003, foi vergonhoso para ele mesmo.

Ao coincidir com a data de nossa chegada no estúdio/retiro de São José do Rio Preto-SP, nós tivemos dois shows para cumprir na mesma rota, em duas cidades pelo caminho. 

Entraríamos no estúdio na segunda-feira, dia 15 de dezembro de 2003, portanto, saímos de São Paulo no sábado, dia 13, com destino a São Carlos-SP, cidade essa em que tivemos agendada uma apresentação em um bar daquela cidade. 

Foi a quarta vez em que apresentar-nos-íamos naquela pujante cidade interiorana, marcada pelo seu aspecto universitário muito forte, por abrigar uma universidade federal renomada, a UFSCAR, e um campus avançado da USP, mas que também mantinha outra característica marcante: sempre foi uma cidade com muitos Rockers e estes bastante antenados em Rock vintage/clássico, ou simplesmente "1960 & 1970", como queira denominar o leitor. 

Portanto, tocar em São Carlos-SP, foi sempre prazeroso para nós, e mesmo por que, já tínhamos ali uma boa amizade com os músicos de bandas da cena local e agregados que orbitavam nessa vibração retrô. 

Desta feita porém, por se considerar as três ocasiões anteriores em que ali nos apresentamos, a casa que abrir-nos-ia as portas seria a mais modesta, com um espaço físico bem mais tímido, em relação aos shows realizados anteriormente em outros locais da cidade. Tratou-se de um estabelecimento chamado: "Armazém Bar". 

Com um espaço tímido, não poderia atrair uma grande multidão, portanto, sabíamos de antemão que seria um show quase intimista. As suas proprietárias não sinalizaram com nenhuma obrigação de nossa parte no sentido de sermos obrigados a tocarmos com volume mais comedido, como geralmente acontecia em casas dessas dimensões diminutas, porém, por uma questão de lógica, sabíamos que não poderíamos tocar a vontade. 

Mesmo assim, não nos abstemos de realizarmos o nosso show normal, sem ter que recorrer ao formato semi-acústico e outras improvisações desse nível, como havíamos feito em algumas ocasiões anteriores e já relatadas. 

Com a abertura da banda amiga, "Homem com Asas", e equipamento de PA providenciado por eles, o soundcheck foi tranquilo e o convívio com os amigos, prazeroso, como sempre. 

Hospedamo-nos no confortável hotel pertencente a USP, localizado poucas quadras dali e quando voltamos para o show, a casa já estava aberta e com o público a chegar. Uma curiosidade aconteceu, antes da nossa apresentação. 

O "Homem com Asas" ainda nem havia se apresentado, quando em uma roda de conversa na qual eu estava acompanhado do Luiz "Barata", um rapaz se pôs a falar de um site de cultura que adorava acompanhar. Falou bastante, ao detalhar o que mais o agradava nessa revista virtual, e o quanto admirava o seu editor/proprietário, um ativista cultural chamado: "Barata"... 

Foi insólito, mas o rapaz não fazia nem ideia de que estava diante do próprio, em carne e osso, sem imaginar sequer que isso fosse possível. Não suportei e ao interrompê-lo, o apresentei ao Barata e o rapaz ficou tão sem graça que de prolixo entusiasmado, se transformou em uma pessoa calada e nitidamente constrangida, sob uma fração de segundos. 

Claro, o próprio Barata tratou de quebrar o gelo e também emocionado pela demonstração espontânea de carinho, agradeceu efusivamente o apoio do rapaz ao seu site etc. Depois que o rapaz saiu da roda de conversa, o Barata comentou que uma manifestação assim com essa espontaneidade, se tratava do seu combustível para prosseguir com sua luta pró-cultura, e que estava muito surpreendido e tocado pelo ocorrido. 

Não foi para menos e claro, isso disparou em minha mente a convicção de que embora não seja algo tão gritante quanto estar a usufruir da popularidade proporcionada pela mega exposição do mainstream, artistas underground como nós, tendiam (tendem) a não ter a dimensão exata do alcance do trabalho. 

Mas o fato é que mesmo por não estarmos nas emissoras de rádio e TV populares, atingimos muitas pessoas e que estas se mostram espalhadas pelo Brasil afora e nos tempos mais modernos, sob uma perspectiva de alcance virtual com a qual lidamos nos dias atuais, 2016, se pode afirmar que o alcance seja sob âmbito mundial. Nunca se sabe de onde vem o apoio, mas ele vem, da parte de pessoas que nos acompanham e apreciam o nosso trabalho.

O show do "Homem com Asas" foi ótimo, como sempre, pela qualidade da banda e também pela escolha de repertório sempre a buscar o inusitado dentro do espectro do Classic Rock, ao privilegiar o "lado B" de grandes artistas consagrados e até a menção a artistas mais obscuros, mas igualmente geniais. 

Foi muito positivo tal predisposição, mas eu sempre esperava mais atitude autoral da parte deles, que se mostrava tímida nesse quesito, ao tocar uma, no máximo duas canções próprias, uma pena, portanto, com todo aquele potencial que a banda apresentava.

O nosso show foi muito bom, com resposta quente da parte do público Rocker sãocarlense. A casa superlotou, mas com espaço físico limitado, ficou ali no patamar de cento e cinquenta pessoas, apenas. 

Ao melhor estilo: "turnê da barata tonta", o show do dia seguinte esteve marcado para a cidade de Limeira-SP, ou seja, no sentido de São Paulo e não o contrário a privilegiar o nosso destino final que seria, São José do Rio Preto-SP. Paciência, foi o melhor que pudemos fazer e lá fomos nós no domingo a tarde, rodar sessenta km para trás...

Chegamos em Limeira-SP com tranquilidade, sob forte calor. Tocaríamos novamente no famoso, "Bar da Montanha", uma casa aonde já havíamos nos apresentado por diversas vezes, igualmente no passado. Desta feita, porém, o show não estava muito bem divulgado, pois houvera sido marcado com pouca antecedência, ao tentar aproveitar a nossa ida para São José do Rio Preto-SP, portanto fora um encaixe de última hora que o seu simpático proprietário, fez para nos acomodar em sua casa, ao trocar a data com outra banda que já estava agendada, previamente.
Pouco após o soundcheck, todos ficaram hipnotizados em relação à imagem que o telão instalado no bar, e que exibia nesse instante, ao sintonizar em um desses canais de notícias, 24 horas por dia. Lá estava a persona de Saddam Hussein, barbudo e a se parecer com um mendigo, que estava a ser mostrado escondido em um buraco, literalmente, ao se assemelhar a uma vala funerária e com semblante atônito.
Estava capturado o homem que a mídia dizia ser um facínora, e do qual se deu a impressão que de queriam forjar uma imagem de louco histriônico, uma espécie de Adolf Hitler pós-moderno e pronto para ser execrado pela opinião pública. Conjecturas políticas e observações sobre a manipulação midiática a parte, teríamos um show de Rock para cumprir...

Não foi um show animado e que nos deixasse uma lembrança boa sobre termos estabelecido sinergia com o público, o quanto gostávamos tanto de experimentar. 

Mas foi bom para os fãs da banda que nunca faltavam, incluso contingentes vindos de cidades vizinhas (as turmas de Santa Bárbara D'Oeste-SP, Araras-SP, Rio Claro-SP, Leme-SP, Cordeirópolis-SP etc). 14 de dezembro de 2003, Bar da Montanha em Limeira-SP, com cerca de oitenta pessoas na plateia. 

Dali em diante a meta foi colocar o equipamento no ônibus e rumarmos para São José do Rio Preto-SP, local onde a nossa nave interplanetária entraria em uma área ufológica, com a missão de gravar um novo álbum. Foi a hora de aterrissar na misteriosa: "Área 13"...

Junior Muelas observa a manobra do nosso ônibus para entrar na chácara/estúdio, onde gravaríamos o nosso novo álbum, na primeira foto e na segunda, eu (Luiz) estou no quadro, também, a observar e de fato, o portão era estreito para entrar, e na marcha ré, pior ainda, a obrigar o "seu" Walter a se esmerar! Acervo e cortesia de Junior Muelas

Cansados, mas animados com a perspectiva do retiro místico/ufológico e Rocker, chegamos em São José do Rio Preto-SP, por volta das 7:00 horas da manhã. O nosso ônibus estacionou na beira de uma lanchonete famosa, dessas oriundas de franquias de marcas internacionais, bem na entrada da cidade e ali já avistamos um carro de onde desceram, Junior Muelas e outros amigos, que nos aguardavam para nos guiar até o perímetro suburbano da cidade, rumo à chácara onde estava instalado o estúdio.

O seu nome evocava um significado bem mais terreno, mas no nosso imaginário, ganhou ares ufológicos: "Área 13". A intenção de seus proprietários ao lhe conferir tal denominação, fora fazer alusão ao código telefônico da cidade de São José do Rio Preto, mas ao usar a palavra "área", fatalmente despertou para nós e para muita gente, a ideia de uma área secreta mantida por militares e cientistas, destinada ao estudo de fenômenos extraterrestres, para suscitar um caldeirão enorme de especulações, teoria da conspiração etc. 

Ao se somar ao fato de que a nossa banda ostentava a tradição de manter próxima das motivações ufológicas, a começar pelo próprio nome que ostentávamos, claro que nos pareceu ser uma feliz coincidência, a reforçar tais conceitos. 

Quando chegamos ao local, eu apreciei a visão da construção onde ficava instalado o estúdio. Com aspecto de um templo místico, me pareceu uma loja maçônica, templo Rosa Cruz ou algo similar do gênero.

                         Fabio Poles, em foto bem mais atual

Uma boa explicação para a sua aparência bem cuidada, residiu no fato de que um dos seus proprietários, Fabio Poles, fosse arquiteto de ofício, além de músico, portanto, ele fora o responsável pela concepção daquela construção. 

Sonolentos pela longa viagem e o acúmulo de três dias na estrada e com direito a dois shows, descarregamos o equipamento e ao adentrarmos o estúdio, verificamos que as instalações eram ótimas. A sala de gravação era ampla, e a técnica, igualmente, tudo com acabamento de primeira linha e a cheirar a tinta. 

Não seríamos os primeiros artistas a gravarem ali, mas o estúdio estava ainda com um astral de recém-inaugurado, sob uma sensação de conforto aconchegante, limpeza extrema e com isso, a atmosfera ali se mostrou excepcional, para se concentrar na gravação de uma obra artística, a se perpetuar. O segundo proprietário se tratou de um velho conhecido nosso, Alberto Sabella.

Alberto Sabella em ação em um show d'A Estação da Luz, alguns anos depois

Muito amigo do Junior Muelas, Sabella gravitava em torno do "Hare", banda pela qual o Muelas atuara, e este também chegou a integrá-la em uma formação recente, ao ocupar a vaga do baixista. Contudo, na verdade, ele era multi-instrumentista, pois igualmente tocava bem bateria, mas de fato, a sua especialidade estava nos teclados. 

Piloto de tecladeiras setentistas, não só era (é) um exímio tecladista, como se mostrava apaixonado por timbres vintage e ao ir além, um colecionador, pois tinha consigo, vários teclados retrô sob alto nível em seu acervo pessoal. 

Alguns anos depois, Sabella seria o tecladista da excelente banda: "A Estação da Luz", junto a Junior Muelas. Sabella seria um dos técnicos na nossa gravação. 

O outro sócio, também músico (guitarrista e baixista com militância em bandas de Heavy-Metal), chamava-se: Gustavo Vasquez. Muito comunicativo e extrovertido, ele estabeleceu amizade instantânea conosco.

                     Gustavo Vasquez, em foto bem mais atual

Apresentados ao estúdio, ficamos com a melhor impressão possível. Não só pelas instalações físicas, mas igualmente a respeito de todo o equipamento disponível, que se pautara pelo alto padrão, com mesa de qualidade, microfones de gabarito e com a presença de paramétricos modernos. 

Este seria o primeiro álbum da Patrulha do Espaço, não somente da nossa formação, mas da carreira inteira da banda, gravado em sistema digital, visto que no âmbito do anterior, ".ComPacto", apenas no processo de mixagem e masterização houvera sido dessa forma o seu processo de produção. 

Mas neste caso, com todo o processo sendo digital, incluso a captura inicial de gravação, seria a primeira experiência e não somente da banda, como para todos os componentes, individualmente a falar, incluso eu mesmo. Fomos então conhecer o sítio em si e a casa rústica em anexo ao sítio, onde hospedar-nos-íamos, naquelas duas próximas semanas.

Foto acima: acervo e cortesia de Junior Muelas. Patrulha do Espaço ao vivo em Mirassol-SP, 30 de dezembro de 2001
A chácara não era gigantesca em sua área, mas detinha uma área boa, com possibilidade para ali se construir mais edificações e estabelecer assim o devido espaço para empreendimentos tipicamente rurais, tais como: horta, pomar, galinheiro e canil. Comportaria igualmente um campo de futebol, mesmo que sob dimensões reduzidas (não oficiais) e uma piscina, além de uma quadra poliesportiva, tranquilamente. 
 
Tudo isso esteve nos planos dos proprietários e eles também pensavam na ideia de construir um alojamento, para receber artistas como nós, que estávamos ali hospedados, mas no padrão da edificação onde montaram o estúdio, ou seja, com arquitetura semelhante no seu design, e todo o conforto para os visitantes se acomodarem bem. 
 
Mas naquela época, a realidade ainda não era essa, e se o estúdio esbanjava conforto, as instalações de hospedagem para os visitantes/clientes, ainda eram precárias, muito improvisadas. 
 
A casinha que nos serviu como alojamento, era muito rústica, ao denotar ser uma construção bastante antiga e que em tempos remotos devia atender às necessidades da chácara, possivelmente ao servir como residência para um caseiro, capataz ou seja lá a função do administrador do local. 
 
Bucolismos a parte, também houve o lado mau desse estado de conservação, com alguns problemas pontuais que precisavam ser contornados, mas como o plano deles foi demolir a casa e construir um alojamento moderno e bem-acabado, com toda a infraestrutura de um pequeno hotel, nesse momento eles nos pediram mil desculpas, mas ali naquele momento, foi o melhor que poderiam nos proporcionar. 
 
Ao ir além, fizeram o possível e até o impossível para nos garantir a melhor estada ali, ao promover pequenos consertos pontuais, providenciar eletrodomésticos de suas casas para nos dar o máximo de conforto e em meio àquele calor interiorano típico, sem ventiladores, teria sido impossível dormir. 
 
E até um aparelho de TV com vídeocassete para nos distrairmos nas horas de descanso. Mas por ser uma construção sem acabamento e com velhos tijolos expostos, além do telhado sem laje e com várias telhas quebradas, foi inevitável que muitos insetos, aracnídeos e animais peçonhentos ali se alojassem.

Acho que eu nunca havia visto tantas aranhas e insetos de várias espécies, juntos. Portanto, o temor por mordidas e/ou picadas, foi grande, principalmente nos momentos de sono, durante as madrugadas, se bem que na tradição das gravações de um disco, ainda mais por se tratar de uma banda de Rock, claro que as sessões usariam grande parte da madrugada, no ambiente asséptico e ultra agradável do estúdio, com ar condicionado a todo vapor e a inexistência completa de nenhum inseto, sequer. 

Mais que isso, pequenos répteis rondavam a casinha. Cobra não vimos, mas lagartos de um porte até assustador, vimos várias vezes.

E também haviam muitos pássaros, naturalmente e até primatas... como por exemplo, um clã formado por macacos que rondavam a casa, a procura de comida e claro que com a nossa presença ali, sentiram o cheiro de vários alimentos que cozinhávamos e/ou através da simples armazenagem de alimentos na despensa que organizamos ali. 

Em certo dia até, eu tive uma experiência sui generis, pois acordei e me deparei com um macaquinho desses, no teto, a me fitar. Acho que o sentimento foi mútuo, ou seja, ele também deve ter achado muito exótico um humano sonolento estar presente ali naquele lugar... 

Bem, antecipei-me um pouco... de volta a falar do primeiro dia no estúdio, o objetivo inicial foi nos instalarmos na hospedaria e montar o set de bateria com muita calma, a iniciar a captura de timbres tão somente, com os trabalhos propriamente ditos, a começarem somente na terça-feira. E assim se procedeu.

Uma boa nova surgiu quando recebemos a equipe de reportagem de um dos jornais da cidade. O próprio estúdio havia alertado a redação do referido jornal sobre a nossa presença e isso fez parte de seus esforços para capitalizarem a força da mídia em seu favor, ao se enaltecer a capacidade do estúdio para atrair artistas de fora da cidade de São José do Rio Preto-SP, e no nosso caso, além da fama que tínhamos no mundo do Rock, há de se salientar que por sermos oriundos da capital de São Paulo, claro que esse fato foi para ser comemorado pelo pessoal do estúdio, pois denotara ser um sinal de status para eles, ao atraírem um artista famoso da capital, ao se considerar que a oferta de estúdios em alto nível na cidade de São Paulo, era imensa. 

Foi legítima a propaganda para eles, portanto e para nós, foi igualmente muito bom sermos retratados em uma reportagem de página inteira, no jornal local. 

Alguns dias depois, uma outra reportagem, desta feita publicada no jornal concorrente, usou do mesmo mote e claro que apreciamos muito a exposição, para o estúdio e para a banda.

A bateria do Rolando Castello Junior montada e em destaque na sala de gravação do estúdio "Área 13"

A partir da terça-feira, dia 16, começamos a gravar a bateria. Ao contrário dos dois álbuns anteriores, nos quais graváramos as bases ao vivo, todos a valer, desta feita com mais tempo, gravaríamos com a metodologia do "um-por-um", e que particularmente, eu prefiro.

Portanto, passamos a terça-feira inteira a gravarmos a bateria de todas as canções, com paradas para descanso e refeições, naturalmente. Quando sentimos que o Rolando Castello Junior estava fatigado, paramos e o que faltou concluir, deixamos para a quarta-feira, sem nenhum atropelo.

Portanto, quando a quarta-feira chegou, concluímos a bateria com bastante tranquilidade e a manter uma tradição adquirida desde a gravação do álbum "Chronophagia", ou seja, a de pedir para o técnico apertar os botões: "Play & Rec", após o término da gravação de todas as músicas e assim se gravar um solo de bateria.

Desta feita, porém, ao contrário das ocasiões anteriores em que o Rolando criara solos sob total improviso, ele teve em mente um arranjo e deu-se ao luxo de ensaiar um pouco antes de gravar e chegou até a usar do recurso do overdub para acrescentar algumas ideias suplementares que havia planejado. 

Após uma pausa para o jantar e um bom descanso, Alberto Sabella e Gustavo Vasquez me disseram que estavam bem dispostos e se eu também estivesse, poderíamos começar a gravar os baixos oficiais das músicas, até onde a nossa disposição ante o cansaço, assim nos permitisse. 

Claro que eu aceitei, notívago que sou e de fato, estava bem-disposto. Foi por volta de 23:30 horas da quarta que começamos a montar o meu set de gravação. Usei o meu Kit tradicional com amplificador Gallien Krueger e duas caixas Ampeg. E dois dos meus três baixos clássicos para gravar: Fender Precision, e Rickenbacker.

Apesar dessas músicas todas terem sido finalizadas e arranjadas em cima da hora, com poucos ensaios, todos sabiam exatamente o que teriam que gravar, definidos os arranjos pessoais de cada um. E eu não fugi a essa regra, por ter em mente, nota por nota, o que havia definido fazer. 

Quando estava tudo pronto para eu começar a  gravar a minha parte, os companheiros resolveram dar um passeio pelo centro de São José do Rio Preto, para espairecer, pois já estávamos há três dias naquela chácara, e foi compreensível que quisessem sair dali um pouco e buscar um pouco de distração urbana e noturna. 

Fiquei sozinho com os técnicos Sabella e Vasquez, e comecei a gravar com muita paz de espírito, e foco total.

Música após música a ser gravada, e com a minha rapidez absoluta para gravar, não se marcara nem três da manhã quando a minha participação no disco esteve inteiramente cumprida. 

Mesmo com trocas de instrumentos e pequenas pausas para timbrar diferentemente cada um, não tivemos nenhum problema e a gravação transcorreu com muito foco e extrema camaradagem entre eu e os técnicos, se bem que, quem realmente comandou de fato foi o Sabella, pois o Vasquez operara a bateria o dia inteiro e ao contrariar o que me dissera um pouco antes, ele rapidamente sucumbiu ao se mostrar cansado e dessa forma, apenas assistiu um pouco e se retirou para se recolher. 

Encerramos a sessão do baixo e quando estávamos a ouvirmos o resultado da captura geral de todas as canções, os companheiros chegaram e se surpreenderam com a notícia a dar conta de que o meu trabalho estava encerrado, pois acharam que eu gravaria uma ou duas músicas, e deixaria a finalização para o dia seguinte.

Bem, além do uso do canal a buscar o sinal das caixas do meu amplificador, também houve um canal de linha e a passar por um paramétrico específico, o famoso equalizador, "Avalon", que segundo os experts da ocasião, realçava o sinal, ao auxiliar no peso e timbre vintage que eu sempre buscava nas gravações de discos, com os meus baixos. Quinta-feira seria o dia das bases harmônicas feitas pelas guitarras e teclados, a hora e a vez de Hid & Schevano, trabalharem.
A quinta-feira e a movimentação no estúdio, logo após o café da manhã foi para se posicionarem os amplificadores e guitarras, inicialmente. O plano foi gravar todas as bases de guitarra e a seguir, as bases de teclados. Tudo foi preparado e os trabalhos começaram.

Claro, guitarra é sempre mais complicado para se gravar, mesmo se o músico tenha os seus arranjos bem definidos em tese. São muitos detalhes de equalização, uso de pedais e sobreposições feitas em overdubs, fora a performance em si. 

Mas os dois detinham uma capacidade absurda e mesmo por ser em tese mais lento o processo, normalmente, eles se puseram a concluir com eficácia etapa após etapa, e claro, com muita qualidade, os seus respectivos trabalhos.

Uma particularidade desse disco que é preciso mencionar, devido a forma abrupta pela qual formatamos o repertório, algumas canções tiveram as suas respectivas letras concluídas durante a nossa estada nessa chácara. Portanto, foi até lúdico de certa forma, que o processo de criação fosse tocado em paralelo com a finalização da produção. 

Nesses termos, se tornou parte da rotina ver os componentes da banda em momentos livres a conversarem sobre as letras e a trocar sugestões mútuas ao anotar frases formuladas dessas conversas, em cadernos pelos cantos do estúdio e da chácara.

Ao gravar com calma, as bases se concluíram sob um ritmo mais gradual, mas apreciávamos cada finalização, e com baixo e bateria gravados, as músicas com bases foram a ganhar corpo e a se definirem, com ótimo resultado. 

Os timbres ficaram sensacionais até então. Disparadamente se delineara pela construção, como o melhor trabalho de estúdio que a Patrulha do Espaço havia obtido até então e ouso dizer, da carreira toda da banda em termos de qualidade de áudio.

Não só pela capacidade do estúdio e a competência dos técnicos envolvidos, mas também pelo astral dessa gravação e o bucolismo todo da chácara, portanto, nessa conjunção de fatores, ficou claro que tal soma de fatores refletir-se-ia no resultado sonoro do disco. 

Dia produtivo, mas que não deu para concluir tudo. A sexta-feira abriu com a conclusão da gravação das bases de guitarra e prosseguiria com a mesma intenção, só que em relação aos teclados.

Na sexta-feira e no sábado, os trabalhos se intensificaram e as bases de guitarras e teclados estiveram encerradas. No mesmo dia, começou a sessão de solos para ambos, com Hid & Schevano a trabalhar forte e com muita objetividade. 

Empolgados, eles gravaram durante o sábado inteiro, ao esticar até a madrugada quase a concluir o trabalho de ambos, em termos de guitarras.

Cansados, pararam então no início da madrugada, quando foram espairecer na cidade e claro que mereciam e precisavam desse relaxamento. 

No domingo, resolvemos promover um descanso geral e apesar disso, não foi um dia totalmente ocioso, por que algumas percussões foram gravadas, com apoio do Junior Muelas, que trouxe vários instrumentos consigo e junto a Rolando Castello Junior, ambos gravaram com muita criatividade tais detalhes e quando eu for comentar sobre o disco, faixa a faixa, certamente irei destacar tais participações, e que julgo terem sido muito boas. 

A aproveitar o dia mais leve, dois detalhes também foram gravados. Marcello Schevano acrescentou um curto solo de flauta e mais um de saxofone, em duas canções. A flauta era também tradicional em nossos discos e o sax, foi uma novidade que ele passara a tocar desde 2003 e que doravante ele incorporaria à banda, como mais um adendo enriquecedor e dentro daquela enorme versatilidade que era (é) uma particularidade de sua genialidade. 

Com as gargantas preservadas e mediante aquela recomendação para ninguém abusar de bebidas geladas, nos recolhemos, pois, a partir do dia seguinte, segunda-feira, mergulharíamos na parte final da gravação, ao nos dedicarmos aos vocais solo e aos backing vocals.

Quando chegara a hora de se gravar a voz, aí já não deu para se forçar barras e enfrentar o cansaço. Por se tratar de organismo, gravar várias canções seguidamente, ao fazer várias "tomadas", e muitas vezes a gravar dobras, desgastaria uma barbaridade e se não houvesse uma certa prudência, poderia até gerar uma lesão no cantor, muitas vezes com gravidade. 

Portanto, ao mesmo tempo em que comemorávamos o fato de que essa gravação estava a ser feita com muita calma e daí a se mostrar bem objetiva, não queríamos forçar nada e se não desse para concluir a parte vocal antes do natal, marcar-se-iam sessões para janeiro, e aí, a dispensar a necessidade da banda estar inteira ali e sobretudo amparada pelo uso do seu ônibus e equipamento backline.

Outro fator que nos preocupou nessa reta final da gravação, foi o fato de uma música em específico, não ter tido a sua letra concluída e assim, a deixarmos por último para gravar, ao dar-lhe tempo para ser fechada. Tratou-se de: "Universo Conspirante", que teve decisiva participação do Rolando Castello Junior, em sua conclusão poética, nos estertores de nossa estada na chácara.

Aliás, nesse disco em específico, o Rolando colaborou bastante com ideias para a conclusão das letras, é bom registrar, ao contrário dos álbuns anteriores onde os demais, incluso eu, Luiz Domingues, contribuímos mais. 

Todas as vozes foram gravadas sem problemas e os backing vocals, também. Eu participei bastante dos backings, mas não contribuí muito na elaboração dos arranjos vocais, como houvera sido no disco anterior, quando eu fui responsável pela maioria das ideias nesse quesito.

Curiosamente, a mixagem me beneficiou bastante nesse álbum, e assim, a minha voz aparece claramente, mesmo misturada às vozes de Rodrigo e Marcello, que sempre tiveram emissão natural muito mais forte que a minha. 

Conforme eu já relatei anteriormente, gravamos, sim, a música: "Sr. Empresário", canção do Arnaldo Baptista, que deveria ter sido incluída no primeiro álbum da Patrulha do Espaço, mas fora descartada em 1977. 

A nossa versão ficou muito bem gravada, contém uma dose de energia e também um sentido de balanço incrível e no backing vocals, a minha voz está em evidência, ao se somar com a do Marcello, que conduziu o vocal solo. 

Contudo, ao temer problemas com a editora Warner Chappell e a Lucinha, esposa do Arnaldo (e que gerenciava a sua carreira), o Rolando Castello Junior optou por não incluí-la em nosso álbum. Acho que ao pensar na questão burocrática, ele acertou em sua decisão, mas é uma pena, pois a gravação ficou excelente e os fãs da Patrulha do Espaço iriam delirar com tal raridade. 

Mesmo por que, a letra é bem no estilo do Arnaldo, na fase do seu LP solo, "Loki" de 1975, com muitas imagens loucas e aquela dose de cinismo/deboche que tanto encanta os seus seguidores fanáticos. Quem sabe um dia essa gravação seja lançada? Eu gostaria muito que isso acontecesse.

O "seu" Walter, o nosso intrépido motorista, veio nos buscar. O ônibus ficara na chácara o tempo todo, mas ele voltara para São Paulo, pois não havia sentido que ele ficasse ali nesses dias todos da gravação e de fato, ele teve os seus afazeres na capital, naturalmente.

Foi na quarta-feira, dia da nossa partida e antevéspera do natal quando nos restar gravarmos apenas um detalhe, a voz principal da música: "Universo Conspirante", pois ainda faltavam alguns versos a serem escritos. Até os backing vocals já estavam finalizados, mas faltava a voz principal, exatamente pela não conclusão da letra.

Todos se prontificaram a tentar ajudar, quando finalmente o Junior e o Marcello concluíram algumas frases que se encaixaram com o teor do tema proposto e então, a gravação foi feita a toque de caixa.

Toda a bagagem e o equipamento da banda já dentro do ônibus, preparado para a nossa volta para São Paulo enquanto ainda se grava a voz solo dessa questão. Incrível, não me lembro por ter passado por uma situação semelhante em nenhum disco que gravara anteriormente, incluso em todas as outras bandas pelas quais eu atuei. 

Mas tudo bem, encerramos a gravação e dispensamos assim a necessidade de necessitarmos marcar sessões extras para depois das festas. Claro, com exceção da mixagem, que forçosamente teria que ser marcada para janeiro, todavia, que por conta das dificuldades de agenda do próprio estúdio, que havia fechado datas com outros clientes, ficou mesmo para o final de fevereiro de 2004 a perspectiva de conclusão do álbum. 

Como último ato da nossa gravação e retiro bucólico, uma foto foi proposta a retratar a banda, sua equipe, os técnicos do estúdio, Junior Muelas, e vários amigos que visitaram as gravações ao longo desses dias. Tal foto foi feita na sala de gravação, com clima de total descontração e infelizmente alguém deu a ideia infeliz de "todos" posarem a fazer um gesto obsceno, no uso do famoso dedo médio em riste. 

Sinceramente, eu não consigo entender essa mania idiota que quase todo mundo tem de estragar fotos e filmagens ao usar desse expediente imbecil. Qual a motivação para se perpetrar tal ato? Querer denotar a atitude da rebeldia? Querer xingar a esmo por sinalizar ser "contra" o sistema? Querer ofender a sociedade e a esmo?

Enfim, é claro que não concordo e jamais participo de pilhérias ginasianas desse porte, aliás, se não fazia isso quando tinha doze anos de idade e já achava tal predisposição como uma idiotice, como poderia fazê-lo ali, no alto dos quarenta e três anos e meio de idade em que me encontrava nessa ocasião? 

Enfim, cada um com a sua motivação e consciência, mas está registrado na foto e que lastimavelmente ilustra o encarte do álbum. Sou o único que não estou a fazer o gesto e justiça seja feita, acho que o meu amigo, Junior Muelas, também não, mas não posso afirmar isso categoricamente, porque ele está com seus braços encobertos na foto. E também o amigo, Phil Sabella, que preferiu gesticular o sinal de "Paz & Amor". 

Alguns meses depois, ao ler uma resenha do álbum, um crítico ironizou a foto do encarte, e eu tive que concordar com sua colocação, ainda que a passar vergonha por isso. De qualquer forma, estou na extrema esquerda da foto e com os braços cruzados, para acentuar a minha predisposição em contrário, dessa resolução ali tomada de forma repentina e infeliz.

Continua...

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