Pesquisar este blog

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Patrulha do Espaço - Capítulo 4 - Chronophagia Foi para a Estrada - Por Luiz Domingues

Em junho, estávamos com o disco a sair do forno. Envoltos nos últimos trâmites burocráticos, aguardávamos o envio do lote proveniente da fábrica, ao qual mandamos prensá-lo.

A perspectiva de realizarmos shows seria somente para julho, quando já tínhamos uma quantidade boa de espetáculos marcados para realizarmos em cidades interioranas, incluso a nossa primeira apresentação interestadual, quando iríamos ao estado vizinho do Paraná, para um show em Londrina. 

Para cumprir tal empreitada, contratamos novamente os serviços da empresa de ônibus, "Magic Bus", de propriedade de primos meus. O conforto da viagem esteve garantido. 

A primeira parada foi na cidade de Avaré-SP, ainda em território paulista. O contato desse show houvera sido arrumado pelo fã, Dárcio, que mantinha um fã-clube dos Mutantes e ficara entusiasmado com a nossa aparição no programa, "Turma da Cultura", na TV Cultura de São Paulo, no início de maio e como ele conhecia o dono de uma casa noturna na sua cidade, tratou por fazer a ponte com o rapaz, ao possibilitar o contato.

Na coluna do "Paulão Rock'n' Roll", crítico de Rock do Jornal de Londrina-PR, o terreno preparava-se para o nosso show naquela cidade paranaense, em julho de 2000...

A viagem prosseguiria no dia seguinte, rumo a Londrina, ao norte do estado do Paraná e oportunamente na mesma rota, com Avaré por esta representar a metade do caminho, praticamente, em relação à distância entre São Paulo e Londrina. 

A primeira etapa da jornada foi muito tranquila. Fomos na ida rumo a Avaré-SP, a assistirmos vídeos da minha coleção de filmes em VHS, entre eles, o primeiro filme da dupla junkie: Cheech & Chong ("Up in Smoke"), que arrancou gargalhadas generalizadas durante o percurso.

Em silêncio, eu agradeci ao cosmos pelo bom momento em que vivíamos e eu em particular, estive nas nuvens, por viajar em turnê com uma banda de Rock com fortes características sessenta-setentistas e sobretudo, solidificada dentro da história. E ao verificar aquela descontração total em nossa comitiva, com todos a divertirem-se ao verem o filme, foi um momento mágico que guardo na memória. 

Quando chegamos na aprazível cidade de Avaré-SP, dirigimo-nos diretamente à casa noturna denominada: "Ferro Velho". Esta ficava bem localizada, próxima ao centro da cidade e com a sua ordenação urbana tipicamente interiorana, com a existência da Praça da Matriz, comércio no entorno etc.

A casa se mostrava pequena em seu espaço físico, mas bem montada, com uma decoração que misturava sucatas de automóveis e quadros com ilustrações a retratar ícones do Rock. O palco era minúsculo e exigiu um exercício de imaginação de nossa parte, para acomodar o equipamento. 

Durante a arrumação, recebemos a visita do Dárcio, o rapaz que propiciou aquele show e que estava muito eufórico, naturalmente, pelo show em si e também pela oportunidade que teve para ser útil para nós.

Ele trouxe-nos também um amigo, que igualmente revelava-se um apreciador/conhecedor de Rock, e mais do que isso, um colaborador importante do Portal da Internet: "Wiplash", que chamava-se, Marcos Cruz. 

Extremamente inteligente e observador, ele travou conosco uma conversa agradável sobre a Patrulha do Espaço, o Rock setentista e que tais, que foram retomadas no período pós-show, a estender-se até quase o amanhecer, no dia seguinte. Toda a sua observação sobre o show e a conversa que tivemos, tornou-se substância para uma das mais belas resenhas de um show, que eu já li, e que ele publicou dias depois no portal Wiplash. 

Após arrumarmos o som, e nos adaptarmos ao micro PA amadorístico que a casa possuía (e na ausência de um técnico para auxiliar-nos), fomos ao hotel para descansar e jantar. 

Quando voltamos ao Ferro Velho para o show, tivemos a boa surpresa de que a casa estava mais que lotada. Para a surpresa do proprietário, ela estava abarrotada, visto que normalmente não lotava assim com as atrações de bandas cover locais, ou da região.

Claro, o público em sua maioria fora formado pela juventude local, acostumada às noitadas providas por bandas cover, seria uma incógnita a reação diante de uma banda autoral, sem a proposta da execução de covers. 

A única música conhecida que tocaríamos para o conhecimento da maioria presente, provavelmente seria: "Ando Meio Desligado" dos Mutantes, mas com o nosso arranjo, cheio de improvisos e citações Rockers genuínas e certamente a maioria das pessoas só reconheceria tal tema pela versão do "Pato Fu", então em alta voga midiática e nem mesmo através da versão original dos Mutantes.

Foi no dia 14 de julho de 2000 e duzentas e cinquenta pessoas espremeram-se dentro do bar sob dimensões modestas. Mas o Dárcio e o Marcos Cruz não estiveram inteiramente isolados, pois outros amigos deles se fizeram presentes. Portanto, houve um pequeno, mas entusiasmado contingente presente a representar os admiradores da Patrulha do Espaço, conhecedores da nossa história e repertório.

Resenha sobre o show do Ferro Velho em Avaré-SP, com fotos ao vivo da banda a atuar naquela casa noturna. Jornal "Diário da Terra"

O show foi muito energético e bem recebido pelo público, mesmo ao tratar-se de uma banda só a executar o seu som autoral. Os Rockers iniciados soltaram gritos com entusiasmo em diversos momentos. 

Por reconhecerem músicas antigas ou por detalhes que só iniciados notariam, com algum solo mais intrincado, viradas ousadas da bateria, linhas de baixo agressivas e nas intervenções dos dois meninos aos teclados, sempre brilhantes, à moda antiga dos tecladistas setentistas. 

Claro que em "Ando Meio Desligado", as reações dos não aficionados exacerbaram-se, e a menção à música: "In-A-Gadda-Da-Vidda", do "Iron Butterfly" arrancou uivos dos Rockers antenados e em Avaré-SP não foi diferente de todos os shows que fazíamos, normalmente naquela época.

O dono da casa pediu-nos para que dividíssemos o show em duas partes, para não fugir muito do padrão das noitadas do bar, e no intervalo, lembro-me que uma garota entregou-me um bilhete.

Quando o abri, vi que estava escrito: "toquem Pink Floyd"... muito bem, eu também amo o Pink Floyd, mas ali tratava-se de um show da Patrulha do Espaço e ao dizer-lhe que nós só tocaríamos músicas próprias, ela mudou o semblante e saiu a resmungar que eu não iria atendê-la por má vontade, ou coisa do gênero. Cáspite, como o público jovem estava desacostumado em aceitar música autoral! Quando eu fui adolescente, nos anos 1970, eu pensava justamente o contrário! Se uma banda se propunha a tocar covers, eu incomodava-me bastante com tal expediente e aliás, quase todo mundo pensava igual, não foi uma linha de pensamento exclusivamente minha.

A aproveitar o que seria um set mais longo que o habitual, tocamos diversas outras músicas não previstas normalmente, para ensaiar ao vivo e para o delírio dos Rockers ali presentes. 

Quando encerramos, por ser mais de quatro horas da manhã, enquanto os roadies desmontavam o equipamento, eu conversei longamente com o Marcos Cruz, quando falamos sobre os planos da Patrulha do Espaço, a cerca também de como surgiu essa formação chronophágica, as minhas lembranças pessoais dos anos setenta etc. 

Foi uma conversa informal em princípio, mas como jornalista experiente que era (é), ele usou todo esse material substancial que colheu e também as suas impressões sobre o show para escrever uma das mais completas resenhas de um show que eu já li, e que publicou alguns dias depois no Site Wiplash.

 

Marcos falou a respeito de nós, desde o soundcheck, acrescentou minúcias sobre o show e citou a nossa conversa, para encerrar poeticamente, ao falar sobre a sua última visão, quando flagrara o micro-ônibus da nossa banda a dobrar a esquina e sumir de sua vista, já com os raios do sol a anunciar o domingo. 

Não tivemos muito tempo para descansar, pois tínhamos quase trezentos Km de estrada pela frente, entre Avaré-SP e Londrina-PR.

Não deu para descansarmos muito, pois a viagem foi longa e com o objetivo traçado para chegarmos no período da tarde, na cidade de Londrina-PR, a fim de cumprir o soundcheck, com relativa tranquilidade. 

A viagem foi boa, mas o ânimo dentro do micro-ônibus esteve comprometido pelo cansaço. Sem o clima de euforia do dia anterior, quando fizéramos o percurso São Paulo-Avaré a rir das aventuras junkies de "Cheech & Chong", nesse instante a maioria dos membros da nossa comitiva preferiu dormir ou pelo menos tentar cochilar.

Resenha sobre o álbum, Chronophagia, no Fanzine: "Matéria Prima", de Londrina-PR

Nesse aspecto, a viagem foi tranquila, mas a ida a Londrina-PR revelar-se-ia uma aventura plena de aspectos dramáticos e alguns cômicos, que eu descreverei. 

Para início de conversa, tratava-se de um show inserido em um festival denominado: "Mutantes Fest". A ideia da produção local foi que a Patrulha do Espaço representasse o show principal (headliner), e bandas locais realizariam as apresentações de abertura. 

No contrato que o Rolando Castello Júnior assinou, o contratante comprometera-se que o evento seria realizado em um sítio ao ar livre, mas ainda estávamos na estrada e o contratante ligou para comunicar-nos que chovera a noite inteira e ele resolvera transferir o festival para o salão de festas de um clube, no ambiente urbano da cidade.

Resenha sobre o álbum Chronophagia publicado na Revista "Rock Brigade", assinada pelo mega competente jornalista, Antonio Carlos Monteiro

Isso já fora um tremendo mau indício, pois sinalizara que toda a infraestrutura prometida fora desmontada e remontada às pressas e pior, todo o esforço em prol da divulgação, desperdiçado e com um lacônico cartaz colocado no portão de um sítio, a comunicar que o festival fora transferido para um clube, ou seja, seria certamente a garantia de que nem 10% do público esperado, deslocar-se-ia para o tal novo lugar improvisado. 

Isso sem contar que por ser ao ar livre, houvera a previsão da existência de barracas a oferecer comidas, bebidas e souvenirs, estrutura para sanitários etc. 

Bem, pensamos: foi uma fatalidade que todo produtor de shows passa ao arriscar shows ao ar livre e ser surpreendido por intempéries meteorológicas. É uma lástima, mas o risco é sempre enorme para quem produz shows assim.

Logo que chegamos, apesar do clube ser de um bom nível e o equipamento disponibilizado, adequado, ficamos ressabiados, pois a mudança de local foi um indício de fracasso à vista, quase irreversível, naturalmente. 

E o produtor do show, um rapaz novo, estava bastante alterado quando o avistamos, a aparentar estar sob um estado emocional bastante inadequado, o que não foi um bom indício, igualmente. 

Passamos o som e no camarim, percebemos diversos conflitos simultâneos ali no ambiente e já devidamente instaurados.

Foi quando o rapaz, subitamente entrou no camarim com a sua roupa toda amassada e completamente pálido, a esboçar ter uma crise nervosa em nossa presença! 

Demos-lhe água e o acalmamos, quando então ele contou-nos que acabara de submeter-se a uma espécie de pressão moral da parte dos seguranças que ele mesmo contratara para o evento! Ou seja, pior indício do que isso, impossível, pois quando um show caminha para o fracasso, é aconselhável que o seu produtor pague primeiramente a segurança contratada, pois caso contrário, a força bruta vira contra o próprio realizador, inadimplente... 

Os homens imprimiram um terror sobre ele e retiraram-se do clube. Foi um perigo a mais, portanto, estar presente em um show sem uma equipe de segurança, profissional. E se houvesse um tumulto, quem colocaria ordem dentro do clube? 

Nessa altura, já estávamos também a temer pela falta da segunda parcela do nosso cachê, pois a primeira metade houvera sido depositada alguns dias antes, ao seguir a praxe profissional do show business e garantira o pagamento referente às despesas da nossa viagem, mas a segunda parcela seria o nosso lucro posto sob alto risco...

A cena que vimos, portanto apontara para o produtor do show, a lamuriar-se no camarim e pior, a ter uma crise nervosa por ter sido duramente advertido pelos seguranças, por motivo de falta de pagamento, isto é, o que esperar da continuidade desse evento?

Passados alguns minutos, tivemos mais indícios de que teríamos aborrecimentos, quando um diretor do clube entrou no recinto e a falar de uma forma ríspida com o produtor, cobrou-lhe o pagamento do aluguel do salão em questão, sob a ameaça de apagar as luzes, retirar o público e convidar os artistas e equipe técnica terceirizada, a retirarem-se das suas dependências.

Constrangido, o produtor propôs-se a conversar no gabinete da diretoria e pelo fato da iluminação não haver se apagado de imediato, nós deduzimos que ele disponibilizou um cheque, no mínimo para acalmar o diretor do clube.

Mais uns instantes se passaram e eis que entra no camarim o dono do equipamento terceirizado do PA, a exigir o seu pagamento, sob a pena de desligar e desmontar o seu maquinário. Com esse clima generalizado, o Rolando Castello Júnior também exerceu pressão em favor dos interesses da nossa banda, pois foi o único jeito de sairmos dali com o restante do nosso cachê em mãos e nessa altura, o que deveria ter sido um festival com uma grande multidão presente, revelara-se como um fiasco de bilheteria. 

O produtor fez das tripas coração e arrumou-nos pouco mais da metade do valor restante. Foi melhor que nada ante a situação de penúria apresentada pelo imprudente aspirante a empresário e assim, nós aceitamos cumprir o show para entreter o reduzido público presente no local, naquela noite de 15 de julho de 2000. 

Sob um frio intenso e paradoxalmente sob a fervura de um festival pessimamente produzido, nós fizemos o show para cerca de duzentas testemunhas. Antes que o leitor estranhe, duzentos não é tão insignificante assim, mas a ideia inicial com o show ao ar livre, seria em torno de pelo menos cinco mil pessoas presentes, mesmo com frio, geada e neblina... mas antes de falar sobre o nosso show, eu tenho outras histórias pitorescas sobre os bastidores do mesmo.

A preceder o nosso espetáculo, contudo, houveram dois shows de abertura. O primeiro deles foi absolutamente inusitado e despertou a nossa atenção, certamente. 

Não lembro-me o nome do artista em questão e infelizmente eu não achei nenhuma anotação sobre ele. Só recordo-me que foi uma performance solo da parte de um baterista e que esse artista apresentou-se por quase quarenta minutos a realizar solos em cima de uma base construída por guitarra, baixo, teclados e sopros, gravados através de um playback disparado no PA mediante um CD pré-gravado.

O som em si, tratou-se de uma espécie de Jazz-Rock bem tenso, a apresentar convenções intrincadas, passagens difíceis, fórmulas de compasso não usuais etc. 

E o rapaz era bem técnico, pois tocou com uma categoria incrível e mediante uma boa dose de ousadia também, daquela forma isolada. Não obstante tudo isso, ele era falante como um palestrante e sem constrangimentos, apresentou as suas músicas e interagiu com o público a lhes fornecer explicações sobre o trabalho que desenvolvia etc. 

A segunda atração foi uma banda que mesclava o Rock'n' Roll tradicional com generosas doses de Reggae. O seu líder chamava-se: Doni e a banda: "Doni e os Pé-de Serra".

Ao final do seu show, esse rapaz abordou-me e entregou-me o material de sua banda, com o intuito de pedir-me ajuda para alavancar a sua carreira, tipo de abordagem que aliás, tornar-se-ia uma rotina doravante, com inúmeras outras bandas que conheci e abriram shows da Patrulha do Espaço nos anos seguintes a pedir-nos auxílio em face do nosso prestígio artístico no meio. 

Bem, prestígio artístico a nossa banda havia adquirido por mérito na história, mas daí a acharmos que mantínhamos influência nos bastidores do show business, houve um ledo engano da parte desse rapaz e de todos que nos abordaram ao longo dos tempos.

Finalmente fizemos o nosso show e o público apesar de diminuto, foi extremamente entusiasmado e o show foi muito bom. Com equipamento de bom nível e bem monitorado, tocamos confortavelmente e ao contrário do show anterior ocorrido sob um espaço claustrofóbico, desta feita fizemos uso de um palco amplo, com coxia, camarim etc. E dessa forma, a nossa devolutiva ao público foi através de um show de Rock perfeito, com energia e performance irrepree nsível

Ao final, resolvemos voltar imediatamente para São Paulo e no percurso para a estrada, avistamos diversos outdoors espalhados pela cidade, com o nosso nome em destaque etc. Já se pronunciara a alta madrugada quando nós vimos o organizador do show a caminhar de uma forma desnorteada, próximo a um lago, já distante do clube em que se realizara o seu malogrado festival. 

Será que ele houvera tido confrontos com mais alguns de seus credores? 

E assim foi a nossa segunda excursão para fora de São Paulo e a primeira interestadual. Apesar de alguns aborrecimentos, foi positivo no cômputo geral e foi o prenúncio de outras tantas viagens que faríamos no futuro. 

Bem, a viagem de volta não foi realizada sob aquela euforia da ida. 
Voltamos a dormir dentro do carro, sob o efeito do cansaço absoluto e com o aborrecimento por termos passado pelos constrangimentos inerentes por um show mal produzido da parte de um aventureiro.

Não foi a primeira vez que eu passei por isso e não seria a última. Aventureiros, bem ou mal-intencionados, tem aos montes no ambiente show business. 

Acontece também o fenômeno dos aspirantes com boa vontade mas sem conhecimento dos meandros do negócio. O aspirante a produtor vai a um show e anima-se, ao vislumbrar que também poderia ganhar muito dinheiro ao assistir shows em festivais ou casas lotadas. Então, ele se considera apto a produzir algo semelhante, baseado apenas pela reles observação de um show em seus aspectos superficiais e assim aventura-se, sem conhecer nada dos bastidores de uma produção... no entanto, é claro que não é assim que funciona na vida real!

Bem, a vida seguiu para a nossa banda e animara-nos saber que na sequência teríamos mais um show marcado para o interior de São Paulo (cidade de Sorocaba), e ao final de julho, uma nova apresentação no Centro Cultural São Paulo, onde faríamos o lançamento oficial do CD "Chronophagia".

E animou-nos também a perspectiva de várias resenhas do CD que estavam engatilhadas para serem publicadas através da mídia escrita tradicional. Confesso que esperava ansioso por lê-las, pois seria o primeiro teste de avaliação da parte de jornalistas especializados com toda a proposta da volta da banda, mais as músicas em si e principalmente pela versatilidade incrível de Hid e Schevano como acréscimo ao prestígio já adquirido há muito tempo por Rolando Castello Junior, acerca da sua condição como um baterista fora do comum.  

Na minha expectativa, houve esse sabor extra, pois eu confiava demais no talento dos dois meninos a tocarem com um baterista monstruoso e super experiente e mal via a hora dessa explosão sonora ser revelada ao mundo, pela ótica de especialistas no assunto. 

Desde a época do projeto "Sidharta", eu sabia que detinha em mãos, ao pensar nos garotos, dois diamantes brutos que foram lapidados paulatinamente e nesse momento, com o seu debut em uma banda de renome e mediante o lançamento em CD oficial, finalmente ambos seriam descobertos pela crítica profissional e público em larga escala.

O próximo passo, foi um show na cidade de Sorocaba-SP,  na semana seguinte. Fomos nos apresentar em uma casa noturna chamada: "Stratocaster". Tratava-se de um salão rústico, mas todo decorado com motivos Rockers, e pelo fato do dono ser um "Luthier" (profissional que conserta e/ou fabrica instrumentos musicais), este rapaz havia colocado esse nome na casa, e providenciado um enorme painel na porta, no formato de uma guitarra, Fender Stratocaster. 

O show ocorreu no dia 22 de julho de 2000, com um bom público presente, com cerca de duzentas pessoas a dar quórum. Foi bastante animado e com a presença de um músico local, convidado especial, que conhecêramos na passagem de som. 

Neste caso se tratou de um saxofonista que apareceu por lá, e assim culminamos em convidá-lo para tocar a canção: "Sunshine", conosco, em nosso show. 

Inclusive, na passagem de som, um jornalista da cidade de Mogi-Guaçu-SP (não é muito perto de Sorocaba), foi lá para entrevistar-nos e daí surgiu o convite para apresentarmo-nos nessa outra cidade, em uma festa organizada por um programa de rádio que ele representava, e no momento oportuno, falarei sobre isso. 

Em dado momento da nossa conversação, o jornalista de Mogi-Guaçu-SP que entrevistava-nos recebeu uma chamada em seu celular. Ao verificar que tratava-se da sua esposa, ele pediu-nos para confirmarmos que nós éramos membros da Patrulha do Espaço para justificar a sua presença em uma entrevista profissional feita em outra cidade, distante cerca de cento e sessenta e dois km da sua casa. Ela estava furiosa com o sumiço dele e quando descobriu que ele havia viajado para ir à cidade de Sorocaba-SP, ficou ainda mais possessa e nem quis saber de nossa confirmação, a tornar a estratégia da parte do rapaz, nula para o seu intento, no entanto, vida que seguiu para nós, é claro.

Foi um bom show em Sorocaba que cumprimos, apesar de uma parcela do público estar a esperar por covers. Essa seria uma constante que acompanhar-nos-ia doravante em nossas apresentações em toda a parte, principalmente em cidades interioranas, mas foi algo inevitável. 

Como curiosidades desse show, recordo-me que o camarim mantinha dois ambientes e um deles se mostrara inabitável pela bagunça e sujeira ali presentes. Sob uma rápida vistoria, nós vimos diversos materiais gráficos e CD's de várias bandas, alguns de amigos nossos, inclusive, jogados ali como lixo. Tal predisposição anunciara a dimensão de como essas casas tratavam artistas que procuravam-nas, sedentos por espaço para as suas apresentações. 

Alguns dias antes do show, eu e o Rolando Castello Junior havíamos ido à Sorocaba e ali fizemos algumas ações de divulgação prévias. Cidade pujante do interior paulista, distante cerca de noventa Km da capital, continha nessa ocasião, diversas lojas de CD's especializadas, onde vendemos uma boa quantidade de discos e em visita às redações dos dois maiores jornais locais, fomos bem recebidos em ambas. 

No jornal, "Cruzeiro do Sul", assim que chegamos às suas amplas instalações, um repórter e um fotógrafo foram designados a cobrir a nossa visita. Confesso que eu e o Rolando Castello Junior ficamos perplexos, pois não estávamos acostumados com essa consideração, por que tirante a ação da parte da imprensa especializada e setorizada, a tendência na imprensa grande, sempre fora a de ignorar-nos, retumbantemente. Neste caso, pareceu um sinal de que estávamos a mudar o panorama, mas claro que não consideramos a hipótese do alarme falso como algo muito possível. 

No entanto, a se pensar na matéria publicada pelo jornal, Folha de São Paulo, em dezembro de 1999 e mais recentemente, outra melhor ainda no "Estadão" (em maio de 2000), será que estávamos a mudar um paradigma de descaso, enfim? Ao menos, o indício nos levara a ter um posicionamento otimista dadas as evidências ali mostradas.

Outro fato curioso foi uma "groupie" que ficou a insinuar-se fortemente na frente do palco durante o show inteiro. Ela proporcionou na frente do palco, uma dança sensual em praticamente todas as músicas. Quando acabou o show, ela foi atrás de nós no camarim, mas na escada de acesso, um membro de uma banda amiga (hoje em dia, uma famosa banda de Rock, pelo menos no mundo underground), foi mais rápido do que os demais e a agarrou literalmente. Enquanto descansávamos no camarim, eles trancafiaram-se na parte inabitável do mesmo ambiente, que eu já mencionei e lá estabeleceram a troca de fluídos corpóreos que desejavam, enfim.

Após o show na casa de shows, "Stratocaster" de Sorocaba-SP, o nosso próximo compromisso foi uma nova apresentação no Centro Cultural São Paulo e que seria o show de lançamento oficial do CD "Chronophagia". 

Não tínhamos verba para grandes produções, mas por conta de ser o lançamento do novo álbum da banda e por termos tocado meses antes no mesmo local, tivemos em mente uma espécie de obrigação moral para apresentarmos um espetáculo mais bem cuidado, desta feita, sob o ponto de vista do aparato como cenário.

Se em dezembro de 1999, havíamos ao menos tentado algo visualmente atraente, com tecidos semi transparentes e uma tentativa tímida de se produzir uma clássica "bolha psicodélica", desta vez investimos em um grande painel, com a capa do CD Chronophagia. 

Foi uma impressão que custou caro, mas creio que valeu o investimento, pois nesse show em específico e pelas muitas vezes em que o usamos, doravante, impressionou o público, certamente. 

E assim, no dia 29 de julho de 2000, subimos ao palco do Centro Cultural São Paulo, com uma estrutura muito melhor do que da primeira vez que nos apresentamos ali, em 1999.

A banda estava ainda mais afiada, com a parte musical muito segura e o painel gigante a estampar a capa do disco, ficara belíssimo e impressionava. Fora isso, houve certamente todo o aparato a conter as miudezas, incensos, tapetes e adereços em geral, que estiveram lá para complementar a decoração e ambientação, como uma tradição nessa nova/velha mentalidade da banda.
E também estruturamo-nos melhor no campo do merchandising, ao prepararmos uma atrativa mesa a servir a nossa loja ambulante, que apresentou um ótimo resultado ao final do show, com uma significativa féria, motivada principalmente por uma boa venda de CD's. E o melhor de tudo, o show foi muito bom!
Centro Cultural São Paulo, 29 de julho de 2000. Clicks, acervo e cortesia: Salvatore D'Angelo
 
Tocamos praticamente o CD Chronophagia inteiro, com o complemento de diversas músicas de todos os discos antigos da banda.
Esse show foi filmado e o VHS está digitalizado com qualidade muito boa ao considerar-se esse padrão. Os cinegrafistas foram Edson Vincentin, que já havia filmado shows anteriores da nossa formação, e um outro rapaz, morador da Vila Pompeia, cujo nome não recordo-me, um gaúcho radicado em São Paulo. O tal gaúcho filmou e editou até que bem, mas acostumado a filmar festas de casamento e aniversários, ele induziu um certo ar dessa estirpe caseira no seu acabamento, principalmente na parte da introdução, mediante a sua edição final.
Fotos de camarim do show no Centro Cultural São Paulo, em 29 de julho de 2000. Na primeira, Rolando Castello Junior no pós-Show. Segunda foto: o amigo, Salvatore D'Angelo, entre a produtora Claudia Fernanda e Rolando Castello Junior. Ambas, fotos do acervo pessoal de Salvatore D'Angelo

Estávamos animados com essa sequência de shows, mas tivemos mais a comemorar. Isso por que começaram a ser publicadas as resenhas do CD Chronophagia, pela imprensa escrita e o teor delas foi amplamente positivo. 

Até na Folha de São Paulo, que tradicionalmente é um território hostil aos simpatizantes do Rock 1960 & 1970, nós recebemos uma suposta boa crítica, se bem que no limite do que eles poderiam falar, se pensarmos que ali a fidelidade que guardam aos ditames de 1977, em prol do niilismo barato, é ferrenho. Claro, que a nossa leitura tendeu a interpretar a impressão do crítico sob o ponto de vista do seu subliminar efeito contrário ao que ele realmente quis expressar, fica essa ressalva.

O rapaz disse que era inegável que tocávamos bem, mas a nossa aposta no resgate da sonoridade dos anos setenta refletia-se até na capa, que remetia à "Brain Salad Surgery", do "Emerson, Lake & Palmer". Evidentemente que nos padrões estéticos deles, isso foi para soar de uma forma pejorativa, como um demérito, naturalmente. E só para acrescentar, o crítico da Folha, só destratou-nos por conta da estética que o chocara, mediante os seus valores comprometidos pela clara ação da formação da opinião forjada há décadas (a lobotomia de 1977, digamos assim). A duras penas, ele teve de deixar claro que tocávamos bem, mas pelo viés de que tal fator seria irrelevante em sua percepção e assim, a desconsiderar qualquer outro arroubo artístico da nossa parte. Idiossincrasia pura, em suma.

No entanto, a comparação que fez ao citar a capa do LP do "ELP", foi para nós um tremendo elogio, com o tiro a sair pela culatra do detrator. "Brain Salad Surgery" é um tremendo disco do "ELP", e assim, pouco importa essa gente que se forjou pela opinião manipulada, e na contrapartida, idolatra idiotas que notabilizaram-se indevidamente por não saber tocar.  A "Terra Plana" é livre para que se atirem em seu abismo.

As vendas do CD Chronophagia começaram muito bem, se comparados aos tempos atuais (2016, quando escrevi este trecho), porém preocupantes para os padrões de quem vinha a acompanhar o mercado, desde os anos setenta. 

No show de julho no Centro Cultural São Paulo, por exemplo, vendemos sob uma forma expressiva, ainda no ritmo de uma Era "pré-download" de internet. Nas lojas, também alavancamos boas vendas, embora já fosse através de um padrão abaixo do que costumávamos vender nas décadas anteriores. Certos lojistas da famosa "Galeria do Rock", em São Paulo, por exemplo, que costumavam comprar caixas fechadas, passaram a fazer pedidos bem mais modestos e isso foi só o começo de uma nova fase da indústria fonográfica. 

Já o próximo show foi absolutamente exótico!

Após várias reuniões realizadas com os donos desse estabelecimento, que mantinham muitas dúvidas sobre dar-nos um espaço, visto tratar-se de uma casa sob orientação exclusivamente dedicada ao mundo das bandas covers, finalmente o Rolando Castello Júnior selou acordo com eles e então fomos tocar em um dia pouco convidativo e sob o regime de bilheteria a se arriscar. 

A casa se apresentara como bem montada, sem dúvida, mas não foi definitivamente, ambiente adequado para abrigar artistas autorais como nós.

Criada e estruturada para dar espaço às bandas cover, os seus dirigentes trataram-nos com desconfiança absoluta e isso refletiu-se na total falta de empenho da parte da casa para promover o nosso show. 

Tudo bem que estavam acostumados a lidarem com bandas cover e lotar a casa sob tal tipo de mentalidade ali fechada, mas faltou sensibilidade, para dizer o mínimo, por não empenharem-se para promover uma atração artística de cunho autoral, com história, tradição e currículo no bojo, como a Patrulha do Espaço. 

A tal casa chamava-se: "Red Onion" e localizava-se em um bairro residencial da cidade de Santo André-SP, no ABC paulista. 

Em meio a essas reuniões intermináveis que o Rolando teve que fazer com tais mandatários da casa em questão para selar a data, eu cheguei a estar presente em algumas. Certa vez, em pleno sábado, eu pude verificar que a casa estava abarrotada, com gente na calçada a tentar entrar, mas não cabia mais ninguém em suas dependências. 

Nessa noite, tocava na casa uma banda cover do "The Doors", e a garotada esgoelava-se, vibrava intensamente etc. Ora, essa mesma juventude que cultuava uma banda sessentista clássica, que eu também gosto e influenciou-me, não dava a mínima para bandas autorais antenadas nessa mesma seara. O raciocínio, portanto, foi em torno dessa predisposição a se revelar como uma grande contradição na minha avaliação ali estabelecida! 

E o pior de tudo, em relação à casa em si: o palco, na verdade era um aquário!

Essa foto acima, é do show do Camerati, em Santo André-SP, no início de 2000, com Eduardo Donato, fotógrafo e colaborador, sentado à frente da banda.

Isso mesmo o que você leu, caro leitor... as bandas enclausuravam-se nesse aquário fechado com porta frigorífico e as pessoas não sentiam o impacto do som gerado diretamente do palco, mas sim mixado e distribuído por caixas espalhadas por toda a casa, sob um volume módico.

Foi muito esquisito ver uma banda a tocar dentro de um espaço envidraçado e inevitável seria que não sentíssemos como animais no Jardim Zoológico. 

No dia do show, após a passagem de som, nós causamos estranheza aos donos do estabelecimento, pois pedimos autorização para usarmos incensos, como estávamos acostumados a proceder normalmente e foi engraçado vê-los com semblantes atônitos. 

Lembro-me que quando fomos nos vestirmos para o show, e eu flagrei uma das donas do estabelecimento a cochichar com algumas funcionárias: -"eles se produzem para tocar"... evidentemente a demonstrar não estar habituada a lidar com música autoral etc. 

E logo a seguir, o show foi bem esquisito, como prevíamos. 

Apesar do equipamento com bom padrão à disposição e uma monitoração digna, o fato foi que dentro do "aquário", se revelou muito estranho o som ambiente, sem ressonância alguma ali presente. Nada houve "sustain" algum das notas que emitíamos de todos os instrumentos e isso causou-nos uma sensação incômoda para tocarmos, sob o ponto de vista individual e também no aspecto coletivo, sem dúvida. 

Como se não bastasse toda essa estranheza sonora pela qual fomos submetidos no tal aquário, um fato inusitado ocorreu quando o Rodrigo resolveu beber um gole de cerveja entre uma música e outra! 

O técnico cortou a monitoração abruptamente e sob um tom duro e certamente descabido, o advertiu no sentido de que era proibido beber, ali dentro. Qual o motivo? O perigo de cair alguma gota do copo e "melar" o carpete? Só poderia ser isso, pois aquilo não era um bar? Um diálogo ríspido foi travado, mas ao constatar a intransigência do sujeito e o fato de estarmos em suas mãos, pois ele cortava o som na hora que desejava, finalmente os ânimos acalmaram-se e ao acatar a orientação, o Rodrigo deixou para beber depois. Dessa forma, o show prosseguiu.

Samuel Wagner, Rolando Castello Junior e Nelsinho, no camarim do Fofinho Rock Club, em agosto de 1999 

Outro fato a ser lembrado, fora o dia do aniversário do Samuel Wagner, roadie da Patrulha do Espaço e no meio do show, nós tocamos a canção: "Birthday", dos Beatles, para dedicarmos ao seu natalício. Para não dizer que não tocamos covers, enfim cometemos essa citação. E assim foi essa aventura nada usual que passamos no "Red Onion" de Santo André-SP, no dia 14 de setembro de 2000 e com um público aproximado de oitenta pessoas, muito aquém para o padrão das sextas e sábados, com as atrações covers ali habituais, mas significativo para um dia atípico como a quinta-feira e sob uma divulgação fraca, para uma banda autoral da nossa estirpe.

O próximo show que fizemos, foi igualmente muito inusitado pelas circunstâncias.
Através do Rodrigo Hid, que conhecera um pessoal que iria lançar uma revista sobre tatuagem no mercado editorial, nós fomos convidados a tocar no cocktail de lançamento de tal órgão impresso. O inusitado foi o local escolhido para a festa, o Ton-Ton Club, uma casa tradicionalmente focada no universo do Jazz, onde uma banda de Rock, ainda por cima, autoral, certamente ficaria deslocada.

O release oficial do álbum Chronophagia, escrito pelo jornalista e guitarrista (ex-Itamar Assumpção & Isca de Polícia), Luiz Chagas, da revista, "Isto é"

E como outra particularidade estranha, o palco dessa casa era minúsculo, ou seja, conveniente para pequenos combos jazzisticos, geralmente da formação clássica de piano, baixo acústico e bateria. 

Inclusive, um piano de calda ocupava todo o espaço, praticamente. Sendo assim, foi uma ginástica e tanto para acomodarmos o equipamento no palco e pior ainda, na hora de tocarmos ao vivo. 

Para agravar a nossa situação ali, a falta de espaço causou um acondicionamento cênico esdrúxulo. Eu (Luiz Domingues), Rodrigo Hid e Marcello Schevano, ficamos tão próximos uns dos outros, que os nossos movimentos corporais ficaram muito limitados.

Qualquer vacilo da parte de um de nós e o "headstock" das guitarras, e do baixo (a chamada "cabeça" dos instrumentos de corda e onde ficam alojadas as tarraxas de afinação dos mesmos), poderia atingir o companheiro ao lado, a causar-lhe um estrago. 

Além disso, outro incômodo foi gerado quando o técnico de som da casa veio dizer-nos que o nosso volume estava absurdo para os padrões da casa e que temia que pudéssemos constranger o público com aquela volúpia sonora inadequada aos padrões sob os quais estavam acostumados. Foi inusitado, pois não tocaríamos ali por livre e espontânea vontade em circunstâncias normais. Estávamos ali por conta do convite da revista, enfim, mas entendemos a preocupação do rapaz que conhecia bem a rotina da casa e o gosto de seus habitues.

Ao reduzir o nosso volume para um nível drástico e muito desconfortável para nós podermos tocar, mesmo assim, sentimos que o técnico e o gerente da casa estavam irritados conosco, ao gerar-se um clima tenso, infelizmente. 

Apesar de tudo, na hora do show nós demos o nosso recado ao público formado por aproximadamente oitenta pessoas que compareceu ao Ton-Ton Club, na noite de 25 de setembro de 2000. E o nome da revista era: "Tatuar". Não faço ideia se ainda exista nas bancas, pois com todo o respeito aos tatuadores e tatuados, eu não interesso-me nem um pouco por esse assunto.

As matérias sucediam-se, com resenhas sobre CD e shows a mesclarem-se, em meio a diversas publicações. Nesse quesito, a Patrulha do Espaço foi sem dúvida, privilegiada. O portfólio que eu reuni sobre a minha atuação com essa banda, em minha época como integrante, é disparadamente o mais volumoso entre os de todas as demais bandas em que atuei, antes e depois (pelo menos até este ponto).
 

A matéria sobre o Rock Brasileiro dos anos setenta, que o ótimo jornalista, Daniel Vaughan escreveu para a revista da 89 FM. Fomos entrevistados em maio de 2000, diretamente do estúdio do músico, De Boni, então tecladista d'O Terço e é dessa entrevista, a nossa foto exibida na matéria

Faço a ressalva de que na minha segunda passagem pelo Língua de Trapo, infelizmente eu quase não armazenei nada em termos de portfólio e neste caso, foram muitas matérias, sem dúvida.  

Eis alguns exemplos interessantes de matérias publicadas nesse período de maio a agosto de 2000: 

1) Fanzine Matéria Prima - Londrina-PR:

"Chronophagia é seu novo lançamento. Júnior reuniu uma tropa de elite e construiu um álbum que resgata numa boa, a melhor musicalidade dos anos setenta. A Patrulha tem a receita certa para o Hard progressivo. Reativaram um velho Hammond e a flauta ácida, colocando em atividade 15 faixas inéditas e reeditando "Sunshine", com Manito no Sax. A Patrulha mantém a fantasia intacta, alimentando os sobreviventes dos bons tempos e descobrindo para a nova geração as raízes da nata do Rock. 

2) Diário Popular - São Paulo-SP: 

"Com 16 faixas, percebem-se as mesmas influências que sempre nortearam os embalos do grupo, como o Hard Rock e o Rock Progressivo". 

3) Jornal de Londrina - Londrina-PR: 

"Os embalos da geração 70, foram preservados pela Patrulha, com o Rock progressivo e Hard Rock. O nome escolhido para o novo CD não poderia ser mais pertinente. Chronophagia é o ato de se alimentar do tempo"...


4) Folha de São Paulo - São Paulo-SP 

"A capa de Chronophagia lembra um pouco a de "Brain Salad Surgery" do Emerson/Lake and Palmer, mas o som é mais rock, apesar do virtuosismo dos instrumentistas. Dureza mesmo é aguentar as letras... A última faixa se chama "epílogo" e é dedicada ao Cosmos... A Patrulha está mesmo perdida, no tempo e no espaço"...

Observo: o que soa ao rapaz que assinou tal resenha, uma infâmia, fora motivo de orgulho para nós... quem foi o verdadeiro "congelado no tempo? Quem enxergava a música, monoliticamente pela cartilha do pós-punk oitentista, "ad eternum", ou seríamos nós que adotamos a postura que descrevo?
 

E mais uma coisa, por que achava risível dedicar uma música ao Cosmos? Escancarou-se aí o seu preconceito, ao enxergar nesse simples ato inofensivo, algo que remeteu-lhe a um signo que odiava, e no caso, creio que apenas por ter comprado um paradigma que lhe foi ditado e não por realmente deter uma opinião embasada a respeito. 

Aliás, fora desse mesmo jornal que um editor, nessa época, costumava dizer em tom de soberba, que a melhor banda da história de Liverpool, Inglaterra foi o "Echo and the Bunnymen", portanto, tire a sua conclusão, amigo leitor...

5) Agora São Paulo - São Paulo-SP

"A boa nova do Rock Nacional é velha... O Patrulha do Espaço mostra no CD Chronophagia com um repertório com arranjos elaborados, ao estilo dos anos 70 e 80, ainda pode agradar mais que o pop comercial disfarçado de Rock rebelde que infesta as FM's"... 

6) Rock Brigade 

"Envelhecer é um negócio fácil. Aliás, ninguém precisa nem fazer força: demore o quanto for, todos vamos passar por isso. Só que ver o tempo passar por isso. Só que ver o tempo passar e permanecer com dignidade é um negócio bem mais difícil. 


Ouvindo-se Chronophagia, percebe-se que o veterano Patrulha do Espaço (na ativa desde 1977), passou com louvor nesse teste. Porque, apesar dos 23 anos de estrada, a turma liderada pelo baterista Júnior, mantém-se em forma e, melhor de tudo, fiel às raízes e, ao mesmo tempo, abertas às novas tendências.

O mais novo disco, lançado de forma independente (pois nem sempre a estrada abre portas...), mostra-se quase progressivo. Contando com os talentosos Rodrigo Hid e Marcello Schevano, que dividem os vocais, guitarras e teclados, e o conhecidíssimo Luiz Domingues (Ex-A Chave do Sol e Ex-Pitbulls on Crack), além de Júnior.A banda usa com inteligência a tecladeira, não abrindo mão, no entanto, do Rock direto e reto, como na ótima "Tudo Vai Mudar". 

E se sucedem baladas e muito virtuosismo por parte dos músicos que conseguiram fazer um disco atemporal. Talvez não seja por acaso que "chronophagia" é o ato de se alimentar do tempo"...

7) Fanzine "O Grito":

"Em Chronophagia, toda a fúria musical e a dedicação de um objetivo. Alcançaram um resultado excelente... Todas as músicas, sem exceção, são magníficas. Se fosse pra dar nota, 10"


8) Revista Rock Press:

"Resultando num álbum de Rockaços emocionantes"...

9) 89 Revista Rock:

"O disco começa com a progressiva "Sendo o Tudo e o Nada, e segue explorando outras fronteiras em "O Ritual", "Retomada" e "Alma Mutante".  "O Novo Sim" e as lisérgicas "Eu Nunca Existi" e "Céu Elétrico" já se tornaram clássicos do gênero. Os Mutantes são homenageados na viajante "Nave Ave". As belas vozes e guitarras dos novatos Rodrigo Hid e Marcello Schevano encaixam-se harmoniosamente na swingada "Terra de Mutantes" e na "beatleniana", "Sr, Barinsky". Chronophagia é uma aula de Rock psicodélico anos 70 em pleno final de milênio".


10) Revista Rocker Magazine:

"Esse CD é uma dádiva para aqueles que acreditam na existência do Rock no Brasil...  A banda flerta com o progressivo e mostra de cara que são músicos excepcionais. Grandes composições, onde vou destacar "Sr. Barinsky", com um belo trabalho de backings vocals e um ótimo solo de Marcello. A volta da Patrulha não poderia ser melhor. A alma dos anos 70 aliada à tecnologia do novo século". 


10) Fanzine MegaRock:

Eis uma nota a destacar um depoimento do Rolando Castello Junior e um anúncio sobre o lançamento do CD Chronophagia

Mais adiante, eu arrolo mais manifestações da imprensa escrita, nesta narrativa. Naturalmente, manifestações como essas preenchiam-me com esperança pelo futuro, a realçar a confiança no trabalho que havíamos realizado desde o início no projeto Sidharta, ao passar pelo resgate dessa tradição toda da Patrulha do Espaço, revigorada com o sangue jovem de Rodrigo e Marcello. 

Essa atmosfera sessenta-setentista foi a concretização de um sonho acalentado desde muito tempo e o talento da banda, a abrilhantar pelos dois jovens multi-instrumentistas, fora algo que eu vislumbrara desde os tempos remotos do Sidharta. 

O que fora uma projeção, estava a tornar-se uma realidade pela reação nos shows e nessas manifestações que borbulhavam pela imprensa.

Com as vendas do CD's em curso e as resenhas a serem publicadas através da mídia, precisávamos engatar uma sequência com shows para aproveitarmos ao máximo tal momento favorável. 

Não estava fácil se arrumar espaços para tocar naquela fase, no entanto. Vivia-se uma época diferente no show business brasileiro, em que as casas sob médio porte que existiam em razoável profusão nas décadas de oitenta e noventa, haviam desaparecido, ou mudado o seu perfil.

Dessa forma, mostrava-se rara uma oportunidade para ocuparmos um palco aonde a banda poderia apresentar-se com condições ideais com som e iluminação adequadas para poder mostrar o seu trabalho, na plenitude de sua criação artística. 

Então, nós abraçamos a ideia de nos adaptarmos à essa realidade e assim fomos a tocar aonde fosse possível. Eu já relatei algumas circunstâncias inusitadas nesse sentido e a próxima etapa a ser relatada foi outra dessas situações insólitas que arrolamos para a nossa história.

Finalmente havíamos marcado uma apresentação em uma casa noturna de São Bernardo do Campo-SP, cidade do ABC paulista, e digo finalmente, porque foram diversas reuniões para podermos marcar essa data. 

Se colocava como uma casa nada glamorosa e nem bem localizada, ela o era. O lado bom dessa tratativa, foi que os seus donos não mostraram-se arrogantes (ao contrário de outros lugares onde fomos tocar, anteriormente), e pelo contrário, eram pessoas gentis. 

O que aconteceu ali em termos de dificuldade para se fechar a data, revelara-se no sentido da desconfiança deles em torno de um show de música autoral, viciados que eram em agendarem atrações baseadas em bandas cover. 

Finalmente eles resolveram arriscar e assim nós marcamos a data para o final de setembro de 2000. O engraçado nessa história, foi o tom prosaico adotado da parte de um dos sócios da casa, no tocante à sua visão do show business. 

Completamente desacostumado a lidar com uma produção de show de um artista autoral, ele queria usar métodos estapafúrdios de divulgação, ao provocar até risos em suas colocações. Em uma dessas reuniões, ele chegou a nos dizer que convocaria todos os músicos das bandas cover que conhecia, para que cada um desses músicos distribuísse filipetas diferentes pontos da cidade de São Bernardo do Campo-SP.

A grosso modo, pareceu em seu modo de raciocinar um tipo de estratégia usada por militância política. E a se pensar realisticamente, mesmo que ele conseguisse esse apoio sincero e gratuito, de onde tiraria dinheiro para pagar a gráfica que confeccionaria esse material?

E segundo, qual a garantia de eficácia dessa estratégia na prática, na bilheteria? O sujeito falava empolgadamente e tinha argumentação típica de palestrante da "Amway"... mas daí a dar certo...

                         O pai de Elvis Presley, senhor Vernon Presley

                      O ator de cinema e seriados de TV, Lloyd Bridges

E para intensificar a comicidade dessa situação, esse rapaz era sósia do Vernon Presley, pai do Elvis Presley e enquanto ele falava, não conseguíamos parar de pensar na semelhança e como aquela situação se tornara engraçada também por isso. 

Eu também o achava parecido com o veterano ator, Lloyd Bridges, conhecido no Brasil como: "O Homem Submarino", graças ao seriado de TV, "Sea Hunt", que protagonizara nos anos cinquenta e sessenta. 

O Rodrigo Hid, que herdou de seu pai o dom da imitação, imediatamente compôs o personagem e entre nós, no âmbito interno da banda, isso rendeu muita risada. 

Sobre a ação de divulgação por ele alardeada, claro que deu tudo errado e as ações de divulgação ficaram por nossa conta, no calor dos acontecimentos. O mutirão de "filipetadores" por ele aventado em seu delírio, não saiu da sua imaginação, é claro.

E lá fomos nós tocar no "Volkana", uma obscura chopperia de um bairro longínquo de São Bernardo do Campo-SP, no dia 29 de setembro de 2000. Sem o "mutirão de filipetadores" e a contar somente com a nossa divulgação, muito simples, nós conseguimos atrair cento e vinte pessoas ao estabelecimento, o que foi considerado excepcional para os padrões da casa. 

O palco era bem alto em sua constituição, o que causava um certo incômodo às pessoas que assistiam nas primeiras mesas, por não conseguirem enxergar o espaço inteiro. Além do impacto do som direto do palco, misturado ao pequeno PA, a causar um desconforto auditivo, razoável. 

Em frente ao palco, contudo, havia um mezanino, onde a visão era privilegiada e não havia cobrança mais cara pelo seu uso, ao bastar para a clientela, chegar antes e ocupá-lo livremente, pelo mesmo valor do ingresso.

Apesar de estar localizado bem longe do centro daquela cidade e não possuir nenhuma tradição de realizar shows com artistas autorais, esses cento e vinte presentes foram na verdade, um fator inédito para a percepção dos donos do estabelecimento que animaram-se a produzirem mais shows nesse sentido, e a própria Patrulha do Espaço voltaria ali, para efetuar apresentações posteriores, as quais eu relatarei no momento oportuno.

Entrevista com Rodrigo e Marcello, na Revista Cover Guitarra. Fantástico reconhecimento do talento de ambos que começava a aparecer na imprensa especializada. A lamentar-se apenas o erro crasso ao grafar o nome de ambos: Marcello com um "L" apenas, deu para aguentar, mas quem é Rodrigo "Hill?" Eu conheço o Rodrigo Hid, mas Rodrigo Hill, não sei de quem se trata...

Tecnicamente foi um bom show, com o público a interagir bem.
Fizemos a loucura de levar todo o nosso equipamento de palco, incluso o órgão Hammond, portanto, quem esteve presente, viu um show de Rock com produção para palco de teatro. 

De fato, os donos ficaram surpreendidos com o público presente e a animação do show, ao se considerar sermos uma banda autoral. E eufóricos eles nos disseram que motivados por tal resultado, desejavam transformar a casa em um espaço para shows autorais doravante, a diminuir-se as baladas protagonizadas por bandas cover, gradativamente. 

Isso abriu a perspectiva para tocarmos lá novamente, conforme eu já disse anteriormente e no devido tempo será comentado. 

O outro sócio, aquele rapaz que fora prolixo e era sósia de Vernon Presley ou Lloyd Bridges, começou então a sua viagem ao planeta da divagação e falou em reformas na casa, digamos mirabolantes.

"Brainstorm" é uma ferramenta útil no processo da criação, mas no caso dele, foi delírio, mesmo. A casa até poderia melhorar, mas para tanto, precisaria de muito dinheiro e mesmo assim, a localização na periferia de São Bernardo do Campo, não lhe favorecia. 

O próximo passo da nossa banda foi, aí sim, um grande erro estratégico, mas não por nossa culpa. Aperte o cinto: coloque o capacete, tome sua pílula de proteínas, pois nessa aventura, nem o Major Tom viajaria tanto...

O próximo show foi uma aventura e tanto. A data foi usada em outubro de 2000, mas esse processo já havia iniciado-se meses antes, através de um contato que o Rolando Castello Junior houvera feito na cidade de Limeira-SP, distante cerca de cento e cinquenta Km de São Paulo. 

Mediante esse contato, muitos telefonemas foram disparados e pelo menos duas viagens à Limeira-SP para acertos pessoais com esse contratante, foram empreendidas. 

Tratara-se de uma casa noturna relativamente nova naquela cidade, com uma estrutura muito acima do padrão dos bares, mais a enquadrar-se mesmo no patamar de uma casa de shows. Sabíamos que o proprietário já vinha a realizar eventos no estabelecimento, ainda que mais focados no universo do Heavy-Metal. 

Contudo, bandas como o Made in Brazil e outras do gênero, já haviam apresentado-se nesse local. Em uma dessas visitas, eu e o Rolando Castello Júnior fomos ver a casa em um dia sem evento marcado, acompanhados do proprietário e ficamos animados com as instalações que examinamos.

Tratava-se de um palco grande, com comprimento e largura muito além do que estávamos a usar habitualmente, nos shows realizados em 2000 e com estrutura do camarim, muito digna. A casa tinha ainda um equipamento de PA com boa qualidade, além de uma iluminação surpreendente. Tal estabelecimento chamava-se: "Mirage" e ficava localizado em um bairro da periferia da cidade, um pouco distante do centro. 

Matéria na Revista "Cover Baixo", de agosto de 2000, a enfocar-me, Luiz Domingues, pessoalmente

Para quem não conhece Limeira, digo que trata-se de uma cidade com quase trezentas mil habitantes, portanto, com ares de cidade grande. A Patrulha do Espaço continha uma história muito rica nessa cidade, pois tocara lá diversas vezes no final dos anos setenta e início dos oitenta. 

Eu mesmo fui personagem de um show desses em 1983, por conta do fato da minha banda naquela ocasião, A Chave do Sol, ter feito o show de abertura. Já contei com detalhes essa experiência no capítulo específico daquela banda. 

Apenas realço que essa tradição de um bom público seguidor da Patrulha do Espaço nessa cidade, eu pude constatar in loco em 1983, pois houve três mil e quinhentas pessoas no ginásio de esportes do clube Gran São João, naquela noite fria de 9 de julho.

Resenha do CD Chronophagia, na Revista "Cover Guitarra", de agosto de 2000

Enfim, de volta ao ano 2000, com uma casa bem estruturada e a tradição da Patrulha do Espaço na cidade, teria tudo para dar certo, em tese, mas então começou o nosso problema. 

Tais empecilhos (foram vários) iniciaram-se quando percebemos que o tempo passara e o sujeito passou a não retornar os nossos telefonemas. Todas as ações de divulgação combinadas estiveram no limite de prazo para serem empreendidas e o elemento não dava sinal de vida. 

Foi quando finalmente o rapaz manifestou-se, ao dar-nos mil desculpas esfarrapadas e dizer-nos que enviar-nos-ia uma mala postal que possuía, para que nós disparássemos uma divulgação via correio. 

E o Rolando Castello Junior cobrou o empenho dele na colocação de cartazes na cidade, a sua tarefa acordada e afinal de contas, os cartazes haviam sido confeccionados por nós mesmos e já estavam nas mãos dele. 

No dia do show, chegamos à porta do "Mirage", e constatamos que haviam cartazes de um show já passado e nenhum cartaz nosso sequer, ou seja, um sinal inequívoco de que o sujeito não havia feito nada. 

O horário esgotara-se e fora muito além do combinado, quando apareceu um funcionário para abrir a casa. Quando fomos montar o nosso equipamento de palco, constatamos que o PA da casa havia sido retirado do espaço. Atônitos, continuamos a montar o nosso equipamento de palco e por telefone, conseguimos localizar o sujeito responsável, que alegara estar a sonorizar uma festa em outra cidade, creio que em Jundiaí-SP, não lembro-me corretamente, daí o fato de haver transportado o equipamento todo do PA da sua casa de shows em Limeira-SP. 

O clima ficou tenso quando o rapaz começou a insinuar que não seria possível chegar a tempo e que seria dessa forma, melhor cancelar o nosso show. Enfim ele veio para Limeira, ao chegar quase no horário do show e mesmo sendo um PA com médio porte e todos a prontificarem-se a participar de um mutirão para arrumar tudo, na base da boa vontade, claro que o clima ficara tenso.

Mesmo sob uma pressa exacerbada, conseguimos levantar o som e com substancial atraso, a porta da casa abriu-se, para entrar cerca de meia dúzia de pessoas, apenas. 

Eram fãs ardorosos da nossa banda, com discos de vinil na mão para caçarem autógrafos a posteriori, inclusive, mas revelara-se um quórum insípido, que ao se reverter em féria a sua movimentação na bilheteria, não renderia nem um lanche para a banda. 

Antes de entrarmos no palco para iniciarmos o show, o nosso roadie, Samuel Wagner, veio contar-nos que um senhor de idade e ligado à direção da casa, estava a brigar na rua com um ambulante que vendia no mesmo instante, Hot-Dog, na porta do estabelecimento. A alegação nervosa da parte do idoso, foi que o preço do cachorro-quente praticado pelo sujeito do carrinho, estava mais barato que o Hot-Dog da lanchonete da casa, a se configurar como uma concorrência desleal e certamente patética ante à sua dimensão inerente.

O clima foi às vias de fato, motivado pelo impasse comercial, digamos assim a provar que o capitalismo é sempre mesmo selvagem, na disputa de cada moeda, enfim. 

O show aconteceu assim mesmo e foi digno de nossa parte. Houve a tensão, porque todo o combinado fora sistematicamente descumprido desde muitos dias antes, mas quando subimos ao palco, fizemos um grande show para aquelas vinte e cinco pessoas presentes (foi o resultado final do borderô). 

Daquelas vinte e cinco pessoas, pelo menos quinze estavam ali gratuitamente, porque tratara-se de um grupo de fãs desabonados que ficaram na porta a tentar convencer o senhor idoso a liberar a entrada gratuitamente e nos instantes finais do espetáculo, conseguiram enfim adentrar o local. Foram vinte e cinco, apenas, mas que valeu por dois mil e quinhentos, pois essa turma vibrou intensamente. 

E esses rapazes disseram-nos que souberam do show através de um boato e foram para o estabelecimento sem deterem a certeza de que fosse verdade, pois não houveram cartazes, filipetas ou qualquer outro indício de que fosse real a nossa presença na sua cidade. 

Muito engraçado, um dos sujeitos era sósia do cantor, Serguei e esse era mesmo o seu apelido, segundo apuramos entre os seus amigos.

Ao final, nós atendemos a todos para autógrafos e de repente o senhor idoso intrometeu-se na conversa, onde inclusive fora eu que estava a conceder autógrafos e esse senhor raivoso exigiu a caneta que eu estava a usar, de volta, pois ela seria de sua propriedade. Algum garoto daquela turma a havia apanhado emprestada e como o senhor estava tenso com a situação toda, eis que entrou na roda a vociferar com veemência, a exigir a sua devolução imediata.

Em meio a jovens Rockers, claro que tornou-se alvo imediato das pilhérias criadas, com a sua manifestação a gerar uma epidêmica reação de deboche, e isso o deixou ainda mais furioso. Foi hilário certamente, mas também serviu para espelhar bem o grau de insensatez com a qual lidamos por termos feito o show sob a produção de incautos sem noção.

Ao final, exigimos que o trato inicial fosse honrado e o proprietário da casa ainda deu-nos uma enorme canseira com evasivas, em meio a madrugada que avançava solerte. Ao final, conseguimos equilibrar o prejuízo, ao menos para pagarmos as despesas operacionais básicas, e a sairmos dali com a certeza de que fizemos a nossa parte e o show fora digno para agradar em cheio aqueles fãs que ali foram nos ver.

Alguns dias depois, a nossa caixa postal ficou lotada por cartas devolvidas daquela mala postal que o rapaz nos cedera. Foi na verdade uma lista defasada e isso explicara o por que de um show realizado em uma cidade com tradição Rocker, como Limeira-SP, ter sido tão ruim pela ausência de público, além de reforçar a imagem ridícula de não haver nem um cartaz na porta do estabelecimento, ao denotar que o responsável não colara nenhum, sequer, pela cidade. E assim foi a nossa aventura em um lugar chamado: "Mirage", uma autêntica miragem no quesito do profissionalismo da parte de seu dirigente. Isso ocorreu no dia 28 de outubro de 2000. 

Os próximos passos seriam menos frustrantes, todavia. Seriam mais três shows no interior de São Paulo, no mês de novembro. O primeiro, dia 10 de novembro de 2000, foi na cidade de Mogi-Guaçu-SP, na região de Campinas. Para quem não conhece direito o estado de São Paulo, digo que fica cerca de setenta Km adiante de Campinas, na direção da divisa com Minas Gerais, e neste caso, a primeira cidade mineira naquela rota, é Poços de Caldas, para situá-lo.

Mogi-Guaçu-SP é colada praticamente em outra cidade, também chamada Mogi, esta chamada como, Mogi-Mirim-SP. 

Mogi-Guaçu é maior, mas Mogi-Mirim ficou mais conhecida no imaginário popular por possuir um clube de futebol que já esteve a atuar por várias vezes na primeira divisão estadual e na segunda nacional e por ter revelado grandes jogadores para o futebol brasileiro, e sem dúvida, o mais famoso deles, na figura do Rivaldo.

Esse show foi promovido por um programa de rádio (Projeto Coda), que havia nos entrevistado em Sorocaba-SP no mês de julho e essa particularidade eu já mencionei anteriormente. 

O show foi realizado em um clube local, chamado, "Tempo Clube", que ficava localizado em uma aprazível praça bem interiorana, e lembro-me dela ser próxima ao Fórum Judicial dessa cidade. 

Fomos muito bem recebidos pelo pessoal da rádio, que mostraram-se muito eufóricos com a presença da Patrulha do Espaço, ao contrastar com o ar desconfiado dos dirigentes do clube, não acostumados a promoverem shows de Rock. 

Uma repórter do jornal local, Gazeta Guaçana, veio nos entrevistar durante a realização do Soundcheck vespertino. Com direito a fotografia e um certo clima de euforia por parte dos Rockers da rádio, mas infelizmente, houve uma condução constrangedora da entrevista, pois a moça, apesar de ser muito simpática, demonstrava nitidamente estar despreparada para entrevistar-nos, dado o caráter vazio de suas perguntas.

Nesta foto acima, a repórter do jornal local (de costas), a se mostrar muito simpática e solícita, mas sem saber exatamente o que nos perguntar. Louvo a sua boa vontade e o apoio que deve ter tido para a redação final na edição, que pode ser lida acima. Foto do acervo de Alexandre Quadros.

Ela tinha uma vaga noção de que a banda detinha história, mas não fez a lição de casa, ao pesquisar corretamente sobre nós, para elaborar perguntas mais embasadas. Dessa forma, o Rolando, ao perceber o clima embaraçoso, tratou de emitir algumas respostas mais desconcertantes, sob forma de brincadeira, mas a denotar também uma forma de protesto velado pela situação.
Momento da entrevista com a simpática repórter, da Gazeta Guaçuana, em Mogi Guaçu-SP, novembro de 2000. Clicks, acervo e cortesia de Eduardo Maia 

Mas no final, deu tudo certo e o soundcheck foi satisfatório, ao deixar-nos seguros de que o show transcorreria de uma forma tranquila. Fomos para o hotel descansar e jantar. Haveria uma banda de abertura local e segundo apuramos, seria uma banda de Heavy-Metal, infelizmente. 

Além do Heavy-Metal ser antagônico à vibração que estávamos a propor nessa fase da Patrulha do Espaço, naturalmente haveria por atrair um público que não nos interessava em absoluto. Mas esse tipo de disposição ocorreria mais vezes no futuro, infelizmente. 

No caso dos garotos da banda de abertura, não os conhecíamos e quando fomos embora para o hotel, ficamos seguros de que esses rapazes agiriam da maneira correta. Eles usariam parte do nosso equipamento de palco, inclusive. 

Quando voltamos para o show, tal banda estava nos últimos momentos de seu show. Fomos para o camarim, esperamos que saíssem e os nossos instrumentos estavam prontos, afinados desde que saíramos para o hotel. 

Subimos ao palco e quando iniciamos os primeiros acordes da canção: "Não Tenha Medo", a tradicional primeira música do show, as duas guitarras e o baixo estavam completamente desafinados! 

Erramos, portanto, em confiar e não estabelecermos uma nova checagem, certamente, mas jamais esperaríamos sermos sabotados por uma banda de abertura que havíamos tratado com cordialidade e até a lhes oferecer apoio material. Quando olhamos para o mezanino da casa, vimos os fanfarrões metálicos a gargalharem pela situação.

Duas raras fotos do nosso show em Mogi Guaçu-SP, do acervo de Alexandre Quadros

Evidentemente que nós ficamos embaraçados, mas rapidamente o Rodrigo falou ao microfone que um acidente houvera acontecido e nós fomos afinar para retomar o show, poucos segundos depois. Apesar desse anticlímax, o show foi bom, mesmo com um público pequeno, com mais ou menos cem pessoas, presentes. 
Foi considerado excelente pelos organizadores do evento, visto que a cidade de Mogi-Guaçu-SP, não possuía muita tradição Rocker no interior de São Paulo.
No café da manhã, no saguão do hotel de Mogi-Guaçu-SP, com o amigo, Alexandre Quadros, no meio, a usar camiseta preta, entre nós. Acervo e cortesia: Alexandre Quadros. Click: Roberto Maia

Conhecemos nesse dia um amigo que tornar-se-ia um grande colaborador e assim tem sido, até hoje, o Alexandre Quadros, que também era (é) radialista, fanzineiro e hoje em dia, é um blogueiro da pesada. Ele era vocalista de uma banda local, chamada: "Wild Shark". Antes o "Wild Shark" tivesse tocado e não aqueles garotos mal-intencionados, com seu Heavy-Metal insípido, e atitude de moleques. Tudo isso ocorreu na noite de 10 de novembro de 2000.

Com o amigo do programa "Projeto Coda", Roberto Maia e seu filhinho, no saguão do Hotel. Click, acervo e cortesia: Alexandre Quadros

De volta ao hotel, um fato inusitado ocorreu. Um dos nossos roadies (não revelarei o nome), foi tomar uma ducha e dormiu no banheiro.
Talvez a pensar que o chuveiro fosse uma cachoeira, ele relaxou de fato e apagou, literalmente. No dia seguinte, o dono do hotel estava desesperado porque a caixa d'água estava vazia e os chuveiros do estabelecimento só eram alimentados por essa fonte e não pelo fornecimento direto da rua.

Almoçamos e fomos cumprir a parte dois dessa micro turnê, rumo à Sorocaba-SP, aonde tocaríamos novamente na casa chamada: "Stratocaster". 

Porém, um fato engraçado aconteceria em nossa saída da cidade. Ao pararmos em um mercadinho daqueles típicos interioranos, que parecem ter parado no tempo, fizemos um rápido lanche ali e na dispersão gerada, entramos no ônibus sem checar se todos os membros da nossa comitiva estavam a bordo. 

Já estávamos na saída da cidade, a aproximarmo-nos da estrada, quando notamos a ausência do Rodrigo Hid! Voltamos ao pequeno estabelecimento citado e lá estava ele sentado na porta, a consumir um doce, tranquilamente. 

A sua calma justificou-se quando disse-nos de uma forma desconcertante: -"eu sabia que notariam a minha ausência e voltariam, portanto, mantive-me tranquilo aqui"... 

Definitivamente, precisávamos de um "road manager!" para nos auxiliar em turnês.

No dia seguinte fomos para Sorocaba-SP, para concretizarmos mais um show na casa, Stratocaster. Como já conhecíamos o estabelecimento, foi tudo rápido no tocante à montagem e soundcheck. 

Por uma incrível coincidência, a banda de abertura continha o mesmo nome daquela formada por garotos que sabotara-nos na noite anterior, mas ainda bem, estes músicos sorocabanos não foram fanfarrões sem nada melhor a fazer, como aqueles moleques de Mogi-Guaçu-SP. 

Outra lembrança, nesse dia estiveram presentes desde a montagem do equipamento, os integrantes da banda: "Wry". Eles eram de Sorocaba-SP e estavam a se preparar para deixar o país, rumo à Inglaterra, em busca de seu sonho.

     Os rapazes do "Wry", em uma foto já em sua fase europeia

Para quem acompanha o universo do Indie-Rock, o "Wry" alcançou uma projeção interessante na Europa, e mantém-se lá até hoje.

O nosso show foi correto, mas sem uma grande novidade a ser relatada. O público foi composto por cento e cinquenta pessoas aproximadamente, e aconteceu na noite de um sábado, dia 11 de novembro de 2000.

O próximo show foi também no interior de São Paulo. Desta vez o destino foi Campinas-SP, que pelo seu porte de metrópole, com mais de um milhão de habitantes, nada tem de pacata, como supõe-se serem as cidades interioranas. 

A casa em que apresentar-nos-íamos seria o "Delta Blues", uma tradicional casa em Campinas e muito famosa no circuito de artistas versados pelo universo do Blues, inclusive internacionais, que vinham ao Brasil e por lá se apresentavam. 

Não era exatamente a nossa ambientação mais adequada, mas a casa também passava por modificações e há tempos deixara de ter essa característica fixa de "Templo do Blues", e assim passara a abrir as suas portas regularmente para bandas de Rock, e até bandas cover, naquele tempo.

       O grande artista plástico e web designer, Johnny Adriani

A sua decoração era impecável, ao lembrar casas de blues do sul dos Estados Unidos, e pelas paredes, a decoração mostrava-se fantástica, com pinturas assinadas pelo artista plástico, Johnny Adriani, a exibir motivos sulistas norte-americanos, a passear entre as tradições dos Blues e também pelas indígenas, norte-americanas. 

Cabe explicar que o Johnny foi o fundador da casa e responsável direto por toda a sua decoração e ambientação. Infelizmente, ele já não era mais o dono da casa nessa época e se por um lado ainda era admirável a estrutura, ficara também visível a sua decadência, sob nova direção, não tão, digamos, preocupada em cumprir a costumeira manutenção básica. 

Isso refletira-se também na parte sonora do estabelecimento. O PA da casa era adequado em termos de potência calculada às suas dimensões, mas estava bem machucado pela ação do tempo, e deixava muito a desejar nesse sentido.

Mesmo assim, na base da boa vontade e do improviso, deixamos tudo arrumado da melhor maneira possível e sabedores de que o volume do palco deveria ser controlado para adequar-se à realidade do combalido PA da casa. 

Fomos jantar e quando voltamos, a casa já estava aberta. Por ser uma quinta-feira, estávamos um pouco céticos quanto à presença de um público numeroso. Contudo, na medida que os ponteiros do relógio avançaram, víamos que a casa estava a lotar e por uma questão promocional: a quantidade de mulheres era muito maior do a que de homens, devido ao preço reduzido para o sexo feminino. 

Foi óbvio que se a casa estava a receber a presença de garotas bonitas, naturalmente os rapazes seriam atraídos e dessa forma, quando fomos convocados a subir no palco, a casa ficara bem cheia.

Mesmo ao saber que faríamos um show autoral, o gerente da casa pediu para que ele fosse dividido em duas partes, para moldá-lo ao padrão das exibições das bandas cover. Isso não foi a melhor medida sob o ponto de vista artístico, mas também não ofender-nos-ia, portanto nós assim procedemos. 

A primeira parte do show foi excelente. O grosso do público respondeu bem, a aplaudir e berrar ao final das músicas, embora fosse nítido tratar-se de uma mera empolgação de balada. Claro, houveram vários fãs da banda também. Gente de Campinas e cidades próximas que apareceram com discos antigos da Patrulha do Espaço em mãos, para caçarem autógrafos no pós-show, certamente.

Somente ao final da primeira parte do show aconteceu um anticlímax para quebrar o bom astral que estávamos a ter ali para trabalharmos. Enquanto tocávamos, uma briga irrompeu-se, ao iniciar-se um tumulto generalizado. 

Tal briga não teve nada a ver com a banda, mas foi sim uma desavença entre dois garotos e os seguranças da casa, por causa da entrada forçada de ambos, por recusarem-se a pagar o ingresso. 

Houveram socos para todos os lados, copos e garrafas a estilhaçarem-se pelo chão, meninas a gritarem, em suma... se aquilo fora um bar norte-americano ao estilo sulista de blues, realmente honrou as suas tradições.

Os seguranças foram ágeis e expulsaram os brigões, mas o clima foi quebrado, naturalmente. Quando voltamos para a segunda entrada, a reação estava muito mais fria da plateia, infelizmente.

Tudo isso aconteceu no dia 30 de novembro de 2000, e o público no Delta Blues foi composto por duzentas pessoas, ou seja, muito bom para o tamanho da casa. 

Para piorar a quebra do nosso astral, tivemos um problema de ordem interna durante a parte final do show e a volta para São Paulo foi tensa, na van. Por conta disso, nós que tínhamos como próximo compromisso uma aparição em um programa de TV, a ser realizada, dois dias depois, tivemos esse clima pesado que deixou um ar de incerteza quanto a esse compromisso. Falo sobre ele logo a seguir, e como tal atividade foi uma experiência hilária a nos devolver o bom humor, enfim.

E assim, mesmo com um certo clima pesado no cômputo interno da banda, eu fui ao compromisso televisivo apenas com o Júnior ao compromisso, a se revelar como um programa de TV. 

Como não tocaríamos ao vivo e tratava-se apenas de um Talk-Show, fomos em dupla para a estúdio dessa TV.  Mas não era um programa comum, e sim, o "Dr. Rock", um Talk-Show muito simpático, apresentado por um rapaz extremamente gentil, chamado, Marcos Spitzer, que encarnava o personagem: "Dr. Rock". Qual seria a ideia dessa participação?

O "Dr. Rock" apresentava-se vestido com roupa branca, a usar jaleco, luvas cirúrgicas, estetoscópio pendurado no pescoço, e acompanhado de uma bela garota, devidamente vestida como enfermeira. As suas intervenções eram engraçadas, pois ele usava jargões da medicina para falar de Rock etc. Ele tinha bordões como algo do tipo: -"dor de ouvido? Prescrevo Grand Funk Railroad para você, meu filho"...

E não ficava só por isso. Por ser veiculado em uma estação de TV comunitária (da cidade de São Caetano do Sul-SP, região do ABC paulista), e ter baixíssimo orçamento, continha uma característica sui generis: tratava-se de um Talk-Show com cenário a usar o recurso do "Chroma Key" e entre uma conversa e outra, ele anunciava uma música da banda, e os convidados ficavam o tempo todo no cenário estático, com imagens de fotos de sua banda a perpassá-los, enquanto o áudio era executado, como se fosse uma execução radiofônica. 

O "Dr. Rock" foi uma das figuras mais amigas que a Patrulha do Espaço teve como incentivador nessa fase, sem dúvida, e não foram poucas as vezes onde ele ajudou-nos, a realizar divulgação de nossos shows e lançamentos de discos. Veja abaixo a nossa participação no programa do "Dr Rock", no início de dezembro de 2000:

Eis abaixo o link para assistir esse programa na íntegra:
https://www.youtube.com/watch?v=lrqEZQqesDY&feature=youtu.be

E nada mais ocorreu de significativo em 2000, além de algum material na imprensa, ainda a descrever e analisar o lançamento do CD Chronophagia. 

Mas claro que tivemos que comemorar o fato de que o ano 2000, fora ótimo para a banda. Gravamos o álbum Chronophagia, tivemos muitas críticas positivas publicadas na imprensa escrita tradicional, fizemos programas de rádio e TV e muitos shows, inclusive a engatar uma boa série com apresentações, fora de São Paulo.

O próximo passo, já a ser cumprido em 2001, foi uma micro-temporada a ser realizada no Centro Cultural São Paulo e assim que o ano chegou, os nossos esforços focaram nesse sentido. 

A nossa esperança seria no sentido de fazermos uma boa divulgação, e dessa forma garantirmos um bom público. Foi realizado um esforço grande de divulgação para esse show. Lembro-me de haver comandado equipes de colocação de cartazes e filipetadores, por duas semanas ininterruptas, para cobrir os quatro cantos da cidade, e também cidades vizinhas da Grande São Paulo, como Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul (Diadema, Mauá e Ribeirão Pires, também entraram nessa lista), todas da região do ABC, e Osasco, na outra extremidade, esta, na divisa com a zona oeste de São Paulo. 

Foram mais de seiscentos cartazes, colados em lojas de discos, livrarias, sebos, escolas de música, lojas de instrumentos e equipamentos etc.

E acredite, para quem não conhece a cidade de São Paulo, isso é um pingo d'água no oceano, mas foi a melhor forma para divulgarmos shows, com os parcos recursos que tínhamos, além de eventuais apoios, em algumas publicações. 

Duas oportunidades para divulgarmos os shows na TV aberta, surgiram, contudo. Uma, foi forjada na base da impetuosidade, pois tratava-se de um programa ao vivo da TV Bandeirantes, em que uma apresentadora jovem (me esqueci do seu nome), falava a cada dia de um lugar público da cidade da cidade de São Paulo. 

O mote era mostrar "talentos" desconhecidos dos diversos bairros da cidade e abrir espaço para os munícipes reivindicar melhorias para a Prefeitura etc. Em síntese, aquele misto de pseudo prestação de serviços com anarquia generalizada. 

Eu e o Rodrigo resolvemos arriscar, e fomos sob improviso em um dia onde estavam a transmitir direto da Praça Dom Orione, no bairro da Bela Vista (o popular "Bexiga"). Abordamos a apresentadora, falamos sobre a nossa banda e demos-lhe filipetas do show que faríamos no Centro Cultural São Paulo, mas ela esnobou-nos, a colocar-nos na fila dos anônimos, sem privilégios. 

Entre garotos a reclamarem da falta de pista para skatistas no bairro, reclamações prosaicas sobre lâmpadas da iluminação pública queimadas e buracos no asfalto das ruas, eis que deram-nos menos de dez segundos para falarmos do show. 

Por uma infelicidade minha ocasional, eu havia esquecido de levar um cartaz e assim, munido apenas de uma minúscula filipeta e com parcos segundos para me expressar, receio ter sido uma aparição que pouco, ou nada agregou. Tenho essa aparição registrada em vídeo, mas ainda não a postei no YouTube. Pretendo fazê-lo, como peça curiosa a ser colecionada pelos fãs do trabalho, certamente. 

E sobre a outra aparição, cabe uma explicação ainda mais detalhada, tamanho o seu caráter inusitado.

 
Nessa mesma época, nós recebemos um telefonema do departamento de jornalismo do SBT. Queriam que nós participássemos de um Talk-Show exibido no início da madrugada e conduzido pelo tarimbado jornalista, Ney Gonçalves Dias. Achamos positivo o convite, por ter sido uma manifestação espontânea daquela emissora e curiosa de certa forma, pois é público e notório que o SBT não dá espaço para outro espectro artístico do que o dirigido ao mundo popularesco, o seu alvo tradicional de atuação.

Mas o Talk-Show era bom, bem produzido e assim, por que não participar e divulgar o trabalho, ao centrar forças obviamente no novo show e no último CD? 

Então, avisaram-nos que só poderiam receber uma dupla a representar a banda, o que consideramos ideal também, por que nesse tipo de programa, é inevitável que um ou dois componentes apenas falem e os demais passem quietos pela entrevista, ao tornar a sua presença, meramente decorativa na tela da TV.

Como não haveria número musical, aceitamos o convite e assim, eu e Rodrigo apenas, fomos representar a Patrulha do Espaço.

Uma viatura da emissora apanhou-nos no local combinado e assim que chegamos aos estúdios do SBT, às margens da rodovia Anhanguera, próximo à cidade de Osasco-SP, fomos conduzidos ao camarim/lounge do estúdio de jornalismo. Fomos tratados com bastante dignidade e desfrutamos do conforto desse espaço, com um ar condicionado muito forte e que amenizara o forte calor de janeiro.

No camarim, confraternizamo-nos com outros convidados do programa, que seria gravado. Estiveram ali presentes os atores, Paulo Cesar Grande e Cacilda Lanuza, que promoviam uma peça teatral em cartaz, na cidade de São Paulo. 

Conversamos descontraidamente com ambos, que mostraram-se bastante simpáticos e até assistimos juntos um bom pedaço do jogo final do Campeonato Brasileiro de 2000 (disputado em janeiro de 2001, por conta de parte da arquibancada do estádio São Januário, do Vasco, ter desabado na partida final e assim determinando o adiamento para outra data, no caso, para esse dia, 18 de janeiro de 2001).

E funcionários do SBT comemoravam eufóricos pelos corredores do estúdio da emissora, um fato inusitado: ao desferir um golpe na Rede Globo, o presidente do Vasco na ocasião, Eurico Miranda, fechara um patrocínio pontual para esse jogo somente e fora com o SBT! 

Portanto, foi uma afronta e tanto, pois o jogo foi transmitido para todo o Brasil, via Rede Globo, mas o Vasco exibia de uma forma enorme em sua camisa, o logotipo do SBT.

Estava muito divertido assistir a partida mediante os comentários irônicos do ator, Paulo Cesar Grande, até que uma produtora chamou-nos para a sala de maquiagem e quando voltamos ao lounge, ele, mesmo, Paulo Cesar Grande, caiu na risada, pois divertiu-se com o fato da maquiagem não ter feito nenhuma diferença para nós e não fez mesmo, pois apenas usamos o pó que inibe o suor causado pela ação dos refletores, o que é obrigatório na TV, para não causar constrangimentos em cena. 

Rimos também, pois foi uma cena engraçada e percebemos de imediato que a brincadeira dele houvera sido sadia. O casal de atores foi chamado primeiro para participarem da entrevista e assim que terminou sua ação, despediram-se de nós, ao nos convidarem para fôssemos prestigiar o espetáculo teatral que encenavam em São Paulo, naquele momento. Vou ficar a dever o nome da peça, pois realmente não recordo-me. 

Antes de nos chamarem, encontrei um velho amigo, chamado: Luiz Antonio Galvão, nos bastidores do departamento de jornalismo do SBT. Eu o conhecia desde os anos setenta, quando ele ainda nem pensava em tornar-se jornalista.

O jornalista, Luiz Antonio Galvão, que eu conheço desde os anos setenta, antes mesmo dele ter enveredado-se no mundo do jornalismo televisivo
 
Fiquei contente por ver que este amigo de adolescência chefiava o departamento e de fato, durante os anos oitenta eu soube que ele havia tornado-se repórter de TV, ao vê-lo a fazer matérias em reportagens de noticiários. Nesse instante de 2001, ele estava muito bem, como chefe do departamento e eu fiquei contente por revê-lo. 

Então, uma produtora chamou-nos e levou-nos ao estúdio de gravação. Fomos colocados nas poltronas em frente ao apresentador, Ney Gonçalves Dias, que foi educado ao receber-nos.

Figura importante do jornalismo televisivo, desde os anos sessenta, Ney Gonçalves Dias detinha muita credibilidade no meio

Antes de começar a gravar, alguém da produção pediu-nos para escolhermos alguma música para tocar como BG ("BG" é uma sigla que radialistas e também do meio da TV, usam há décadas e que significa: "música de fundo", ou "Background" em inglês, daí a sigla "BG"). 

Escolhemos a canção: "O Novo Sim", por ter um caráter mais palatável ao padrão daquela emissora. Considerávamos que seria a opção mais Pop de nosso repertório, para não chocar o telespectador do SBT, pouco acostumado a absorver uma banda de Rock. A entrevista começou e o Ney fez-nos perguntas previsíveis sobre o surgimento da banda, o papel de Arnaldo Baptista em nossa história, etc.

Realmente não poderíamos esperar outra coisa de um pauteiro despreparado e com preguiça para realizar uma pesquisa mais aprofundada e claro que nem foi culpa do Ney, que apenas lia as perguntas traçadas em sua ficha. 

Tudo corria bem, sem constrangimentos maiores, quando o entrevistador quis quebrar o protocolo e "cantar" uma música de nosso repertório, a seguir a letra, mediante o encarte do CD. 

Ele improvisou esse desejo repentino e não houve meio para nós o dissuadirmos de levarmos a entrevista para esse constrangimento desnecessário. Portanto, ele pediu à sonoplastia de sua produção para soltar a música e foi um momento permeado pelo embaraço, quando percebeu que não conseguiria nem balbuciá-la. 

Nervoso, ele ficou nitidamente desconfortável pela situação, com o encarte na mão e a tamborilar na poltrona, a estampar um semblante atônito. Naturalmente que ele esperava usar o encarte como "cola", mas não deu tempo para avisá-lo que o encarte não continha as letras das canções.

Eu e Rodrigo ficamos completamente sem ação e limitamo-nos a disfarçar a nossa expressão facial pautada pela dita "vergonha alheia". 

Ao terminar o tempo, ao aviso da produção ele despediu-se de nós polidamente e rapidamente saiu do estúdio, para dirigir-se ao seu camarim pessoal. Nós saímos também e a produtora avisou-nos sobre o horário que o programa iria ao ar. 

Despedimo-nos e fomos ao estacionamento aonde a viatura aguardava-nos para cruzar a cidade, ao conduzir-nos de volta. 

Naquela madrugada, eu assisti no horário combinado com meu o velho videocassete preparado para acionar "Play & Rec", mas simplesmente o programa não foi exibido. Como o SBT era (é) famoso por promover atrasos mastodônticos na sua grade de programação, eu pus-me a assistir, até desistir, vencido pelo cansaço, por volta das 5:00 horas da manhã. Na teoria, deveria ter sido exibido à uma da manhã.

O que aconteceu? Será que o apresentador se melindrou com a questão da música que não conseguiu cantar e mandou cancelar tudo? Nesse caso, que culpa nós tivemos? E os outros entrevistados que também perderam tempo e queriam promover a sua peça teatral? 

Nunca ficamos a saber o motivo por não ter ido ao ar e lamentamos muito perder uma tarde e noite, praticamente, para nada, fora o prejuízo na divulgação, pois mesmo que o SBT fosse uma rede de TV que teoricamente não atingia o nosso público alvo, por outro lado, para uma banda marginalizada como era a Patrulha do Espaço, em termos mainstream, não fora algo corriqueiro estar em um Talk-Show de uma emissora de sinal aberta e popular. Paciência!

Foi frustrante não ver o programa ir ao ar, mas enfim, foi um programa que não agregaria público ao show, em profusão pelo menos e o seu alcance teria sido mais subjetivo. Portanto, nós absorvemos rapidamente esse quase desdém para conosco e seguimos focados na mini temporada que faríamos no CCSP.

A despeito disso, a divulgação tradicional mediante cartazetes e filipetas, foi executada e tivemos alguns pouco apoio na mídia escrita. 

Em 1999, comemoramos o fato de fazermos dois shows no Centro Cultural São Paulo. Em 2000, só tivemos uma data, mas com a possibilidade de empreender um maior capricho na produção. Agora, nesse momento de 2001, estávamos satisfeitos por termos três dias, ao caracterizar-se uma micro temporada.

O palco do CCSP, pronto para a Patrulha do Espaço atuar, em janeiro de 2001, sob uma mini temporada com três shows
 
Cada pequeno sinal desses foi comemorado, é claro, e moveu-nos para frente, com esperança. E nessa nova temporada, tínhamos mais músicas novas à disposição, que seriam gravadas adiante, ao fazer parte do novo CD. Nessa mescla, o predomínio das músicas do set list ainda seria do CD Chronophagia, na crista da onda, mais um apanhado dos trabalhos setenta-oitentistas da banda, certamente.
O primeiro show dessa temporada foi realizado na sexta-feira, dia 19 de janeiro de 2001, com um surpreendente público presente, com noventa pagantes. Digo surpreendente, pois no horário das 19:00 horas das sextas, nem artistas consagrados do mainstream conseguiam movimentar um público significativo, pois era (é) um horário inviável pelo fato de estar bem na hora do "rush", em São Paulo.
Em tese, para estar no teatro, pontualmente nesse horário, ou a pessoa tem uma vida flexível, ou fica muito difícil sair do trabalho e/ou escola, enfrentar o trânsito completamente caótico e chegar na hora certa.
Os próprios funcionários do CCSP contavam-nos histórias sobre shows vazios, a envolver artistas com renome, que nem citarei, para não comprometer ninguém, mas digo que eram (são) cultuados na seara da MPB.
 
Mais aspectos do palco do CCSP pronto para a Patrulha do Espaço atuar. Janeiro de 2001
 
Foi um bom show, com muita energia. Fotografamos e filmamos, mas não inteiramente. Eis abaixo uma música de um dos três shows que fizemos (19 de janeiro de 2001), em que nos apresentamos. Trata-se de: “O Pote de Pokst”, um momento sempre mágico dentro de nossos shows, com climas “Zeppelineanos”, explícitos.
Eis o link para assistir no YouTube, “O Pote de Pokst” ao vivo no Centro Cultural São Paulo, em 19 de janeiro de 2001:
https://www.youtube.com/watch?v=i9pFXnnDGBU

Quase todas as fotos desse show do CCSP, em janeiro de 2001 (na verdade, na maioria, apenas fotos de bastidores), são do acervo de Rodrigo Hid, que as cedeu gentilmente para ilustrar a minha autobiografia, na qual ele é um personagem recorrente, também.
No dia seguinte, contamos com o relaxante fator do palco já estar montado do show anterior e dessa forma, nos restou chegar para o horário do soundcheck, com poucos ajustes a serem feitos.
Com o grande, Hélcio Aguirra a participar como convidado, em 20 de janeiro de 2001. Foto do acervo pessoal de Salvatore D'Angelo

O ponto negativo ficou por conta do público que consideramos decepcionante, sem dúvida. Apenas cento e dez pessoas viram-nos a tocar e por ter sido um sábado, apesar do incômodo horário de 19:00 horas, não houve a desculpa do "rush".
Camarim do Centro Cultural São Paulo, em 20 de janeiro de 2001. Da esquerda para a direita: Marcello Schevano, Eu (Luiz Domingues), a produtora, Claudia Fernanda, Salvatore D'Angelo, Rolando Castello Junior e Rodrigo Hid. Acervo de Salvatore D'Angelo

Uma novidade interessante ocorreu. Como convidado, o Golpe de Estado subiu ao palco no meio do nosso show, e ao mesclarem-se os seus componentes a nós, tocamos juntos duas músicas.
Foi a estreia da nova formação, com o novo vocalista, Kiko Müller, em ação. Essa participação do Golpe de Estado também transformou-se em uma grande oportunidade para divulgar o show que faríamos, um mês depois no Teatro Dias Gomes, ao dividir a noite com eles.
Tanta a participação do Golpe de Estado, quanto o nosso show, propriamente dito, foram muito bons, apesar do público tímido. No dia seguinte, domingo, as coisas melhorariam em termos de público presente. E assim foi o nosso show, em 20 de janeiro de 2001.

O Golpe de Estado a tocar conosco, inclusive com o Nelson Brito a usar o meu Fender Jazz Bass, nessa foto, que é rara. Acervo e cortesia de Salvatore D"Angelo

Como eu já disse, no dia seguinte, o público foi muito melhor, com maior animação para nós, certamente. Cento e oitenta pessoas passaram pela bilheteria e nós repetimos a participação do Golpe de Estado, como convidado especial. 

Ficamos animados também com a perspectiva do show que já estava marcado para o mês seguinte, pois essa parceria com o Golpe do Estado haveria de ser vitoriosa. Quanto ao nosso show desta tarde/noite, foi muito bom, a encerrar a micro-temporada, com sucesso. Foi no dia 21 de janeiro de 2001...

A próxima meta, seria o show que faríamos a dividir a noite com o Golpe de Estado, em um Teatro. Tratava-se do Teatro Dias Gomes, localizado na galeria de mesmo nome, na Rua Domingos de Moraes, entre as estações Paraíso e Ana Rosa, do metrô de São Paulo. Ali, por muitos anos, desde a década de sessenta, funcionara o Cinema "Capri", tradicional no bairro da Vila Mariana.
Soundcheck no Teatro Dias Gomes. O equipamento das duas bandas misturou-se, ao fazer um volume grande no backline de palco. Nessa foto, eu estou no palco a equalizar o baixo no PA, neste instante da foto.

Uma foto a aproveitar a presença imponente do órgão Hammond

Tal instalação, há muito tempo havia deixado de ser uma sala de cinema, e estava agora adaptada para servir como teatro. Quem costumava (e costuma), arrendar o espaço permanentemente ali, fora a trupe teatral & musical de Osvaldo Montenegro, "Menestréis", que ensaiava periodicamente ali, e o usava para as suas apresentações.

Conversamos, portanto, com o dono do espaço, que nas raras brechas onde os Menestréis do Montenegro não o usavam, o alugava geralmente para montagens teatrais e muito raramente para apresentações musicais.

No palco, a iniciar os preparativos da montagem. Da esquerda para a direita, Nicolas, o filho do iluminador, Wagner Molina e que apesar de ter apenas cinco anos de idade na ocasião, era auxiliar do pai e sabia mexer na mesa de luz (!), Rolando Castello Junior e Samuel Wagner. Ao fundo, de costas, Wagner Molina, a conversar comigo, Luiz Domingues, que estou encoberto na foto.

Todavia, sujeito acessível e solícito, ele nos recebeu, ocasião em que o Rolando o convenceu a realizar um show de Rock sob um esquema de sociedade. Ele não cobraria aluguel e arriscaria dividir a bilheteria entre as bandas. Além do teatro, ele responsabilizar-se-ia pelo PA e a iluminação e as bandas, pela divulgação. 

Ficamos até surpresos com a sua aceitação, pois geralmente esse tipo de administrador é arredio com shows musicais e principalmente em relação ao Rock, por normalmente nutrir diversos preconceitos e temores. Medo de "quebra-quebra" por vandalismo, problemas com drogas & bebidas, ocorrências policiais etc.

Da perspectiva dos camarins, uma bela foto do palco montado. Parece foto de um "Book Concert", de bandas europeias dos anos setenta...

Mas o sujeito aceitou e dessa forma, o desafio foi lotar o teatro, ao estabelecer uma produção rentável e quem sabe assim, o rapaz animar-se-ia ao ponto em tornar o seu teatro, um polo para o Rock, como houve em profusão nos anos setenta. 

O seu nome era Paulo e esse rapaz mantinha uma característica a mais: era um pastor evangélico, dono de uma igreja e de um estúdio de gravação bem equipado, aonde costumava gravar artistas da cena da música gospel. 

Em um futuro não muito distante, nós usaríamos esse estúdio, mas essa história ainda está longe na cronologia, deste ponto do relato. Chegarei lá, oportunamente. 

Fechado o acordo, iniciamos os nossos esforços para divulgarmos ao máximo possível o espetáculo. A divisão fora animadora com o Golpe de Estado, que faria enfim, a estreia oficial de seu novo vocalista, Kiko Müller. 

A estreia oficiosa desse vocalista com o Golpe de Estado fora nas participações que tal banda perpetrara como convidada nos shows da Patrulha do Espaço, no CCSP, conforme eu já relatei anteriormente, mas agora, seria de fato, a "volta" da banda perante o seu público, em um belo teatro, portanto, seria a certeza de soma de contingente ao nosso, e assim, aberta a perspectiva para a lotação máxima, ocorrer.

Na garagem da residência do Junior, ele colou o lambe-lambe triplo no azulejo. Marcello Schevano segura um cartaz do show. Colamos seiscentos desses pela cidade de São Paulo (os cartazetes), e algumas cidades vizinhas, conforme já relatei... As fotos de bastidores do show no Teatro Dias Gomes, são do acervo de Rodrigo Hid

                                                 Pelas "Ruas da Cidade"...

O esforço de divulgação foi ainda maior para esse show do Teatro Dias Gomes. A ideia seria lotar a casa, para o seu dono animar-se e daí o Teatro ser doravante, um ponto para artistas autorais, um fator raro no início dos anos 2000, e que ansiávamos por resgatar. 

Portanto, o sucesso dessa empreitada, seria fundamental para servir como argumento, nessa pretensão que tínhamos. Fizemos um cartaz extremamente criativo. Na verdade, foi um cartaz adaptado de uma propaganda que já existia há décadas, mas que estilizamos para promover o show das duas bandas.

Tratou-se do cartaz clássico da Revolução Constitucionalista de 1932, com a figura de um soldado a convidar os homens paulistas a engajarem-se na força armada revolucionária. Com o slogan clássico: "Paulistas, às armas", usado como palavra de ordem etc.
Logicamente o adaptamos e a convocação seria para o público Rocker cumprir o seu dever "cívico" ou "Rocker" etc.

O nosso esforço foi enorme para os espalharmos nos quatro cantos da cidade, em todas as cidades do ABC e Osasco. Só não fui a Guarulhos e demais outras cidades da grande São Paulo, por falta de tempo, mas lembro-me de ter rodado por mais de quinhentos km, sem dúvida. 

Outro fator que apareceu nesse processo de divulgação e preocupou-nos, foi quando descobrimos que vários cartazes nossos estavam a serem vandalizados, e muitos deles, contiveram inscrições com suásticas nazistas, desenhadas por cima. O que significaria? Alguém estaria ofendido com o uso do cartaz inspirado na Revolução de 1932? Seriam pessoas com tendências pró-nazistas ou pelo contrário, anti-nazistas a interpretar-nos mal? 

Nunca descobrimos, pois nada de anormal ocorreu durante o show, ou mesmo depois do público evadir-se tranquilamente do Teatro. Mas tal manifestação, ocorrida às vésperas, chamou-nos a atenção e ficamos preocupados, logicamente.

Estávamos focados em shows, mas resenhas sobre o álbum "Chronophagia" ainda repercutiam. Aqui, na Revista "Batera e Percussão", logicamente que enalteceram a performance do Junior no disco, e modéstia a parte, tinha mesmo que enaltecer o seu trabalho...
Passado esse esforço da divulgação, chegou enfim o dia do show.
O nosso esforço natural para chegarmos cedo era uma praxe de nosso comportamento profissional, mas houve um problema estrutural no Teatro Dias Gomes. O fato é que por ter sido arrendado pela trupe de teatro, "Menestréis", do Oswaldo Montenegro, mesmo quando tais artistas não o usavam para apresentações, haviam ensaios aos sábados.
E foi o que aconteceu no dia do nosso show, para atrasar, obviamente, toda a nossa produção. Enquanto descarregávamos o equipamento, os atores faziam exercícios de dança, a portarem cabos de vassouras e a esvoaçarem pelo palco, a saltitar e rir, sem importarem-se com a nossa presença e apreensão com os ponteiros do relógio a insistir em não parar de avançarem rapidamente.

E já havia um aviso de que não poderíamos atrasar o show em hipótese alguma, pois o teatro ficava (fica) no piso térreo de uma galeria comercial acoplada à uma torre de apartamentos residenciais. Para a sonorização de peças de teatro, havia uma tolerância dos moradores, mas o dono do teatro temia por problemas com a realização de um show de Rock, e pior ainda, com duas bandas na programação. 

Houve uma demorada debandada dos atores, que realmente não colaboraram para esvaziar o palco com maior agilidade e deixar-nos montar o equipamento.

O teatro continha um palco grande, com coxias e cenotécnica bem amplas, boa iluminação e camarins muito confortáveis. Muitos anos antes, ali funcionara o Cine Capri, um dos inúmeros cinemas de bairro de São Paulo, e só ali no bairro da Vila Mariana, na extensão da Rua Domingos de Moraes, houveram quatro ou cinco outras salas de cinema, além do Capri. 

O próprio, Junior, contou-me em um momento nostálgico dele, enquanto esperávamos os atores desocuparem o palco, que costumava frequentar aquele cinema ainda quando criança, acompanhado de seu avô, e que assistira ali o filme: "Taras Bulba", uma obra épica protagonizada pelo grande ator, Yul Brynner, em 1962.

Contaríamos com o PA do teatro, mas como mostrara-se insuficiente para um show de Rock, o pessoal do Golpe de Estado providenciou um reforço, com amigos seus. A iluminação, contudo, estava adequada e nós convocamos um técnico de gabarito, Wagner Molina, que anos mais tarde, tornar-se-ia o técnico de luz do "Pedra". 

Nesse dia, ele (Molina), surpreendeu-nos pois levou o seu filho Nicolas, à época com apenas cinco anos de idade e para a nossa estupefação, o menino foi o seu assistente! Enquanto ele afinava os spots no palco, o seu filho foi quem ligava e os desligava, a pedido do pai, diretamente a atuar na mesa de iluminação. 

O garoto sabia operar uma complexa mesa de iluminação, com desenvoltura, aos cinco anos de idade e claro, hoje em dia, adulto, é um técnico profissional gabaritado e muito requisitado no mercado dos espetáculos e eventos em geral.

Com a demora da saída dos atores e as suas vassouras do palco tudo atrasou, é lógico... e o reforço de PA providenciado pelo Golpe de Estado, idem. Dessa forma, a passagem de som foi um exercício de paciência e tanto. 

Nesse ínterim, conhecemos o técnico de som fixo do Teatro, um sujeito simpático e atencioso, chamado: Yves. Ele sabia que aquele equipamento era insuficiente para um show de Rock e que servira apenas para sonorizar peças teatrais. Ele foi solícito com o técnico que o Golpe de Estado trouxe consigo e que culminou em operar os shows do Golpe e da Patrulha do Espaço, naturalmente. 

Pouco tempo depois, ele mesmo, Yves, operaria um outro show que a Patrulha do Espaço faria ali mesmo nesse teatro, fato que eu contarei posteriormente.

Na hora do nosso soundcheck e com o Wagner Molina a fazer os seus testes de luz.

Passado o som e afinados os spots de iluminação, restara pouco tempo para o primeiro show ocorrer e o pessoal do Golpe de Estado insistiu muito para tocar primeiro. 

Sob uma circunstância dessas, com duas bandas de porte a dividirem a noite, realmente não importou quem tocaria primeiro, pela questão do status artístico adquirido. Ambas poderiam ocupar qualquer ordem, em igualdade de condições. 

Mesmo com pouco tempo hábil, aproveitamos para tirarmos algumas fotos promocionais nos camarins do teatro. Uma delas, ficou bem famosa e foi publicada inúmeras vezes em jornais e revistas, por bastante tempo.

No camarim do Teatro Dias Gomes, minutos antes de entrar em cena. Foto de Ana Fuccia.

Nessa foto que ficou famosa, estamos sentados e a sorrir, com um bom semblante da parte de todos, e a ter a parede do camarim às nossas cosas, decorada com discos de vinil, ao parecer uma loja de discos, de antigamente. A autoria da foto foi da Ana Fuccia, uma fotógrafa que tornara-se nossa amiga, e que dali em diante faria muitas fotos promocionais e ao vivo de nossa banda. Inclusive, a foto da contracapa do CD ".ComPacto", de 2003 e o posterior, "Missão na Área 13", de 2004, foram de sua autoria. 

O teatro liberou a entrada do público e tivemos a grata surpresa de termos um show com casa lotada. Foram trezentas e cinquenta pessoas a lotar o auditório e estávamos contentes pelo esforço da divulgação, ter dado certo. 

O show do Golpe de Estado iniciou-se e sob diversos pontos das coxias, pudemos ver a banda em ação, a reação da plateia e a rebarba do som expelido pelos monitores.

A banda e o público estavam ótimos, mas o som no palco estava embolado, extremamente. Uma frequência grave e muito forte, tornava o som muito difícil para quem fosse tocar, e claro, preocupamo-nos. 

O rapaz que o pessoal do Golpe de Estado levou para operar o PA, teve boa vontade, mas não demonstrou possuir uma grande destreza técnica na pilotagem e o show dos nossos amigos foi conduzido praticamente inteiro com esse problema. Então, terminou a performance deles, e chegara a nossa vez...

O público lotou as dependências do Teatro Dias Gomes e apesar dos problemas de som que o Golpe de Estado enfrentou, gostou muito da performance de Hélcio Aguirra, Paulo Zinner & Nelson Brito, e mesmo reticentes com a entrada do novo vocalista, Kiko Müller, aplaudiram e gostaram bastante da performance da banda.
Chegou a nossa vez, enfim.
Logo na primeira música: "Não Tenha Medo", uma microfonia de frequência grave, perturbou-nos muito. O Junior não teve dúvida e mesmo ao criar o anticlímax, parou e pediu ao técnico para detectar e eliminar essa frequência a provocar desequilíbrio. Sei que foi (é) desagradável, constrangedor mesmo, mas ainda assim é preferível a prosseguir o show em condições técnicas insuportáveis, que só prejudicariam ainda mais a nossa banda.
Teatro Dias Gomes, 10 de fevereiro de 2001. Click, acervo e cortesia de Salvatore D"Angelo

Feito isso, prosseguimos com: "Festa do Rock", "Ser" e demais canções previstas pelo set list. O show foi muito bom, com uma boa resposta do público. 
No mesmo dia, no Teatro Dias Gomes, a ter participação especial do saudoso, Hélcio Aguirra, guitarrista do Golpe de Estado. Click, acervo e cortesia de Salvatore D"Angelo

A iluminação funcionou muito bem com a condução do Wagner Molina, que era um mestre desse quesito. O som deixou a desejar com a precariedade do PA inadequado, mesmo com algum reforço que foi acrescido de fora, mas sobretudo por conta da fraca operação do rapaz, que o Golpe de Estado, trouxe.
Outra foto com o grande, Hélcio Aguirra, a abrilhantar o nosso show, como convidado especial no Teatro Dias Gomes. Click, acervo e cortesia de Salvatore D'Angelo

Foi o dia 10 de fevereiro de 2001, e trezentas e cinquenta pessoas assistiram-nos no Teatro Dias Gomes, ex-Cine Capri.

O show foi muito bom e o dono do teatro animou-se. Pareceu-nos que ali poderia tornar-se enfim, um novo templo do Rock paulistano, e pela estrutura de palco e iluminação, boa localização e o charme por ter sido um cinema de bairro nos anos cinquenta & sessenta, teria tudo para tornar-se, mesmo. 

Se ajustasse-se a tal questão de um PA adequado e a normatização de um horário não conflitante com o condomínio residencial em anexo, teria tudo para tornar-se um ponto incrível para o Rock paulistano de começo de novo milênio, tal como o Cine Joia, no bairro da Liberdade veio a tornar-se hoje em dia (2016), em relação à cena do Indie-Rock na cidade. 

Em meio à empolgação o Junior marcou uma nova data a seguir, desta feita, só com a Patrulha do Espaço a apresentar-se. Seria logo a seguir, mas sob uma data inóspita: o domingo de carnaval.

Claro, veio à tona, a velha estratégia de marketing de se avaliar que os Rockers mais radicais e desafetos das folias de Momo, compareceriam em massa, felizes da vida por haver um show de Rock a se mostrar redentor, para quebrar o tédio do entediante feriado compulsório etc. 

Ao se insistir nessa direção, aceitamos fazer o show, mas particularmente eu temi por um resultado não tão eficiente. O Junior vinha de uma outra escola de administração artística. O seu pensamento sempre convergia para a ideia de que após um show realizado com sucesso, imediatamente devia-se marcar outro no mesmo local, a aproveitar-se o embalo e o inevitável rumor que as pessoas que assistiram-no, realizariam e dessa forma, ao motivá-las a assistirem novamente e ao ir além, a angariar mais gente, influenciada por essa propaganda mediante a formação de opinião. 

Esse expediente foi muito comum nas décadas de cinquenta, sessenta e setenta, mas tal estratégia já não fazia sentido em pleno início de anos 2000. 

Nesse momento de 2001, as pessoas tendiam a reagir de outra forma, com a mentalidade de se considerarem satisfeitas com o bom show que viram e sem que isso suscitasse a vontade para vê-lo de novo. Mas ele ainda não havia notado essa mudança comportamental e seguia a cartilha da produção à moda antiga e não somente nesse caso do segundo show no Teatro Dias Gomes, mas em outras ocasiões também, insistiu nessa estratégia. 

Resenha sobre o show anterior, realizado em fevereiro, na revista "Rock Brigade", nº 176, de março de 2001

A vantagem, desta feita, seria que tocaríamos sozinhos, sem termos que dividir a noite com um outro artista e não haveria ensaio dos atores da trupe de Oswaldo Montenegro, portanto, teríamos mais tempo hábil para montar e fazermos um soundcheck com melhor apuro. 

Por outro lado, toda a despesa de divulgação correria por nossa conta, além do fato de que teríamos de usar forçosamente o precário PA do Teatro, pois no show anterior, o reforço trazido por fora, houvera sido providenciado pelo Golpe de Estado. 

E outra desvantagem, deu-se com a questão do tempo hábil para realizar a divulgação, bem menos confortável do que a do show interior e com a agravante do próximo ser realizado em uma data bastante ingrata.

Com pouco tempo para divulgar o próximo show, realmente a perspectiva não foi das melhores para essa segunda investida no Teatro Dias Gomes. E o fato desse show estar marcado para o domingo de carnaval, mais ainda. 

Nesse ínterim, uma oportunidade para fazermos uma aparição em um programa de TV, surgiu e haveria de ser um reforço bom em um momento em que precisávamos divulgar esse segundo show no Teatro Dias Gomes, fora a obviedade por sermos tão carentes de apoio televisivo mainstream e portanto, qualquer brecha seria importante para podermos divulgar mais o nosso trabalho. 

Todavia, não foi exatamente um programa com grande visibilidade e nem mesmo a emissora poderia ser considerada importante, em termos práticos.

Falo sobre o programa: "Intimação", exibido na obscura, Rede Vida, uma emissora que operava em sinal aberto, mas dirigida por religiosos sob orientação católica e apesar de conter na sua grade, atrações culturais até razoáveis, no bojo, tratara-se de um canal focado em religião e com o seu público alvo centrado em pessoas alojadas na faixa da terceira idade, predominantemente e entusiasta de programas focados em religiosidade cristã, sob o viés católico. 

No caso desse "Intimação", tal atração fugia à regra, no entanto, pois tratava-se de um programa nos moldes da "Turma da Cultura", "Matéria Prima", "Altas Horas" e similares, com a presença de um apresentador jovem e comunicativo, a entrevistar personalidades culturais e do mundo sociopolítico em geral, envolto a uma plateia formada por adolescentes que eram convidados a interagir com perguntas aos convidados e tudo isso entremeado por atrações musicais.

O jornalista, Thiago Gardinali, que apresentava o "Intimação", em 2001, e nos dias atuais (2016), apresenta um telejornal com teor policial, em uma emissora de TV de uma cidade interiorana do estado de São Paulo.     

Como fomos convidados para tal programa? Como o Rodrigo Hid houvera se formado jornalista, ele conhecia vários ex-colegas da Faculdade Cásper Líbero, onde estudara, que haviam espalhado-se por diversos órgãos de imprensa, após concluírem o curso e foi o caso do apresentador desse programa, que fora seu colega de classe, um rapaz chamado: Thiago Gardinali. 

Graças a ele, fomos indicados para a produção e pautados para participarmos do programa, em 28 de fevereiro de 2001. Não havia estrutura para uma apresentação ao vivo, portanto decidimos irmos em trio, apenas, sem a presença do Junior e assim apresentarmo-nos eu (Luiz), Rodrigo e Marcello, somente, a tocar a música: "Céu Elétrico", com violões e a flauta, mais as vozes, naturalmente. 

Entretanto, cabe acrescentar que o número musical que executamos ao vivo ocorreu nos estertores do programa e nem chegamos a concluí-lo, visto que os caracteres subiram e cortaram a nossa exibição. 

Não foi culpa do Thiago, eu sei, e acrescento que a sua boa vontade de nos ajudar foi tremenda, e graças a ele, um ano depois, teríamos também uma ótima entrevista na Rádio Jovem Pan AM, inclusive. 

No caso desse "Intimação", apesar dele, Thiago ser o apresentador e teoricamente coprodutor, a verdade é que a engrenagem ali não era comandada por ele, exatamente, e daí o seu poder de decisão ter sido pequeno. Nesses termos, a nossa participação fora pífia, visto que o tempo do programa foi gasto inteiramente com um debate ridículo sobre o então emergente, "funk carioca" e neste caso, defensores dessa suposta estética artística/cultural debatiam contra detratores, tudo baseado no teor lascivo de sua atuação a corromper a juventude e digamos que em um canal católico e a ostentar um público bastante conservador e idoso em sua maioria, foi um debate com teor surpreendente. 

Uma pena, no entanto, pois a discussão foi absolutamente realizada sob um nível sofrível, com opiniões esdrúxulas emitidas por jovens com baixo padrão educacional e cultural e um defensor que era bastante astuto e bom sofista, mas motivado única e exclusivamente por seus interesses pessoais, visto estar a atuar como um fomentador dessa cena pseudo-artística e lastimável, ao produzir espetáculos com os artífices dessa manifestação. 

Tratou-se no caso, do ator, Alexandre Frota, que falou bastante a defender o indefensável, mas como todo bom argumentador e orador, geralmente faz uso de falácias, assim, não passara de meros sofismas o que ele afirmou, é claro, mas eu o respeito, pois sei que apesar de ter estado ali a defender uma estética abominável, a sua astúcia foi valorosa, é claro.  

A única vez que nós interagimos nesse debate sob baixo nível, foi quando o apresentador Thiago interpelou o Rodrigo para que este emitisse a sua opinião e ele falou que esse tal "Funk" não era o legítimo, mas algo deturpado e que o real Funk fora uma escola da Black Music, com muito valor artístico e no início dos anos setenta assistira o seu esplendor no Rio de Janeiro, através de muitos artistas de imensa qualidade musical, quando citou então um artista como: Gerson King Combo, entre os seus principais artífices. Claro, ninguém daquela plateia de jovens incautos entendeu patavina das suas ponderações bem embasadas...

Rodrigo dirigiu parte de sua explanação ao próprio, Alexandre Frota, que sinalizou com o movimento de cabeça que entendia e concordava com tal ponto de vista, mas, isso foi obviamente irrelevante para ele, pois o que desejara mesmo, foi ganhar dinheiro a produzir bailes com aquele Funk fajuto & usurpador do nome, indevidamente, e ponto final.

Curiosidade engraçada, no decorrer do programa, um grupo de fãs do "Sepultura", organizara um protesto contra o Frota e tal grupo de pessoas fora impedido de adentrar o estúdio dessa emissora. Tais rapazes ficaram na rua a gritarem palavras de ordem e a exibirem cartazes com dizeres de repúdio ao ator. 

Segundo soubemos, Frota houvera sido por um breve período uma espécie de "promoter" de tal banda e fomentado ações de produção nos bastidores em prol dela, mas abandonara tal apoio e engajara-se a seguir nessa moda do funk "de araque" e com isso, despertara a fúria inconformada dos adeptos do Heavy-Metal extremo do Sepultura. 

Ao ser mencionado o fato de que "metaleiros", fãs do Sepultura estavam na porta da emissora a protestar contra ele e um link dessa imagem foi mostrado na tela, Frota os ironizou ao dizer com o seu forte sotaque carioca: -"quem são esses caras de camisetas pretas aí fora? Onde é o velório, estão de luto? Quem morreu? 

Tal manifestação da parte do ator gerou uma gargalhada generalizada no estúdio e jogou o suposto protesto dos rapazes, no completo esquecimento. Esperto ao extremo, ele capitalizou algo que ser-lhe-ia maléfico em tese, em trunfo, ao desferir uma jogada de xadrez genial e assim derrotar os adeptos do Heavy-Metal extremo, que vociferavam na rua.

Quando fomos chamados a atuar e nem deu tempo para concluirmos o nosso número, pois foi claro que a discussão inócua e totalmente manipulada a favorecer a opinião do Frota, graças à sua hábil astúcia, tornara o ambiente inteiramente desfavorável para nós.

"Funk" dos morros do Rio é que era "bom" e nós, com a nossa música acústica e plena de docilidade psicodélica, não tínhamos registro para aquela plateia, onde muitos haviam emitido "opinião forte" no sentido de que achavam o "funk legal, por que era legal". 

Não fomos hostilizados, mas ao vermos o vídeo, é nítido que a imensa maioria adotou uma postura de deboche velado, ao sorrir com escárnio às nossas costas e a fazer movimentos coreografados para acompanharem o ritmo de "Céu Elétrico", inclusive o próprio Frota, adotou tal postura. 

Mas ao apagar da luz vermelha do estúdio, em particular, Frota foi bem simpático para conosco e disse-nos que gostava de Rock setentista, era fã de "Deep Purple", "Led Zeppelin" e "Black Sabbath" e assim, ao ofertar-nos o seu cartão de visitas, falou que realmente havia feito trabalhos com o Sepultura e que gostaria de conversar conosco, a visar algumas produções no futuro. 

O Rodrigo teve boa vontade e ligou para o seu escritório de produção artística muitas vezes nos dias subsequentes, mas nunca obteve um retorno... bem, "funk" é que era legal... e o inferno da anti-cultura abissal estava apenas a começar. Aquele "funk" de 2001, que achávamos ser o fundo do poço, foi uma mera manifestação ingênua perto do que observamos nos dias atuais e assim caminha a humanidade.

Boa vontade máxima da parte de Thiago Gardinali, somos gratos por essa e outras oportunidades que ele proporcionou-nos, mas claro que tal aparição em nada auxiliou-nos, na prática. Não fora por sua culpa, certamente. 

Tenho uma cópia editada com a nossa participação nesse programa "Intimação" e que já está digitalizada e um dia irá para o YouTube. 

Então, foi uma pena, mas tal programa nada representou para auxiliar-nos na divulgação da próximo show que faríamos no Teatro Dias Gomes.  

O fato, foi que não tivemos meios para realizarmos uma divulgação a contento e contamos apenas com um reduzido público no dia em questão, com cinquenta pessoas. 

Embora o público tenha sido aquém do que esperávamos, tivemos alguns aspectos positivos nesse segundo show. Primeiro, que a montagem do equipamento e soundcheck foi muito mais tranquila do que na primeira ocasião, quando dividimos o espaço com o Golpe de Estado.

O simples fato de não sermos atrapalhados pela trupe de atores do grupo, Menestréis do Oswaldo Montenegro, colaborou muito nesse êxito. 

O segundo ponto foi inusitado: mesmo sem o reforço de equipamento que tivemos no primeiro show, conseguimos ter um som de PA e monitoração de palco, muito melhor. 

Com calma e muita boa vontade, o técnico de som do Teatro, um sujeito chamado: Yves, conseguiu operar um milagre, ao fazer um som melhor, com o fraco PA disponível no teatro, que convenhamos, era adequado somente para sonorização de sonoplastia para peças teatrais, e não para shows musicais, mais ainda show de Rock. Portanto, apesar dos pesares, o segundo show foi muito melhor tecnicamente a falar e foi uma pena ter tido um público muito menor. 

Fizemos amizade com o técnico, Yves, e surgiu um convite inusitado da parte dele, para diminuirmos o tamanho e o peso do órgão Hammond do Rodrigo. Segundo ele, isso poderia ser providenciado facilmente, pois ele estava habituado a operar essa redução em sua oficina. 

Ele passou-nos então o endereço do estabelecimento, onde fabricava caixas para PA, potências, caixas de monitor etc. Alguns dias depois, fomos lá com o órgão e conhecemos a sua oficina. Realmente ele tinha na sua oficina, uma infinidade de caixas e equipamentos que construía sozinho, sem funcionários, de uma forma artesanal. 

Bem equipado, com uma infraestrutura boa pelo que constatamos, surpreendeu-nos também por usar métodos pouco usuais para potencializar alto-falantes. Em um dos gabinetes, havia uma pirâmide com médio porte, onde ele deixava os alto-falantes a serem energizados, ao demonstrar ter conhecimentos no campo da radiestesia.

Particularmente, achei muito interessante essa abordagem. O ponto desagradável nessa nossa investida foi que a casa dele ficava localizada em um terreno sob intenso declive e dessa forma, nós suamos, literalmente, para colocar o órgão Hammond, lá embaixo.

E pior que isso, o Yves ligou-nos posteriormente e ao alegar estar sem tempo, pediu para buscarmos o Hammond, pois afirmou que não teria condições para realizar o trabalho de redução no pesado móvel. Sem alternativa, só restou-nos voltarmos à sua casa, em um distante bairro da zona norte de São Paulo e apanharmos o instrumento. 

O show no Teatro Dias Gomes que eu comentei neste trecho, realizou-se no dia 4 de março de 2001, sob a audiência de cinquenta pessoas. E diga-se de passagem, foram poucos, mas animados espectadores e que saíram contentes do teatro, pela nossa performance. 

Acredito que para motivar a presença de um bom público em pleno domingo de carnaval, para ver um show de Rock, seria preciso uma divulgação muito forte e o que tivemos em mãos naquela ocasião, foi uma verba curta para providenciarmos cartazetes e com poucas filipetas, apenas. Em uma cidade da proporção de São Paulo, não daria nem para divulgar no bairro onde localiza-se o Teatro.

E como agravante, computo o fato do Teatro Dias Gomes, que apesar de possuir uma ótima localização (em uma conhecida rua de muito movimento de ônibus, e a dois quarteirões de uma estação de Metrô), detinha pouca ou nenhuma tradição como espaço musical, apesar de ter estado arrendado há anos pelo Oswaldo Montenegro. Parece que só o público dele o frequentava, pois não se observava outras produções ali realizadas. 

E como terceiro fator, o fato da estratégia do Junior ser ultrapassada. De fato, nos anos sessenta e setenta, foi muito comum desbravar um lugar, e na base da velha prática do "boca-a-boca", se criar uma atmosfera favorável para novas investidas sob um curto prazo, com o público a entusiasmar-se e assim arregimentar mais gente a cada aparição do artista. 

Entretanto, infelizmente, a partir dos anos oitenta, essa dinâmica havia mudado e a tendência que persiste até os dias atuais é a da mentalidade forjada de se assistir uma vez, e não se despertar vontade para ver novamente. 

Ou seja, não há um comprometimento, uma simbiose entre artista e fãs. Dessa forma, sem "seguir" o artista, como foi comum em décadas passadas, um bom show realizado não garantia mais a realização vitoriosa de outro a seguir, no mesmo local. Pelo contrário, a tendência seria a da segunda tentativa redundar em melancólico fracasso.

Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário