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quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Patrulha do Espaço - Capítulo 16 - A me Ejetar da Nave - Por Luiz Domingues

Dias após o encerramento da mini temporada realizada no Centro Cultural São Paulo, apesar do clima favorável pelo qual esses shows transcorreram, sob todos os aspectos e ao se adicionar a empolgação natural pela perspectiva da gravação desse material a culminar em um disco ao vivo, o nosso ânimo não mudara substancialmente, no âmbito interno. 

O clima estava bem desgastado entre nós quatro componentes e sem perspectivas para mais shows, nem mesmo os elogios ao recém-lançado disco, que estavam a serem publicados pelos órgãos tradicionais da imprensa escrita, haveriam por transformar a situação. 

Enfim, fora muito natural que houvesse um desgaste em meio às nossas relações internas e isso acontecia normalmente para qualquer banda, mesmo para as pautadas pelo mega sucesso, sob alcance internacional, aliás, isso era (é) quase uma praxe, pois mesmo ao usufruir do sucesso mastodôntico, a contar com uma agenda lotada e sustentado por milhões de fãs fiéis ao trabalho, o fator humano do desgaste psicológico, ocorre para qualquer grupo de Rock.

Em nosso caso, a banda era maravilhosa sob o ponto de vista artístico, tínhamos uma química absurda para criar, arranjar e executar as nossas músicas ao vivo, é bem verdade. Tínhamos também fãs do trabalho espalhados por todo o país e que respondiam de forma magnífica à nossa formação em específico, ao pensar exclusivamente sobre o nosso material criado nesses cinco anos em que ficamos juntos e também gostavam muito da maneira pela qual executávamos o repertório clássico da banda, criado brilhantemente pelas formações que nos precedera.

Entretanto, as dificuldades gerenciais se mostravam imensas, pois não tínhamos o suporte de uma gravadora, mesmo que esta fosse pequena, não tínhamos empresário, e todo o nosso esforço gerencial fora executado sob intenso sacrifício. 

Portanto, na base do duro empreendedorismo feito por conta própria, sem a infraestrutura adequada, mas sobretudo movidos exclusivamente pela fé no Rock (e em nosso trabalho em específico, entramos com tudo em 1999), na pura obstinação para enfrentar os problemas gerenciais de peito aberto, entretanto, os obstáculos foram terríveis e assim, paulatinamente a nossa resiliência foi minada.

Diante dessa perda contínua de energia, nos colocamos a desgastar a relação pessoal, uns com os outros, dessa forma, como em qualquer sociedade, os empreendedores tendem a perder o foco na meta geral e foi o que nos ocorreu. 

Uma banda de Rock não difere em nada de qualquer negócio que se empreenda. É como se fôssemos quatro sócios que resolveram abrir uma papelaria, loja de roupas, pizzaria, borracharia... ou seja, enquanto empreendimento comercial e a lidar com o duro cotidiano da sociedade de consumo e sua inerente pressão por resultados, claro que ter que arcar com despesas e se obrigar a gerar a sua consequente receita, se trata de um fator que quase anula o foco artístico, ou seja, as preocupações mercantilistas advindas do negócio em si, sobrepuja a meta real, que deveria ser exclusivamente a arte.

Aos poucos, os sonhos Rockers foram vencidos pelas obrigações financeiras e quando isso começou a acontecer, o escape de energia tratou em de nos subtrair o ânimo. 

Muito diferente do início, quando pensávamos apenas nas músicas, na elaboração dos roteiros para shows, nos detalhes do cenário, nos incensos que fizeram os nossos shows terem o aroma dos shows de Rock de outrora, enfim, nós abandonamos o lado lúdico dessa divagação em torno do conceito retrô que tanto sonhamos em realizar, e por perdermos a nossa essência, tudo se esvaiu. 

De quem foi a culpa? De nenhum de nós, em particular ao se pensar em falha humana. O mundo é assim, gostaríamos que não o fosse, e ante a pureza do sonho aquariano que queríamos resgatar, a mensagem do "Drop out" hippie dos anos sessenta, fora a nossa utopia lúdica a embalar a nossa música e os nossos sonhos. 

Por isso, apesar de tudo o que construímos e vivemos nesses cinco anos, ficou difícil prosseguir com essa formação, apesar da banda maravilhosa que formamos. Já não houve mais o foco obstinado, a união, a determinação ferrenha observada nos primeiros tempos.

Da parte dos "meninos", que nessa altura dos acontecimentos, já estavam formados como homens maduros, mas ainda bem jovens, e não mais garotos como no início das atividades da banda, foi natural que estivessem a focar em outros interesses pessoais. 

O próprio, Marcello Schevano, já ensaiava e gravava há meses com uma nova banda autoral e em paralelo, por exemplo. 

De minha parte, com quarenta e quatro anos de idade, recém-completados, não foi o caso de que eu pudesse nutrir ilusões sobre a carreira chegar ao mainstream, pois na somatória, eu já estava na música há vinte e oito anos naquela ocasião e sabia que não era assim que funcionava a engrenagem que comandava essa área. 

Tanto fora assim, que ao sair do Pitbulls on Crack, em 1997 (e o leitor mais atento vai se recordar dessa passagem, pois já leu sobre isso através de seu capítulo exclusivo), eu saí daquela banda e fui montar o projeto Sidharta, completamente cônscio que estava a montar um trabalho radicalmente retrô, que nunca teria chance no mainstream da música brasileira, por ser absolutamente antagônico a qualquer valor que os maiorais que dominam o show business do Brasil, professam. 

Portanto, já ao criar o Sidharta, a minha intenção fora criar o som que eu gosto, simplesmente, sem me preocupar em arriscar na tentativa de chegar no mundo mainstream, e para tanto, ter que mostrar o material para essa gente má intencionada que domina o mercado e dá as cartas a determinar o que o povo vai consumir nas emissoras de FM, nos programas populares e novelas da TV. 

Então, quando o Sidharta se fundiu à Patrulha do Espaço, a proposta estética prosseguiu e com o acréscimo de que incorporamos à bagagem de uma banda que já se mostrava histórica e tradicionalmente marginalizada no mundo mainstream. Sendo assim, além do material novo a se mostrar intragável para esses malditos "formadores de opinião", nós incorporamos o Karma de uma banda rejeitada sumariamente por esse pessoal, desde os anos setenta.

Para sintetizar, em 2004, aos quarenta e quatro anos de idade, eu já não mantinha ilusões sobre isso, há muitos anos. Todavia, mesmo resignado em sobreviver no patamar do underground da música, eu considerava que por termos formado uma banda com porte e qualidade artística como a nossa e isso fora inquestionável, nós mereceríamos obter uma situação sob estabilidade gerencial que ao menos nos mantivesse estáveis sob um patamar mediano, como o artista que se apresenta regularmente nas unidades do Sesc, por exemplo e não havíamos conseguido dar esse passo, infelizmente. 

Se tocamos várias vezes em unidades do Sesc, conforme eu relatei, caso a caso, foi na verdade sob ocasiões sazonais e não se caracterizou como uma entrada definitiva nesse circuito, de forma sustentável. 

Não vou citar nomes, pois é desagradável estabelecer comparação, porém muitos artistas com história nem tão grande como a nossa, tiveram tal estabilidade mediana nesse patamar que citei, e isso seria o mínimo para uma banda de nossa tradição e qualidade, ao pensar em termos de um possível mérito adquirido pelo conjunto da obra. 

Dessa maneira, com a escassez em torno das oportunidades e sem termos podido estabelecer esse salto gerencial importante, ao visar se alcançar ao menos essa estabilidade mediana dentro do show business, o desgaste foi inevitável.

Então, em 6 de setembro de 2004, eu me encontrei com o Rolando Castello Junior em um café perto de nossas respectivas residências e lhe comuniquei que tinha tomado a decisão de sair da banda, ao alegar o desgaste natural e de fato, eu estava muito cansado da pressão extra-musical que a banda enfrentava normalmente e já desde o final de 2003, isso estava a ficar a cada dia, mais estafante em meu caso. 

Claro que ele se aborreceu e eu também, mas não houve outra solução nessa circunstância, e para ir além, eu já estava há meses a pensar seriamente em me retirar da música, ao planejar voltar a ministrar aulas para sobreviver, mas não mais a me dedicar a uma carreira artística, em paralelo ao mundo didático, para ser componente de uma banda etc. 

Alguns dias depois, ele mesmo, Rolando, convocou uma reunião com todos os membros da formação, para saber a posição do Rodrigo e do Marcello nesse imbróglio, igualmente. 

Encontramo-nos em uma padaria situada no nosso bairro e os rapazes também falaram que estavam de saída e cada um a pensar em novos projetos. O Marcello já estava com a sua atenção inteiramente voltada para essa nova banda, chamada: "Carro Bomba", cujo som eu não fazia nem ideia do que tratar-se-ia e na minha inocência, imaginei ser algo parecido com o que fazíamos na Patrulha do Espaço em termos de Rock vintage, retrô, mas não era. 

Quanto ao Rodrigo, ele falou que o seu foco seria a preparação de um disco solo e que já estava a ensaiar com dois músicos da banda, "Quarto Elétrico": Thiago Fratuce, no baixo (meu ex-aluno) e Ivan Scartezini (bateria). Segundo nos disse, ele já estava a promover ensaios regulares em sua residência, nesse sentido. 

O Rolando Castello Junior lamentou, mas experiente ao extremo, ele sabia que o desgaste fora irreversível e para atenuar o clima de velório em que essa reunião deveria se investir, se mostrou resignado e nos comunicou que já estava a empreender esforços para forjar uma agenda melhor para o decorrer de 2005 e que para tal, remontaria a banda, com a inclusão de novos membros. 

Salientou ainda que teríamos um compromisso para outubro, a ser realizado em São Carlos-SP e que não haveria meio dele montar uma banda com novos integrantes e colocá-la sob condições para tocar ao vivo, sob um tempo exíguo, portanto, nos consultou e claro que atendemos ao seu pedido e assim, fomos cumprir esse último show da nossa formação em outubro, naquela cidade interiorana com forte vocação Rocker e onde já havíamos nos apresentado várias vezes anteriormente. Foi em suma, o último voo da nossa "Nave Ave"...

Consumatum est... a nossa formação estava encerrada e com ela, o sonho acalentado desde os primórdios da formação do Projeto Sidharta. 

A Patrulha do Espaço continuaria o seu voo, como sempre e a se mostrar resiliente, portanto foi admirável o poder de resiliência do Rolando Castello Junior, em passar por cima das adversidades, a enfrentar tantas perdas, algumas até literais, caso dos falecimentos de ex-componentes, contudo, a manter a nave em pleno voo, com poucas paradas no hangar. 

De nossa parte, estávamos todos chateados, mas tão fatigados com a labuta acumulada e mediante dissabores extra-musicais, que não houve mesmo outra saída a não ser apanharmos os nossos respectivos paraquedas e nos ejetarmos da nave.

Houve o último compromisso e ele foi marcado por uma série de quebra de protocolos da parte da banda, visto que esse derradeiro espetáculo se investira de uma aura completamente diferente da nossa rotina de outrora. 

O mais gritante de todos, foi que não usamos o nosso ônibus, ao visar minimizar gastos e de fato, com a dissolução da formação, o próprio veículo perdeu a sua função imediata e pouco tempo depois ele foi vendido, ao sair do nosso domínio. 

Portanto, soubemos que o Rolando Castello Junior fechara tal show com apoio local para prover um backline e dessa forma, viajamos em carros particulares, para levarmos apenas os instrumentos. E o que ocorreu igualmente foi que o Rolando somente levou as peças essenciais de sua bateria, ao ir na frente, para participar da produção local e no meu carro, seguimos no dia do show: eu (Luiz), Rodrigo e Marcello, apenas. Com o carro abarrotado por instrumentos e isso, porque levamos o mínimo, com dois baixos, quatro guitarras, duas pedaleiras e três teclados...

A viagem foi tranquila na ida, com o clima leve entre nós três, apesar do momento de ruptura do trabalho, mas sem lamúrias. A sensação foi de um certo alívio por estarmos a deixar o cansaço em que se tornara o cotidiano da Patrulha do Espaço e resignação pelo encerramento do trabalho da nossa formação. 

Houve a sensação de orgulho pelas conquistas artísticas, via reconhecimento do trabalho por fãs e críticos e o melhor de tudo, o legado vivo, perpetuado através dos discos. 

Durante o percurso, em tom de pura brincadeira, falávamos que iríamos tocar no "cazzo", ao nos referirmos ao "CAASO", o local onde tocaríamos e que tratava-se do Centro Acadêmico dos estudantes daquele campus avançado da USP. Então, acho que mesmo para quem não domina o idioma italiano, é dispensável traduzir o termo chulo em questão... daí a pilhéria proferida a gerar muitas risadas. 

Quando chegamos ao Campus da USP em São Carlos e por nunca termos ido nesse local mediante o uso de carros particulares e sempre no uso do ônibus, ou seja, despreocupados com a logística imediata, nos perdemos e tivemos que perguntar a um porteiro o caminho para podermos chegar ao Centro Acadêmico, popular "CAASO" e foi quando o ato falho me traiu, miseravelmente. De tanto brincarmos na estrada, quando eu abordei o porteiro para lhe solicitar a informação, falei sério: 

-" por favor, pode nos informar onde fica o "cazzo?"

Marcello e Rodrigo explodiram em gargalhadas instantâneas e o sujeito ficou atônito, mas creio não ter entendido a ironia involuntária e mesmo a demonstrar um semblante entre o indignado e o surpreso, ele nos deu a informação e foi difícil para eu não rir também e a me manter sério a ouvir a sua orientação e lhe agradecer a posteriori. 

A minha sorte foi que o rapaz não conhecia o termo, fator raro em qualquer quadrante do nosso estado, que é normalmente tão influenciado pela forte aculturação da imigração italiana e provavelmente também, por que estava acostumado a lidar com a juventude universitária e caracterizada pelo seu inerente estado sob deboche permanente, no ambiente das dependências da instituição.

Fizemos o soundcheck com tranquilidade e tivemos o apoio total dos amigos que tocariam conosco na noite, para realizar os shows de abertura e de vários Rockers locais e ligados à universidade.

Claro que o clima não fora igual e nem poderia ser de outra forma. O Rolando Castello Junior estava focado na reformulação da banda e evidente que fora legítimo o seu esforço para recrutar a nova tripulação o quanto antes para não ter que colocar a nave no hangar. 

Fizemos o show com bastante profissionalismo, todavia, lógico que não foi a mesma situação de outras jornadas que ali cumprimos. Sem os ornamentos, sem os incensos, sem a determinação de resgatarmos os nossos ideais contraculturais sob signos múltiplos, portanto, estivemos ali a cumprirmos um bom show de Rock, mas foi só isso, sem o significado que tanto nos marcara, anteriormente.

Rara foto do último show da nossa formação da Patrulha do Espaço, realizado na cidade de São Carlos-SP, em 15 de outubro de 2004. Autor do click, desconhecido
 
Apesar dos pesares, foi bem animado para a plateia e houve um ótimo público presente, portanto, isso ajudou a não deixar nenhum resquício melancólico, no aspecto interno da banda. 

"Homem com Asas" e "Rocha Sólida" tocaram conosco nessa noite. Haviam cerca de quatrocentas pessoas na plateia, durante essa noite vivida no CAASO, o Centro Acadêmico dos estudantes da USP, Campus de São Carlos-SP. Foi no dia 15 de outubro de 2004. 

Último ato da formação "Chronophágica" da Patrulha do Espaço e a certeza de que tínhamos conquistado o nosso quinhão na história dessa grande banda e por conseguinte, na história do Rock Brasileiro.

Continua...

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