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sábado, 7 de fevereiro de 2015

Língua de Trapo - Capítulo 10 - A Primeira Viagem, mas Ainda Sem Atuar Oficialmente - Por Luiz Domingues

 

Logo na metade de outubro de 1983, eu viajei com a banda para Curitiba, pois haveria uma temporada a se cumprir, com duas semanas de shows em um famoso espaço dessa cidade, o Teatro Paiol e a minha presença seria imprescindível por alguns motivos:

1) Durante o período da tarde de cada dia, ensaiaríamos no teatro onde a banda apresentar-se-ia a noite. Nos shows, o baixista, Mário Campos, que estava interino com o grupo, a realizar os shows finais dessa turnê, desde a saída de Luiz Lucas, tocaria, mas no período da tarde, o plano foi que ensaiássemos o novo show com a minha presença no posto.

2) Haveriam apresentações marcadas para se cumprir na TV local e como novo membro fixo, eles queriam que eu aparecesse nessas circunstâncias.

3) Mesmo sendo ainda o show velho a ser encenado, algumas músicas permaneceriam no set list do novo show, portanto, os colegas queriam que eu tocasse ao vivo um pouco, para entrosar-me com a banda.


E lá fui eu com o Língua de Tapo, para ficar duas semanas de outubro de 1983, com os companheiros em em Curitiba, e a pensar em meu dilema pessoal, infelizmente a produzir um raro hiato de ensaios com A Chave do Sol, e a causar assim, a primeira indisposição entre as duas bandas. Apesar disso, em Curitiba já começaram a surgir as inúmeras ocorrências engraçadas dessa minha segunda passagem pela banda.

Em um domingo à noite, encontrei-me com o pessoal da banda na rodoviária de São Paulo. Chegamos em Curitiba no início da manhã e seguimos para o hotel. Descansamos na parte da manhã e a tarde já fomos ensaiar no palco do Teatro Paiol, que gentilmente cedeu o espaço nesse período, para que o usássemos. 

No dia seguinte, o meu primeiro compromisso oficial com a banda, aconteceu: fizemos uma apresentação a dublar, e seguida de entrevista em um programa vespertino da afiliada do SBT, em Curitiba. 
Infelizmente, não anotei nada sobre tais programas de TV e rádio em que eu participei com o Língua de Trapo, portanto, ficarei a dever o nome e as datas precisas, da maioria dos que eu estive presente. Independente disso, tratou-se de uma sensação estranha, pois foi a primeira vez na vida que eu fiz a famigerada: "dublagem". Foi a primeira de uma série, e logo faria isso bastante com A Chave do Sol, também.

E é bom lembrar que eu já tinha aparecido na TV em algumas vezes anteriormente, mas sempre a tocar ao vivo, no entanto, essa foi de fato a minha primeira vez com a prática constrangedora da dublagem. Senti-me ridículo, ainda mais a dublar algo que eu não havia gravado, pois todas as músicas gravadas que dublei com o Língua de Trapo, não apenas nesta ocasião, mas nesse período todo da minha segunda passagem pela banda, foram obviamente feitas com músicas extraídas do LP onde quem gravara o baixo, fora o Luiz Lucas. 
                 O belo e histórico Teatro Paiol de Curitiba-PR

Assisti a estreia da banda a noite, nessa temporada no Teatro Paiol de Curitiba, e essa foi a rotina durante a semana toda, com ensaio no período da tarde e show no período da noite para a banda. Eu fiz pequenas participações em alguns shows, apenas para ganhar um pouco de entrosamento com a banda, mas sem comprometer o andamento do espetáculo, que prosseguiu com a tradicional troca de figurino e intervenções teatrais.

O meu foco foi sobre o novo show, que só estrearia em 15 de novembro, no teatro TUCA (Teatro da Universidade Católica), em São Paulo. E se na parte musical eu sentia-me razoavelmente seguro com as músicas a soar quase boas em sua execução e sem precisar olhar as anotações sobre a harmonia de cada uma, já devidamente decoradas, por outro lado, eu estava assustado em não decorar as marcações de teatro, trocas constantes de figurino etc. Eu não tinha nenhuma familiaridade com essas técnicas teatrais, a não ser em assistir peças, como componente do público. Muito diferente, portanto, seria fazer parte do espetáculo, e ter a responsabilidade em não errar as marcações, sob o risco de destruir o trabalho em um "efeito dominó", pois cada um do grupo possuía o seu tempo certo para atuar, e dar a deixa para os demais.
Em relação à costumeira prática da dublagem musical na TV, em tese, o trabalho que dá para colocar um equipamento dentro de um estúdio de TV, equalizar a banda, mixar o som, e dar os parâmetros bons de captação para a TV e monitor bom para a banda, é gigantesco. Porém, a pressa é total para fazer tudo a voar, pois tempo é dinheiro. Você, leitor, já deve ter reparado em repórteres de jornalismo televisivo, sendo grossos com entrevistados, a tirar o microfone da boca das pessoas, e a lhes cortar a fala. Ocorre que pessoas comuns vão responder sem essa preocupação, e no meio da primeira frase, o diretor já está aos berros com a repórter, no ponto colocado em sua orelha, a ordenar-lhe que corte... então, nessa mesma expectativa, se você vai dublar, a preocupação reduz-se a zero para eles.
Basta soltar o áudio do seu disco, que supõe-se esteja bem gravado, e dessa forma, apresentar-te ali como um mico de circo, ao fingir estar a cantar e tocar é bem constrangedor.

Para minimizar esse vexame, logo os colegas da banda, que já estavam acostumados, instruíram-me a avacalhar, para ficar ainda mais engraçada a participação. O Pituco costumava cantar em voz alta uma outra música diferente da dublagem, e isso causava um mal-estar entre os técnicos da TV, e nós ficávamos a conter ataques de riso. E muitas vezes, trocávamos de instrumentos. Em várias dublagens, eu fui tocar bateria (caixa e prato, bem entendido), e o Naminha tocava baixo.

Ainda a falar sobre a prática das dublagens de TV, pois é costumavam passar mil questionamentos pelo pensamento, do tipo: "estou a fazer papel de tolo", "estou a ser ridicularizado", "ninguém vai levar a minha música a sério", ao ver-me pelo próprio monitor da TV, a participar dessa pantomima. Mas um fator precisa ser levado em consideração: muitas pessoas, para não dizer a maioria, quando olham um artista a dublar, nem pensam nesses questionamentos, e apreciam a música, gostam de ver o artista etc.
A questão da praticidade dos técnicos de TV, é muito discutível, ao levar-se em consideração que nas décadas de cinquenta e sessenta, a TV era incrivelmente mais tosca, com uma tecnologia precária, e no entanto, abundavam os programas de TV com música ao vivo, e com alta qualidade, devo observar. Portanto, sempre foi uma tremenda de uma desculpa esfarrapada.

Eram poucos os que questionam sobre esse formato, e ao final das contas, apesar dos pesares, eu preferia mil vezes fazer uma dublagem, do que não aparecer na TV, e ficar anônimo com minha dignidade a fazer-me companhia...
Mas esse conceito eu tinha naquela época, pois hoje em dia, acho que a dignidade artística vale mais do que aparecer, ao fazer essa pantomima em programas popularescos, que não acrescentam-te nada, na prática.
Ainda em Curitiba, apesar de estarmos na segunda metade de outubro, portanto no meio da primavera, o frio era forte, principalmente a noite. E como eu não compareci em todos os shows, em algumas noites fiquei sozinho no hotel, e lembro-me de sair para dar uma volta a pé. Foram passeios prazerosos sob o frio curitibano, com direito a pequenas paradas para um estratégico café e chocolate em barra.
Enquanto isso no cotidiano, íamos almoçar todos os dias no restaurante “Superbom”, pertencente aos adventistas, pois este estabelecimento estava conveniado pelo produtor do show local. A comida era caseira e muito boa, mas o fato engraçado, foi que um dos membros do Línguas de Trapo", cuja identidade eu preservarei, paquerava ostensivamente uma das garçonetes. E como todos os funcionários ali eram adeptos da mesma religião que é responsável pela produção de produtos alimentícios da mesma marca, havia um recato extra por parte da moça, o que tornava a conquista ainda mais saborosa para este amigo meu... e qual não foi a minha surpresa ao verificar que no domingo pela manhã, ele acordou cedo e foi ao culto adventista, só para encontrá-la...

Os ensaios prosseguiam nas tardes do Teatro Paiol, a todo vapor. A parte musical estava tranquila, apesar de ser um novo show, e com várias músicas novas. O que deixava-me realmente apreensivo, fora a marcação teatral, como eu já disse várias vezes, pois eu não era ator e nada sabia sobre tais técnicas.

Na segunda semana da temporada curitibana, fui convocado a participar dos shows como convidado, e tocar ao final, algumas músicas no lugar do baixista interino, Mário Campos.
          O ótimo baixista e hoje em dia, maestro, Mário Campos

Com isso, eu pude aliviar a expectativa, e foi possível igualmente que eu começasse a entender o espírito da banda nesta nova realidade em que se encontrava após a minha volta.

Tratou-se basicamente do mesmo teor dos primeiros tempos durante a minha primeira passagem entre 1979 e 1981, só que agora, a banda estava plenamente profissionalizada e muito sofisticada, a usar muito bem os recursos cênicos, e com os amigos a se mostrar muito mais experientes, pois vinham de uma labuta com dois anos de agenda frenética.

E ao final dos shows que participei em Curitiba, eu atuei da apresentação dos membros da banda a usar o áudio com a música, "Dá Nela", do Ary Barroso, onde a expressão: “Língua de Trapo” consta na letra e inspirou o nome de nossa banda. A sorte neste caso, foi que o ex-baixista também chamava-se Luiz, e assim, a vinheta continuou a ser usada com a minha presença nessas esporádicas aparições que eu fiz, para ser descartada posteriormente, através do novo show que ensaiávamos.

Pois é, foi muito bom subir ao palco, ainda que sob uma rápida aparição. Tanto foi assim, que eu nem considerei que tenha sido uma participação oficial como show, e assim como em diversas outras pequenas apresentações que eu realizei como convidado, eu nem computei como uma apresentação oficial, ao anotar os dados sobre o espetáculo etc. Mas foi positivo, pois embora o meu foco fosse "A Chave do Sol", em tese, naquele instante, a volta ao Língua de Trapo foi um resgate importante, por eu ter sido obrigado a sair em 1981, sob circunstâncias difíceis, conforme já relatei anteriormente.
O caso membro do Língua de Trapo com a garçonete adepta da religião adventista, prosperou... ele chegou até a conhecer os pais da moça. O fato, é que ele passava por uma fase onde achava fascinante abordar mulheres não “glamorosas” e difíceis pelas circunstâncias. Tornara-se o seu esporte predileto na época, e contrastava com o fato de estar famoso e ser assediado, portanto com a possibilidade concreta de ter a mulher que desejasse e invariavelmente, eram bem bonitas as que assediavam-no, normalmente.
Sobre a vinheta que eu citei em parágrafo anterior, só acrescento um dado a mais. Tratava-se de uma apresentação que ridicularizava a ditadura, pois ao som da música: "Língua de Trapo", do Ary Barroso, marchávamos e colocávamo-nos em fila militar. O foco do canhão de luz ficava no primeiro componente da fila e uma vinheta de áudio citava um texto satírico, ao exprimir questões absurdas sobre aquele membro da banda e assim sucessivamente.
            Foto interna do belo Teatro Paiol, em Curitiba-PR

Passadas as duas semanas em Curitiba, eu optei por vir embora sozinho, dois dias antes da comitiva da banda. Isso por que estiveram encerrados os ensaios que realizávamos nas tardes do vividas no Teatro Paiol, e os companheiros ainda fariam dois shows, no sábado e domingo. Desta forma, fui dispensado antecipadamente e assim eu pude voltar para São Paulo mais cedo, onde pude dar um pouco de atenção aos ensaios d'A Chave do Sol, bastante prejudicados naquele instante.


Continua...
    

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