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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Língua de Trapo - Capítulo 11 - E La Nave Va! - Por Luiz Domingues



E nos primeiros dias de novembro de 1983, as atividades com o Língua de trapo, intensificaram-se. Foram os ajustes do figurino, a finalização das vinhetas de áudio e Super-8, cenário e objetos cênicos a se definir, marcações e os últimos ensaios musicais. Cabe abrir um parêntese para falar sobre o audiovisual sob formato Super-8.
Nessa transição dos shows da turnê, "Obscenas Brasileiras" para o "Sem Indiretas" que preparávamos, foram filmadas várias cenas hilárias em Super-8 com a direção e edição do cineasta norte-americano, Louis Chilson. Quando entrei na banda novamente, na verdade as intervenções de cinema já estavam prontas e editadas pelo Louis Chilson e o que pôde ser feito para evitar as imagens com o baixista anterior, foi estabelecer uma nova edição, ao cortar as suas cenas, mas não haveria espaço de tempo, nem mesmo verba para inserir novas cenas comigo a atuar. 
O grande, Louis Chilson: cineasta, ilustrador, pessoa boníssima e uma figura importantíssima nos bastidores do Língua de Trapo durante a minha segunda fase na banda, entre 1983 e 1984 

Uma pena, pois se não tenho nenhuma familiaridade na arte da atuação como ator, sou apaixonado por cinema e certamente iria adorar participar de todo o processo. As vinhetas foram múltiplas. Havia uma inicial que abria o show e diversas outras, onde amigos fizeram figurações ou atuaram de fato como atores em cenas marcadas pelo mais puro nonsense. 
E logo eu fiquei amigo do Louis Chilson. Norte-americano de nascimento, mas filho de mãe brasileira, falava/fala português perfeito, com ausência de sotaque. Ficamos amigos instantaneamente, pois quando o conheci, ele notou que na fivela do meu cinto, havia a bandeira do Texas, o seu estado de origem na América, pois nascera em Dallas. E também pelo teor das nossas conversas, naturalmente, pois notou que eu era (sou), apaixonado por cinema e dali em diante, conversamos muito sobre o tema. 
O Louis estudou cinema na UCLA, e nada melhor para um estudante de cinema que estudar na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, a meca de Hollywood. Ele contou-me que fazia parte das atividades curriculares, visitas aos grandes estúdios, sets de filmagem, e palestras com profissionais de todos os setores dessa indústria. 
Uma vez, contou-me que assistira uma palestra na universidade, com o Frank Capra, um diretor dos anos trinta, que eu adoro. Mas ele o detestava, por ter um posicionamento de esquerda, e o Capra ser considerado direitista pelos seus antipatizantes. 

Eu discordo desse ponto de vista, pois acho o Capra um humanista, acima da polarização direita-esquerda e os seus filmes retratavam essa esperança no Ser Humano, acima de tudo, de forma não ideológica, politicamente a discorrer (embora que eu concorde que houve muita manipulação de sua obra nesse sentido, eu reconheço). 

Infelizmente, os esquerdistas achavam que o seu cinema era colaboracionista com a direita, pois os seus grandes filmes retratavam a esperança de pessoas humildes em meio à depressão dos anos trinta. Passaram mensagens de otimismo, e os esquerdistas interpretavam isso como conformismo capitalista orquestrado pela elite, para manobrar o povo sofrido, pela via da estratégia política do "New Deal". Continuo a discordar e enxergo no cinema do Capra, otimismo e fé no Ser humano. 

Mas fora essa pequena divergência (que aliás nem houve, pois guardei a minha opinião para meu íntimo, jamais a entrar em conflito), ficamos amigos e nos camarins, viagens e corredores de rádio e TV, conversar com o Louis Chilson foi sempre muito prazeroso nesse sentido, em falarmos sobre cinema. Laert e João Lucas também apreciavam, por serem cinéfilos, igualmente. Enfim, formáramos ali uma turma boa, essa do celuloide...
Nesses dias que precederam a estreia do novo show, datas do show antigo ainda foram cumpridas. Lembro-me de em um determinado final de semana do início de novembro, os colegas eles terem ido à Belo Horizonte, para cumprir três datas na capital mineira. 

Eu não fui, pois seria perda de tempo, e despesa extra para a produção, visto que ao contrário das duas semanas em que ficamos em Curitiba, eu não ensaiaria, pois não haveria tempo para isso em Belo Horizonte. Sendo assim, com a banda a voltar para São Paulo, retomamos os preparativos para a estreia, e a correria foi intensa. Logo eu percebi que o momento para mergulhar no trabalho do Língua de Trapo aproximava-se, pois além da estreia, já haviam diversas datas fechadas em sequência, e sem muito espaço para dedicar-me ao trabalho com A Chave do Sol, o que gerou conflito, logicamente.
O Paço Municipal da cidade de São Bernardo do Campo-SP, onde em anexo ao edifício da Prefeitura dessa localidade, funciona o Teatro Cacilda Becker

Alguns dias antes da estreia, o Língua faria os últimos shows da turnê "Obscenas Brasileiras". Lembro-me de haver ocorrido três dias em uma mini-temporada encenada no Teatro Cacilda Becker, de São Bernardo do Campo, cidade da região do ABC paulista. Eu assisti tais shows da coxia e voluntariamente trabalhei como contra-regra, visto que o trabalho nos bastidores para fazer o show funcionar, era intenso.               

Em um determinado show dessa trinca realizada em São Bernardo do Campo, ao perceber que o roadie havia tirado o pedestal de microfone do Pituco Freitas do lugar, e aquilo prejudicaria a sua entrada em cena, eu adentrei ao palco com a luz de serviço ainda acesa e com o público já ali presente, a esperar o início do espetáculo. Assim que cheguei ao pedestal, ouvi os gritos advindos de algumas pessoas: -"A Chave do Sol", "Chave" etc. Sorri, mas não disse nada ou gesticulei, para não causar tumulto. Quando cheguei de volta à coxia, tomei uma bronca de um membro do Língua de Trapo, ao alegar que aquilo não poderia mais acontecer etc. Ora... como eu poderia impedir uma manifestação espontânea de alguém da plateia?
Percebi então que o conflito haveria também “do lado de cá”, o que deixar-me-ia sob uma situação muito complicada perante as duas bandas, com ciúmes generalizados entre as duas. 
E assim, chegou o dia da minha reestreia no Língua de Trapo, e estreia do novo show da banda, denominado: "Sem Indiretas", uma clara alusão à campanha das “Diretas Já”, que ganhava força ao final de 1983, e explodiria em 1984.

Continua...

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