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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Língua de Trapo - Capítulo 20 - Aviso Prévio e Coração Partido - Por Luiz Domingues



No dia seguinte, o clima esteve deveras constrangedor para comigo. Mas como eu já mencionei anteriormente, a briga acalorada entre dois componentes do Línguas de Trapo, ocorrida na noite de sexta-feira, tratou por desviar o foco do meu comunicado. Porém, infelizmente, o Laert se aborreceu, e claro que eu senti-me muito mal por isso, principalmente por causa dele mesmo, pelos motivos óbvios, e dos quais eu já expus em profusão, durante toda a narrativa.
Dali em diante, o João Lucas procurou-me algumas vezes para estabelecermos conversas reservadas, quando ele tentou demover-me de minha decisão. Toda a sua argumentação foi carregada com bom senso, eu admito. A sua intenção em não desestabilizar a banda (um outro aspecto importante e legítimo, certamente), foi perfeita, pois é claro que passar por mais uma mudança de baixista seria ( e foi), um transtorno para eles, ainda mais no meio de uma temporada.

De fato, ao analisar pelo lado do bom senso, ele teve toda a razão pelo ponto de vista da banda, e também a olhar pelo meu próprio interesse pessoal, pois em tese não haveria cabimento deixar uma banda com agenda forte, excelente entrada na mídia, um empresário ativo, bons relacionamentos no métier entre outros atributos, para efetuar a troca por uma banda emergente, com apenas um compacto simples em mãos, e fechada no nicho do Rock (como agravante, ainda a observar o fato de estarmos no métier underground do Rock, e nem ao menos sermos membros da "turma do BR Rock 80's", e que surfava nas ondas do modelo Pós-Punk, tão incensado da época).

Enfim, o meu único argumento fora o de estar a buscar o meu sonho Rocker primordial, e o Língua de Trapo, apesar de eu gostar muito, e também manter laços afetivos com o trabalho, não poderia suprir-me em tal necessidade visceral. E no fundo, o Laert sabia bem disso, aliás, desde 1976. 

Apesar dessa dura comunicação que eu tive de anunciar, fizemos o último show dessa segunda mini-temporada no Rio de Janeiro, com a mesma determinação e qualidade de sempre.

No dia 10 de junho de 1984, trezentas pessoas nos assistiram e divertiram-se com as músicas satíricas do Língua de Trapo, ao saírem satisfeitas do Circo Planetário. 

Um hiato de shows, raro por sinal, proporcionou-nos alguns dias de folga. Haveria um show em São Paulo nesse meio tempo, antes de irmos à Ribeirão Preto-SP, no interior do estado, mas esse show redundou em um estranho cancelamento in loco...

De volta para São Paulo, tivemos marcada uma apresentação "pocket", em uma espécie de micro-festival, a ser realizado em um clube obscuro, localizado no bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo, chamado: "Clube das Bandeiras" (no ano seguinte, 1985, eu teria uma história hilária vivida durante um show d'A Chave do Sol, nesse mesmo clube, e no capítulo adequado, conto no momento oportuno da cronologia).
As atrações que lembro-me, além do Língua de Trapo, foram duas duplas (não sertanejas!), interessantes da MPB alternativa. Os irmãos Garfunkel, (Jean e Paul), detinham um ótimo trabalho autoral, na linha da "Nova MPB", egressa da dita "Vanguarda Paulista".
Ambos eram músicos de alto nível, multi-instrumentistas, e acostumados a serem, ambos, "sideman" de grandes estrelas da MPB mainstream (a saudosa, Elis Regina, só para citar um nome de peso).

A outra dupla que apresentar-se-ia naquela noite, seria formada por  "Paulinho e Penna", dois ex-membros da banda de Rock/Folk/MPB, "Papa Poluição", grupo de Rock setentista, que eu e o Laert adorávamos, no tempo em que estávamos no Boca do Céu, a nossa primeira banda de carreira. Perdi as contas de quantos shows assistíramos do Papa Poluição, entre 1976 e 1978, e apreciávamos muito o repertório deles.
O Papa Poluição, em foto promocional de 1975, aproximadamente

Bem, seria uma oportunidade para vê-los, ainda que a ature somente só em dupla, e mantivemos a esperança de que tocassem algumas canções do Papa Poluição, é claro. Não lembro-me de outras atrações na noite, mas o fato é que o equipamento estava terrível, e só seria compatível para apresentações acústicas, bem simples, em pequenos ambientes. Tudo bem que o show seria em um salão de porte mediano, mas mesmo assim, estava inadequado para aquele ambiente. Daí, resolvemos não tocar, mas como tratou-se de um compromisso com caráter informal, não se criou nenhuma insatisfação maior da parte dos organizadores e convenhamos, a divulgação fora fraca e havia pouca gente presente no clube, para assistir.

Resultado: eu e Laert sentamo-nos em cadeiras colocadas bem em frente ao palco, e assistimos como se estivéssemos alojados em um confortável camarote, Paulinho Costa e José Luis Penna, a cantar diversas músicas do Papa Poluição, que adorávamos, e que nos fez recordar fortemente dos anos setenta. 

Depois da apresentação, nós conversamos animadamente com ambos, e relembramos ao guitarrista, Paulinho Costa, que em 1977, o encontráramos dentro do Shopping Ibirapuera, e o abordáramos como fãs naquela ocasião, quando ele fora extremamente gentil para conosco. Ironia do destino... eu e Laert a termos essa reminiscência setentista de nossa adolescência, vivida no âmbito da nossa banda inicial, o Boca do Céu e bem no momento em que eu estava de novo a sair do Língua de Trapo.

Aproximara-se o momento de eu partir e confesso, o coração apertou, mesmo a estar, simultaneamente, eufórico com as conquistas recentes d'A Chave do Sol e mais do que convicto de a minha decisão em favor de minhas convicções estariam corretas em prol do Rock!

Passada essa aventura curiosa no ambiente do "Clube das Bandeiras", o nosso próximo compromisso seria na cidade de Ribeirão Preto-SP, no interior do estado de São Paulo. Eu tinha (tenho), laços afetivos com essa cidade, por ser a terra da minha mãe, meus avós maternos terem morado lá, e por ter tios e primos a viver nessa cidade, desde sempre. Fui passar férias e feriados muitas vezes na infância em tal município e cheguei a morar lá, por quase um ano, no início da adolescência, em meio a uma aventura interiorana que durou pouco, pois a minha família voltou para São Paulo, definitivamente, logo a seguir.
Sendo assim, eu tencionava convidar os meus primos e primas para o show, que seria realizado em um espaço de shows charmoso da cidade, inclusive com tradição Rocker, pois por exemplo, Os Mutantes ali apresentaram-se em vários momentos da carreira, e curiosamente, ali fizeram o seu último show, em 1978, muito antes dessa "volta" esquisita dos anos 2000.

Enfim, tratou-se do Teatro de Arena da "Cava do Bosque", uma bela concha acústica ao ar livre, cercada por arquibancadas, bem ao estilo desse tipo de equipamento cultural que remonta à antiguidade grega. Localizada em um belo espaço da cidade, a Cava do Bosque, ficava instalada na parte alta da cidade, e de fato, dentro de um bosque bem cuidado, equipamento gerido pela municipalidade, com outras atrações, além desse espaço de shows. 

Viajamos no dia, e a intenção fora estabelecer um "bate e volta", apesar dessa cidade estar distante em trezentos e vinte Km de São Paulo, ou seja, não é perto. Fomos como de costume, a utilizar ônibus comercial, sem problemas.

Estávamos acostumados a cumprir essa dinâmica de viajar só com instrumentos, e cada um a responsabilizar-se por seu figurino de cena. E sempre tocávamos com amplificadores e bateria alugadas, fora os teclados, PA e iluminação. 

Chegamos em Ribeirão Preto, e fomos direto para o Teatro de Arena, quando constatamos que a produção local estava bem azeitada. Tudo estava montado e à nossa disposição para o soundcheck. Foi meio apressado, por que o show ocorreria por volta das 18:00 horas, ou seja, sem o uso da iluminação de palco, pelo menos no início do espetáculo, que ocorreria bem no horário do crepúsculo. 

Foi um show ótimo, com seiscentas pessoas presentes, praticamente a lotar todos os espaços na arquibancada, e com uma plateia bem jovem, formada por estudantes universitários, em sua maioria. 

Como foi corrido, não tive tempo de ligar para parentes meus. Eles admoestaram-me verbalmente, a posteriori por eu não ter avisado previamente, e pelo fato da divulgação na cidade ter restringido-se ao circuito universitário, passou despercebido para a maioria, a não ser meu o tio, que soube do evento ao ver uma nota, em um dos jornais locais.

O show gerou uma euforia exacerbada, quase como se fosse um show de Rock. Ao final, como tratava-se de um espaço ao ar livre, o assédio da parte de caçadores de autógrafos foi grande, e lembro-me do vocalista, Pituco Freitas, ter aproveitado-se dessa situação para cometer uma performance engraçadíssima. 

Foi uma "meta-piada" que ele criou, digamos assim, mas nem todo mundo que estava ali a solicitar-nos autógrafos, percebeu a sua intenção, e ficou um clima estranho para alguns. Foi hilário, e nós estávamos acostumados a tais improvisos pós-show da parte dele, mas geralmente as pessoas que não sabiam disso, e abordavam-nos em bastidores, ficavam surpreendidas. 

Geralmente o Paulo Elias, ator, emendava alguma brincadeira nesse sentido também. Ele também era bom de improviso, e muito brincalhão nos bastidores da banda (sempre), e assim, sempre criava algo inusitado, para arrancar-nos boas gargalhadas. 

Bem, foi o dia 27 de junho de 1984, e assim foi a nossa apresentação no Teatro de Arena de Ribeirão Preto, perante seiscentos jovens entusiasmados com o show, e sob o crepúsculo interiorano. Faltava poucos passos para a minha despedida e o coração apertara...

O clima nesses dias finais com a minha participação, foi marcado pela melancolia por estar a deixar de novo o Língua de Trapo, e assim a causar uma mágoa pessoal ao amigo, Laert. Mas também haveriam tensões nesses últimos momentos, que intensificaram a necessidade urgente para interromper esse processo em estar a atuar com duas bandas autorais, simultaneamente.

Por exemplo, no final de semana que sucedeu o show que fizéramos em Ribeirão Preto, eu tive problemas com as duas bandas, nesse sentido do conflito de agendas. 

O show de Ribeirão Preto, que eu relatei anteriormente, caiu em uma quarta-feira. Na noite anterior, eu havia gravado participação no programa: "A Fábrica do Som", da TV Cultura (já relatado no capítulo sobre A Chave do Sol, e que trata-se daquela famosa aparição, onde eu joguei o compacto recém lançado da nossa banda, para alguém da plateia, e ele planou, literalmente, para ir parar no teto do teatro do Sesc Pompeia). E ao final de semana, haveria dois shows d'A Chave do Sol: um na sexta-feira, e o outro para o sábado.

Eu havia consultado o nosso empresário, Jerome Vonk, bem antes, para poder confirmar os shows d'A Chave do Sol nessas datas, e ele confirmara que só havia o show de Ribeirão Preto com o Língua de Trapo, naquela quarta-feira citada, e depois disso, só havia previsão para o final de semana seguinte, quando teríamos uma mini-temporada no Centro Cultural São Paulo. 

Todavia, quando aproximou-se a semana do show de Ribeirão Preto, eu recebi a comunicação de que ele fechara um show de última hora, na cidade de Jundiaí-SP, no sábado, mesmo dia em que já estava fechado um show d'A Chave do Sol, em São Paulo. Apesar de todos os melindres de lado a lado, nunca, nesses meses todos em que estive nessa corda bamba, houvera ocorrido uma situação limítrofe desse porte, e ironicamente, culminou por ocorrer justamente nesse momento tenso, quando eu estava de saída do Língua de Trapo, e com um clima pesado no ar, devido à minha decisão de partir.

O Jerome sabia de minha situação delicada, mas justificou ao afirmar-me que não teria cabimento não marcar esse show, só por que eu mantinha esse conflito pessoal, e que isso configurava "os ossos do ofício". 

Bem, ele teve total razão, pois seria completamente fora de cogitação para a banda, recusar um show, ainda que marcado em cima da hora, pois a data estava livre, e a sua obrigação como empresário, seria buscar o máximo de oportunidades para o seu artista. Perfeito, sem questionamentos. 

Por outro lado, também seria um absurdo eu dizer aos companheiros d'A Chave do Sol, que precisávamos cancelar o nosso show, devido ao fato de que eu teria que cumprir um compromisso com o Língua de Trapo, sendo que esse show d'A Chave do Sol fora fechado mediante consulta prévia de disponibilidade de minha parte. 

Desagradável demais essa situação, mas por outro lado, confirmou a minha decisão de não mais equilibrar-me sob uma corda bamba, a gerar insatisfações dos dois lados pelos quais eu estava comprometido.

Bem, havia uma possibilidade para conciliar ou amenizar esse conflito, e dessa forma, eu negociei com o Jerome, e também com meus companheiros d'A Chave do Sol, uma saída que minimizasse esse desastre logístico, quando eu poderia cumpriria o meu compromisso com ambas as bandas, com um mínimo de prejuízo para todos. 

Isso vislumbrou-se na medida em que o show do Língua de Trapo em Jundiaí-SP, seria cumprido em um horário clássico do padrão de teatro (21:00 horas), e o show d'A Chave do Sol, seria no horário "maldito" de meia-noite, portanto, se houvesse um esforço colaborativo entre as bandas, seria possível eu estar apto para fazer os dois shows. 

No caso d'A Chave do Sol, seria um show no ambiente do "Morro da Lua", aquela pista de motocross, onde houvéramos tocado em junho de 1983 (história que está contada nos capítulos sobre tal banda). Como não era um teatro, tampouco casa noturna, nesse caráter de show livre, em meio a uma área inóspita, haveria uma flexibilidade no tocante ao horário.

Então, eu consegui com o Jerome, um acerto, no qual um carro levar-me-ia antes dos demais membros do Línguas de Trapo, como carona informal, a adiantar-me na chegada a São Paulo. E da parte d'A Chave do Sol, o Rubens Gióia prontificou-se a buscar-me no ponto onde o carro deixar-me-ia, em Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, a fim de levar-me para o "Morro da Lua", no Morumbi, zona sul da capital paulista. 

Com esse esforço colaborativo mútuo, viabilizei cumprir os dois compromissos, ainda que a dar margem para atrasos e consequentemente que os membros das duas bandas poderiam vir a irritar-se com a minha manobra...

O clima na Kombi que levou-nos para Jundiaí, foi bom, mas não pareceu igual dos tempos imediatos, atrás. Houve uma chateação a pairar no ar, pelo fato de eu estar de saída e nessa altura, já sabia que eles haviam requisitado a presença do baixista, Mário Campos para substituir-me.
Além de ser um ótimo baixista, o Mário estava a estudar composição e regência e portanto, tratava-se um músico de alto gabarito. Ele fora o baixista emergencial que cobriu a lacuna deixada pela saída do antigo baixista, Luiz Lucas, mas não demonstrara interesse em efetivar-se, e por isso, os demais membros resolveram convidar-me para voltar à banda, em 1983. 
 
O show de Jundiaí, foi realizado em um salão rústico, de uma espécie de clube. Foi um show com energia, mas não houve uma estrutura adequada para um show como o do Língua de Trapo, pois faltara-lhe uma estrutura melhor para camarins e coxia, cenografia etc.

Lembro-me de que o camarim disponibilizado, foi relativamente longe do palco e isso dificultou a dinâmica habitual do show, com as constantes trocas de figurinos, principalmente da parte do Laert, Pituco e Paulo Elias. 

A carona que foi arranjada pelo Jerome, ocorreu em um carro particular. Nem conhecia a pessoa responsável pelo automóvel, em questão, mas foi providencial para dar certo a minha logística pessoal daquela noite. Para amenizar um pouco a minha sensação de culpa constrangedora, o Pituco Freitas aproveitou a carona, para chegar mais cedo em casa, e assim a tirar um pouco o ranço de que aquilo fosse uma forçação de barra, única e exclusivamente arranjada por minha causa. 

A cidade de Jundiaí, para quem não conhece o estado de São Paulo, fica localizada a apenas cinquenta Km da capital, São Paulo, portanto, trata-se de uma viagem com trinta a quarenta minutos somente.

Por isso que desde o início, eu considerei daria tempo, visto que o show d'A Chave do Sol, seria feito à meia-noite. O show do Língua de Trapo ocorreu no dia 30 de junho de 1984, e cerca de quatrocentas pessoas assistiram-nos em Jundiaí. 

O carro que trouxe-me de volta à São Paulo, deixou-me em Pinheiros, por volta de 23:30 horas e assim que chegou ao quarteirão de seu destino, eu já avistei o veículo do Rubens Gióia, que aguardava-me no local combinado. 

Despedi-me dos tripulantes gentis que trouxeram-me, e do Pituco Freitas, que foi a caminhar para a sua casa, situada ali naquele mesmo quarteirão. Dali em diante, tal história, sob o ponto de vista d'A Chave do Sol, está contada no capítulo dessa banda, e por aqui, só digo que os ânimos estavam acirrados também por lá, e eu tive uma discussão com o Zé Luiz Dinola, minutos antes de fazermos o show, por conta da logística que o fizera esperar horas a fio pela minha presença, sem chance de realizarmos o soundcheck, visto que cheguei em cima da hora. Bem, essas indisposições desagradáveis e muito constrangedoras estavam com os dias contados, literalmente.

Ainda nesse final de semana, quando aconteceram esses shows sobrepostos entre o Língua de Trapo e A Chave do Sol, haveria mais um compromisso do Língua de Trapo, para o domingo. 

Sinceramente, com vinte e três para vinte e quatro anos de idade, o fato de estar sob uma autêntica maratona, não causara-me nenhum prejuízo de saúde. Hoje em dia, com cinquenta e seis anos (2016), não sei se aguentaria uma carga frenética dessas, mas nessa época eu era jovem, e queria mesmo era tocar, todo dia!

Enfim, mesmo a retornar para a minha casa, quase com o sol a raiar, após a maratona cumprida a favor das duas bandas, eu já estava pronto para encontrar-me com o pessoal do Língua de Trapo, logo no início da tarde do domingo posterior, onde a Kombi levar-nos-ia para Diadema-SP, cidade que visitaríamos, para tocarmos no Teatro Clara Nunes, sendo esse show em especial, a reposição daquele compromisso que fora cancelado, cerca de cinquenta dias antes, e cujos acontecimentos desastrosos, eu já relatei anteriormente.

Desta vez, o equipamento locado, mostrou-se adequado, e não tivemos mais nenhuma dificuldade para fazer o show com toda a sua normal desenvoltura. O clima foi amistoso, e o organizador, que ficara bem chateado quando do cancelamento anterior, estava muito aliviado com a realização do show. O público, que ameaçou invadir e revoltou-se com o cancelamento na primeira tentativa, estava tranquilo e satisfeito, desta feita. Inacreditável, mas foram as mesmas pessoas que naquela outra ocasião, queriam invadir e talvez iniciar um insano ato de vandalismo dentro do teatro, inclusive ao ameaçar-nos fisicamente.
Foi engraçado vê-los ali, dóceis e a divertir-se, em comparação aos gritos ameaçadores que ouvíramos na ocasião anterior, por eles proferidos. Aconteceu no dia 1° de julho de 1984, domingo. E o público lotou o teatro, com quatrocentas pessoas presentes. Porém, um fato triste ocorrera nos bastidores, antes de chegarmos ao local.
Ocorreu que na ida para o Teatro Clara Nunes, quando estávamos no interior da Kombi, uma conversa surgiu sobre ensaios com o novo baixista que substituir-me-ia, e o Laert exaltou-se. Não falou-me diretamente, mas em volume alto para que eu ouvisse, disse que eu merecia receber meio cachê nos últimos shows que faria, pelo transtorno que estava a causar-lhes. Claro que eu fiquei chateado, mas permaneci em silêncio, para não conturbar ainda mais o ambiente. 
Ele teve razão por estar aborrecido comigo, visto que eu estava a repetir um padrão. Foi a segunda vez que eu deixaria a banda e apenas dez meses houveram transcorrido, desde que eles, Laert e Pituco, mais detidamente, haviam convidado-me a voltar. Foi de fato, muito desagradável o que eu estava a fazer. 

Por outro lado, eu havia deixado muito claro, desde a primeira conversa, que eu possuía uma banda autoral, e não estava disposto a deixá-la. Pelo contrário, pesara a favor dela, o fato de que era uma banda de Rock, e o Laert sabia bem que esse foi sempre o meu objetivo primordial de carreira.  

Fora o fato de que tal banda estava em fase de franco crescimento, e com o seu primeiro disco a sair do forno, ficara inevitável provocar essa minha decisão para deixar o Língua de Trapo e assim evitar os conflitos inevitáveis de agenda que suceder-se-iam. 

Enfim, eu entendi o sentimento do Laert, pois mais ainda que os outros membros, o Laert deve ter estado bem aborrecido comigo. Isso só aumentou a minha angústia nesses dias finais, por conta dessa minha ligação de amizade com ele, mas também pela banda, em si. Se o Língua de Trapo não representou a possibilidade para eu estar em uma banda de Rock, com a qual sempre sonhara, eu mantinha raízes profundas com ela. 

Dessa formação de 1984, eu, Luiz, Laert e Pituco éramos as mais remotas sementes da banda, visto que o próprio Lizoel, também membro antigo, entrara depois. Portanto, eu também fora um membro fundador e original dos primeiros tempos, de 1979. Paciência! Essa foi uma situação que eu jamais quis ter vivido, mas pela força das circunstâncias, infelizmente, tive que passar. 

Aproximara-se o final de semana, e esse seria o meu último com a banda. O meu epílogo seria no Centro Cultural São Paulo, em três shows, através de uma mini-temporada...

Continua...

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