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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Língua de Trapo - Capítulo 18 - A Volta ao Teatro Lira Paulistana, Estripulias na TV & Afins - Por Luiz Domingues

Quando voltamos a São Paulo, estávamos animados com a perspectiva de um novo disco, ainda que fosse um compacto simples e não um LP, como seria esperado como segundo álbum da discografia da banda. O primeiro disco ainda vendia muito, porém havia uma pressão interna na banda, para gravar logo o segundo LP, que poderia selar a entrada em uma multinacional e aí, investimentos ainda maiores que pudessem nos catapultar para outras dimensões.

A situação do Língua de Trapo no mercado, se mostrava sui generis nessa época, eu diria, pois no mundo underground, o grupo mantinha status como grande artista, mas não poder-se-ia considerar dessa forma na prática, ainda que os flertes com o mainstream fossem enormes, o que credenciava-nos até a um patamar superior, de fato, e fazia com que a real situação da banda fosse uma espécie de "purgatório" intermediário, onde já habitava com desenvoltura, e a conter vislumbres do paraíso. 

No entanto, não havia tempo hábil, e desde 1982, o Língua emendava uma turnê na outra, e nos espaços vagos, haviam diversos shows avulsos e compromissos a cumprir em termos de exposição na mídia. Nesse caso, a questão da pressão amenizara-se, pois ninguém poderia reclamar de tocar de terça a domingo e toda segunda, sair do escritório do empresário, com os bolsos cheios. 

E lá estávamos nós de volta ao palco do Teatro Lira Paulistana, na quarta-feira subsequente, dia 18 de abril de 1984. Ao iniciar-se uma nova temporada no Lira Paulistana, tocamos para um público com sessenta pessoas, considerado excelente para o dia da semana que foi, e principalmente por ser a retomada de uma nova temporada, após um hiato com duas semanas, onde estivemos em cartaz no Rio de Janeiro. A novidade foi o compacto simples que estávamos a lançar, e que servira como promoção para essa retomada de temporada, pois este foi entregue para cada pessoa que comprou um ingresso, como um bônus.

O compacto agradou em cheio, certamente, com as pessoas a entusiasmar-se com a novidade. Não ficou um primor de gravação, mas as músicas foram agraciadas. Essa retomada no Lira Paulistana seria mais curta, ao abrir o caminho para uma nova etapa que seria muito produtiva, com shows pelo interior. Embora curta, esta temporada produziu histórias muito interessantes, que contarei logo mais.

Um dos acontecimentos pitorescos que aconteceram no ambiente do teatro Lira Paulistana, na verdade não necessariamente tem a ver com essa retomada de temporada em abril de 1984. De fato, tal situação já acontecia nas temporadas anteriores. 

Tratava-se de um piada pré-show, mas também tinha sentido de estratégia para a banda. O Marcelo Moraes, que era colega de faculdade, e um agregado do Língua de Trapo, tinha experiência como locutor de rádio. Se eu não estiver enganado, naquela época ele já estava na Rádio Jovem Pan AM. Então, como era muito bom com a linha de humor improvisado, estilo "Stand Up Comedy", ele atuava com maestria nos minutos que antecediam o show, da seguinte forma: assim que as pessoas começavam a entrar no teatro, e buscavam os seus assentos, ele já estava com um microfone aberto, onde punha-se a conversar com elas, a contar piadas.

Entretanto, a grande estratégia por ele adotada, foi brincar diretamente com as pessoas, ao fazer com que na base da palhaçada interativa, elas aceitassem apertar-se voluntariamente, e assim abrir espaço para entrar mais gente no teatro. As brincadeiras eram hilárias, e a pessoas riam muito, mesmo antes do show começar e consequentemente, depois do show iniciar-se, algumas já apresentavam até dificuldade para rir mais, ao caracterizar um processo de desopilação total. E mediante tal prática, aonde cabia uma pessoa confortavelmente instalada, o espaço ocupava-se com duas, a dobrar a capacidade de audiência.

Visto nos padrões de hoje em dia, realmente foi uma prática perigosa pelo quesito da segurança, mas naquela época, ninguém sequer pensava nessa possibilidade e por sorte, apesar da superlotação que conseguíamos obter, nunca nada de errado aconteceu, ainda bem. 

Sendo assim, a estratégia logrou êxito, pois arregimentamos público muito acima da capacidade oficial do teatro, muitas vezes, ao conseguir um resultado de bilheteria bem acima do esperado, e a fazer dos encontros das segundas, na casa do nosso empresário, Jerome Vonk, uma festa para todos, na hora de acertar as contas da semana!

Outro fato curioso foi protagonizado por uma entidade de cunho religioso, ligada ao catolicismo, e com ideias políticas centradas na ideologia de ultradireita, na porta do Lira Paulistana, ao abordar as pessoas que aguardavam a fila da bilheteria. Com o objetivo de sabotar os nossos shows, esses rapazes abordavam as pessoas a tentar demovê-las da intenção de assistir o show, e assim alegar que éramos comunistas, ateus e outras acusações estapafúrdias. 

Ao que me consta, ninguém nunca deixou de assistir o show por conta dessa abordagem agressiva contra o nosso trabalho, e ao contrário, tal empreitada culminou de ser objeto de escárnio generalizado pelo radicalismo démodé da parte deles. Não lembro-me ao certo, mas acredito que compareceram duas ou três vezes para fazer essa campanha de convencimento sabotadora, mas não passou disso, sem a ocorrência de nada mais grave.

 
Ainda a relembrar dessa temporada de abril/maio de 1984, no Teatro Lira Paulistana, lembro-me de um domingo onde tive uma crise feia de faringite. No sábado anterior, eu já sentia-me desconfortável e no domingo, foi inevitável que eu piorasse. Como haviam duas sessões no domingo, no primeiro show, das 18:00 horas, eu realizei com muito sacrifício, quase sem forças para cumprir as performances teatralizadas habituais e apenas a exercer a minha parte musical, com bastante dificuldade. Infelizmente, não anotei a data exata desse ocorrido, mas foi certamente nessa temporada citada, pois já estávamos no outono e as noites estavam a ficar frias em São Paulo.

O nosso empresário, Jerome Vonk, e os demais companheiros, perceberam que eu estava muito mal, pois a minha garganta estava em frangalhos. Ficara visível no meu pescoço, externamente, que a garganta estava muito inflamada, pois este estava inchado de uma forma impressionante. Quando acabou a sessão das 18:00 horas, o Jerome e também os meus colegas cogitaram cancelar a segunda sessão, mas eu reagi ao dizer-lhes que não seria necessário. Se tornou claro que eu não reunia nenhuma condição e assim permaneci prostrado naquele cubículo que dava acesso, do camarim à mesa de iluminação (para quem conheceu o camarim do Lira Paulistana, há de se recordar desse espaço).

Então, o Jerome foi a uma farmácia próxima e contratou um enfermeiro que veio aplicar-me uma injeção, cujo conteúdo tratou-se de um cocktail com analgésico, anti-inflamatório, e penicilina. Cerca de meia hora depois, eu já estava em pé, sem febre e com ânimo para atuar no segundo show do dia. Ainda doía bastante a garganta, mas apresentei-me assim mesmo, mais revigorado e a coibir o arranhão incômodo, com pastilhas. Bem, expresso aqui, mais uma vez, os meus agradecimentos aos companheiros, incluso, Jerome Vonk e Cida Ayres, a nossa produtora, que deram-me todo o apoio naquela tarde/noite sob debilidade e desconforto para o meu azar.

Mais uma vez peço desculpas ao leitor, mas não anotei a data, como todas as outras datas em que participamos de programas de rádio e TV,  mas foi mais ou menos nessa época, entre o final de abril e o início de maio, que fomos convocados a participar de um programa novo na TV Gazeta, que chamar-se-ia: "Perdidos na Noite". Tal programa representou uma extensão natural do programa de rádio: "Balancê" (Rádio Excelsior/Globo de São Paulo), em que tantas vezes participamos. Aquela anarquia que existia no formato radiofônico, chegara à TV e ao seguir aquele mesmo padrão, teve tudo para ser muito divertido. E foi...

Bem, ao se tratar de TV Gazeta, a audiência não seria avassaladora, e a considerar que seria o primeiro programa, praticamente um piloto, menos ainda. E nós tínhamos um bom relacionamento com a produção sempre simpática do programa radiofônico, "Balancê", e dessa maneira, seria um prazer participar desse programa inaugural na TV. A gravação seria feita em um dia de semana a noite, segunda ou terça-feira, não recordo-me ao certo, nas dependências do Teatro Jardel Filho, na Av. Brigadeiro Luiz Antonio, no Bexiga, bairro central de São Paulo.

Foi no palco de um teatro grande e muito espaçoso, a tratar-se de uma ex-sala de cinema. Hoje em dia, este teatro está modernizado e abriga super-musicais da Broadway norte-americana, com estrutura portentosa.

Contudo, o "Perdidos na Noite" continha uma outra realidade e nesse dia, não havia espectadores para assistir a gravação presentes no auditório. Vimos portanto, estagiários da TV Gazeta a caçar pessoas na calçada da avenida Brigadeiro Luiz Antonio, literalmente, para que pudesse haver um quórum mínimo de pessoas sentadas na plateia. A abordagem das pessoas na rua, chegou a ser engraçada, ao parecer conversa de vendedor de loja popular... os funcionários da TV Gazeta abordavam os pedestres na avenida, e diziam que haveria artistas e jogadores de futebol presentes no palco, que seria grátis participar da gravação etc.

Ao lado do Teatro Jardel Filho, ficava (fica), a Faculdade Ibero-americana, e de lá veio a maior parte do contingente para se compor uma plateia mínima ali presente, claro, pois a perspectiva de se cabular a aula e divertir-se gratuitamente animou-os. Mesmo assim, a quantidade de pessoas que dignou-se a entrar no teatro, foi pequena, ao obrigar o cameraman a usar o recurso de enquadramento do "close-up", para não mostrar as imagens do teatro semi-vazio. 

Na sonoplastia do programa, estava a trabalhar o Johnny Black, exatamente como o fazia regularmente no "Balancê", e a sua figura era divertidíssima. Entretanto, foi nos bastidores que a diversão foi total. Figuras improváveis estavam a dividir o camarim conosco, para tornar a noitada, um delírio onírico ao estilo "felliniano". 

Nos camarins, que eram enormes e labirínticos, encontramo-nos inicialmente com o quarteto popularesco, "Genghis Khan". Foi hilário conviver algum tempo com os seus componentes maquiados e paramentados com aquelas roupas bem exageradas, de seu figurino a tentar imitar um espetáculo musical da Broadway. A impressão que eu tive, foi de que a qualquer momento o ator, Yul Brynner, apareceria no ambiente pronto para entrar em cena em: "Ana e o Rei do Sião"...

O Pituco Freitas estabeleceu amizade imediata com eles, principalmente com o seu enorme líder, o argentino (ou de outra nacionalidade, corrijam-me se for o caso), Jorge, que no seu sotaque castellaño se pronunciava: "Ror-re"...

Foram cenas hilárias, com os dois a cantar e a divertirem-se em coreografias improvisadas, que deixaram os técnicos da TV atônitos, nos bastidores.
Outra figura inesperada ali presente, foi a Martinha, cantora & compositora da Jovem Guarda. Tímida, porém bastante simpática, foi gentil conosco na sala de maquiagem.

E mais um personagem, ainda mais inusitada, foi: Germano Mathias. Este a se revelar como o grande príncipe da malandragem do samba paulista da velha guarda. Figura incrível, ele contou piadas e interagiu com o Laert o tempo todo. Neste caso, como eu queria ter tido a facilidade da tecnologia de hoje em dia em mãos, para ter filmado esses momentos hilários que ali presenciei!

Eu sempre gostei de bastidores de programas de TV.  Em todos onde estive presente, em qualquer época e a estar a representar qualquer banda por onde passei, sempre diverti-me muito e confesso, tenho saudade. Já faz anos, que graças à maldita instituição do jabá, ficou difícil participar deles, ao militar quase sempre no patamar underground da música. A TV só abre caminho para os tubarões do mainstream, e o jabá é o grande culpado por essa barreira intransponível. Enfim...

Ainda houve a presença do jogador, Biro-Biro, do Corinthians. Não posso deixar de considerá-lo também como uma figura extremamente folclórica. Na verdade, ele fora um "quase" personagem do Chico Anysio, só que verdadeiro, de carne e osso! 

E mais uma outra atração musical presente, foi a do grupo de Rock, Ultraje a Rigor, então a estourar no mainstream como um representante do dito: "Paulistas Reaction" dentro do movimento Br Rock 80's", onde houvera uma "Cariocas Invasion" sob uma primeira instância, digamos assim, na base da analogia e da brincadeira com a British Invasion/American Reaction dos anos sessenta. 

Dois músicos dessa banda, Maurício e Leospa, foram os componentes mais receptivos da banda, e chegamos a conversar de uma maneira rápida. Eles lembraram-se de minha pessoa como baixista d'A Chave do Sol, e ao ir além, lembraram-se de que encontramo-nos algumas vezes em algumas casas noturnas onde costumávamos anos apresentarmos entre 1982 e 1983, e antes deles ficarem famosos (já contei essa passagem, no capítulo sobre A Chave do Sol).

Diante dessa diversão toda, poderíamos ficar a noite toda naquele camarim, que teria sido super divertido com essas figuras todas, mas o programa começou a ser gravado e o Ultraje a Rigor foi chamado ao palco. Da coxia, eu vi quando tal banda entrou em cena e o Fausto Silva entrevistou-os com a irreverência que sempre o caracterizou, e naquele seu tempo como um comunicador pré-Global, ele fora muito mais espontâneo, e não detinha o freio que lhe puseram depois. Na TV Gazeta, Fausto tinha liberdade para comandar uma esbórnia total. 

Quando a conversa se encerrou e os membros do Ultraje a Rigor prepararam-se para a dublagem da sua "música de trabalho", ocorreu que o sonoplasta, Johnny Boy, sinalizou da cabine de som, que não estava por achar o disco da banda. Então, algo inusitado aconteceu, pois descobriu-se que a equipe de produção deles não tinha consigo o disco disponível, tampouco um divulgador da gravadora Warner houvera passado no teatro para tomar tal providência. Nem o empresário da banda tinha, em mãos e nem mesmo os músicos, também não houveram se preocupado com tal detalhe crucial.

Todavia, tudo foi levado na brincadeira, e a participação do Ultraje a Rigor ficou sem a dublagem protocolar, a aproveitar a falha como uma "gag" humorística. Depois chamaram ao palco o jogador, Biro-Biro que arrancou gritos pró e contra o Corinthians, como é típico de plateias misturadas, em meio às suas paixões clubísticas, díspares. A seguir, fomos chamados e após uma hilária entrevista, dublamos a música: "Concheta" e promovemos os shows que estávamos a cumprir no teatro Lira Paulistana. Foi uma noite da qual gostei muito, sem dúvida e repito, tenho saudade de bastidores de TV.

E a temporada no Teatro Lira Paulistana prosseguira. No dia 19 de abril de 1984, cento e cinquenta pessoas assistiram o show. No dia 20, foram duzentas e cinquenta pessoas. Trezentas e vinte entraram no teatro, dia 21 de abril. A encerrar-se essa semana, tivemos dois shows no dia 22 de abril de 1984, um domingo, com cinquenta pessoas na primeira sessão e oitenta pessoas na segunda. Foi inexplicável esse resultado fraco no último dia citado, para os nossos padrões de público. Um domingo atípico, sem que houvesse uma explicação plausível para o fraco movimento observado para as duas sessões. Contudo, nada que nos abalasse, pois na semana subsequente, a situação melhoraria, a não ser pelo show da quarta-feira, dia 25 de abril de 1984...

Para quem viveu a época, há de lembrar-se que estávamos nos últimos estertores da ditadura militar, e embora nesses momentos finais houvesse uma perceptível frouxidão do sistema, ainda existia a sensação de insegurança. E naquele momento em específico, os movimentos populares, em prol da realização de eleições diretas para presidente da república, estavam a borbulhar no seio da sociedade. 

Como eu já contei aqui, o Língua de Trapo estava no Rio de Janeiro durante a histórica manifestação popular ocorrida na Candelária, e em São Paulo, semelhante manifestação ocorrera na Praça da Sé. Dessa forma, o clima se mostrava em tom de apreensão, quando deduzia-se que os radicais antagônicos a esse ideal, reagiria a qualquer instante. Pois no dia 25 de abril de 1984, por volta das 18:00 horas um Blackout deixou São Paulo às escuras.

Eu estava a sair do ensaio d'A Chave do Sol, diretamente da residência do guitarrista, Rubens Gióia, e dirigia-me ao teatro Lira Paulistana para a apresentação daquela noite do Língua de Trapo. A minha intenção foi usar um ônibus que conduzir-me-ia direto ao teatro Lira Paulistano, sem problemas, porém o trânsito ficou caótico sem os semáforos e ao temer atrasar-me, eis que eu resolvi chamar um táxi, mesmo por que, estava com o meu baixo em mãos e às escuras, teria sido muito perigoso transitar pela rua, sob tais circunstâncias. 

Em uma primeira análise, sem nenhuma informação melhor apurada, achei que tratara-se de um Blackout localizado, observado apenas ali no bairro do Itaim-Bibi, na zona sul de São Paulo, mas já a bordo do táxi, a ouvirmos as informações o rádio, eu e o taxista tomamos ciência que não apenas a cidade inteira estava sem energia, mas também o Estado, e pior ainda, a região sudeste inteira.

Teria sido uma retaliação dos opositores à pressão popular pela redemocratização do país? Foi a explicação mais plausível ante as circunstâncias e certamente a desconfiança tomou conta de todos, ao pressentirmos uma nova etapa de endurecimento, e mais atraso para o país. 

Quando eu cheguei ao teatro, com muita dificuldade, pois o trânsito ficara caótico, a preocupação de todos foi visível por esse evento inesperado, com evidente sabor de pressão política. Independente disso, tínhamos o show para fazer, e na perspectiva de não ser restabelecida a energia, o Laert propôs algo inusitado, para não cair na mesmice de um cancelamento pura e simplesmente. Então, em comum acordo com a direção do Lira Paulistana, cancelou-se a venda de ingressos, e se convidou as pessoas que compareceram, a ver um show intimista com violão e voz, a deixar as pessoas a vontade para doar um dinheiro, se quisessem, mediante o recolhimento com um chapéu, sob uma forma romântica, como se fosse um espetáculo perpetrado por menestréis, artistas mambembes etc...

E o show aconteceu, mediante o auxílio de velas. Eu não participei efetivamente, pois sem energia elétrica, não seria possível tocar baixo, e assim, a minha participação em um show acústico e improvisado, seria mínima. Lembro-me em ter feito uma discretíssima percussão e nada mais, sendo figura inútil naquela engrenagem movida pelo improviso. 

E o repertório seguiu esse padrão, mais com o Serginho Gama a tocar, e Laert e Pituco cantar, incluso algumas músicas não previstas para o set list regular do show. E claro, nada foi feita da performance tradicional em termos de encena~]ao e uso de vinhetas, a ficar a expectativa para que a situação normalizasse-se na quinta-feira.

A energia voltou muitas horas depois, a votação do projeto de Lei para restituir a prática das eleições diretas para presidente da República, fracassou, e ainda teríamos alguns anos para alcançar esse direito. Quanto ao blackout ocorrido, o governo emitiu uma explicação técnica bem mequetrefe a alegar falha técnica em usinas, e ficou por isso. 

Por incrível que pareça, oitenta pessoas compareceram ao teatro, com blackout e tudo, nessa quarta-feira, dia 25 de abril de 1984.

Mais ou menos nessa época (abril de 1984), foi que surgiu um convite da TV Cultura de São Paulo, para protagonizarmos um especial com uma hora de duração. Aceitamos de pronto, logicamente. Não lembro-me a data exata, mas creio que foi em uma terça-feira, que ocorreu essa filmagem, e o objetivo foi estabelecer uma performance ao vivo, mas sem público presente no auditório.
Para tanto, deslocamo-nos ao teatro da TV Cultura, chamado: Teatro Franco Zampari, localizado no bairro do Bom Retiro, próximo ao centro antigo de São Paulo. Esse teatro era (é), acoplado à estação Tiradentes, do metrô. Apesar de pertencer à TV Cultura, ficava (fica) bem longe dos estúdios da referida emissora, mas mantinha vida própria, e muitos programas foram e ainda são gravados ali. Interessante, embora tétrico, foi o fato de que antes de tornar-se um teatro, portanto um equipamento cultural com nobres propósitos, aquele espaço houvera pertencido a órgãos que davam apoio à ditadura, portanto, nesse mesmo lugar, muita gente foi encarcerada nos porões, e torturada, lamentavelmente.

De volta ao foco da narrativa, a filmagem foi muito tranquila e o fato de estarmos bem ensaiados e habituados a encenar o show em temporadas longas, facilitou o trabalho dos técnicos. Mesmo assim, não fizemos a sequência do show normal, mas preparamos um set list mesclado com algumas canções que não estavam no espetáculo, também. O especial foi ao ar rapidamente e deu-nos uma boa visibilidade, a reforçar a divulgação da temporada. 

Tivemos um problema com o samba-enredo, pois como eu já relatei anteriormente, uma determinada organização de cunho político-religioso, sentiu-se ofendida, e tirou satisfações formais conosco. Com algumas adaptações estratégicas na sua letra, e o cuidado em não usar um adereço a conter uma menção direta à tal organização e que poderia criar problemas, gravamos assim mesmo.

Lamento muito não ter esse material à disposição, ou seja,  o especial na íntegra, e só conheço um vídeo isolado no YouTube, exatamente o da música: "Concheta". Assista abaixo:


http://www.youtube.com/watch?v=f6EsLWc6S_g

O Laert possui esse show completo em sua coleção, em formato de fita VHS, e tem planos para digitalizá-lo, e disponibilizá-lo no YouTube. Naturalmente eu postarei imediatamente por aqui, assim que ele surgir.
E seguiu a temporada no teatro Lira Paulistana. Naturalmente que o assunto no dia seguinte, foi a noite do blackout, e o desdobramento político desse evento, e para uma banda como o Língua de Trapo, isso tornou-se uma oportunidade óbvia para a criação de piadas imediatas, que poderiam ser usadas prontamente nos shows. Claro que o Laert e o Pituco ironizaram o evento, com o apoio de todos, principalmente do João Lucas, sempre politizado e antenado nos acontecimentos.
O show da quinta-feira, dia 26 de abril de 1984, teve apenas quarenta pessoas na plateia, e só conseguimos atribuir um movimento fraco desse porte ao evento do dia anterior, e possíveis boatos que afugentaram as pessoas. Sempre lembro aos mais jovens, que estávamos ainda a viver sob um regime ditatorial e que a despeito da sua frouxidão que foi nítida nesse final de processo, ainda havia o temor pelo endurecimento, como reação ao clamor popular pela redemocratização do país e naqueles dias, especificamente, a pressão popular pela volta das eleições diretas para presidente da República. Então, a boataria tomou conta de todos, e isso pode ter despertado o temor por problemas nas ruas, com manifestações e a devida reação da polícia e outros órgãos repressores. Só pode ter sido esse o motivo...
E os dias posteriores marcariam o fim dessa fase minha com o Língua de Trapo, a atuar no palco do teatro Lira Paulistana. Foram os últimos shows da temporada e a seguir, partiríamos para uma série de shows avulsos ou mini-temporadas em outros lugares, fora alguns shows pelo interior de São Paulo, cidades do ABC, e uma volta ao Rio de Janeiro. Eu voltaria ao Lira Paulistana muitas vezes, mas com A Chave do Sol, doravante.

Os últimos shows no Lira Paulistana ocorreram nos dias 27, 28 e 29 de abril de 1984, sendo que no dia 29, com as tradicionais duas sessões. Como resultado de público, no dia 27, tivemos oitenta pessoas presentes. Já no sábado, dia 28, duzentas e oitenta pessoas. E finalmente no domingo, dia 29, na 1ª sessão, cento e dez pessoas e na 2ª sessão: duzentas e quarenta pessoas nos assistiram. 

Terminada a temporada, tivemos alguns dias de folga, e alguns compromissos com rádio e TV. A próxima atividade seria uma mini turnê pelo interior de São Paulo, com shows nas cidades de Votuporanga e São José do Rio Preto.

Continua...

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