Neste meu Blog 3, dedico todo o espaço para cuidar da minha carreira musical. Além do texto na íntegra, do meu livro autobiográfico : "Quatro Décadas de Rock", apresento também material em geral de todas as bandas por onde atuei e atuo, sob permanente construção.
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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
Língua de Trapo - Capítulo 14 - 1984 Foi: Trabalho, Trabalho, Trabalho... - Por Luiz Domingues
Alguns dias de folga foram estratégicos para recarregar a energia. Essa foi uma antiga reivindicação dos mais veteranos, pois os colegas estavam sem
descanso desde 1981, praticamente, visto que haviam emendado o período
de crescimento da banda, à primeira turnê, "Obscenas Brasileiras", e sem
escalas, a entrar direto na turnê: "Sem Indiretas".
Sendo assim, o primeiro show
do novo ano, só ocorreu em 14 de janeiro de 1984, e sob um local inusitado para
os padrões do Língua de Trapo. Isso por que foi um show fora do parâmetro
de teatros ou circuito universitário, onde tradicionalmente apresentava-se, pois desta feita, o espetáculo iria ocorrer em um salão de música
mecânica, que esporadicamente fazia apresentações ao vivo, e cujo público
alvo, era formado por hippies anacrônicos, "bichos-grilo", Rockers, e apreciadores de MPB
setentista. Tratava-se de uma casa chamada: "Led Slay", localizada no
bairro do Tatuapé, na zona leste de São Paulo.
Eu
conhecia o salão, embora nunca houvesse apresentado-me ali
anteriormente, mas os colegas do Línguas de Trapo, não, e sentiram-se bastante deslocados em um
ambiente onde não estavam acostumados a atuar. Após o soundcheck, fomos
levados por um produtor, para jantar nas proximidades. Eu morava no
bairro do Tatuapé nessa época, e conhecia bem os seus principais quadrantes. Poderíamos ter ido jantar em uma série de lugares bons que existiam nas cercanias, com todo o tipo de comida
disponível, mas o sujeito levou-nos à lanchonete de uma tapeçaria famosa e
próxima ao Led Slay, e aí foi hilário o que ocorreu...
Digo isso, pois essa tapeçaria, que
era enorme e famosa na região, costumava fazer propagandas cafonérrimas na TV, e
assim que a Kombi que levou-nos, estacionou, as piadas e as imitações
dos personagens boçais que faziam tais anúncios na TV, começaram. Esgotamos a
nossa cota de risadas nessa noite!
De volta para o local do show, vimos
que havia um bom público nas suas dependências, mas os amigos da banda esboçaram preocupação, pois
tratava-se, em tese, de um público que não conheciam, e havia um certo receio generalizado de que não
entenderiam a proposta da banda, a exigir que tocássemos Rock. Eu os tranquilizei, ao dizer-lhes que não se tratava de um público Rocker
radical, pelo contrário, fora um perfil de público que apreciava e muito a
MPB, e que mesmo que não conhecesse o nosso trabalho, dificilmente hostilizar-nos-ia. O Pituco ainda fez uma brincadeira engraçada antes de
entrarmos em cena, ao realizar trejeitos performáticos, e subir ao palco
a gritar: -"isto é um simulacro"... rimos muito, a entrar em cena quase
desconcentrados depois dessa piada interna e espontânea.
Entretanto, o show foi muito bom, pois mesmo não sendo o
habitat natural da banda, o público respondeu bem, a apreciar as piadas, a
performance, e por rir muito, como a seguir o padrão de reação normal nos shows do Língua de Trapo. E foi o
maior público que tivemos nessa fase comigo de volta à banda, até então, pois
houve cerca de duas mil pessoas presentes no espaço a assistir a apresentação.
Apesar de ter sido um show realizado em uma casa onde
a estrutura não fora a mais adequada para o nosso tipo de espetáculo (por não haver estrutura para a cenografia), fizemos o show
normal, inclusive com as intervenções de áudio, e o telão com sketches de
Super-8, montado de uma forma improvisada, mas funcional. Aliás, o cineasta, Louis Chilson, foi um dos mais animados nesta noite, ao divertir-se muito com a invenção de última hora do Pituco Freitas, a repetir a palavra: "simulacro", a noite inteira.
Na terça-feira posterior, o Língua de Trapo esteve escalado mais uma vez para
participar do programa: "A Fábrica do Som", da TV Cultura de São Paulo. Foi uma dinâmica
diferente no meu caso, pois nesse programa eu já havia participado três
vezes com A Chave do Sol, e sem dúvida, foi o fator preponderante para
alavancar essa minha outra banda, e consequentemente, a minha imagem pessoal.
Eu já
conhecia a estrutura toda, estava acostumado a atuar no palco do Sesc
Pompeia, e conhecia bem o pessoal da TV e o seu esquema de trabalho.
Porém, o
Língua de Trapo também conhecia bem o ambiente, pois já havia apresentado-se outras
vezes anteriormente, também, e estava acostumadíssimo a atuar em teatros
lotados.
O inevitável aconteceu quando subimos ao palco, ao ouvirmos gritinhos
vindos da plateia a sinalizar: "A Chave do Sol ", a espocar pelos dois lados da plateia.
Foi uma
situação que incomodou um pouco alguns colegas do Língua de Trapo, a causar-me um certo
constrangimento, mas o que eu poderia fazer para coibir tal manifestação popular?
Claro que também fiquei constrangido em respeito ao Língua de Trapo, mas por
outro lado, também achara muito estimulante ver que A Chave do Sol
crescia em popularidade.
A nossa apresentação foi tranquila. Lembro-me em
termos executado as canções: "Deve Ser Bom", "Régui Espiritual" e "Xingu Disco", músicas
do primeiro LP.
"Régui Espiritual" era uma música que não estava arrolada para o show
que estávamos a realizar em turnê, mas eu gostava muito dela.
A se tratar de uma tremenda
gozação com os falsos gurus que exploram a boa fé das pessoas humildes etc. Uma pena, mas não lembro-me de tê-la executado mais vezes, seja
em shows ou apresentações de TV.
O Pituco vestiu-se com um terno branco, e
por usar o fato do teatro conter um mezanino, onde ficavam instalados dois
camarotes, ali apareceu inicialmente em destaque, como se estivesse sobre um púlpito,
ao ser idolatrado por seus discípulos. Foi muito performático, mas infelizmente, eu nunca
havia assistido essa
exibição na TV, até julho de 2015, quando um amigo chamado, Flavio
Tsunami, abordou-me através da Rede Social Facebook, e disse ter resgatado alguns vídeos do
Língua de Trapo com a minha participação na banda!
Eis então abaixo, as duas músicas que foram ao
ar, decorrentes dessa aparição n'A Fábrica do Som, descrita acima: "Régui Espiritual" e "Deve Ser Bom":
O link de "Régui Espiritual"para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=tPVAZz0aPww
O link de "Deve Ser Bom"para assistir no YouTube:
https://www.youtube.com/watch?v=mKsh_1d83TY&feature=youtu.be
Sobre a música, "Deve ser Bom", é impressionante como uma sátira sobre a sanha dos políticos pelo poder continua muito atual! Essa minha primeira
apresentação nesse programa, com o Língua de Trapo, ocorreu no dia 17 de janeiro de 1984 (mas foi ao ar em 21 de janeiro), com um público de
mil e quinhentas pessoas, presentes no teatro do Sesc Pompeia, aproximadamente.
O próximo passo da banda, foi uma micro temporada a ser realizada no Teatro Municipal de Santo
André-SP. O Língua de Trapo detinha uma força muito grande nas cidades da região do
ABC Paulista, por conta da fama que ali construiu, ao participar de vários comícios
monstruosos do PT, por ocasião da campanha de Lula, como candidato ao
governo do estado de São Paulo, nas eleições de 1982. E dessa forma,
fomos tranquilos para mais uma micro temporada em uma cidade do ABC,
por saber que teríamos bom público.
Logo no primeiro dia, durante a
passagem de som, eu tive uma surpresa. Não foi uma novidade para os demais,
pois já conheciam o personagem que apresentar-se-ia, mas para o meu conhecimento, foi
inusitado. Notei que o Laert e o Pituco conversavam animadamente nas
poltronas do teatro, com um mendigo! Ao aproximar-me, fui apresentado
formalmente ao rapaz, e notei que ele era de fato conhecido deles e não uma pessoa
que folcloricamente havia inserido-se a esmo no teatro, por burlar a segurança.
O rapaz era extremamente
culto e o teor da conversa estava para lá de surpreendente, pois se tornara óbvio
que se ele estava naquela situação de penúria, deve ter sido por conta de um revés
inesperado, por que foi evidente que tratava-se de uma pessoa que continha um
nível educacional e cultural incompatível com a sua situação social
sob penúria, naquele momento. Então tudo esclareceu-se: esse rapaz era de fato
articulado, pois fora jornalista, todavia, por uma série de fatores alheios à
sua vontade, e alinhavados pelo alcoolismo, pôs-se a perder tudo: casa,
emprego e família ficaram apenas na sua lembrança, e agora a viver de favores,
esmolas e eventuais subempregos, tornara-se praticamente um mendigo. Parecia surreal ver o
rapaz maltrapilho e sujo, a citar Dostoievksi, discursar sobre
política, arte etc.
Depois desse dia, encontrei-o ocasionalmente
uma vez no bairro do Bexiga em São Paulo. Isso ocorreu em uma noite em que o
Pitbulls on Crack, a minha banda nos anos noventa, iria tocar em uma casa noturna da Rua 13 de maio, em
1994, ou seja, dez anos depois. Ele aparentava estar a viver sob uma situação um
pouco melhor, mas ainda a lutar com muita dificuldade, certamente. E
continuava com a sua cultura invejável, a causar espanto para quem costuma
julgar as pessoas apenas pela aparência.
Nesses três shows no Teatro Municipal de Santo André, o público foi bom,
apesar de uma oscilação radical entre um dia e outro. O primeiro, ocorreu
no dia 20 de janeiro de 1984, uma sexta-feira, com duzentas pessoas
presentes. As condições do teatro foram ótimas, e o show ocorreu com toda a
sua possibilidade cênica, bem desenvolvida.
No dia
seguinte, 21 de
janeiro, tivemos um público bem maior, com quatrocentos pagantes. Nesse dia, um
fato surpreendente ocorreu, a fugir dos padrões normais do Língua de
Trapo, que certamente não era uma banda de Rock, tampouco fenômeno Pop,
popularesco ou similar. Pois ao término do show, eis que houve uma invasão súbita do palco
que deixou-me atordoado. Foram pelo menos trinta garotas a caçar autógrafos, e
a querer levar para casa qualquer tipo de souvenir disponível.
Lembro-me bem da
voz do Pituco Freitas, a balbuciar: -"olha o Luiz... vai ser devorado pelas
garotas"...
E finalmente a conclusão dessa série de shows em Santo André-SP, no terceiro dia, 22 de janeiro de 1984, mas antes de
subirmos ao palco do Municipal de Santo André, tivemos um show de
choque em São Paulo, no período da tarde.
Ocorreu na
Praça Benedito Calixto, no bairro de Pinheiros, justamente onde
hoje em dia (na verdade, há muitos anos), ocorre uma concorrida Feira de
Antiguidades aos sábados. Essa praça fica exatamente em frente onde
ficava
o Teatro Lira Paulistana, onde tanto apresentamo-nos.
Tratou-se de um
show
promovido pela Prefeitura de São Paulo, a comemorar o aniversário da
cidade, que ocorreria dali a três dias. Lembro-me de que havia um
público aproximado com mil e seiscentas pessoas, avaliado pela medição da Polícia Militar, e entre outras atrações, além de
nós,
tocaria o grupo: "Rumo". Tocamos, enfim, foi bem animado e dali fomos
imediatamente para
Santo André, para cumprir o rito do soundcheck vespertino e realizar durante a noite, o terceiro e último show
naquele belo teatro. E assim, perante um animadíssimo público formada por quatrocentas pessoas,
apresentamo-nos e assim, encerramos essa micro temporada na cidade do
"Ramalhão".
A nossa
próxima atividade foi um show avulso que foi realizado no campus da Universidade São Marcos. A
recordar-se de suas raízes no circuito universitário, pode-se afirmar, mas desta feita,
ao contrário do meu primeiro período na banda, entre 1979 e 1981, a
estrutura que fora precária naquela fase, agora mostrara-se muito
diferente. Nesse show por exemplo, havia um bom P.A. montado para nós no
ginásio de esportes daquela Universidade, que ficava localizada no
bairro
do Ipiranga, zona sudeste de São Paulo. Foi bastante frenético o show,
embora tenha sido tão somente um show de choque, sem a encenação toda do espetáculo regular: "Sem
Indiretas".
Cerca de cem pessoas assistiram, mas houve um motivo para tal: foi
um dia esvaziado, ainda sem as aulas iniciadas e sendo assim, esses cem jovens ali presentes,
estiveram ali pelo show, realmente e não por outro motivo aleatório. Mas valeram por mil, pois adoraram o show
inteiro! Aconteceu no dia 11 de fevereiro de 1984.
Na mesma semana do show na Universidade São Marcos, iniciamos uma nova
mini temporada em outro teatro.
Nota
publicada no jornal, Folha de São Paulo, sobre a temporada que cumprimos na Sala Guimar Novaes, em fevereiro de
1984. Essa foto foi clicada em outubro de 1983, logo que voltei à
banda, e teve como cenário o muro do cemitério São Paulo, da Rua Cardeal Arcoverde, e não por acaso, nós
ensaiávamos no outro lado da calçada, na residência do percussionista,
Fernando Marconi. Estou marcado por uma seta, feita com caneta
esferográfica. Acervo e cortesia de Julio Revoredo Desta feita, fomos fazer uma série de shows na
Sala Guiomar Novaes, pertencente à Funarte, um equipamento federal
subordinado ao MEC. E como tratava-se de uma reivindicação antiga da
banda, mediante inscrição, quando ficamos agendados para a sala Guiomar
Novaes de São Paulo, também ganhamos o direito a tocarmos na Sala Sidney
Miller, no Rio de Janeiro, igualmente um equipamento da Funarte.
Mas as
datas
no Rio de Janeiro ficaram para o mês de abril, e no momento oportuno comentarei a
respeito. Os shows na Sala Guiomar Novaes, ocorreram entre o dias 14 e
19
de fevereiro de 1984.
Esse pequeno teatro ficava (fica) localizado no
bairro de Campos Elísios, próximo ao centro de São Paulo, e eu
recordo-me que foram shows com um tipo de público animado e linear. Tal palco não continha um
espaço cênico muito grande, e as
instalações de bastidores eram bem simples, mas foi acolhedor tocar ali.
A minha
lembrança desses shows é muito
boa, embora houvesse da parte dos funcionários do teatro, um excesso de
rigor no tocante ao horário a ser cumprido, mediante o protocolo ali vigente. Sem jogo de cintura, não toleravam um
mínimo de tempo para o artista receber visitas pós-show no camarim, uma
praxe de boa educação da parte de qualquer artista para com o seu admirador.
Houve dia até, em que a eletricidade geral foi apagada,
como sinal de represália, e isso gerou muito aborrecimento para a nossa produtora,
Cida Ayres, e também para o empresário Jerome, a forçá-los a administrar os ânimos
acirrados dos burocratas de plantão.
Por ter ocorrido em
fevereiro, o calor estava muito forte, e tivemos um pouco de problemas
nesse sentido com o camarim apertado, mas no cômputo geral, foram boas
apresentações.
O público presente em cada dia foi esse arrolado abaixo, segundo os números anotados no borderô do teatro: 14 de fevereiro de 1984: cento e vinte pessoas. 15 de fevereiro de 1984: cento e noventa pessoas. 16 de fevereiro de 1984: cento e noventa pessoas. 17 de fevereiro de 1984: duzentas e vinte
pessoas. 18 de fevereiro de 1984: duzentas e cinquenta pessoas. 19 de fevereiro de 1984: duzentas pessoas
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