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sábado, 7 de fevereiro de 2015

Língua de Trapo - Capítulo 9 - Uma Outra Banda...Uma Outra Situação Profissional - Por Luiz Domingues

As primeiras impressões que eu tive em minha volta à banda, foram de estupefação. Aquele grupo que eu havia deixado no início de 1981, sob condições difíceis, era outro, completamente diferente. Fiquei boquiaberto quando o Laert mostrou-me o portfólio da banda. Naquela época, já se configuraram quase dez pastas, abarrotadas com matérias de jornais e revistas.

Entrevistas de página inteira, em jornais de grande circulação, revistas de porte grande, jornais de diversas cidades interioranas, e capitais de outros estados.

O Lizoel Costa, guitarrista que eu conhecia desde a minha primeira passagem que tive pela banda, falou-me sobre muitos aspectos a respeito dos bastidores. Ele sempre foi o membro mais antenado na questão das oportunidades que deveríamos buscar no mundo fonográfico e foi logo a dizer-me que o Língua de Trapo estava na iminência de fechar contrato com uma grande gravadora multinacional, onde os contatos já estavam adiantados. 

O Laert preocupava-se mais com a questão mais racional, o popular, "pé no chão" e queria que eu tirasse logo as músicas novas, pois o objetivo primordial seria preparar-me para o novo show que estava a ser ensaiado para a turnê 1983-1984.  

Entrosei-me muito rapidamente com o baterista, Naminha, que é um amigo extremamente gentil. E também com o tecladista, João Lucas, que apesar de ver-me a ocupar o lugar que fora de seu irmão, o baixista, Luiz Lucas, acolheu-me muito bem, e mais do que isso, tornar-se-ia um grande amigo posteriormente, com o avançar da turnê. 
Essa foto, extraída da internet, mostra o quarteirão da Rua Cardeal Arcoverde, com as citadas pequenas oficinas de restauração de móveis antigos e muito próximo da residência de Fernando Marconi e de sua esposa na época, Lia Moussalli. 

A residência de Fernando Marconi, onde ensaiávamos em 1983, ficava localizada na Rua Cardeal Arcoverde, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, próxima àquelas pequenas oficinas de restauração de móveis antigos, típicas do bairro. Sergio Gama e Fernando Marconi também receberam-me muito bem. Os ensaios ocorreram na residência do Fernando, que estava casado com a jovem, Lia Moussalli, nessa época. Sergio Gama também estava casado, com Nancy Goulart, filha do jornalista, Goulart de Andrade, famoso pelo seu programa na Rede Globo, "Comando da Madrugada", e que esperava o primeiro filho do casal naquele instante. 

E o Pituco Freitas, estava mudado também. Estava com uma postura de artista, com grande galhardia, fator que não mantinha bem delineado antigamente, quando se mostrava bem mais tímido. Agora ele aprendera a impor-se nesse sentido, o que fez-lhe muito bem.  

Nesse período, a banda estava assistida por um escritório de empresários, mas os membros não estavam contentes. Logo que voltei ao convívio, fui informado que estavam insatisfeitos e sonhavam em voltar a trabalhar com o empresário que tinham anteriormente, um holandês chamado: Jerome Vonk. 


Na primeira foto, Jerome Vonk, o popular "Holandês Voador"

Foi um choque de profissionalismo que tomei nessa minha volta. Aprendi muita coisa, e levei esse “Know-How” para A Chave do Sol, em muitos aspectos. 

No tocante aos equipamentos, o Língua de Trapo não possuía absolutamente nada. A praxe da banda sempre foi alugar tudo, P.A. e equipamento de palco (backline). Como geralmente o contratante era quem pagava, sempre tínhamos um equipamento com bom nível no palco, e P.A. no mesmo patamar, como uma condição sine qua non prevista em cojntrato. Foram raras as ocasiões em que tivemos um equipamento ruim para atuarmos ao vivo. 
Geralmente eu usava amplificadores das marcas, Fender ou Hiwatt, e na pior das hipóteses, o Duovox, que vinha a ser uma linha de luxo da Giannini, que era incrivelmente boa. 

E convenhamos, para um show das características que fazíamos, era imprescindível ter som e iluminação com qualidade para a proposta da banda ser bem assimilada pelo público. As raras vezes em que isso deu errado, foi por quebra de contrato, o que deixou o nosso empresário, uma pilha de nervos. E em relação ao P.A., sempre se manteve a mesma dinâmica. 
Na praxe profissional, esse documento técnico chama-se: "Rider", que tem como anexo o "Input list", que sempre deve seguir anexado também pelo "Mapa de Palco" (onde desenha-se a posição da banda no palco), e o "Mapa de Luz", onde o projeto de iluminação preparado pelo iluminador da banda, é especificado. Tudo isso é uma norma profissional no mundo da música profissional, mas só nessa fase foi que eu tomei contato com tal realidade. 

A minha segunda estada com o Língua de Trapo foi um "choque de gestão", como diz-se por aí. Mas não somente pela questão técnica de palco, mas também por todo o sentido de organização interna, gerenciamento, planejamento de carreira, relação com a mídia, logística, organização de portfólio etc.

E teve mais: por ser uma banda de sátira e humor, o Língua de Trapo usava diversos recursos extra-musicais. A encenação, mesmo a tocar simultaneamente, era muito importante, e daí, eu pude desenvolver vários macetes como ator, mesmo. 
Como as minhas referências eram mais Rockers, inspirava-me na linha de atuação de artistas como: Mothers of Invention, Sha-na-na e Bonzo Dog, bandas que exageravam nessa teatralidade no palco, além do Joelho de Porco, é claro.
Eu confesso que aproveitava os contatos, mas tudo dentro de um mínimo de ética. O pessoal do Língua de Trapo sabia que eu não largaria A Chave do Sol, portanto esse foi um ponto inicial. 

E sempre que surgiu a oportunidade para arregimentar um contato, os componentes do Língua de Trapo sabiam que eu mantinha essa intenção, e mesmo ao não apreciar muito a ideia, aceitavam. Muitos contatos para "A Chave do Sol" foram alinhavados em minhas andanças com o Língua de Trapo, pelos bastidores de estações de Rádio e TV. Que eu lembre-me a grosso modo, conheci os bastidores de programas femininos vespertinos, como: "A Mulher Dá o Recado" da TV Record, "Mulheres em Desfile", da TV Gazeta, "Realce”, também na Gazeta, além de "Perdidos na Noite", que começou na Gazeta, mas fora um programa derivado da Rádio Globo, onde chamava-se: "Balancê". Aliás, sobre o Balancê da Rádio Globo há muitas histórias e no momento oportuno, eu contarei tudo. 

Na "Fábrica do Som", da TV Cultura, nós éramos bem relacionados nessa época, mas graças ao Língua de Trapo, conheci a produção do programa, "Panorama", uma revista Cultural muito festejada na época. 
Outro contato de rádio bom, foi com o programa, "Matéria Prima", da Rádio Cultura AM. O apresentador dessa atração, fora um ex-aluno do Colégio Equipe, um reduto Hippie no meio estudantil paulistano, dos anos setenta. Chamava-se: Serginho Groisman.

Conheci também muita gente de imprensa escrita. O Língua de Trapo, por ter sido uma banda fundada dentro da tradicional faculdade de jornalismo, Cásper Líbero, detinha inúmeros contatos na imprensa escrita. O próprio, Carlos Melo, era jornalista do jornal, "O Estado de São Paulo", e Guca Domenico chegou a trabalhar depois de formado, na "Folha de São Paulo". Mas não lembro-me de algum contato desses oriundos do Carlos e do Guca, ter revertido diretamente para A Chave do Sol, posteriormente. 

Falei basicamente nos contatos de rádio e TV que deram certo para "A Chave do Sol", posteriormente, mas houve vários outros que não deram em nada, o que foi normal, é claro. 
Para não prejudicar, A Chave do Sol, nesse período inicial com o Língua de Trapo, eu saía mais ou menos às dezoito horas do ensaio na casa do Fernando Marconi, e o Zé Luiz Dinola esperava-me
a fornecer-me carona, através do seu valente, “Corcel II”... 

E assim chegávamos às dezenove horas mais ou menos na residência do Rubens Gióia, e ensaiávamos até às vinte e duas. Claro, esse foi o meu primeiro “baque”, pois a carga horária com A Chave do Sol diminuíra, e os rapazes mal disfarçavam o seu descontentamento com esse novo estado de coisas. Mas o que eu poderia fazer? No entanto, aqui o assunto é Língua de Trapo...
E à medida que eu absorvia as músicas do novo show do Língua de Trapo, percebia que não seriam apenas as músicas a serem decoradas. Isso por que eu tive que adaptar-me e rápido, às diversas marcações de tempo do show. 
Nesta altura, o Língua de Trapo mantinha uma dinâmica de show sincronizada. Havia diversas trocas de figurino, intervenções com piadas gravadas em áudio, intervenções de vídeo com filmagens de audiovisual sob o padrão Super 8, intervenções de locução ao vivo, intervenções do ator, Paulo Elias... ou seja, era tudo milimetricamente sincronizado, para se delinear um tempo de teatro, ao show. No início, sem nenhum apoio para absorver técnica teatral, eu achei que não conseguiria adaptar-me com todos esses detalhes, mas pelo contrário, não apenas decorei, como em pouco tempo, estive até a improvisar. Mas não quero atropelar, contarei na hora certa tais pormenores. 

Havia dois Kits com o figurino básico do show, e adereços que mudavam no decorrer do espetáculo. O primeiro Kit, do começo do show, era ridículo. Tratava-se de um terno com calça verde, camisa amarela, gravata azul e paletó verde.
Nem preciso dizer que entrávamos vestidos como a bandeira do Brasil, não é? Sentia-me o "Brasilino" (um personagem, na verdade um boneco que representava em comerciais de TV, uma loja de móveis residenciais populares, famosa em São Paulo, nas décadas de 1950 e 1980, chamada: Fábrica de Móveis Brasil).
Quando as luzes do palco acendiam-se e o público via-nos com essa roupa ridícula, já ria antes da primeira nota ser tocada. 

Lembro-me de ter ido algumas vezes à essa costureira, com o objetivo de tirar medidas e fazer ajustes. Tive que aprender e decorar várias deixas de entrada e saída de cena. A banda entrava com esse uniforme ridículo, tocava duas músicas, e a seguir voltava ao camarim, para trocar-se novamente. Voltávamos com calça e camiseta branca, e um paletó cor de laranja. 
Depois colocávamos um chapéu ao estilo "cowboy" norte-americano, para tocar uma canção com estilo "country", e daí em diante, mudávamos pouca coisa até o final, com exceção do Laert, Pituco, e também do ator, Paulo Elias, que trocavam de figurino praticamente a cada música. 

O show fora estruturado para intercalar áudio, vídeo e a conter muitas intervenções cênicas, fora a estratégica troca de vocalistas. Enquanto o Laert trocava-se, o Pituco estava em cena e vice-versa. E quando no caso onde ambos atuavam juntos, havia deixas de áudio e vídeo, ou intervenções do ator, Paulo Elias, aliás, hilárias. 

Nesse período de outubro, tive que desdobrar-me para aprender as músicas e decorar essas marcações todas.
E houve empecilhos! Pois a banda ainda estava com muitas datas marcadas do show antigo para cumprir.

Continua...



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