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terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Língua de Trapo - Capítulo 3 - A Entrar no Circuito Universitário - Por Luiz Domingues



Nesse novo momento, através de participações nos festivais universitários de MPB, as suas respectivas produções aconteciam de forma bem mais profissional no tocante ao equipamento, ou seja, a quebrar a precariedade pela qual estávamos a nos apresentar em shows improvisados. Lembro-me de um festival desses, realizado na unidade do Sesc Bauru, na cidade homônimo, onde aconteceu o primeiro sinal de que o Língua de Trapo faria grande sucesso, em breve. Isso ocorreu ao final de maio de 1980. 

Ainda não éramos oficialmente o "Língua de Trapo", e nesses festivais apresentávamo-nos a defender as músicas do Laert Sarrumor, Guca Domenico ou do Carlos Melo, geralmente, e a usar a alcunha de: "Laert Sarrumor e seus Cúmplices", às vezes, mas não necessariamente como uma banda estabelecida, pelo menos nesses primeiros meses. Defenderíamos três músicas nesse festival de Bauru-SP: "Teologia do Sambão", "Tragédia Gramatical" e "A Vingança do Hipocondríaco". Foram músicas de autoria do Laert, Carlos e Guca. 
Material impresso, distribuído ao público no Festival de Bauru, para acompanhar as letras e com cartuns elucidativos sobre o teor delas 

Em "Teologia do Sambão", tocávamos um estilo de “Sambão Jóia”, meio na onda dos “Originais do Samba” e a letra do Carlos é muito espirituosa, a tecer uma sátira à vinda do Papa João Paulo II ao Brasil (notícia que foi muito forte em 1980), em contraponto com a ridícula ação do então governador de São Paulo, Paulo Maluf, em torno da aventura da "Paulipetro", a malograda criação de uma estatal estadual para a prospecção de petróleo em São Paulo. 

No auge da música, que foi cantada pelo Laert, o Carlos Melo aparecia fantasiado como Paulo Maluf, com um óculos fundo de garrafa e a música foi interrompida. Ele fez um discurso ridículo, a imitar com perfeição o governador biônico de São Paulo e o público ovacionou a música.       

                       Carlos Melo (Castelo), em foto bem mais atual 

Foi um sucesso a performance. E na outra música,"Tragédia Gramatical", um outro fenômeno aconteceu. Essa música tratou-se de um bolero, porém arranjado com estranhas quebradas rítmicas, a denotar a influência do trabalho de Arrigo Barnabé, que se tratava da última moda em 1980. A letra faz um jogo de palavras em cima dessa quebradeira. Tratou-se de uma piada sutil, mas algo extraordinário ocorreu, por conta de um improviso do Pituco Freitas, o nosso vocalista. 
Foto rara do Festival de MPB de Bauru-SP em 1980. Da esquerda para a direita: Laert Sarrumor, Carlos Melo e Guca Domenico a tocar instrumentos de percussão, durante a música, "Tragédia Gramatical".

Ele ficou muito nervoso, pois houve ali pelo menos cinco mil pessoas presentes no evento e naquele clima de festival, com vaias misturadas a aplausos, torcidas organizadas de uma ou outra música etc. E sendo assim, ele esteve muito tenso, pois nós estávamos acostumados a tocar para plateias com duzentas pessoas, no máximo, até então. Como a música começava sem a sua presença no palco, ele teve alguns segundos para concentrar-se na coxia. Nos ensaios, não havíamos combinado nenhuma performance extraordinária. 
O compositor avantgarde, Arrigo Barnabé, que estava em alta voga naquele momento entre o final da década de setenta e começo de década de oitenta 

Mas por conta do nervosismo, quando ele entrou em cena, a aproveitar aquele ritmo todo fracionado a la Arrigo Barnabé, eis que imprimiu uma exótica coreografia improvisada, cheia de lascividade. Então imagine um mestiço de japonês e italiano, alto e forte, trajado de uma forma tradicional, mas a entrar em cena com uma dança completamente inusitada! 

Eu nunca houvera visto uma reação espontânea em uníssono do público em nossas apresentações anteriores, a se parecer com a explosão de torcidas nos estádios, a comemorar o gol de seu time, tamanha a profusão que observamos. 
Pituco Freitas em ação no Festival de Bauru. Eu apareço ao fundo, em uma rara foto a tocar com o meu baixo, Giannini, modelo RK. O baterista, Fernando Marconi, está encoberto, e essa garota não era da nossa banda, mas tratava-se de uma concorrente do Festival, que animou-se e foi participar voluntariamente, quando tocamos novamente para celebrar o prêmio pela "aclamação popular", que recebemos do júri.
 
Ele entrou no palco e daquele jeito, a reação da parte de cinco mil pessoas em uníssono ocorreu, sob uma ovação incrível. A música classificou-se para a final e nos bastidores ouvíamos rumores que a nossa música houvera recebido o apelido de: "melô do japonês gay"... não tinha nada a ver, é claro, e dessa forma, comentários assim mais pareciam despeitados, visto que a maioria dos nossos concorrentes tinham performances discretíssimas, sem nenhuma distinção especial. 
Laert Sarrumor, Carlos Melo, e Guca Domenico, a caprichar nos Backing vocals de: "Tragédia Gramatical".
 
Na final do festival, nem ela, "Tragédia Gramatical", nem "Teologia do Sambão", ganharam prêmios, mas o júri decidiu dar-nos uma menção honrosa como melhor performance e aclamação popular. Já a música do Carlos Melo, "A Vingança do Hipocondríaco", apesar de ser muito engraçada (era um samba de breque, a la Moreira da Silva), pois arrolava nomes enormes de remédios impronunciáveis, não classificou-se para a etapa final.

Continua...

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