O próximo convite para um trabalho avulso que surgiu, foi logo após o formulado pelo Viúva
Negra, narrado no capítulo anterior. Desta feita, tratou-se de um quarteto influenciado pelo Hard-Rock oitentista, e a se mostrar muito estranho por vários aspectos. Nem lembro-me o nome da
banda, infelizmente (ou felizmente!).
O que posso dizer sobre essa
rapaziada, é que se tratava de um grupo formado por três músicos muito jovens e bem fracos,
tecnicamente. A sua escola musical era o Hard-Rock/Heavy-Metal oitentista,
naturalmente, e a mentalidade operacional dos rapazes também era bem
inadequada, com sonhos fora da realidade a ditar planos estapafúrdios, metas traçadas em torno de
estratégias muito mal elaboradas etc.
Mas para não dizer que tive má
vontade com os rapazes, eu prontifiquei-me a ensaiar por duas ou três vezes, com eles. Em dada ocasião,
culminei também em acompanhá-los a um escritório de um empresário, onde
supostamente estariam a fechar um acordo de trabalho.
Essa visita foi a
gota d´água em minha dose de paciência para com eles, pois o escritório mostrava-se como uma espelunca localizada no centro velho de São Paulo, onde
foi nítido tratar-se de um empresário que atuava costumeiramente com artistas popularescos e
desconhecidos. Em suma, a realidade ali apresentada girara em torno do abismo obscuro do underground do mundo popular, e ante o disparate estrutural esses meninos queriam fazer "turnês" organizadas por esse sujeito?
Aquilo
bastou-me, pedi licença e deixei o "projeto". Contudo, duas situações
desagradáveis ocorreram, posteriormente.
Algum tempo depois de eu ter
anunciado a minha desistência, fui visitado repentinamente pelo
guitarrista e pelo vocalista da banda. Recebi-os com educação, mas
mantive-me irredutível em minha decisão final. Contudo, eles insistiram muito na determinação de que eu não
deveria "perder" a oportunidade de participar de uma turnê que fariam pelo Rio
Grande do Sul, em breve e produzida pelo empresário que eu conhecera.
Gato
escaldado que eu já era na ocasião, sabia de antemão que a "tentadora" oferta não passava de um embuste e
mantive-me firme. Foi aí que o vocalista, ao ver-me inflexível em minha
decisão, começou a mudar o tom da conversa, ao obrigar-me a tomar a atitude deselegante em pedir-lhes
"por favor" para encerrar a visita, e desejar-lhes boa sorte na
sua turnê.
Nessa época, eu havia recém mudado-me para um apartamento muito
próximo ao Parque da Aclimação, no bairro de mesmo nome, e por ser um
edifício de pequeno porte, a distância da minha janela para a rua, era
relativamente pequena.
Algum tempo decorrido após a saída
deles, eu senti
o ruído de uma possível pedra a chocar-se com a minha janela. Fui verificar o que fora aquilo, quando
constatei que o
vocalista da tal banda, a havia arremessado propositalmente para chamar-me a atenção, e
depois que viu-me, passou a gesticular, xingar-me e jogar-me pragas
que
devem ter sido extraídas de algum manual prático de "Voodoo!"
Foi tão
patético, que eu nem cheguei a perturbar-me, apenas ri da situação, e fechei
a janela ao vê-lo gesticular e praguejar.
E uma segunda ocorrência surpreendeu-me em relação a
esses garotos. Cerca de dois meses após o ocorrido em minha residência, eu recebi
um telefonema a cobrar, oriundo de uma cidade interiorana do Rio Grande do Sul.
O telefonema veio da parte do
guitarrista dessa banda, que sob uma atitude desesperada, queria que eu fosse
imediatamente socorrer a sua banda lá no Rio Grande do Sul, pois o baixista
que acompanhara-os, os havia abandonado sumariamente.
Descontrolado, esse rapaz queria que eu
fosse ao encontro da banda para ajudá-los a terminar a turnê e dizia-me, que eles pagariam todas as minhas despesas do
bolso deles mesmos, visto que a turnê estava por ser um desastre, e que o
baixista os abandonara, justamente pelas péssimas condições que
enfrentavam. Admirei a franqueza do rapaz em admitir que estava caracterizado como um
desastre aquilo, mas o que eu poderia fazer?
Ir até ao Rio Grande do
Sul mediante o uso de um ônibus de linha, a carregar baixo, amplificador e bagagem, com a
"garantia" verbal dele em ter as minhas despesas operacionais ressarcidas, tocar em condições inóspitas, e
pior, em uma banda com a qual eu não tinha nenhuma identificação musical e artística (tirante a fragilidade técnica deles, infelizmente)?
Senti comiseração pela situação dos meninos, mas realmente, seria um total absurdo. Recusei, certamente. Após desligar o telefone, senti compaixão pelos
rapazes, mas foi o tal negócio: só tem um jeito de adquirir experiência
na vida, e é entrar na sua senda e enfrentar os seus desafios.Tomara que esses garotos tenham aprendido tal lição em meio a essa aventura desastrosa.
E
como um dado curioso, só realço que durante os ensaios que fiz com eles, no
estúdio da redação da Revista Dynamite, toda a equipe da mesma,
organizou um bolsão de apostas. A pergunta foi: quanto tempo eu aguentaria
em ensaiar com aqueles garotos? Isso me foi revelado algum tempo
depois, por pessoas da produção da Dynamite, mas evidentemente em tom de
brincadeira.
Nunca mais eu tive notícias desses rapazes. Que eu saiba, ao
menos no métier do Rock pesado paulistano, nenhum deles fez nada significativo.
Eram dois irmãos, baterista e guitarrista e o vocalista, destemperado e
praguejador.
Continua...
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