Conforme eu já narrei anteriormente, no meio de 1990, recebi várias
propostas de trabalho, e algumas, simultaneamente.
Eu estava envolvido
com a banda Hard-Rock do guitarrista, Flávio Gutok ("Lynx"), e a "Pinha's Band", quando surgiu
mais um convite interessante. Não foi exatamente para integrar uma
banda, mas sim para gravar o disco de um guitarrista que não era
profissional, mas tocava bem, e oferecia uma infraestrutura interessante para fomentar o seu projeto. O nome dele
era: Luiz Fernando, sendo uma persona bem conhecida no meio por ser proprietário na ocasião de uma das melhores lojas de
discos, na órbita da Galeria do Rock, de São Paulo.
Como quase todo dono de
loja especializada, pelo menos naquela época, Luiz Fernando ostentava um conhecimento enciclopédico
sobre a história do Rock. Apesar de ser muito bem-sucedido com a sua loja, ele acalentava um
sonho pessoal de gravar um disco, mesmo assumidamente a se colocar como um diletante, sem
jamais cogitar mergulhar no mundo artístico a sério.
Ele estava
associado ao baterista, Paulo Thomaz, ex-Centúrias, e este, naquela época
a tocar na banda, "Firebox".
Os ensaios ocorriam no estúdio do Paulo,
localizado em sua residência, no bairro de Moema, na zona sul de São Paulo. O
plano seria ensaiar cerca de quinze músicas e quando estivessem prontas,
colocar-nos em um estúdio, e após o lançamento físico do LP ou mesmo já em formato de CD, realizar um eventual show, com
possibilidade para outros, porém, a contratar-nos como músicos de apoio, ou a usar o termo em inglês que é usado no meio, "side-man".
O
nome de tal investida de sua parte, foi: "Projeto Rock'n' Roll". O trabalho consistia em
diversos Rocks com harmonia "quadrada", mediante a estrutura básica cinquentista, alguns blues
& baladas, além de algumas canções mais pesadas, sob cunho Hard-Rock,
ao estilo setentista.
Eram boas as composições e ele tocava bem, a harmonizar e
fazer bons solos. Lembro-me que ele possuía algumas guitarras e a que mais se destacava, era uma Gibson Les Paul, de cor branca, que eu nunca tinha visto
ninguém usar pessoalmente e só lembrava-me por ver através de fotos e vídeos, nas mãos do Mick Ronson, guitarrista
do David Bowie, no auge da sua fase glitter.
O grande, Mick Ronson e a sua clássica Gibson Les Paul, branca
Aliás o próprio Luiz Fernando,
foi logo a dizer-me quando viu-me com os olhos arregalados ao mirar aquela
guitarra linda: -"igual a do Ronson... comprei em Nova York"...
Em
princípio, o plano seria gravar em formação de Power-Trio, mas ao longo dos ensaios, o Luiz tratou de mencionar a possibilidade de se agregar outros convidados etc. e tal.
Nessa fase, eu havia ingressado em uma
agenda frenética, ao pular de um ensaio a outro e devo reconhecer que o Luiz
foi muito gentil, muitas vezes ao ceder-me caronas, visto que eu só
compraria o meu primeiro carro particular em 1991, e assim, a utilizar condução pública, foi uma tarefa dura poder cumprir
horários com as três bandas.
Bem, foi uma fase bastante desgastante, mas eu estava consciente disso,
por que aceitei esse acúmulo, justamente por não estar comprometido
oficialmente com ninguém. Eticamente a analisar, todos sabiam da existência
uns dos outros, e que eu estava a colocar-me à disposição dos três trabalhos. Fora
essa questão, haviam as aulas que eu ministrava, a minha principal fonte de renda à época.
Portanto, foi uma etapa onde eu consegui manter-me esbelto, pois a correria
foi grande, a carregar instrumento para lá e para cá...
Quanto aos locais de tantos ensaios:
1) Os ensaios da banda de Flávio Gutok e Joari Coimbra (Lynx), costumavam ocorrer no bairro da
Vila Pompeia, próximo à Praça Tupã, no estúdio de um guitarrista
uruguaio chamado, Jorge ( "Rór-re", na pronúncia dele mesmo).
2) Os da Pinha's
Band, aconteciam no estúdio Coda, na Av. Brigadeiro Luiz Antonio, no
bairro Jardim Paulista, próximo ao Parque do Ibirapuera. O estúdio era
de propriedade do baterista, Paolo Girardello.
3) E os ensaios do Projeto Rock'n' Roll,
do guitarrista/lojista, Luiz Fernando, ocorriam no estúdio particular do
baterista, Paulo Thomaz, em sua enorme residência no bairro de Moema, zona sul
de São Paulo, e que hoje em dia foi bastante melhorado.
De fato, foi uma fase sob intensa atividade, mas eu consegui ensaiar com
os três e tocar minha rotina de aulas.
Não durou muito tempo
essa jornada tríplice de ensaios, no entanto, pois eu deixaria o projeto do
guitarrista, Flavio Gutok (Lynx), e assim, a ficar só com a Pinha's Band, e o Projeto
Rock'n' Roll, do guitarrista, Luiz Fernando.
E a falar sobre o Projeto Rock'n'
Roll, eu admirava muito a força de vontade dele, Luiz Fernando. A sua
história de vida mereceria um livro e é um exemplo de obstinação, luta e
trabalho incessante. Ao vencer uma infância e adolescência vivida com muitas
dificuldades, ele conseguiu estruturar-se, estudou, abriu a sua loja de discos
e prosperou muito.
Seu amor ao Rock era (é) notável, e a cada degrau galgado
representou para ele um sonho conquistado. Cada etapa, sempre a ter intrínseca conexão com o
Rock, diretamente.
Eu retrocedo um pouco no tempo, para mencionar que já o conhecia um
tempo antes de surgir o convite para o projeto. A sua loja inicialmente
era localizada em uma outra galeria próxima à Galeria do Rock, sendo vizinha do "Cavern
Club", um fã clube dos Beatles, na Rua Nova Barão, localizada no centro
velho de São Paulo.
Houve época em que essa rua utilizada só para pedestres, a "Nova Barão", próxima à Praça da República, em São Paulo, era forrada por lojas de discos especializados em Rock (e não confunda com a "Galeria do Rock", que aliás é muito maior e fica bem perto, também), e ali eu conheci a loja do Luiz Fernando, ao final dos anos oitenta
Na sua loja eu comprara muitos CD's e encomendara diversas
gravações de shows de Rock, em Fita VHS, visto que ele mantinha um acervo
gigantesco ao dispor dos clientes, mediante shows, documentários, filmes e promos de uma infinidade
de bandas e artistas do Rock internacional.
Uma vez, inclusive, ao chegar à loja, fui
apresentado por ele aos guitarristas do Barão Vermelho na época, Roberto Frejat e Fernando Magalhães, que estavam ali a buscar uma encomenda.
Ambos já eram
clientes antigos e estavam ali a apanhar discos piratas dos Rolling
Stones. Quando eu vi a quantidade que lhes foi entregue, fiquei boquiaberto. Tratou-se de uma pilha
enorme! O Luiz até brincou ao dizer: -"você acha que eles gostam dos
Stones?" Todos caímos na risada e claro, eu me incluo nesse rol de fãs dos Rolling Stones...
Apesar do Luiz Fernando ser um gentleman e ajudar-me incondicionalmente com
caronas (muitas vezes por buscar-me no outro ensaio, que não tinha nada a
ver com o trabalho dele, e levar-me até a minha residência, ao término dos
nossos ensaios), um fator, que fora de ordem estritamente ligado ao trabalho, incomodava-me, e passou a ser um aspecto decisivo
para eu sair do projeto, algum tempo depois: os arranjos das músicas
mudavam radicalmente, e se há uma coisa que eu detesto, é
volubilidade.
Como o trabalho era dele, e não fruto de um esforço em
grupo, eu mantinha uma óbvia tolerância mais elástica à essa
característica, que julgo difícil de se lidar.
Contudo, quando esse processo
passou a ser uma constante, o trabalho certamente ficou muito
prejudicado, pois trabalhávamos com um arranjo e quando a música começava a
ficar firme, e portanto próxima da condição de ser gravada em estúdio,
ele propunha no ensaio subsequente, mudanças radicais, praticamente
a jogar todo o trabalho fora, com a intenção de se começar tudo da
estaca zero.
Imagine então essa predisposição multiplicada por quinze, talvez vinte músicas, não lembro-me ao certo, e daí é possível se imaginar o processo de irritabilidade que
tal medida gerava para os músicos que estavam ali envolvidos.
E não havia como estressar-se com ele, pois em primeiro lugar, ele era o dono do trabalho, e
portanto tinha o direito de dar a palavra final sobre os arranjos das suas composições e
em segundo lugar, ele era tão educado e gentil, que não havia como irritar-se com a sua pessoa.
No entanto, claro, esse processo tratou de arruinar a minha participação no trabalho, e
depois que eu saí e soube que o disco só ficou pronto em 1994, ou seja,
quatro anos depois, pude entender o por que dessa demora.
Porém,
antes que eu comunicasse a minha saída oficial do trabalho, ainda ocorreu
um episódio que gerou uma história, que hoje em dia acho engraçada, mas na época,
aborreceu-me pela infame e gratuita ação da soberba alheia.
Não foi culpa do Luiz Fernando, de forma
alguma, mas eis que fui vítima de uma espécie de "bullying" musical,
dentro de um estúdio de gravação...
Quando chegou o final do ano de 1990, o Luiz Fernando quis gravar uma demo-tape
para ver como estavam as músicas, já em ritmo de pré-produção. Nesse
caso, seria uma demo ao vivo, sem maiores requintes, com a banda a gravar ao vivo, e sem grandes elucubrações sobre a timbragem de cada
instrumento.
O estúdio escolhido foi o "Quorum", pertencente aos irmãos
Molina (Jacques e Jeff), em sociedade com o baixista, Ney Haddad, futuros membros do
"Neanderthal", banda com a qual eu conviveria bastante, por que estaríamos
juntos na coletânea, "A Vez do Brasil", que o Pitbulls on Crack também
participaria (do final de 1993, em diante). Essa história inclusive, está devidamente contada no
capítulo daquela banda, Pitbulls on Crack).
A sala da técnica do estúdio Quorum, localizado no bairro das Perdizes, zona oeste de São Paulo em algum momento dos anos noventa
Essa sessão de gravação ocorreu bem ao final de
1990, e o que aconteceu foi o seguinte: o Luiz queria gravar o máximo de
músicas, e como a constante mudança de arranjos não permitia que o
trabalho avançasse mais velozmente, ele recorreu à presença do baixista que
fazia parte do trabalho, antes de minha entrada no projeto, para gravar músicas que eu nem
conhecia. Sendo assim, no meu caso, não houve problema algum em dividir a
gravação com outro músico, e pelo contrário, aliviaria o trabalho,
ao torná-lo mais eficaz.
O problema, foi que esse músico chegou ao
estúdio com uma postura agressiva, muito deselegante e deliberadamente
a hostilizar-me, de uma forma absolutamente gratuita!
Vou omitir o nome dele, para
evitar exposição e constrangimento, e nomeá-lo apenas pela inicial de
seu apelido, a letra: "G". O tal "G" não era um músico profissional. Não lembro-me ao certo a sua profissão, mas sei que não vivia de
música.
Logo de imediato, notei que esse rapaz desdenhou de minha pessoa, por ironizar-me quando
fomos apresentados. Ao olhar-me com ar de superioridade, falou algo do
tipo: -"então você é o "famoso Tigueis" (claro ao referir-se ao apelido
pelo qual chamavam-me à época). Depois dessa introdução desagradável, ele passou a alfinetar-me,
a dizer que o seu baixo era "moderno" e muito superior ao meu velho, Fender
Jazz Bass.
Percebi que não era brincadeira de sua parte, pois ele não parava de debochar
do meu instrumento, que julgava "ultrapassado".
Achei aquilo tão ridículo, que não tive forças para contra-argumentar. Ele com aquele
instrumento de brinquedo, captação ativa, e aquele timbre de plástico,
a falar mal de meu Fender Jazz Bass, ano 1974, foi no mínimo, bizarro. Se entendesse minimamente de música,
saberia o significado técnico do que representa um instrumento vintage, e com tal atitude, só
denunciara a sua ignorância.
Se acreditava em suas afirmações estapafúrdias, foi realmente um idiota. Se
forçara aquela situação para desestabilizar-me, foi também um idiota,
enfim.
Depois dessa demonstração de altivez desnecessária, ele continuou a noite inteira a molestar-me verbalmente, ao enaltecer a
sua performance nas músicas em que gravou, e na contrapartida, apontar erros nas canções em que
eu toquei.
Tirante a soberba com a qual colocava-se, ao dizer que só não tocava
profissionalmente, por que era tão bem sucedido na sua profissão, que
tocava de forma diletante, a despeito de "caras" que só faziam isso na vida, e
eram muito piores do que ele, como músicos.
Enfim, depois desse episódio, quando encontrei-me com o meu amigo, Paulão Thomaz, este disse-me
que esse tal "G" sempre fora arrogante, e deselegante nos ensaios e para corroborar tal impressão, um outro amigo meu que o conhecia igualmente, quando eu contei-lhe essa história, disse-me enfim que eu deveria
tê-lo mandado "àquele lugar", pois o "G" era mesmo um tremendo
"babaca". Conclusão: foi mesmo um bullying gratuito, fora de propósito que eu sofri naquele estúdio.
Passada essa gravação, que ocorreu nos últimos dias de
1990 (28 de dezembro), eu comuniquei a minha desistência de participar mais do projeto, para o Luiz Fernando.
De
fato, eu não estava a enxergar evolução para o trabalho, portanto, estava cansado de esforçar-me para ir aos ensaios, e o trabalho dar um passo adiante, e três
para trás, a cada mudança de arranjo proposta.
Tudo foi feito com
bastante educação, é claro, e continuei sendo cliente da loja dele, onde
encomendei muitos CD's e fitas VHS com shows, depois disso.
Muitos anos
depois, ele enviou-me uma cópia do disco pronto. Fiquei contente por
saber que finalmente o havia lançado, e admirei-o pela persistência, e
vitória pessoal, claro.
Depois disso, muitos anos depois ele filmou um show da
Patrulha do Espaço, em 2003, no Centro Cultural São Paulo, e creio ter
sido a última vez em que conversamos.
O meu próximo trabalho avulso, foi uma experiência gratificante, embora eu não tivesse conhecimento técnico de estúdio o suficiente para propor-me a ser "produtor" de um outro artista, todavia, creio que pude ajudar um pouco na gravação de uma fita demo, produzida por uma banda de um ex-aluno meu, cujo trabalho era muito bonito e pasmem, centrado no Rock Progressivo setentista, em pleno momento hostil para tal estética, entre os anos 1980 e 1990.
Continua...
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