Pesquisar este blog

domingo, 1 de março de 2015

Trabalhos Avulsos - Capítulo 6 - Jungô: Muito Trabalho para Nada - Por Luiz Domingues

Deveria ter sido uma banda e contar assim com o seu capítulo próprio, entretanto, a minha permanência na banda, "Jungô", foi tão curta e terminou de uma forma tão insólita, que relaciono-a apenas como um trabalho avulso. 

Preciso, contudo, emitir uma explicação sobre a história pregressa dessa banda, para o leitor entender bem, como eu fui parar ali.

O meu amigo, Cido Trindade, que eu conhecera em 1977, e era um pouco mais velho, detinha uma bagagem musical mais avançada quando nos conhecemos. 

Eu dava apenas os meus primeiros passos na música, e era ainda um mero aspirante a músico, enquanto ele já detinha uma desenvoltura maior. Dessa forma, enquanto eu engatinhava com o Boca do Céu, a minha primeira banda iniciante, ele já havia encerrado atividades com sua banda de garagem inicial, e embrenhava-se em voos maiores. 

No início de 1978, Cido conheceu uma trupe de teatro (Grupo Vereda), e foi apresentar-se com uma peça teatral, como músico, e com pequenas inserções cênicas, como ator, incluso. Daí, evoluiu para acompanhar a carreira musical do diretor desse grupo, chamado Tato Fischer, e ao final de 1979, ele mesmo, Cido, convidou-me a integrar a banda de apoio desse artista, conforme eu já relatei com detalhes, neste mesmo capítulo dos "trabalhos avulsos".

                          Tato Fischer, em foto bem mais atual

Ocorre que nesse ínterim, em 1979, o Cido conheceu outros músicos, e formou-se aí a banda de apoio do ex-vocalista dos Novos Baianos, Paulinho Boca de Cantor, que iniciara a sua carreira solo. Após alguns shows, o Paulinho resolveu voltar para a Bahia, e a banda então passou a acompanhar uma cantora de MPB emergente, chamada: Eliete Negreiros.
Eu cheguei a assistir um ou dois ensaios nessa fase, e a banda passou a chamar-se: "Jungô". O baixista, cujo nome vou omitir, tinha um belo baixo, Fender Precision, branco (se não engano-me, foi um com a cor, "Olympic White", de escudo tartaruga, e braço Rosewood), que tocava bem, era um bom rapaz, mas tinha um problema muito comum nos anos setenta entre músicos em geral: era usuário do xarope, "Pambenyl", um medicamento contra a tosse, e que era consumido como droga, e viciava rapidamente, ao deixar o usuário, literalmente, "xarope"...
E o detalhe, foi que nessa época o xarope não era ilícito. Era um produto autorizado, e vendido nas farmácias, livremente. Demorou para as autoridades perceberem que ele era usado de forma recreativa por muitos jovens, pois dava o dito: "barato"...

Assim, o rapaz pôs-se a piorar, pois estava envolvido com tal dinâmica desde 1974 ou 1975, não sei ao certo, e em 1979, esboçara apresentar uma situação catatônica, com o sistema nervoso entorpecido, naturalmente encharcado pela ação contínua do xarope. 

Quando iniciou-se a segunda metade de 1980, ele ficou realmente mal, e foi internado. Foi então que o Cido Trindade convidou-me a entrar na banda, que agora não acompanharia mais a cantora, Eliete Negreiros, e detinha outros planos, para seguir em frente a visar realizar um trabalho próprio, e totalmente instrumental. 

Foi, dessa forma, o meu segundo contato (no início das atividades do Língua de Trapo eu passava por isso na mesma época, praticamente), com músicos não orientados pelo Rock, como base de influência, e foi difícil lidar com seus preconceitos tolos.

Eram ótimos músicos, sem dúvida alguma, e eram dotados de um nível musical muito maior que o meu, aliás, eu reconheço. Além disso, sua orientação e formação era muito diferente da minha, embora eu gostasse de muitas influências que eles gostavam também. A escola musical dos seus componentes era bem em cima do Jazz, sob diversas vertentes, sobretudo a subdivisão do Fusion, e também música brasileira instrumental, com raiz na Bossa Nova, via Samba-Jazz, e com a presença do folclore nordestino, principalmente.

Dentro dessa perspectiva, as suas composições eram versadas pelos temas intrincados, a conter múltiplas convenções, pontes, mudanças de ritmo e fórmulas de compasso, polimelodias, contraponto e divisões rítmicas muito variadas. Creio que foi, a grosso modo, o período em que mais toquei músicas em fórmulas de compasso alternativas, quase ao não usar o clássico 4/4.

Os rapazes apreciavam tocar sob fórmulas de compasso a usar 5/4, 6/8, 7/4 e houve até uma música dividida em 11/8, que me causava uma certa confusão mental para não errar um ritmo tão fora usual.

Mas, maravilha! Eu estava por apreciar tocar aquele material com essa sofisticação harmônica e rítmica, pois cresci demais como músico, ao tocar sob um nível mais alto do que estava acostumado. 

Sobre o pessoal da banda, se tratava de uma turma boa a grosso modo, mas havia um pouco de altivez, fator típico de quem embrenha-se nesse campo de música mais sofisticada, e passa a sentir-se "superior" a outros músicos que trabalham com formas mais simples de estrutura musical. 

E se existe um tipo de tratamento que eu não suporto, é a arrogância. Eles nunca desrespeitaram-me frontalmente, mas eu percebia nas entrelinhas que estavam comigo por falta de uma opção melhor, pois eu era "Rocker" demais na sua concepção...

 

E assim, passei um mês a dirigir-me diariamente ao bairro do Brooklin, na zona sul de São Paulo. Foi em julho de 1980. 

Os ensaios aconteciam na residência do guitarrista, Renato Consorte Filho, que morava nesse bairro paulistano. A banda era formada por: Cido Trindade na bateria, Julio de Almeida no violão, sax tenor e flauta, Renato Consorte na guitarra, violão e voz, "Guelo" na percussão, e eu, Luiz Domingues, no baixo. Houve um tecladista, mas o rapaz debandou um pouco antes de eu entrar. O Renato era filho do ator, Renato Consorte. Eu o vi (Renato Consorte, pai), inúmeras vezes, inclusive ao vir atender-me, quando eu chegava e tocava a campainha da residência.

Eu nunca disse-lhe, mas admirava-o como ator, pelos filmes que fizera, e eu como cinéfilo, conhecia-o desde criança, certamente.

Como particularidades, não tenho muito a acrescentar, pois o convívio foi pequeno. O Renato Filho era bem hospitaleiro e recebia-nos muito bem. Não tinha a mesma postura altiva dos demais, ainda bem. Não se tratava de um estúdio, mas um salão de festas que existia no fundo da casa, com uma bela piscina que ofereceu-nos como opção de recreação, diversas vezes, mas como era inverno, ninguém cogitou usá-la, naquele instante.  

Lembro-me das pausas para o café, sempre prazerosas, ocorridas em um bar próximo da casa dele, com decoração dos anos quarenta, e o dono devia ser da época de sua fundação, pois era bem idoso. Como não era estúdio, não havia nenhuma prevenção contra o vazamento de som, e mesmo assim, que eu saiba, nunca houve reclamações da vizinhança.

Quando o som estava a começar a ficar bem executado, e o saxofonista, Julio de Almeida estava a negociar uma data a ser realizada em uma casa noturna para a suposta primeira apresentação desse combo, tivemos um baque: o baterista, Cido Trindade, deixou subitamente a banda. 

Infelizmente, ele tinha um temperamento volúvel, e assim costumava tomar resoluções pessoais e repentinas. Não fazia por mal, de forma alguma, mas apenas pensava em seus interesses mais prementes e agia com a devida firmeza que julgava necessária, mas claro, isso gerava repercussão na vida dos demais envolvidos. E foi assim... um dia encerramos o ensaio, e voltamos juntos a conversar nos ônibus que tivemos que usar, visto que morávamos quase vizinhos no mesmo bairro (Tatuapé, na zona leste de São Paulo). Ele não mencionou nada sobre estar insatisfeito, ou ter outros planos imediatos etc. No dia seguinte, quando chegamos ao ensaio do Jungô, no entanto...

Assim que chegamos ao ensaio, no dia seguinte, e ao não demonstrar nada durante o percurso que fizemos juntos até o local, Cido pediu a palavra, e surpreendeu a todos, ao comunicar-nos que estava a sair da banda. 

A sua alegação foi a de que pensara em sua casa na última noite, e chegara a conclusão de que precisava parar de tocar por um período, e dedicar-se o dia inteiro ao estudo de seu instrumento, a visar melhorar seu nível técnico e assim sentir-se-ia mais realizado. 

Tudo bem em ter esse pensamento, e decisão pessoal de vida, mas e nós, como ficaríamos? Jogamos fora um mês de trabalho, na verdade, pois um mês foi o meu período na banda, por que eles já vinham juntos desde 1979, a acompanhar, Paulinho Boca de Cantor, e Eliete Negreiros, fora o tempo que compuseram aquelas músicas instrumentais, todas.

Fiquei muito desapontado com tal resolução repentina da parte do amigo, mas nem senti muito pela banda, pois aquele som, apesar de sofisticado, não representava a minha predileção na música, e os membros, veladamente, achavam-me fraco, tecnicamente e deslocado ali. A banda desmantelou-se com essa notícia, pois ninguém mais desejou continuar, tendo que arrumar um novo baterista, e ensaiar tudo de novo, após um mês a preparar um novo baixista, no caso, eu mesmo. E assim terminou a história do "Jungô", melancolicamente, sob uma tarde de agosto de 1980.
Eu tocaria algumas vezes com o ótimo guitarrista, Renato Consorte Filho, em 1982, visto que em um outro trabalho avulso que eu fiz, novamente coincidiu dele aparecer na minha trajetória e vice-versa. Mais para frente, eu mencionarei esse trabalho, que consistiu em acompanharmos uma cantora & compositora de MPB. 

No entanto, depois do Jungô, uma outra tentativa para formar uma banda sob orientação instrumental também não deu certo, mas desta vez o som agradara-me mais, a se revelar uma espécie de Jazz Rock funkeado a la Jeff Beck e através desse trabalho comecei a conhecer melhor o meu amigo, José Luiz Dinola. Essa é a próxima história a ser contada nos "Trabalhos Avulsos", a seguir.
Continua...

Nenhum comentário:

Postar um comentário