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domingo, 1 de março de 2015

Trabalhos Avulsos - Capítulo 1 - Tato Fischer: o Meu Primeiro Trabalho Fora de uma Banda Autoral - Por Luiz Domingues


Começo uma nova etapa da minha autobiografia, ao publicar as histórias com os trabalhos avulsos que eu realizei na música, ao atuar como “side man”, gravar em discos de outros artistas ou participar de projetos de bandas que não deram certo, em suma, eu realizei diversos trabalhos paralelos às bandas pelas quais atuei sob uma maneira oficial e mais contundente. 

Como já ficou claro no início da narrativa de minha autobiografia na música, o meu início de fato na música, com instrumento e mesmo ao não saber tocar nada, foi em 1976, na formação da minha primeira banda, que teve vários nomes anteriores e a definir-se como: "Boca do Céu", em março de 1977. Segui firme com essa banda, a aprender a tocar com muita dificuldade inicial e só aproximadamente na metade de 1979, quando a banda estava a diluir-se, eu aceitei fazer o meu primeiro trabalho paralelo. 
Para explicar, eu preciso recuar um pouco no tempo. Logo que mudei-me para o Tatuapé, bairro da zona leste de São Paulo, no início de 1977, eis que eu fiquei amigo de uma série de amigos de meus primos que já moravam nesse bairro há bastante tempo.
 
Eram freaks, bem naquela predisposição dos anos setenta em sua maioria e muitos deles músicos, e por serem mais velhos, tocavam em um nível técnico melhor que o meu ou o da minha banda, na ocasião. Fiz amizade com vários e logo eles se tornaram companhia em shows de Rock e a realizar intercâmbio de discos e livros de uma maneira frenética.
 
Entre eles, tornei-me muito amigo de um rapaz chamado: Alcides Trindade, vulgo, "Cidão", que era baterista e detinha uma bela coleção de vinis. Ele tocava em um nível mais alto, pois eu engatinhava ainda na música nessa ocasião e ele já tinha uma trajetória mais antiga. A sua banda desmanchou-se ainda em 1977 (cujo baixista foi Eduardo Viscome, um amigo que tenho até os dias atuais), mas logo no início de 1978, o Cidão conheceu uma garota que era atriz e ele culminou por entrar no grupo teatral em que essa moça atuava, a participar como músico e com pequenas intervenções como ator, mas de uma forma improvisada, visto que ele não tinha essa técnica paralela, formalmente a falar.
 
Por volta de maio de 1978, eu fui assistir a montagem de uma peça teatral chamada: "Mais Quero um Asno que me Carregue, do que Cavalo que me Derrube". Na verdade, o nome certo dessa peça é "Auto de Inês Pereira" e foi escrita pelo dramaturgo português, Gil Vicente, no século XVI. O grupo teatral chamava-se: "Vereda", e era liderado pelo diretor/ator/pianista e cantor, Tato Fischer.
A fachada do Teatro João Caetano, localizado no bairro da Vila Mariana, zona sul de São Paulo
 
Assisti tal montagem desse espetáculo no teatro João Caetano e fiquei impressionado com a desenvoltura do Cidão Trindade, a tocar e atuar. Visto hoje em dia com a experiência que eu acumulei, não foi nada demais, mas naquela época, quando eu não tinha noção real das proporções no mundo artístico em geral, achei extraordinário.  
 
Como o Cidão (aliás, orientado pelo Tato, ele trocou o apelido aumentativo e prosaico pelo nome artístico: "Cido Trindade", doravante), enturmou-se bem com o grupo teatral Vereda, assim prosseguiu em cartaz com aquele espetáculo que descrevi no parágrafo anterior. 

Mas o Tato tinha em mente montar um show para avançar na sua carreira musical. Como ele era cantor, pianista e compositor, começou a ensaiar o seu show com o mesmo time de músicos que fazia a parte musical da peça, com Cido Trindade, incluso, na bateria e incorporou-se um tecladista, para que ele, Tato, pudesse ficar livre no palco, apenas a cantar e interpretar as canções. 
 
Por volta de outubro de 1979, o Cido procurou-me e quis saber se eu aceitaria ingressar nesse grupo de apoio, pois o Tato havia feito alguns shows e não estava contente com o baixista que estava na banda. No entanto, ele, Cido, fez uma ressalva: eu teria que fazer um teste. Não ofendi-me de forma alguma, pois eu sabia que ele mantinha um grau de desconfiança sobre o meu nível técnico e antes de indicar-me, desejou estar seguro para não sofrer nenhum constrangimento, caso eu não correspondesse a posteriori.
 
O Cido marcou comigo, portanto, para que eu fizesse um teste na sua residência em um dia de semana a tarde. Ao chegar lá, tocamos por meia hora, aproximadamente. Ele propôs vários ritmos, com andamentos diferentes, viradas e dinâmicas, para examinar as minhas possibilidades musicais. Pus-me a tocar, sem demonstrar insegurança e a dar o melhor de meu desempenho, no que eu poderia fornecer naquela altura com os meus parcos recursos. Ao final, a mostrar-se até surpreso, ele elogiou-me, ao dizer-me que eu havia evoluído muito e que por ele, estaria apto a fazer parte da banda, a faltar apenas comunicar o seu parecer ao Tato. 
Fiquei muito eufórico, pois o Cido conhecera-me como um aspirante a músico, e diga-se de passagem, terrivelmente ruim em 1977. Em 1978, sob título de ajuda fraternal, ele tocou em um show do "Bourréebach" (o "Boca do Céu", minha banda, com novo nome), e foi um desastre (não por culpa da banda em si, conforme eu já contei através do capítulo daquela banda em específico). Todavia, a má impressão foi inevitável. Aprovado pelo Tato, comecei a ensaiar, ao comparecer à residência dele para preparar as músicas de forma intensiva, só com ele, Tato, ao piano e também com outros ensaios com Sérgio Henriques (tecladista), e Cido Trindade, em paralelo.
A cidade de Cubatão-SP, ao pé da Serra do Mar, muito perto de Santos-SP

O último show com o baixista antigo, seria realizado em 28 de outubro de 1979, na cidade de Cubatão, litoral do estado de São Paulo. Nesse show, realizado em uma concha acústica ao ar livre em uma praça localizada na cidade de Cubatão, litoral de São Paulo, eu toquei, também. Sob a plena Era pré "van", o transporte típico desse tipo de produção, era a valorosa, Kombi. E assim descemos a serra no início da tarde, para chegarmos rapidamente à cidade de Cubatão. 
Naquela época e ainda por um bom tempo no futuro, Cubatão ostentava o vergonhoso título de cidade mais poluída do Brasil, por conta da presença das refinarias da Petrobrás, Cosipa e outras indústrias poluidoras. De fato, o ar era pesado e a fuligem formava uma névoa acinzentada, praticamente. Fizemos um breve lanche em um bar e dirigimo-nos então à Concha Acústica onde seria realizado o show. 

Na verdade, eu já sabia executar todas as músicas, mas tratava-se da despedida do baixista, Jonas Marins, e como o show foi dividido em duas partes, com um intervalo de dez minutos aproximadamente, houve um descanso. O convite surgiu naturalmente para tocar em Cubatão. O Tato queria que eu me entrosasse com a banda e naturalmente queria testar a minha desenvoltura antes da temporada que ocorreria em teatros, na capital, se iniciar. 
 
Sim, o baixista, Jonas Marins, sabia que eu tocaria no intervalo e que aquele seria o seu último show. A saída dele foi amigável e a minha participação nesse show de Cubatão foi encarada por ele, com muita naturalidade. A expectativa de minha parte foi ótima. Eu vinha de uma rotina marcada por poucos shows amadorísticos, fosse com o Boca do Céu, ou com o embrião do que tornar-se-ia o Língua de Trapo, a seguir. 
 
Eu estava acostumado a tocar sob condições precárias, a não ser em festivais estudantis sazonais até então e a contar com uma estrutura um pouco melhor. Nessa nova perspectiva, seria para tocar em temporadas feitas em teatro, com sistema de PA, iluminação, soundcheck exclusivo, divulgação... ou seja, pareceu um sonho para quem apenas iniciava uma caminhada na carreira...
Emerson/ Lake & Palmer na primeira foto e Genesis, na segunda, dois baluartes do Rock Progressivo britânico e setentista 

O esboço de um tema instrumental surgiu nesse improviso que fizemos no intervalo do show de Cubatão. Depois, no decorrer da turnê pelos Teatros, ele se desenvolveu e foi arranjado definitivamente.
 
O Sérgio Henriques tocava muito bem. Era muito bom a pilotar piano acústico, piano Fender Rhodes e órgão Farfisa, nos shows do Tato. Nesses termos eu me sentia a tocar com o super-trio: “Emerson/ Lake & Palmer” com ele e Cido Trindade... (claro, pela minha animação e não pelo som que fazíamos, exatamente).  
 
O Sérgio continha uma formação na escola do Prog-Rock, bem sólida. Falarei mais sobre ele neste capítulo e também bastante durante a narrativa sobre o grupo de Rock: “Terra no Asfalto” (banda cover em que tocamos logo após a nossa saída da banda de apoio do Tato, e que possui capítulos exclusivos a seguir, naturalmente).  
 
Contudo, com a minha entrada na banda de apoio ao Tato, resolvemos criar uma música instrumental para que a banda pudesse ter um momento só nosso no show, enquanto o Tato trocava de figurino no camarim, visto que a entrada do segundo ato, era "triunfal", porém, eu faço questão de contar sobre essa particularidade, posteriormente na narrativa. E nessa música que criamos, a inspiração foi o Prog-Rock. Tal tema recebeu o apelido carinhoso de: "Genesis" por que lembrava vagamente o estilo dessa banda britânica que adorávamos e dessa maneira, apreciávamos muito tocá-la.
Dali em diante, ao final do primeiro ato, o Tato chamou-me ao palco e nós tocamos esse tema, sob total improviso e este foi muito aplaudido, apesar de não ter sido um tipo de público Rocker, ali presente, exatamente, aliás muito pelo contrário, tratou-se de uma massa bem popular. 
 
Por falar nisso, havia cerca de seiscentas pessoas a nos assistir. Quebrado esse impacto inicial, senti-me apto para tocar com segurança nos shows, doravante e os colegas igualmente se mostraram seguros comigo no baixo. Eufórico, por que estava agendada uma série de shows para compor uma mini temporada a avançar pelos teatros de bairro, pertencentes à prefeitura de São Paulo. coloquei-me apto a atuar.
Aspecto interno do Teatro Martins Pena, localizado no bucólico bairro da Penha, na zona leste de São Paulo
 
A nossa primeira mini temporada seria iniciada no dia 6 de novembro de 1979, no Teatro Martins Pena, no centro do bairro da Penha, zona leste de São Paulo. 
 
E finalmente chegou o dia da estreia. Tocamos por cinco dias no Teatro Martins Pena. Esse teatro é um dos menores dos teatros municipais que a prefeitura de São Paulo possui, espalhados por vários bairros da cidade, mas a se mostrar muito aconchegante.
Tal equipamento cultural fica localizado no centro do bairro da Penha, que mais parece uma cidade do interior com ruas estreitas e com o comércio mais contundente, a deixar outros recantos do bairro para as áreas mais residenciais.
 
O Tato detinha bastante prestígio no meio teatral, por isso, ao usar os seus contatos, havia providenciado patrocínio para uma pequena divulgação. Nesse caso, tivemos cartazetes, filipetas (hoje em dia fala-se: "flyers" sobre tal tipo de peça publicitária), além de cartazes de rua, os chamados: "Lambe-lambe". 
 
Foi a primeira vez que eu estive em uma produção com uma divulgação assim. Na realidade, isso não representa nada demais, mas na minha percepção como um principiante na ocasião, eu me recordo que fiquei a me sentir como um vencedor, por ver cartazes de rua, quando andava a pé ou através de transporte público e a saber que naquele show anunciado, eu fazia parte como baixista. Nada mau para quem, três anos antes, sonhava em ser artista, mas sem saber tocar uma nota musical sequer.
Filipeta a anunciar a temporada de Tato Fischer & Banda no Teatro Martins Penna, entre 6 e 11 de novembro de 1979. Nota-se o "aportuguesamento" do termo inglês, "Show", reescrito como "Chou", e que gerou estranheza até na imprensa 

O primeiro show se realizou no dia 6 de novembro de 1979, uma quarta-feira. Houve treze pagantes presentes e o Tato ficou visivelmente irritado com esse resultado pífio. No meio teatral, ele estava acostumado a lotar teatros, mas na música, era um desconhecido praticamente, embora essa fosse a sua maior aspiração pessoal como artista. 
 
O repertório do espetáculo era mesclado por canções dele, algumas de seu irmão, Iso Fischer e alguns números de compositores famosos da MPB e até do Rock (lembro-me de: "While My Guitar Gently Weeps", dos Beatles, por exemplo). Ele cantava bem, sem dúvida, tanto que é professor de técnica vocal até hoje em dia e dominava o palco por ter experiência como ator e diretor, mas exagerava nas performances. Mais para frente, eu comentarei sobre esses exageros, o figurino incluso, e as reações do público, perante tais excessos. 
 
No press-release do espetáculo, o Tato fez questão de grafar a palavra: "show", de forma aportuguesada, ao mudá-la para, "Chou", conforme também apareceu nas filipetas e nos cartazes lambe-lambe. Portanto a gerar uma estranheza, para o bem e para o mal nas interpretações geradas a partir dessa atitude.
Nota publicada na Folha de São Paulo, a anunciar os shows de Tato Fischer no Teatro Martins Pena, em novembro de 1979 e a realçar o neologismo, "Chou", que chamara a atenção da imprensa.

Então, a estreia foi no dia 6 de novembro de 1979, com exatos treze pagantes na plateia. No dia seguinte, 7 de novembro de 1979, uma quarta, dezesseis pagantes nos viram a tocar. Lembro-me que no segundo dia, o Tato, indignado com o tímido público da noite anterior, foi distribuir filipetas na biblioteca anexa ao Teatro para reforçar a divulgação, e ali eu aprendi uma lição importante. 
 
Isso por que ele pediu-me ajuda para entregar as filipetas e quando estávamos no seu saguão, a bibliotecária chefe perguntou-nos como houvera sido a noite anterior e eu respondi-lhe, ingenuamente, que fora "fraca". O Tato ficou bravo comigo a posteriori e ao dar-me uma dura advertência ao dizer que eu jamais deveria falar a verdade sobre uma questão assim. -"para o artista, sempre foi maravilhoso... aprenda isso", ele falou com ênfase.
                 Os irmãos Fischer: Iso (esquerda) e Tato (direita)
 
No terceiro dia, quinta, 8 de novembro de 1979, vinte e três pessoas pagaram ingresso. Então, na sexta-feira, dia 9 de novembro de 1979, ficamos animados por ver se formar uma fila na bilheteria. Foram oitenta e nove pagantes e muito maior entusiasmo durante o show, com aplausos e assovios. 
 
No sábado, dia 10 de novembro de 1979, quando pensamos que iria chegar ao clímax, apenas cinquenta e cinco pagantes viram o show. E no domingo, dia 11 de novembro de 1979, dezessete pessoas pagaram ingressos. 
 
O show continha uma musicalidade interessante. As canções eram boas e o Tato tinha (tem) uma ótima voz e com técnica, visto ser professor de canto, entre outras atividades que desenvolve. Entretanto, os seus trejeitos cênicos eram exagerados em alguns momentos. Não foi por uma ou duas, mas várias vezes, que eu flagrei enquanto tocava, pessoas a debochar em determinadas partes onde ocorriam tais excessos. Por exemplo, de última hora, às vésperas da estreia, ele resolveu acrescentar uma música do Gilberto Gil, chamada: "Super-Homem, a Canção". Nesse número ele exagerava por motivos óbvios, para quem conhece o teor da letra dessa música. 

E a continuar a falar sobre os shows no Teatro Martins Pena, o ápice do excesso de sua parte dava-se na entrada do segundo ato. Enquanto ficávamos no palco a tocar o nosso tema instrumental sob inspiração Prog-Rock, Tato estava no camarim a se produzir, ao promover a mudança do visual para a primeira música do segundo ato do show. 
 
E então, quando acabávamos o nosso tema, o Cido Trindade dava início a uma chamada na caixa da bateria, a produzir uma batida de frevo. Essa era a deixa para começarmos a tocar e sob um ritmo carnavalesco, eis que o Tato rompia por uma armação de papelão que simulava uma porta, a rasgá-la literalmente e assim entrar a cantar, vestido como Carmem Miranda!
                       A "pequena notável", Carmen Miranda 

O Sérgio Henriques e a Celina Silva, sua esposa, chegaram a falar delicadamente para ele modificar essa entrada, pois tirava a seriedade do show, visto que as pessoas achavam graça nem tanto da fantasia e dos trejeitos a imitar a saudosa cantora & atriz, mas da entrada por uma armação preparada por ripas de madeira. 
 
Um fator seria ele rasgar um cenário e entrar em cena, triunfalmente na Broadway mediante um cenário grandioso, mas outra bem diferente foi aquela portinha cênica pequena e mal produzida. No entanto, teimoso e diretor de seu próprio show, ele não deu ouvidos aos dois e continuou a usar de tal artifício, todo dia, a provocar reações de deboche da parte de alguns setores do público. 
 
Infelizmente, devo dizer, pois detalhes assim depunham contra o seu espetáculo que era musicalmente bom. Se ao menos ele possuísse uma produção mais abonada, em que pudesse contar com efeitos cênicos melhor produzidos, seria diferente, mas sob tal circunstância, sem recursos, teria sido melhor apenas cantar, interpretar e fazer a misè-en-scène, visto que ele era (é) um ótimo cantor e intérprete.

No show do sábado, ele recebeu a visita de seus amigos do meio teatral. Finalmente alguém conhecido foi prestigiá-lo. Em conversa reservada, ele contou-nos que estava chateado com muitos amigos do meio teatral que haviam prometido prestigiar o espetáculo, mas simplesmente não apareceram. 
 
Hoje em dia eu o entendo perfeitamente nesse aspecto, pois é realmente duro constatar que na hora crucial, os amigos somem, a contrastar com o fato de que tendem a aborrecer-te em épocas onde você está sem perspectivas, por cobrar-lhe por shows, mas quando os convidamos enfim para um espetáculo que vamos realizar, eles simplesmente não aparecem. 
 
E nos tempos atuais, com as redes sociais, é muito comum verificar a presença das pessoas a lamentarem o fato de terem perdido o show do “último sábado”, sendo que estavam amplamente avisadas e estas, geralmente fazem parte daquele grupo que há meses cobrava-lhes uma apresentação...
A atriz, Rosi Campos, hoje famosa por suas boas atuações na TV, notadamente em seriados infantis importantes, realizados na TV Cultura e novelas da Rede Globo de Televisão 

O pessoal de teatro que visitou o show do Tato no sábado, não era famoso na época. Da turma do seu grupo, Vereda, lembro-me de ver posteriormente só a namorada do Cido Trindade a ascender na carreira, Silvana (não me recordo o seu sobrenome, mas desconfio ser "Campos"), que fez algumas novelas na TV Bandeirantes na década de oitenta e Rosi Campos, que demorou, mas solidificou carreira no teatro, cinema e nas TV's Cultura e Globo, onde ela já fez várias novelas com papéis de destaque. 
 
Aliás, lembro-me que a Rosi dividia apartamento com o Tato e como marcávamos ensaios às dez da manhã, sempre a acordávamos, infelizmente. Uma vez, ela até brigou com o Tato, por que chegara em casa quase ao amanhecer e convenhamos, acordar com música alta lhe soou bastante incômodo, naturalmente. Lembro-me dela a sair de seu quarto com a face toda amassada, despenteada e furiosa para protestar sobre o nosso ensaio. Quando a vejo atuar nas novelas da TV, sempre lembro-me dessa cena e fico contente por ver que ela alcançou o seu objetivo de vida ao solidificar-se na carreira de atriz.

A segunda semana com datas da mini temporada do show: "Começando Tudo Outra Vez" iniciou-se no Teatro Paulo Eiró. Esse teatro ficava (fica) localizado no bairro de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo e é bem maior, fisicamente, do que o Martins Pena. 
 
Sentimo-nos muito seguros, pois já vínhamos fortalecidos por seis shows seguidos no Teatro Martins Pena e esperançosos em atrairmos um público ainda melhor para esse outro teatro.
 
Fachada do Teatro Paulo Eiró, localizado no bairro de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo
 
Contudo, apesar do teatro mais estruturado, desta vez a semana foi um fiasco de público. Logo no primeiro dia, 14 de novembro de 1979, uma quarta-feira, tivemos fortes emoções. 
 
Primeiro na passagem de som, o Tato estava muito nervoso e por um motivo fútil qualquer, discutiu com o Cido Trindade. Essa discussão só não evoluiu para algo mais sério, porque o iluminador do show, Gil Carlos Teixeira (aliás, um excelente profissional que costumava iluminar as peças teatrais do Tato), veio avisar-nos que uma equipe de reportagem de TV havia chegado ao teatro. 
 
Eu e o Cido entreolhamo-nos e comemoramos. Apesar de todas as dificuldades, o Tato detinha o seu prestígio teatral e despertava interesse midiático espontâneo. A reportagem filmou-nos a tocar um pouco e entrevistou o Tato. 
 
Não vimos a reportagem, no entanto, pois esta foi ao ar no noticiário da TV Bandeirantes no mesmo dia, e não havia monitor de TV no teatro para assistirmos. Depois que a equipe de reportagem retirou-se, retomamos o soundcheck e aí a discussão entre Tato e Cido recomeçou e esquentou de vez. Ao ter uma crise nervosa, o Tato trancou-se no camarim e ali extravasou a sua ira momentânea. Quando estava quase na hora do show começar, ele deu uma ordem ao bilheteiro: -"devolva o dinheiro dos ingressos, pois o show de hoje está cancelado!"
No mesmo instante, eu fui avisado por um funcionário do teatro que um casal queria falar comigo. Eram os meus padrinhos & tios que foram me ver a tocar... enfim, eu falei com eles, pedi desculpas pela não realização do show, a justificar que o cantor tivera um mal súbito. 
 
E o bilheteiro disse-me a posteriori que havia devolvido todos os ingressos vendidos naquela noite, na realidade em um total de dois: para os meus tios! Passei vergonha pois eu queria muito me firmar como músico perante à minha família e logo nesse dia, mesmo não sendo minha culpa direta, tive esse fiasco vergonhoso.
 
Sinceramente não me lembro sobre o real motivo da discussão entre o Tato e o Cido Trindade. A minha memória recua apenas ao ponto de dizer que fora certamente por um motivo fútil. 
 
O Tato devia manter as suas expectativas, é claro, e deve ter sido duro para ele ter que se contentar com as migalhas do underground quando chegara tão perto do estrelato no mainstream, ao considerar-se que ele fora um quase membro dos "Secos & Molhados", conforme costumava alardear para nós da banda. 
 
Muitos anos depois, tornei-me amigo do Gerson Conrad, ex-componente dos Secos & Molhados e este falou-me que não foi bem assim a história, pois o Tato fizera apenas alguns ensaios com a banda, por volta de 1972, portanto antes do seu mega-estrelato alcançado em 1973. 
 
Foi preferível não ter acontecido o show, pois eu correria o risco de passar uma péssima impressão aos meus padrinhos nesse momento, a tocar em um teatro enorme, com apenas dois pagantes: eles mesmos.
E com certeza deporia contra a minha tentativa desesperada para me autoafirmar como artista perante a família. 
 
Os shows do Teatro Paulo Eiró foram muito piores em termos de público. O do dia 14 de novembro de 1979, foi cancelado como eu já narrei, mas os demais foram nesse mesmo ritmo desanimador. Dia 15 de novembro de 1979: nove pagantes, dia 16: vinte e cinco pagantes, dia 17: dezessete pagantes e no dia 18: quinze pagantes.
 
O Tato ficou muito chateado e claro, nós também, componentes do trio, pois o nosso pagamento dependia da movimentação da bilheteria e com esse resultado pífio, mal deu para se cobrir as despesas mínimas de transporte e manutenção do camarim. Contudo, ao perceber a nossa insatisfação, ele tentou preservar o nosso ânimo, ao nos falar dos três shows que faríamos no interior de São Paulo, quando haveria uma estrutura melhor, pois se dois deles seriam feitos por bilheteria, um já estava vendido com cachê fechado e garantiria as despesas da viagem, pagas e um razoável cachê para cada um de nós, a tornar os demais, uma opção como bônus, se obtivessem um bom resultado. 
 
Depois dessa etapa pelo interior, aproximar-se-ia a época de festas de dezembro, janeiro e fevereiro sempre fracas para agendar datas e talvez em março, alguma oportunidade aparecesse. Definitivamente, isso não interessou a nenhum de nós três. 
 
Nesse ínterim, o Sérgio Henriques já devia estar em negociação com a banda de Elis Regina, devido aos contatos de seu sogro, mas ele não nos revelou nada na época (medida mais do que acertada de sua parte, certamente). Nós apenas soubemos que ele foi mesmo tocar com a Elis Regina, quando ensaiávamos com o Terra no Asfalto (banda cover em que eu, Luiz, Cido, Sérgio e mais três elementos, formamos, assim que deixamos de acompanhar o Tato Fischer), ao final de dezembro de 1979, conforme eu relato no capítulo específico sobre essa banda.
Mas eu e o Cido precisávamos ganhar dinheiro. Eu acumulava o Língua de Trapo nessa fase, mas nem era o Língua de Trapo propriamente dito ainda, mas sim um proto-Língua de Trapo que nessa época apenas cumpria pequenas apresentações amadorísticas ou participações em festivais estudantis, como concorrente. 
 
Sim, já havia um clima de insatisfação da banda de apoio ao Tato em relação ao resultado financeiro pífio alcançado nas duas semanas ocorridas em teatros paulistanos. Mas estávamos acertados com o Tato verbalmente e não o deixaríamos sem apoio para os três shows do interior. 
 
Todavia, houve a perspectiva de obtermos um cachê bom, garantido em pelo menos um dos três shows marcados para cidades do interior. E como eu já disse também, esse trio não tinha perspectivas fora do trabalho com o Tato, até então. 
 
Somente no dia da reunião final com ele, Tato, foi que o Sergio Henriques nos comunicou o convite para unirmo-nos ao trio formado por Paulo Eugênio Lima, Geraldo “Gereba” e Wilson Canalonga Junior, quando formaríamos o embrião do grupo cover "Terra no Asfalto". Tal fato que relatarei adiante e também no início do capítulo sobre essa banda, que nasceu dessa junção de dois trios distintos. 
 
No caso do Sergio Henriques, no fundo ele sabia que aqueles meses seriam de espera e portanto, ele seguiu a tocar resignadamente com o Tato e posteriormente com o Terra no Asfalto, apenas no aguardo para um salto grande na sua carreira.
Partimos então para os três shows no interior. Seriam dois shows na cidade de Penápolis-SP e um em Araçatuba-SP. Penápolis era a cidade natal do Tato e a sua família tinha prestígio local. Não sei ao certo, mas parece que o seu pai houvera sido prefeito e várias vezes vereador naquele município. 
 
Portanto, o show vendido seria realizado no Clube Atlético Penapolense, que detinha uma boa estrutura em suas dependências sócio-esportivas e inclusive mantinha o seu time de futebol profissional para representar a cidade (no ano de 2011, este clube venceu a 3ª divisão do campeonato paulista e disputou a 2ª divisão estadual, em 2012).
 
Chegamos nessa cidade um dia antes e assim pudemos descansar da longa viagem (cerca de quatrocentos e oitenta km distante de São Paulo). O primeiro show no entanto, foi marcado para o Teatro Municipal da cidade, no dia 23 de novembro de 1979. 
 
O Teatro Municipal de Penápolis ficava instalado em um casarão antigo, adaptado como espaço cultural. Com um palco bem apertado, a performance do Tato ficou prejudicada, pois toda a sua movimentação cênica ficou bem restrita. Mesmo assim, o show foi muito bom e a lotação foi total, com trezentos e cinquenta pessoas presentes. O equipamento de som que usamos foi alugado por uma banda de bailes local. 
 
Achávamos que seria um fiasco aquela noite, pois minutos antes do show começar, caiu uma chuva torrencial. Entretanto, mesmo com a tempestade violenta, o povo veio em peso e a renda, enfim, redundou em um cachê excelente. Enquanto o espetáculo transcorria no palco, ouvíamos o som dos raios & trovões contundentes, e a temermos inclusive por queda de energia, que não ocorreu, ainda bem.
O escudo do glorioso "CAP", Clube Atlético Penapolense, cuja sede social nós usamos para apresentar um dos shows na cidade de Penápolis-SP

No dia seguinte, teríamos o show no Clube Atlético Penapolense (CAP). Esse show, sim, teve cachê fixo, que cobriu toda a viagem e portanto rendeu uma boa soma de dinheiro. Dessa maneira, a féria boa da noite anterior fora um bônus. 
 
A sede social do clube era bem grande e sob um palco imenso, usamos todo o equipamento da banda de bailes que apoiou a produção do Tato. Lembro do Sérgio a se deleitar com um piano Fender Rhodes 88, além de usar também um órgão Farfisa, Arp-Strings e Mini-Moog. Foi uma noite de Rick Wakeman para ele...
O tecladista britânico, Rick Wakeman, em foto do encarte de seu primeiro disco solo, lançado em 1973. Típico tecladista da seara do Rock Progressivo setentista, cercado por teclados, como se apresentava ao vivo e certamente um super músico, com sólida formação erudita

O show foi frio, no entanto, muito diferente da plateia calorosa do show realizado na noite anterior, no Teatro. O Tato disse-nos que já esperava a frieza dessa plateia, pois se tratara da burguesia de cidade e eles costumavam se portar de forma blasé em qualquer show, inclusive com a presença de artistas de médio porte do mainstream. 
 
Nessa noite, após o show, o Tato teve um pequeno entrevero familiar e isso refletir-se-ia no dia seguinte, quando viajaríamos para o terceiro show, em Araçatuba, alguns km adiante de Penápolis. Nesse show do CAP, houve a presença de cerca de seiscentas pessoas presentes. A maioria com atitude blasé em relação ao espetáculo, mas pelo menos no aspecto financeiro, este show fez com que a mini turnê interiorana tenha valido a pena.
Ficamos hospedados na casa da família do Tato. Fomos muito bem recebidos por seus familiares, com a típica hospitalidade interiorana, com direito à tradicional fartura na mesa. No dia seguinte, tínhamos que seguir para Araçatuba, mas o Tato não havia dormido na casa de sua família, por ter tido um conflito no camarim do CAP, na noite anterior.
Acordamos, almoçamos e aguardamos um pouco. O pai do Tato o localizou e foi buscá-lo. Visivelmente tenso, ele entrou no carro do seu pai e nós seguimos em outro. Um caminhão baú da banda de bailes que ofertou-nos suporte com o equipamento nas noites anteriores, também seguiu em comboio conosco. 
 
Foi efêmero esse momento, mas pela primeira vez na vida, eu me senti a fazer parte de uma turnê, ao viajar com uma estrutura digna. Todavia, como eu já disse, nem foi possível sonhar muito, pois foi fugaz, naquele instante. 
 
Chegamos em Araçatuba e infelizmente, quando estacionamos na porta do teatro, vimos o Tato sair do carro onde viajara e abruptamente sair a andar depressa, ao dobrar a esquina e sumir de nossa visão. Naturalmente ele deve ter ido durante a viagem, a discutir com os seus familiares e irritara-se. 
 
Nesse momento, eu (Luiz), Cido e Sérgio, além da Celina, esposa do Sérgio, resignamo-nos, pois conhecíamos o temperamento dele e não nos preocupamos, pois sabíamos que ele cumpriria o compromisso, apesar da explosão nervosa momentânea. 
 
Enquanto os roadies da banda de bailes que nos deram o suporte, técnico, montavam o PA e o backline do palco, eu aproveitei para visitar parentes que eu tinha (tenho) naquela cidade. No horário combinado para a realização do soundcheck, eu saí da casa de meus tios e caminhei tranquilamente até o teatro, que era perto dali. 
 
O Tato apareceu em cima da hora e estava tenso. O show aconteceu, mas essa tensão, aliado ao som que não estava nada bom naquela noite, fez com que o show fosse frio, com pouca interação com o público.
Uma foto bem mais atual do Teatro Intec de Araçatuba-SP, onde fizemos o último show da temporada com o Tato, em novembro de 1979

No dia 25 de novembro de 1979, compareceu ao Teatro Intec (acho que era uma sigla, a representar um sindicato de alguma categoria trabalhista), cerca de duzentas pessoas. Haviam cadeiras vazias, pois não lotou inteiramente o auditório. 
 
Dali, voltamos à Penápolis e pernoitamos na casa da família do Tato. Ele ficou na cidade para passar uns dias, mas a banda (e Celina Silva), voltou para São Paulo na segunda-feira, após o almoço. 
 
Não era a minha banda autoral, não era o nosso equipamento... mas a sensação de viajar para tocar foi indescritível. Não fora a primeira viagem, tampouco. Eu já tinha ido com a banda para Cubatão-SP, que foi uma viagem curta, sem equipamento e só para tocar um pouco.  
 
Mas claro que foi muito boa essa sensação de viajar para Araçatuba com essa estrutura, visto que para Penápolis, nós fomos até lá através de um ônibus comercial e só com os nossos instrumentos pessoais em mãos (na verdade, só o meu baixo e as peças de praxe da bateria do Cido Trindade, visto que o Sergio não teria como levar o seu piano elétrico, tampouco o órgão Farfisa).

A perspectiva após esse show seria de haver um hiato de oportunidades, bem grande. O Tato só tinha alguma esperança de sinalizar com algo concreto para depois de março de 1980, e ao levar-se em conta que o bom cachê recebido no interior fora uma exceção e não a regra, ficou inviável para o trio de músicos, eu incluso, prosseguir com ele. 
 
O Tato sabia da nossa insatisfação e a vontade de deixar de acompanhá-lo, porém não teve contra-argumentos, infelizmente, para todo mundo, devo acrescentar. Dessa forma, marcamos uma reunião para o dia 10 de dezembro de 1979, uma segunda-feira. Por volta das dezenove horas fomos à casa dele e só formalizamos a nossa saída. Ele ficou um pouco tenso, mas não havia como nos segurar mais, sem perspectivas para nos oferecer cachês, pois se os shows do interior renderam, os dos teatros na capital houveram sido deficitários. 
 
Ao sairmos da residência do Tato, Sérgio Henriques nos conduziu a um bar na mesma rua, aonde estava a nos esperar um sujeito chamado: Paulo Eugênio Lima, um vocalista de bandas cover a atuar pela noite paulistana, com as quais já haviam trabalhado juntos, e este nos fez a proposta para nos unirmos a ele e dois guitarristas, seus amigos, para tocarmos em uma festa de final de ano em uma empresa de engenharia. 
 
O cachê oferecido foi bom e o repertório que os engenheiros queriam que tocássemos, teria que ser formado somente por canções dos Beatles. Daqui em diante, esteja convidado a ler desde o início os capítulos sobre a banda: "Terra no Asfalto", que nasceu nessa singela reunião, na qual tal narrativa prossegue, deste ponto.
                        Tato Fischer em foto bem mais atual

A encerrar este capítulo sobre a minha participação como músico da banda do Tato Fischer, como não se tratava do nosso trabalho, não houve um apego tão grande na hora da ruptura. Ele ficou inviável financeiramente e não tivemos como continuar a apoiá-lo, simples assim. 
 
Claro, pela pessoa de bem que o Tato era (é), e também pelo trabalho artístico dele que era muito bom, ficamos chateados, pois ele fora muito correto conosco e nos deu apoio, mas não tivemos o que fazer mesmo, por tais razões já mencionadas antes. 
 
Eu ainda tocaria com ele, Tato, em 1980, mas sob circunstâncias diferentes, pois ele cruzaria o caminho do Terra no Asfalto, como músico convidado, a tocar piano e cantar. Nos capítulos sobre essa banda, eu contarei tudo.
Aqui, está encerrado o capítulo sobre o meu trabalho com a banda de apoio ao Tato Fischer. Deixo aqui, o link do site do Tato Fischer, para quem quiser conhecer seu trabalho como cantor, compositor, pianista, ator, diretor de teatro, professor de canto e ilusionista:

www.tatofischer.com.br/
 
 
Daqui em diante, siga a ler mais histórias de meus trabalhos avulsos na música. O próximo capítulo fala sobre a tensão familiar que eu tive nessa época, entre o fim de 1979, e início de 1980, ao me obrigar a fazer mais trabalhos avulsos em paralelo aos esforços para atuar com trabalhos autorais 

Continua...   

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