No entanto, houve uma nova quebra nessa dinâmica, e no capítulo do Terra no Asfalto, conto o por que da parada forçada. Cabe aqui dizer que nesses dois meses em que ficamos parados, dois dos membros dessa banda, Paulo Eugênio Lima e Wilson Canalonga Junior estavam resignados por esperar a banda voltar, mas eu e Cido Trindade não podíamos darmo-nos a esse luxo, e sendo assim, resolvemos montar de uma maneira emergencial, uma banda cover para tocar MPB pela noite paulistana, nesses meses de hiato forçado do Terra no Asfalto.
Lembrei-me então do Pitico Freitas, que apesar de ser Rocker, sabia tocar bastante MPB, e precisava ganhar um dinheiro rápido, também.
Porém, como nenhum de nós cantava o suficiente para suprir tal função, resolvemos fazer contatos, a visar providenciarmos um vocalista.
Eu liguei a seguir para o guitarrista, Lizoel Costa, que mantinha um enorme cadastro pessoal com músicos de qualquer especialidade, e para qualquer estilo de música, e ele indicou-nos alguns cantores e cantoras. Entrevistamos alguns, inclusive uma cantora, mas nenhum possuía o perfil que queríamos. Então, o Pitico teve uma uma indicação de um amigo, sobre uma garota que era "meio hippie", e que cantava e tocava flauta.
A garota se chamava: Vilma, e parecia determinada a trabalhar. Fizemos um teste mínimo, e a aceitamos sem uma avaliação mais apurada. Como estávamos necessitados e sob a pressa acentuada para resolver tal situação de carência, assim que arrumamos um local para tocar, marcamos logo a primeira data, sem ensaiar mesmo. Eu, Luiz e Pitico Freitas fizemos várias anotações com a harmonia de clássicos da MPB, e lá fomos nós tocar, sem ensaiar...
Como a Vilma estava muito insegura, resolvemos fazer a primeira apresentação, que fora um teste, com o reforço do vocalista do Língua de Trapo e irmão do Pitico, o Pituco Freitas, este comprovadamente um grande cantor, sob o título de ajuda fraternal. Essa apresentação ocorreu no Bar Chez Bernard, um bar dirigido e frequentado por franceses, bem elegante, no dia 17 de julho de 1981. Foi uma apresentação curta, mas razoável, ao considerar-se a falta de ensaios.
Mas toda essa pressa não serviu para nada, pois o Chez Bernard não aceitou-nos, por que a direção da casa esperava por um som intimista na linha da MPB "lounge", e ao contrário, o que lhes apresentamos com um Power-Trio Rocker, mesmo ao esforçarmo-nos para conter o volume e a pegada, naquele bar isso fora demasiado barulhento para os seus padrões, e certamente perturbamos as "dez" pessoas que estiveram ali presentes naquela noite.
E assim, só fomos
arrumar um emprego, quase um mês depois, em um restaurante grego, localizado no bairro
de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, e chamado: "Delfos".
A Vilma não era nenhuma grande cantora. Pelo contrário, tinha muito pouco alcance vocal, e se não se ouvisse bem, tendia a desafinar. Não desafinava grotescamente, mas sempre ficava aquém ou além do tom correto, meio "coma" pelo menos, a causar uma pequena estranheza.
Claro, uma
sutileza dessas passava um tanto quanto despercebida para o público leigo, mas um
ouvido mais lapidado percebia, e não havia como ela superar essa
deficiência com o equipamento de PA precário que a casa nos fornecera.
E o mesmo se sucedia com a flauta. Não sendo uma grande flautista, mas ainda apenas uma estudante do instrumento, ela fazia solos com várias notas fora da harmonia, por falta de conhecimento teórico das regras do campo harmônico, ou na maior parte das vezes, por não ouvir-se direito.
A primeira apresentação no restaurante Delfos, foi no dia 14 de agosto de 1981. Houve cerca de sessenta
pessoas presentes no recinto, e pior que um bar, tocar em restaurante
foi uma experiência terrível, no sentido de conviver com a ausência
absoluta de atenção da plateia.
Desde a primeira apresentação, o gerente atormentou-nos com a questão do volume. Chegava a ser cômico vê-lo a fazer-nos sinais para diminuir, mesmo que na realidade, estivéssemos em patamares de baixo volume, constrangedores, principalmente para o Cido Trindade. Devo acrescentar que tocar bateria nessa circunstância, é uma tortura para qualquer baterista.
Mesmo por nos considerar "barulhentos", fomos contratados para tocar de forma fixa, às sexta e sábados.
A Vilma era mediana a cantar, mas tinha as suas qualidades, também.
A coragem que tinha ao mergulhar de cabeça, sem medo, foi positiva. Ela não intimidava-se e cantava e tocava flauta a dar o seu melhor, com firmeza, sem inibir-se pelas reações gélidas de uma plateia indiferente, portanto intimidadora.
Nem mesmo o neurastênico gerente da casa e a sua obsessão pelo volume, inibia-a em seus arroubos de soltar a voz em interpretações mais ousadas, a buscar notas mais agudas.
O som era cheio de improvisos. Em dados momentos, músicas como "Odara" e "Fé Cega, Faca Amolada", ficavam enormes, com o Pitico a executar solos bem Rockers, e sob forte tendência setentista, ou seja, a mostrarem-se gigantescos.
Além de divertirmo-nos
um pouco, foi uma forma também para estender o repertório que era pequeno e
como a banda fora apenas um caça-níqueis sem plano de continuidade, não
havia previsão de ensaios, muito menos predisposição para tal.
Tocamos também nos dias 21, 22, 28 e 29 de agosto de 1981.
O menor público nesse restaurante, foi no dia 21, com vinte pessoas presentes, e o maior, no dia 29, com cento e cinquenta pessoas.
O nome, "Quarteto Toulon",
foi sugestão do Cido Trindade, mas sinceramente, não me lembro sobre o motivo.
Deve ter sido pela sonoridade da palavra, e não por alguma ligação direta com a
cidade francesa, homônima.
Mas antes dessa escolha, o apelido interno da banda foi: "Quarteto Qualquer Nota", por referir-se ao caráter relaxado de uma banda que tocava sem ensaiar, e errava bastante ao vivo.
Nunca mais eu tive notícias da Vilma, depois que o "Quarteto Toulon" desmanchou-se, após a última apresentação no restaurante, Delfos. Alguns dias depois, o
Terra no Asfalto estaria reunido novamente, e assim foi a breve história
de mais um trabalho avulso que eu fiz.
Debruçado sobre o piano, a prestar atenção no que o tecladista, César Camargo Mariano tocava, Sérgio Henriques, com Elis Regina sentada ao lado, o trompetista, Farias, atrás a observar e o baixista, Luizão Maia (a usar barba e com mão no bolso), também na observação
O Sérgio Henriques
(tecladista com o qual toquei na banda de apoio de Tato Fischer, e
também como membro do Terra no Asfalto), fez a turnê: "Saudade do
Brasil", a atuar como segundo tecladista da banda de apoio de Elis
Regina.
Depois que acabou essa temporada, ele teve
férias e chegou a tocar conosco na volta do Terra no Asfalto, ao final
de 1980, mas logo deixou-nos novamente, por ir tocar na turnê do LP "Lança
Perfume", da Rita Lee. Encerrada essa turnê, voltou a ensaiar com a Elis, desta feita para tocar na nova turnê, chamada: "Trem Azul".
E assim que a turnê começou em São Paulo, o Sérgio sinalizou que poderíamos assistir, desde que não fosse nos dias mais concorridos, sexta, sábado e domingo. Assim fomos, em uma quarta-feira.
O Sérgio apareceu na
porta para cumprimentar-nos e liberou quatro ingressos, eu (Luiz
Domingues), Cido Trindade, Pitico Freitas, e a Vilma, fomos ver o show
da Elis naquela noite (não lembro-me da data correta, infelizmente).
Subitamente, surgiu uma limusine preta e enorme, típica norte-americana, e naquela época era raro ver uma dessas a circular. Hoje em dia, está banal pelas ruas das cidades brasileiras, são vistas muitas pelas vias, mas naquela época, chamava muito a atenção.
Nesse momento, desceu dela um motorista negro e alto,
com um uniforme impecável, azul, com os botões da casaca, dourados, quepe
e luvas brancas. A multidão parou para ver aquela pompa & circunstância ali apresentada, e assim, a conversa parou nas várias rodas formadas pelas pessoas.
Nós quatro, os hippies deslocados em meio àquela plateia burguesa, formada por homens engravatados e senhoras no uso de vestidos longos, e casacos de pele, enfim, ficamos sob um ataque de risos intermitente.
Passada essa comoção subserviente, o público "plebeu" entrou na casa, e só depois os "hippiezinhos", ou seja, a última "casta" ali, puderam entrar.
Tratou-se de
uma casa nova de shows em São Paulo, filial do Canecão do Rio de
Janeiro. Infelizmente, esse "Canecão" paulistano não prosperou, e poucos
meses depois, fechou as portas. Talvez por se
localizar na zona norte, onde não havia tradição de casas noturnas
naquela época. Hoje em dia, a zona norte de São Paulo está lotada por
casas noturnas, para todo o tipo de eventos e gostos musicais, mas naquela época,
as casas que lotavam, ficavam mesmo situadas nas zonas sul e oeste.
O Sérgio estava bem alegre, e chamou-nos para participar da "alegria", onde o pessoal da banda estava reunido a buscá-la, em um recanto longe dos camarins. Lembro do pessoal dos sopros: Bocato, Bangla, Farias e Garfunkel, em meio à essa confraternização.
O show foi impecável. O repertório mesclara clássicos do repertório da Elis, com as músicas do novo LP, "Trem Azul".
O tecladista, César Camargo Mariano não estava a atuar com a banda, pois havia brigado com a Elis. Menos de seis meses depois, ela faleceria, e nas imagens do sepultamento, o Sérgio Henriques e a sua então esposa, Celina Silva, apareceram nas cenas das reportagens televisivas em destaque, muito abalados. Até hoje, quando faz-se retrospectiva da morte da Elis, essas imagens passam com a presença marcante do casal, nas cenas capturadas do funeral de Elis Regina.
Em 2008 ou 2009, não lembro-me ao certo, a Rede Globo fez um especial da Elis, a mesclar imagens reais e dramaturgia. Nas partes reais, a Celina Silva prestou vários depoimentos para falar sobre a sua ligação com essa artista.
Assim foi a noite em que o efêmero "Quarteto Toulon" foi ver a grande Diva da MPB, Elis Regina! Abaixo, um vídeo de um trecho do show da Elis dessa turnê, infelizmente derradeira para ela:
A intensidade é quase de show de Rock, com os músicos a tocarem com pegada e virtuosismo.
Continua...
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