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domingo, 1 de março de 2015

Trabalhos Avulsos - Capítulo 8 - Quarteto Toulon e as Noites Gregas - Por Luiz Domingues

Nos meses subsequentes, logo após essa tentativa para se montar um trio orientado pelo Jazz-Rock, com as participações de Pitico Freitas, e José Luiz Dinola, o "Terra no Asfalto" (minha banda cover de então) voltou às suas atividades, após um período de hiato, e firmou-se de tal forma, que supriu as minhas necessidades financeiras imediatas, ao fazer com que eu parasse de aceitar outros convites. Eu havia saído do Língua de Trapo em minha primeira passagem, e essa calmaria com o Terra no Asfalto, duraria até a o metade de 1981.

No entanto, houve uma nova quebra nessa dinâmica, e no capítulo do Terra no Asfalto, conto o por que da parada forçada. Cabe aqui dizer que nesses dois meses em que ficamos parados, dois dos membros dessa banda, Paulo Eugênio Lima e Wilson Canalonga Junior estavam resignados por esperar a banda voltar, mas eu e Cido Trindade não podíamos darmo-nos a esse luxo, e sendo assim, resolvemos montar de uma maneira emergencial, uma banda cover para tocar MPB pela noite paulistana, nesses meses de hiato forçado do Terra no Asfalto.

Lembrei-me então do Pitico Freitas, que apesar de ser Rocker, sabia tocar bastante MPB, e precisava ganhar um dinheiro rápido, também.
Porém, como nenhum de nós cantava o suficiente para suprir tal função, resolvemos fazer contatos, a visar providenciarmos um vocalista.


Eu liguei a seguir para o guitarrista, Lizoel Costa, que mantinha um enorme cadastro pessoal com músicos de qualquer especialidade, e para qualquer estilo de música, e ele indicou-nos alguns cantores e cantoras. Entrevistamos alguns, inclusive uma cantora, mas nenhum possuía o perfil que queríamos. Então, o Pitico teve uma uma indicação de um amigo, sobre uma garota que era "meio hippie", e que cantava e tocava flauta.

A garota se chamava: Vilma, e parecia determinada a trabalhar. Fizemos um teste mínimo, e a aceitamos sem uma avaliação mais apurada. Como estávamos necessitados e sob a pressa acentuada para resolver tal situação de carência, assim que arrumamos um local para tocar, marcamos logo a primeira data, sem ensaiar mesmo. Eu, Luiz e Pitico Freitas fizemos várias anotações com a harmonia de clássicos da MPB, e lá fomos nós tocar, sem ensaiar...

Como a Vilma estava muito insegura, resolvemos fazer a primeira apresentação, que fora um teste, com o reforço do vocalista do Língua de Trapo e irmão do Pitico, o Pituco Freitas, este comprovadamente um grande cantor, sob o título de ajuda fraternal. Essa apresentação ocorreu no Bar Chez Bernard, um bar dirigido e frequentado por franceses, bem elegante, no dia 17 de julho de 1981. Foi uma apresentação curta, mas razoável, ao considerar-se a falta de ensaios.

Mas toda essa pressa não serviu para nada, pois o Chez Bernard não aceitou-nos, por que a direção da casa esperava por um som intimista na linha da MPB "lounge", e ao contrário, o que lhes apresentamos com um Power-Trio Rocker, mesmo ao esforçarmo-nos para conter o volume e a pegada, naquele bar isso fora demasiado barulhento para os seus padrões, e certamente perturbamos as "dez" pessoas que estiveram ali presentes naquela noite. 

E assim, só fomos arrumar um emprego, quase um mês depois, em um restaurante grego, localizado no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, e chamado: "Delfos".

A Vilma não era nenhuma grande cantora. Pelo contrário, tinha muito pouco alcance vocal, e se não se ouvisse bem, tendia a desafinar. Não desafinava grotescamente, mas sempre ficava aquém ou além do tom correto, meio "coma" pelo menos, a causar uma pequena estranheza. 

Claro, uma sutileza dessas passava um tanto quanto despercebida para o público leigo, mas um ouvido mais lapidado percebia, e não havia como ela superar essa deficiência com o equipamento de PA precário que a casa nos fornecera.

E o mesmo se sucedia com a flauta. Não sendo uma grande flautista, mas ainda apenas uma estudante do instrumento, ela fazia solos com várias notas fora da harmonia, por falta de conhecimento teórico das regras do campo harmônico, ou na maior parte das vezes, por não ouvir-se direito. 

A primeira apresentação no restaurante Delfos, foi no dia 14 de agosto de 1981. Houve cerca de sessenta pessoas presentes no recinto, e pior que um bar, tocar em restaurante foi uma experiência terrível, no sentido de conviver com a ausência absoluta de atenção da plateia.

A cada final de música, o silêncio revelava-se constrangedor em relação à banda, e só era quebrado pelo movimento dos garçons e pelas pessoas a conversarem nas mesas.

Desde a primeira apresentação, o gerente atormentou-nos com a questão do volume. Chegava a ser cômico vê-lo a fazer-nos sinais para diminuir, mesmo que na realidade, estivéssemos em patamares de baixo volume, constrangedores, principalmente para o Cido Trindade. Devo acrescentar que tocar bateria nessa circunstância, é uma tortura para qualquer baterista. 

Mesmo por nos considerar "barulhentos", fomos contratados para tocar de forma fixa, às sexta e sábados.


E assim, prosseguimos a apresentarmo-nos. No dia seguinte, dia 15 de agosto de 1981, tocamos para mais gente. Cerca de cento e vinte pessoas jantaram a ouvir a nossa MPB, cheia de pegada Rocker.

A Vilma era mediana a cantar, mas tinha as suas qualidades, também.
A coragem que tinha ao mergulhar de cabeça, sem medo, foi positiva. Ela não intimidava-se e cantava e tocava flauta a dar o seu melhor, com firmeza, sem inibir-se pelas reações gélidas de uma plateia indiferente, portanto intimidadora.


Nem mesmo o neurastênico gerente da casa e a sua obsessão pelo volume, inibia-a em seus arroubos de soltar a voz em interpretações mais ousadas, a buscar notas mais agudas. 

O som era cheio de improvisos. Em dados momentos, músicas como "Odara" e "Fé Cega, Faca Amolada", ficavam enormes, com o Pitico a executar solos bem Rockers, e sob forte tendência setentista, ou seja, a mostrarem-se gigantescos.

Além de divertirmo-nos um pouco, foi uma forma também para  estender o repertório que era pequeno e como a banda fora apenas um caça-níqueis sem plano de continuidade, não havia previsão de ensaios, muito menos predisposição para tal.

Tocamos também nos dias 21, 22, 28 e 29 de agosto de 1981.
O menor público nesse restaurante, foi no dia 21, com vinte pessoas presentes, e o maior, no dia 29, com cento e cinquenta pessoas. 

O nome, "Quarteto Toulon", foi sugestão do Cido Trindade, mas sinceramente, não me lembro sobre o motivo. Deve ter sido pela sonoridade da palavra, e não por alguma ligação direta com a cidade francesa, homônima.

Mas antes dessa escolha, o apelido interno da banda foi: "Quarteto Qualquer Nota", por referir-se ao caráter relaxado de uma banda que tocava sem ensaiar, e errava bastante ao vivo.

Nunca mais eu tive notícias da Vilma, depois que o "Quarteto Toulon" desmanchou-se, após a última apresentação no restaurante, Delfos. Alguns dias depois, o Terra no Asfalto estaria reunido novamente, e assim foi a breve história de mais um trabalho avulso que eu fiz.

Cabe acrescentar no entanto, uma história paralela, mas que tem a ver com este capítulo também, e que ocorreu nessa época do "Quarteto Toulon".

Debruçado sobre o piano, a prestar atenção no que o tecladista, César Camargo Mariano tocava, Sérgio Henriques, com Elis Regina sentada ao lado, o trompetista, Farias, atrás a observar e o baixista, Luizão Maia (a usar barba e com mão no bolso), também na observação

O Sérgio Henriques (tecladista com o qual toquei na banda de apoio de Tato Fischer, e também como membro do Terra no Asfalto), fez a turnê: "Saudade do Brasil", a atuar como segundo tecladista da banda de apoio de Elis Regina. 

Depois que acabou essa temporada, ele teve férias e chegou a tocar conosco na volta do Terra no Asfalto, ao final de 1980, mas logo deixou-nos novamente, por ir tocar na turnê do LP "Lança Perfume", da Rita Lee. Encerrada essa turnê, voltou a ensaiar com a Elis, desta feita para tocar na nova turnê, chamada: "Trem Azul".

E assim que a turnê começou em São Paulo, o Sérgio sinalizou que poderíamos assistir, desde que não fosse nos dias mais concorridos, sexta, sábado e domingo. Assim fomos, em uma quarta-feira.

O Sérgio apareceu na porta para cumprimentar-nos e liberou quatro ingressos, eu (Luiz Domingues), Cido Trindade, Pitico Freitas, e a Vilma, fomos ver o show da Elis naquela noite (não lembro-me da data correta, infelizmente).

Apesar de ter sido uma quarta-feira, e com a presença do frio, o público esteve enorme. Fomos orientados pelo Sérgio a deixar todo o fluxo de pagantes entrar, e só depois irmos à bilheteria para anunciar os nossos nomes e apanharmos os convites de cortesia. Mas enquanto o público entrava, aconteceu um momento cinematográfico, do qual jamais esquecer-me-ei...

Subitamente, surgiu uma limusine preta e enorme, típica norte-americana, e naquela época era raro ver uma dessas a circular. Hoje em dia, está banal pelas ruas das cidades brasileiras, são vistas muitas pelas vias, mas naquela época, chamava muito a atenção. 

Nesse momento, desceu dela um motorista negro e alto, com um uniforme impecável, azul, com os botões da casaca, dourados, quepe e luvas brancas. A multidão parou para ver aquela pompa & circunstância ali apresentada, e assim, a conversa parou nas várias rodas formadas pelas pessoas.

Foi quando o motorista abriu a porta traseira, e saíram do carro: Caetano Veloso (de mãos dadas com Sonia Braga), e Gilberto Gil com sua nova esposa, Flora. Nesse instante, a reação das pessoas no entorno, foi ridícula! As pessoas em uníssono, soltaram um grito onomatopaico: "Ooohh"... para em seguida abrir o caminho para que os dois casais famosos entrassem com muita pompa, no ambiente do show.

Nós quatro, os hippies deslocados em meio àquela plateia burguesa, formada por homens engravatados e senhoras no uso de vestidos longos, e casacos de pele, enfim, ficamos sob um ataque de risos intermitente. 

Passada essa comoção subserviente, o público "plebeu" entrou na casa, e só depois os "hippiezinhos", ou seja, a última "casta" ali, puderam entrar. 

Tratou-se de uma casa nova de shows em São Paulo, filial do Canecão do Rio de Janeiro. Infelizmente, esse "Canecão" paulistano não prosperou, e poucos meses depois, fechou as portas. Talvez por se localizar na zona norte, onde não havia tradição de casas noturnas naquela época. Hoje em dia, a zona norte de São Paulo está lotada por casas noturnas, para todo o tipo de eventos e gostos musicais, mas naquela época, as casas que lotavam, ficavam mesmo situadas nas zonas sul e oeste.

O Sérgio estava bem alegre, e chamou-nos para participar da "alegria", onde o pessoal da banda estava reunido a buscá-la, em um recanto longe dos camarins. Lembro do pessoal dos sopros: Bocato, Bangla, Farias e Garfunkel, em meio à essa confraternização. 

O show foi impecável. O repertório mesclara clássicos do repertório da Elis, com as músicas do novo LP, "Trem Azul".

Posso afirmar que apesar de ser um show de uma cantora da MPB, a sonoridade detinha quase uma pegada de Rock, com um peso contundente e arranjos ousados, cheios de momentos de virtuosismo instrumental. Gostei muito do som do baixo produzido pelo extraordinário baixista, Luizão Maia. Ele extraía um som aveludado do seu Fender Precision, e tocava demais, com um swing "mezzo jazzistico, mezzo Soul", além das brasilidades óbvias, das quais ele era mestre.

O tecladista, César Camargo Mariano não estava a atuar com a banda, pois havia brigado com a Elis. Menos de seis meses depois, ela faleceria, e nas imagens do sepultamento, o Sérgio Henriques e a sua então esposa, Celina Silva, apareceram nas cenas das reportagens televisivas em destaque, muito abalados. Até hoje, quando faz-se retrospectiva da morte da Elis, essas imagens passam com a presença marcante do casal, nas cenas capturadas do funeral de Elis Regina.

Em 2008 ou 2009, não lembro-me ao certo, a Rede Globo fez um especial da Elis, a mesclar imagens reais e dramaturgia. Nas partes reais, a Celina Silva prestou vários depoimentos para falar sobre a sua ligação com essa artista. 

Assim foi a noite em que o efêmero "Quarteto Toulon" foi ver a grande Diva da MPB, Elis Regina! Abaixo, um vídeo de um trecho do show da Elis dessa turnê, infelizmente derradeira para ela:

Não é exatamente do dia em que fomos, mas dá uma ideia do que vimos. Dá para ver bem o Sérgio Henriques aos teclados.
A intensidade é quase de show de Rock, com os músicos a tocarem com pegada e virtuosismo.

O meu próximo trabalho avulso, foi mais uma outra tentativa para formar uma banda com teor instrumental e fechada no Jazz-Rock, e desta feita, sendo absolutamente insípido o esforço, e mesmo que não tenha sido culpa de ninguém em específico, simplesmente não aconteceu como esperávamos...

Continua...

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