Sem dúvida alguma, o segundo semestre de 1990, transcorreu-me com
agenda lotada, conforme estou a descrever. Além de ter sido um
período onde eu acumulara três projetos, ao dividir-me em ensaios distintos
("Lynx", do guitarrista, Flávio Gutok, "Pinha's Band" e "Projeto
Rock'n' Roll", do guitarrista, Luiz Fernando), eis que recebi também um convite muito bom para auxiliar na
produção de uma banda de um aluno meu, que entraria em estúdio para
gravar uma fita demo.
Ainda ao final de 1990, tive mais dois convites,
que logo mais revelarei, também, mas nessas duas ocorrências adicionais, como músico.
O caso desse convite
para atuar como produtor, foi o seguinte: eu tinha um aluno
chamado: Marcelo Dias, que era da minha primeira turma de alunos, surgida
entre 1987 e 1988. Ele era apelidado como Marcelinho "Carioca", por ser
natural do estado do Rio (era de Volta Redonda, no interior), portanto,
deveria ser "Marcelinho fluminense", mas enfim, Marcelinho "Carioca"
foi um excelente aluno, e pessoa de um caráter fantástico, um tremendo músico,
cheio de sonhos com a carreira que queria construir etc. e tal.
Em 1988, ele comunicou-me que
a sua banda, chamada:"Êxito", teria agendado uma data para atuar no Teatro Elis
Regina, na cidade de São Bernardo do Campo-SP, na região do ABC paulista.
Marcelinho era radicado
desde criança naquela cidade, e a banda era formada também por colegas que
moravam lá. O som do "Êxito", era forjado por um Hard-Rock pesado. Tinham muita influência
setentista, mas o som que produziam não era explicitamente retrô.
Porém, era bem tocado,
pois além dele ser um excelente baixista, na verdade, um dos meus melhores alunos à
época, os outros músicos eram do mesmo nível dele. Mas evidentemente, por não
serem conhecidos ainda, de nada adiantava-lhes ter a data no teatro,
pois não tinham perspectivas para arregimentar um grande público, se atuassem isoladamente.
"A Chave" (sem Sol...), na formação 1988/1989, e que apresentou-se com o "Êxito", no Teatro Elis Regina de São Bernardo do Campo-SP, em agosto de 1989
Diante
disso, os rapazes propuseram-me que "A Chave" (naquela fase sem o Sol...),
fosse headliner, com o "Êxito" a executar a abertura, e nós ficaríamos com a
maior porcentagem da bilheteria. Foi certamente um convite
irrecusável. Apesar de ser uma fase terminal da minha então banda, nós fizemos o
show e foi um sucesso de público, o que proporcionou uma excelente renda,
e o "Êxito" saiu recompensado por tocar em um teatro lotado.
Após algum tempo, o Marcelinho disse-me que a banda estava por ser reformulada, e o vocalista, Fernando Nova (na foto ao lado, e que culminou a ficar famoso no meio Hard-Rock paulista, nos anos 1990, por outros trabalhos posteriores em que participou), havia saído do grupo, e com ele fora, os remanescentes estavam a mudar o novo trabalho autoral, baseado em 100% no Rock Progressivo setentista. Mais ou menos em julho de 1990, eles convidaram-me a produzir uma demo que gravariam em um estúdio de Santo André-SP, cidade vizinha de São Bernardo do Campo. Para tanto, eu lhes disse que aceitava, claro, e pedi para assistir um ensaio e conhecer as músicas.
Fui então
assistir um ensaio deles na casa do baterista, Fernando Loia, em São
Bernardo do Campo. Fiquei encantado com o som que estavam a praticar. Era
um trabalho puramente centrado no Prog-Rock setentista, com músicas longas, preenchidas com climas incríveis,
diversas convenções complexas, suítes, vocalizações, e com os
instrumentistas a realizarem arranjos individuais muito elaborados, bem na
tradição desse gênero.
Tal predisposição veio de encontro às minhas
epifanias, que
haviam começado a retumbar fortemente dentro de minha percepção, desde meados de
1988, e que acompanhar-me-iam durante a década de noventa inteira, a culminar no
projeto Sidharta, e na sua posterior fusão com A Patrulha do Espaço, mas essa
história em particular, é contada nos capítulos dessas duas bandas pelas quais eu fui membro,
certamente.
Essa visita
ao ensaio dos rapazes ocorreu em um domingo, e haviam muitas pessoas presentes. Parentes e amigos
dos membros da banda, lotavam a garagem aberta, que despertava também a
atenção de vizinhos e transeuntes. De certa forma, lembrou-me os
ensaios da minha primeira banda, o "Boca do Céu", em 1977, quando eram
realizados na minha residência e tornaram-se, verdadeiros happenings hippies,
conforme eu já descrevi nos capítulos daquela banda.
E para descontrair, além
das músicas que pretendiam gravar, eles tocaram vários clássicos do Rock
Progressivo, incluso uma versão de "Firth or Fifth", do Genesis, que
chegou a impressionar-me, pela perfeição, e não importou-me em nada o
fato do equipamento do qual dispunham, ter sido precário.
Fiquei muito
entusiasmado pelo nível da banda, que ao executar Rock Progressivo, era
muito melhor que a formação Hard-Rock, "mezzo" oitentista, que eu conhecera em
1989, como: Êxito".
E assim, ficou estabelecido que encontrar-nos-íamos no
estúdio designado, em uma segunda-feira, às 20:00 horas. Seriam cinco sessões de quatro
horas para gravar e mixar o material todo. Para um padrão de Demo-Tape,
um tempo apenas razoável, mas teríamos que cumprir o horário, pois foi a
quantidade de sessões que o bolso deles permitira.
Então, entre os dias 16 e 20 de julho de 1990, estive com os meninos do
"Aura", diariamente no estúdio "Phonovox", situado no elegante bairro
Jardim, da cidade de Santo André-SP.
Esse estúdio encontrava-se situado na rua paralela de
onde localizava-se um outro estúdio muito mais categorizado na época,
chamado: "Camerati". Coincidência pura, exatamente dez anos depois, eu estaria no
Camerati, para gravar o álbum, "Chronophagia", da Patrulha do Espaço.
O ótimo tecladista, Mauro Cannalonga, em foto bem mais atual.
O
estúdio Phonovox trabalhava com oito canais, e era um bom estúdio para bandas
iniciantes e descapitalizadas poderem gravar fitas Demo com qualidade
razoável. O técnico & dono do estabelecimento, se chamava: Zé Renato e era bastante competente e
objetivo, conhecia bem o seu equipamento e a sala de gravação, por saber
extrair o máximo de qualidade possível.
O Aura estava bem ensaiado, e os
rapazes super motivados, portanto, foi um prazer acompanhar as gravações e
poder dar a minha colaboração, mesmo não sendo um "expert" com
conhecimentos de áudio o suficiente para ser conclamado como um
"produtor", propriamente dito.
Levei um amigo para acompanhar o trabalho, e ser
uma espécie de assistente de produção. O meu amigo, José Fazano, esteve
comigo em todos os dias no Phonovox. Ele tinha muito menos experiência do
que eu, mas como gostava muito do som do "Aura", pois conhecia o
Marcelinho Carioca ao frequentar as minhas aulas no período de 1987/1988, conhecia o Êxito" e a sua
metamorfose em "Aura".
O Zé Fazano se tornou útil, com opiniões boas
durante o processo. A gravação foi no ritmo de demo-tape, com a base a ser
gravada ao vivo, sem muitas tomadas. A sorte, foi que os rapazes eram
competentes e sérios, portanto estavam muito bem ensaiados e cônscios de
que não poderiam desperdiçar tempo nesse processo. Ao tocar com muita
atenção, foram objetivos, e terminaram rápido as bases da gravação.
O excelente baterista, Fernando Loia, em foto bem mais atual
O mesmo processo repetiu-se durante as sessões de overdubs de solos de guitarra e teclados,
e posteriormente com os vocais.
A mixagem também foi tranquila, com o Zé Renato
sendo muito solícito nos meus pedidos para equalizar e timbrar. Os meninos
saíram satisfeitos com o produto final, e para uma demo-tape, com pouca
condição financeira, o resultado ficou bom, eu acredito.
Com essa Demo-Tape,
os rapazes do "Aura" conseguiram abrir as portas que esperavam, pois no ano seguinte, já estavam
a seguir o caminho para gravar um LP, desta feita ao mudar o nome da
banda para: "Via Lumini", como ficaram mais conhecidos entre o
público "Progger", nos anos noventa.
A formação do Aura nessa demo foi:
Marcelo "Carioca" Dias - Baixo e
vocal
Fernando Loia - Bateria
Cézar Pacca - Guitarra
Mauro Cannalonga -
Teclados
Edilson "Nenê" Rodrigues - Vocal e violão.
As músicas da demo
foram:
Lado 1:
1) Gaia
2) Poesia para gente jovem
3) Sonho Ruim
(Planeta Resto)
Lado 2:
1) Semente
2) Luz do Horizonte
O vocalista,
Edilson "Nenê" Rodrigues, não tinha um vocal potente. A sua emissão vocal
era miúda, mais a assemelhar-se a um cantor de Bossa Nova. Contudo, a sua
contribuição para a banda foi enorme, com composições, letras e ideias
boas de arranjos.
Segundo disseram-me, a ideia seria que ele atingisse um vocal
ao estilo do Flávio Venturini, quase um falsete, em suas intervenções com O
"Terço" e "14-Bis". E além do mais, ele tocava um violão interessante, ao imprimir uma
pitada MPB no trabalho, que certamente conferia ao Aura, uma
particularidade a mais para ser enaltecida.
Quanto aos demais, estavam
afiados, e com ótimas participações no trabalho. Tenho uma cópia desse
trabalho, em fita K7, que vou digitalizar em breve. Não pretendo lançar
nada no YouTube, todavia, pois trata-se de um trabalho alheio, no qual
a minha participação foi externa. Sendo assim, não me acho no direito de
passar por cima da vontade dos artistas, embora a banda tenha deixado de
existir, há muitos anos.
Foi a primeira oportunidade que eu tive para atuar
como produtor de um trabalho no qual não estive envolvido como músico,
diretamente, e diverti-me muito nessa função, fora o prazer por observar uma
ótima banda jovem a dar os seus primeiros passos na carreira.
Por sorte,
com um trabalho baseado em uma estética artística super agradável, que eu
adoro, e pelo momento em si, que me fez um bem extraordinário, pois eu estava finalmente
a enxergar a década de oitenta terminar, e assim, a minha esperança por
dias melhores para o Rock, a se renovar.
Quando o Aura fechou contrato, e
foi gravar o LP como, "Via Lumini" (sob uma terceira troca de nome, portanto), eu sabia que procurariam um produtor
profissional, com maior conhecimento de áudio etc. e tal, mas nutri
esperança de que chamar-me-iam para acompanhar as sessões, mesmo que na condição de um visitante, apenas.
Isso não ocorreu, e confesso que fiquei um pouco
chateado, mas esse melindre meu não teve razão de ser, eu reconheço e logo
dissipou-se. Acompanhei a distância o desenvolvimento deles, li algumas
resenhas boas que saíram publicadas na mídia especializada, anúncios de shows e a
gravação do segundo álbum do grupo.
Soube da mudança de vocalistas, com a
entrada do excelente, João Kurk (foto acima, ex-vocalista do ótimo grupo setentista: "Terreno Baldio") etc.
Infelizmente, a
banda lançou-se em uma época difícil, e em um país avesso ao gênero. Se
estivessem na Itália ou no Japão, seriam reverenciados, mas no Brasil,
monoliticamente subserviente ao manifesto punk de 1977, é muito difícil
vencer essa barreira.
Vi pela última vez o vocalista, Edilson Rodrigues, que era
extremamente inteligente e gentil, naquela época da gravação da demo. O
guitarrista, Cézar Pacca, esteve em minha residência para uma visita,
acompanhado de Fernando e Marcelinho, em dezembro de 1991, onde contaram-me as novidades boas sobre o então rebatizado, "Via Lumini".
O Marcelinho
Carioca chegou a assistir um show da Patrulha do Espaço em 2002, em uma
casa noturna em São Bernardo do Campo, e na época da minha atuação com o Pedra, fez contato
comigo, pois estava a gerir um selo próprio, e cogitou lançar um CD
dessa banda. Soube que também tocava na noite do ABC, com um "Van Halen" cover.
Formação do "Irmandade do Blues", com Fernado Loia. Ele é o primeiro à esquerda, na fila mais alta
O baterista, Fernando Loia, algum tempo depois tornou-se um músico muito requisitado no meio do Blues e tem sido assim até hoje. Ele toca no "Irmandade do Blues" uma banda muito bem conceituada no meio do Blues brasileiro, e eu cheguei a vê-lo em ação ao ar livre, em um evento que acontecia no saguão de lounge do Centro Cultural São Paulo, chamado: "Terça Blues". Tal projeto costumava lotar absurdamente, e em uma dessas edições, em 1998, o vi a apresentar-se.
O baterista, Fernando Loia, algum tempo depois tornou-se um músico muito requisitado no meio do Blues e tem sido assim até hoje. Ele toca no "Irmandade do Blues" uma banda muito bem conceituada no meio do Blues brasileiro, e eu cheguei a vê-lo em ação ao ar livre, em um evento que acontecia no saguão de lounge do Centro Cultural São Paulo, chamado: "Terça Blues". Tal projeto costumava lotar absurdamente, e em uma dessas edições, em 1998, o vi a apresentar-se.
E o tecladista, Mauro Cannalonga, é muito requisitado no
mundo dos covers. Toca de tudo pela noite, e principalmente em bandas
tributo para grandes estrelas internacionais do Hard-Rock e Prog-Rock setentista.
Lembro-me dele a tocar com a banda cover
do Deep Purple, do vocalista, Abdalla Kilsam, onde Xando Zupo e Ivan Scartezini
do "Pedra", chegaram a tocar, também.
Essa foi a minha participação como
produtor da fita demo do Aura, pré-história do ótimo, Via Lumini. Acrescento que não pensei em tornar-me produtor, pois um produtor de
verdade, precisa ter domínio completo de estúdio.
Ali eu fui apenas um
músico mais vivido do que eles, a ajudar. Contudo, confesso que foi uma
tremenda experiência prazerosa estar envolvido como produtor de um
trabalho, no qual eu não estava a atuar como músico.
Foi muito diferente opinar ao não ser a sua banda, sua música, ou seu instrumento.
Essa isenção foi muito interessante para buscar o melhor para a banda, sem
considerar interesses pessoais. Em tese, como produtor, busca-se o melhor para a
banda e não para um músico em específico, fator comum entre egos
inflados, e momento crítico, quando muitas bandas geralmente brigam e
dissolvem-se.
Eu teria mais duas experiências como
produtor de estúdio com outras bandas, em que não fui componente e no
momento oportuno da cronologia, comentarei a respeito.
O próximo capítulo dos Trabalhos Avulsos, trata de uma experiência sui generis, pois mesmo sendo avesso ao Heavy-Metal, desde sempre, eu fui convidado a substituir um amigo que adoecera para efetuar um show de sua banda orientada pelo dito: "Metal extremo", "Thrash-Metal" ou seja lá do que se tratava aquele trabalho...
Continua...
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