O meu próximo trabalho avulso que eu fiz, foi hilário!
O baterista, Luis “Bola”, que estava a ingressar na minha banda cover ("Terra no Asfalto", leia tudo sobre tal banda nos seus capítulos respectivos), cumpria vários trabalhos paralelos no mundo mais popularesco da música para sustentar-se, pois o trabalho com a banda autoral que ele mantinha com o guitarrista, Fernando “Mu” e o baixista, Roatã Duprat (este, filho do maestro, Rogério Duprat), não rendia o suficiente, a despeito da sua excelência musical, e naquele momento, com o “Mu” a tocar na banda de apoio à peça teatral, Calabar (de autoria de Chico Buarque), praticamente a nossa banda entrara em suspensão momentânea.
O baterista, Luis “Bola”, que estava a ingressar na minha banda cover ("Terra no Asfalto", leia tudo sobre tal banda nos seus capítulos respectivos), cumpria vários trabalhos paralelos no mundo mais popularesco da música para sustentar-se, pois o trabalho com a banda autoral que ele mantinha com o guitarrista, Fernando “Mu” e o baixista, Roatã Duprat (este, filho do maestro, Rogério Duprat), não rendia o suficiente, a despeito da sua excelência musical, e naquele momento, com o “Mu” a tocar na banda de apoio à peça teatral, Calabar (de autoria de Chico Buarque), praticamente a nossa banda entrara em suspensão momentânea.
Então, através de uma oportunidade surgida em abril
de 1980, ele convidou-me e ao Geraldo “Gereba” (o outro guitarrista do Terra no
Asfalto), para acompanharmos uma cantora popular chamada: Cinthia, no seu show a
ser realizado em um salão suburbano na cidade de Carapicuíba, na grande São
Paulo.
Com a decadência do Terra no Asfalto, após a saída de Mu e Cido
Trindade, e o pré-Língua de Trapo ainda em fase amadorística (leia os
capítulos sobre o Língua de Trapo com os relatos dessa fase), não pensei duas
vezes em aceitar o convite, mesmo por que, o cachê oferecido foi bom (mil
cruzeiros na época, o que eu sinceramente não saberia mensurar na condição
monetária de hoje em dia).
Com tudo acertado, o combinado foi encontrarmo-nos na residência da cantora ao meio-dia, aprendermos as músicas e por volta das seis da tarde, uma
Kombi alugada pelo seu empresário levar-nos-ia ao local do show.
A Cinthia era uma cantora surgida algum tempo depois do final da
Jovem Guarda, mas avançara na carreira, a gravar e aparecer bem na mídia
popular, em programas de TV, tais como: Bolinha, Silvio Santos, Raul Gil etc. O seu grande
sucesso radiofônico ainda ao final dos anos setenta houvera sido a canção: “De Mulher
para Mulher”. Ela era casada com o Dino, da dupla Deny & Dino, esse sim, mais
famoso e egresso da Jovem Guarda.
Chegamos ao apartamento do casal, no horário
combinado. Eu (Luiz Domingues), Luis “Bola” e Geraldo “Gereba”. O Gereba usou um violão do Dino
e nós anotamos as harmonias das músicas. Foram oito ou dez canções. Cerca de
cinco do repertório dela e as demais, "covers". Lembro-me de:
"Casinha Branca" e uma canção d'As Frenéticas ("Perigosa").
O Dino
e a Cinthia foram muito simpáticos conosco, como anfitriões. Aprendemos as músicas de uma forma muito improvisada, pois no mundo
popular da música o procedimento pareceu ser assim mesmo como uma praxe, visto que o casal mostrara
normalidade diante de um procedimento que para nós denotava algo muito equivocado.
Pareceu uma bizarrice aprender as músicas daquela forma precária, não ensaiar e tocar ao vivo na mesma noite. Mas foi o que
aconteceu, infelizmente. Durante a nossa estada na residência do casal, o
Gereba mal disfarçara que se encantara pelos dotes físicos da cantora, apesar
dela ser casada e o marido estar ali na sala de estar, a observar tudo!
Ocorre
que o Gereba era um “Casanova” incorrigível e se havia uma questão que
o desnorteava, era ver uma bela mulher. Sendo inconveniente, ele várias vezes
falou entre os dentes, ao se virar para o Bola e eu, sobre as suas impressões sobre o corpo
da moça, a nos causar o embaraço de quase o casal perceber. Então, superado esse constrangimento, fomos
para a casa do Bola, descansar e esperar a Kombi da produção.
Na segunda foto, o magistral baterista, Bill Bruford, em 1974, a tocar com o King Crimson
O Luis Bola possuía uma bateria “Tama” com
dois bumbos, quatro tons, dois surdos e uma infinidade de pratos de excelente
qualidade. O seu Kit era para tocar Rock Progressivo, sem dúvida alguma.
Mas qual não foi a minha surpresa quando
ele a desmontou e eu notei que ele planejava levá-la inteira para o show!
Perguntei-lhe se tal intenção não seria um enorme
exagero para acompanhar uma cantora com um repertório popularesco, no palco de um salão de
subúrbio, todavia, a sua resposta me calou: -“se o som não seria o que sonhávamos tocar
e ganhar a vida, que pelo menos ele o divertisse”. E acrescentou que faria
"viradas de Bill Bruford" nas canções prosaicas da Cinthia...
Chegamos ao salão e percebemos que tal estabelecimento ficava
muito próximo do quartel do exército, em Quitaúna, um bairro daquela cidade e
onde todo recruta temia ser designado, pois a fama daquele QG do exército
era o de ser um dos mais ásperos de toda a corporação. E ao entrarmos, já
verificamos que o grosso do público era formado por soldados do exército em dia
de folga e completamente dispostos a arrumar confusão.
Bandas cover locais tocavam
antes do show principal. Eram medonhas até para o padrão baixo nível do mundo
popularesco. Nesta altura, eu já questionava se os mil cruzeiros prometidos estariam
a valer mesmo a pena.
E o Gereba, alheio a esses percalços,
começou a beber, ao perceber que o dono do salão o tratava como a uma grande
estrela, afinal, éramos a banda da Cinthia, uma artista com penetração em emissoras de rádio AM e programas populares da TV.
Na hora do show, eis que subimos ao
palco e uma saraivada de provocações dos soldados, completamente bêbados, começou. Eu e o Bola
com visual de Rockers e aquela Tama imensa, enfim!
Porém tudo dissipou-se quando a Cinthia
entrou em cena, com uma roupa provocante e a usar de trejeitos sensuais semelhantes ao da
sua contemporânea, Gretchen e assim, moça bonita que era, enlouqueceu os soldados que urravam com aquela
lascividade ali exercida por ela.
Tocamos uma, duas, tocamos a canção d'As Frenéticas, quando subitamente, o Gereba
começou a errar a harmonia das canções. Quando percebemos, ele já estava completamente
bêbado e na sua loucura, passou a flertar abertamente com a cantora, que pôs-se a ficar nervosa. Ela anunciava a próxima música e o Gereba,
transtornado, perguntava-me: -“como é mesmo essa aí? Ah, pode crer”...
O show azedou, com vários erros crassos cometidos por ele e a cantora só a fulminá-lo com seus olhares de ódio, por sentir-se envergonhada por conta dos seus erros medonhos de harmonia, irremediavelmente
a arruinar o seu show.
Ele por sua vez, bêbado e lânguido com ela, interpretava
os seus olhares como correspondência aos seus anseios cafajestes. Foi hilário, mas
a se provar trágico na hora, é claro!
Lembro-me dela a tentar disfarçar o mal-estar,
ao falar com o público, mas o Gereba por sua vez estava muito embriagado e só
queria saber do seu corpo. Então ela se virava para o Gereba após
anunciar a próxima música e dizia: -"maestro, vamos"... e ele respondia-lhe com gracejos...
O clima ficou insuportável e a faltar
ainda uma ou duas músicas para o encerramento, ela decidiu antecipar o final do
espetáculo, ao despedir-se do público e sair furiosa do palco, a xingar o
Gereba. No meio daquela zoeira, com mais de quinhentos soldados a urrarem, ainda
assim conseguíamos ouvir os seus gritos vindos do camarim, a exigir que o seu empresário
não nos pagasse etc. e tal.
Não tiro a razão dela, pois o Gereba agiu mal ao embriagar-se
e sobretudo por ter sido inconveniente, mas na verdade, estava tudo errado, desde o começo, pois
esse esquema insano de preparar as músicas ao meio dia, para tocar a meia noite, por
mais simples que fossem, fora lamentável.
Ten Years After, a visceral banda britânica de Blues-Rock
Mas aí aconteceu algo muito insólito, que salvou a nossa noite. Como se estivesse por adivinhar, eis que o Luis Bola divertiu-se, conforme prenunciara ao transportar a sua enorme bateria sofisticada. Pois eis que o dono do salão, desesperado por ver o clima tenso com a saída dela do palco, de forma repentina e em contraste com o publico enlouquecido, ocorreu que ele nos pediu para tocarmos qualquer música na esperança do ânimo acalmar-se e não haver brigas no seu estabelecimento.
Mas aí aconteceu algo muito insólito, que salvou a nossa noite. Como se estivesse por adivinhar, eis que o Luis Bola divertiu-se, conforme prenunciara ao transportar a sua enorme bateria sofisticada. Pois eis que o dono do salão, desesperado por ver o clima tenso com a saída dela do palco, de forma repentina e em contraste com o publico enlouquecido, ocorreu que ele nos pediu para tocarmos qualquer música na esperança do ânimo acalmar-se e não haver brigas no seu estabelecimento.
O Gereba, mesmo
bêbado, foi esperto e tocou de imediato: "I'm Goin' Home" tema emblemático do grupo de Blues-Rock, “Ten Years After”,
que ele executava à perfeição. Ele começou o solo, e eu e o Luis Bola fomos juntos, sem
pestanejar. Temíamos que um Rock vigoroso naquele lugar e com
aquele público, pudesse até piorar as coisas, mas os soldadinhos enlouqueceram
completamente!
E dali em diante, fomos a emendar músicas dos Beatles, Led Zeppelin,
Grand Funk, enfim, tudo o que eu e o Gereba tocávamos normalmente com o Terra no
Asfalto, incluso sons dos Novos Baianos, a sua especialidade, e assim, salvamos a noite. No final, o empresário veio nos pagar, a demonstrar ter se esquecido de todo o mal-estar e ao dizer-nos que a cantora fora temperamental (cabe a ressalva
que nesse aspecto ela teve razão de ter se irritado conosco, faço a mea
culpa, embora a situação tenha sido causada pelo Gereba, que se excedeu), e dessa forma, ele chamar-nos-ia outras vezes para acompanhá-la etc. e tal.
E para ficar mais engraçado
ainda o inusitado desfecho dessa noitada: o dono do salão estava eufórico e veio nos dizer que contratar-nos-ia para
uma apresentação solo, pois fomos considerados a melhor banda que já tocara
ali. Bem, ao considerar-se o nível de músicos que ali tocavam, acho que ele
teve razão.
E para agradar-nos mais, nos ofereceu comida e
mais bebidas. Foi quando o Gereba sucumbiu de vez e algo mais bizarro ainda, aconteceu!
Em sinal de "gratidão", o proprietário da casa noturna afirmou
ter providenciado para nós, "lindas garotas" para alegrar o nosso final de madrugada. Quando
chegamos ao camarim, com todo o respeito que todo o Ser Humano merece,
realmente o conceito do sujeito sobre beleza feminina, era muito diferente do
nosso. Eu e o Bola agradecemos e a alegarmos que deveríamos voltar imediatamente para São Paulo, nós fugimos para a Kombi! Mas o Gereba,
bêbado como estava, resolveu aceitar a "gentil oferta" e ficou com
três moças com padrão de beleza aprovadas pelo dono do salão, digamos assim.
E dessa forma transcorreu o meu segundo trabalho paralelo, realizado no dia 22 de abril de 1980, em um salão cujo nome não lembro-me e infelizmente não anotei, perante um público formado por aproximadamente quinhentas pessoas presentes.
E dessa forma transcorreu o meu segundo trabalho paralelo, realizado no dia 22 de abril de 1980, em um salão cujo nome não lembro-me e infelizmente não anotei, perante um público formado por aproximadamente quinhentas pessoas presentes.
Nunca mais acompanhamos a Cinthia, depois dessa noite. Ela mataria o Gereba, a esganá-lo, se
pudesse, eu acredito. Não sei o que foi pior, se o fato dele ter ficado bêbado e assim errar
demais a harmonia das músicas (e dessa forma constrangê-la no show perante o público), ou se
pela paquera de baixo nível que lhe impingiu...
E sem dúvida, há uma predisposição que eu abomino como
músico: tocar com bêbados e/ou junkies (pior ainda se nas duas condições ao
mesmo tempo).
Essa história do Gereba não foi a primeira, tampouco a última vez
em que passei vergonha por conta de colegas irresponsáveis que se drogaram ou se embriagaram antes de subirem ao palco.
Em relação à pressão do
público, é verdade... os milicos só queriam se divertirem. Quanto às promessas do
dono do salão, nunca retornamos ao estabelecimento. Não teria o menor cabimento agendar um show em uma
espelunca obscura daquelas, com aquela ambientação popularesca de baixo nível. E recusar
as "beldades" ali presentes foi uma questão de sobrevivência, eu acredito.
Tocamos por cerca de quarenta e cinco minutos,
talvez um pouco mais, depois que o show da Cinthia, encerrou-se prematuramente.
Voltamos imediatamente para São Paulo com os instrumentos e equipamentos, eu (Luiz), Luis Bola, e
o motorista da Kombi. O Gereba ficou no salão por sua conta. Acreditávamos que quando
ele acordasse, com a ressaca e ao lado daquelas mulheres ao seu redor... bem, nem queríamos
pensar na sua reação!
Como agravante ainda a estar em algum lugar de Carapicuíba. Ele deve ter
tomado dois ou três ônibus para voltar para a sua casa. E a história ainda fica mais hilária se eu
contar que o Gereba apareceu no dia seguinte e feliz da vida! Ele adorou a noitada e não se arrependeu
nem um pouco.
Não houve nenhuma brincadeira, pois o
Gereba era um rapaz muito simples. Ele certamente não entenderia o teor de
nossas brincadeiras e poderia até se ofender. E diante desse desfecho,
convenci-me de que tem gosto para tudo neste mundo.
Para encerrar essa história, só resta
acrescentar que a Cinthia se tornou uma radialista de sucesso, há muitos anos.
Encerrada essa etapa, no próximo capítulo dos meus "Trabalhos Avulsos", vou contar uma história ainda mais hilária do que essa aventura popularesca, ocorrida em um salão de periferia. A próxima história aconteceu sob um ambiente diametralmente oposto, em meio a um desfile de moda, com muitas modelos bonitas em um ambiente sofisticado, mas o artista que eu acompanhei...
Encerrada essa etapa, no próximo capítulo dos meus "Trabalhos Avulsos", vou contar uma história ainda mais hilária do que essa aventura popularesca, ocorrida em um salão de periferia. A próxima história aconteceu sob um ambiente diametralmente oposto, em meio a um desfile de moda, com muitas modelos bonitas em um ambiente sofisticado, mas o artista que eu acompanhei...
Continua...
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